Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169487/08.3YIPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: RECURSO ORDINÁRIO
IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
FACTOS RELEVANTES
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 771º, ALS. B) E G) DO CPC.
Sumário: a) A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

b) A nulidade da decisão com fundamento na contradição intrínseca só se verifica no caso de falta de coerência com as respectivas premissas de facto e de direito.

c) O incumprimento pelo recorrente do ónus de indicar as passagens do registo da prova em que se funda ou de proceder à respectiva transcrição importa a irremissível rejeição, nessa parte, do recurso, não sendo admissível convidá-lo a aperfeiçoar a sua alegação.

d) O recurso extraordinário de revisão comporta-se como verdadeira acção com um duplo objectivo: o primeiro é o de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente – juízo rescidente; o segundo é o de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da acção – juízo rescisório.

e) Os factos controvertidos relevantes para a decisão do recurso de revisão que tenha por fundamento a falsidade de um depoimento – rectius, para a decisão da fase rescidente desse recurso – segundo a única solução plausível da questão de direito, i.e., segundo o único enquadramento possível do objecto daquele recurso – são apenas estes: que o depoimento prestado no processo de que emanou a sentença a rever é falso; que essa prova falsa foi causa determinante dessa sentença; que não se discutiu, naquele processo, a matéria da falsidade daquela prova.

f) Só no caso de o tribunal concluir pela anulação do caso julgado e da respectiva decisão é que se abre o chamado juízo rescisório, no qual o tribunal reconstitui a decisão anulada, seguindo o recurso para a causa ser novamente instruída e julgada, retomando-se o processo a partir do momento em que ocorreu o fundamento de revisão invocado, com aproveitamento da parte dele que aquele fundamento não tenha prejudicado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

R…, Lda., interpôs, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra o Banco A…, SA, recurso extraordinário de revisão, pedindo que, nos termos e para os efeitos da alínea g) do artº 771 do Código de Processo Civil, se não se considerem provadas as alíneas F) e G) dos factos dados como provados - na sentença proferida na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que correu termos sob o nº … - e não se tendo feito prova do capital em dívida, a sua absolvição do pedido.

Alegou, como fundamento do recurso, que no âmbito do processo de injunção que correu termos, sob o nº …, no 3º Juízo do mesmo tribunal, as testemunhas do recorrido haverem declarado que este não lhe enviava os extractos da conta corrente caucionada, limitando-se e enviar os extractos da conta à ordem, pelo que, por o recorrido não ter feito prova do capital em dívida, foi absolvida do pedido, que, no âmbito do processo de injunção que correu termos sob o nº …, as mesmas testemunhas terem declarado precisamente o contrário, pelo que foi condenada a pagar ao recorrido a quantia de € 17.151,68, acrescida de juros de mora de 4%, desde 17 de Junho de 2006 a 29 de Maio de 2008, num total de € 1.340,18, e que o recorrido nunca lhe enviou o extracto da conta corrente caucionada, que não faz prova do capital em dívida nem do valor de € 18.203,53, dado que o valor máximo contratado foi de apenas € 9.975,96.

O recorrido, asseverou, na resposta, que o recurso carece de fundamento, e, naturalmente, concluiu pela improcedência dele.

Dispensada a fixação da base instrutória, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com registo pelo sistema de gravação Habilus dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, no terminus da qual se decidiu, sem reclamação, a matéria de facto.

A sentença final - com fundamento em que não está demonstrada a falsidade do depoimento prestado por essa testemunha antes e apenas que o Tribunal valorou de forma diferente o seu depoimento, não se sabendo em qual dos processo mentiu ou sequer se mentiu – julgou o recurso improcedente.

É esta decisão que a recorrente impugna no recurso ordinário de apelação no qual pede que se declare nula a sentença proferida, e proferido acórdão que considere a acção totalmente procedente por provada, ou no caso de assim não se entender deve ser proferido acórdão que revogue a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e substituindo-se por outra que julgue a acção totalmente procedente por provada e consequentemente condene a recorrida no pedido.

A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões:

Na resposta, o recorrido depois de obtemperar que o recurso deve ser considerado extemporâneo, dado que a recorrente não indica as passagens da gravação da prova testemunhal nem procedeu à transcrição dos depoimentos e apresentou as alegações para além do prazo de 30 dias, concluiu pela improcedência do recurso.

O Relator, admitiu, por despacho expresso, o recurso.

2. Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente.

Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[1].

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.

Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[2].

Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso.

Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[3].

Ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida.

Estas questões – como, v.g., o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, ou a litigância de má fé, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa.

O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[4].

No caso que constitui o universo das nossas preocupações, estamos face a recurso ordinário de apelação através do qual se impugna decisão proferida no âmbito de recurso extraordinário de revisão.

O fundamento do recurso extraordinário de revisão alegado pela recorrente consiste – e consiste só - na falsidade do depoimento de uma das testemunhas produzidas pelo recorrido no processo em que foi proferida a sentença revivenda (artº 771 b) do CPC).

É verdade que na conclusão do requerimento de interposição daquele recurso extraordinário, a recorrente invoca a alínea g) do artº 771 do Código de Processo Civil, que contém o último fundamento do recurso de revisão: a simulação processual.

Mas deve entender-se que a invocação daquela norma adjectiva deriva, decerto, de lapso.

Até à Reforma dos recursos - instrumentalizada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto - a simulação processual, de que o tribunal se não tivesse apercebido na pendência da causa, constituía fundamento do recurso extraordinário da oposição de terceiro.

Com a supressão, por aquela Reforma, daquele recurso extraordinário, a simulação processual, foi reconduzida a fundamento autónomo do recurso extraordinário de revisão, verificados que sejam os seguintes requisitos: que a sentença tenha transitado em julgado; que o recorrente tenha a posição de terceiro; que a decisão lhe cause prejuízo; que o processo encubra um acto simulado; que a simulação haja obedecido ao propósito de prejudicar o recorrente; que o tribunal, por não se ter apercebido da fraude, não tenha feito uso da faculdade conferida pelo artº 665 do Código de Processo Civil (artº 771 g) do CPC)[5].

Como é claro, uma leitura da alegação contida no requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão, mostra que o seu fundamento não é a simulação processual – mas a falsidade de uma prova pessoal produzida na acção anterior.

De resto, caso o fundamento do recurso consistisse, realmente, na simulação processual – o que seria, deveras singular, uma vez teríamos um dos simuladores a arguir o conluio – a sua improcedência seria irremissível, dado que, notoriamente, a recorrente não tem a qualidade de terceiro.

O exame do requerimento de interposição deste recurso extraordinário inculca, indelevelmente, portanto, que como fundamento da revisão foi invocado só este: a falsidade de uma prova, mais precisamente, do depoimento de uma testemunha.

Fundamento que, até à Reforma do Código de Processo Civil de que foi instrumento o Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março, era apreciado em acção autónoma prévia, relativamente à interposição do recurso extraordinário de revisão, mas que, com aquela Reforma, passou a ser apreciado no contexto mesmo da instância daquele recurso (artº 771 c) do CPC).

Simplesmente, na sua alegação deste recurso ordinário, a recorrente insinua um outro fundamento da revisão: a ofensa do caso julgado.

Preterição do caso julgado que, no ver da recorrente, resultaria, de a questão relativa à obrigação acessória de juros ter sido já decidida, por decisão passada em julgado, na acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária, objecto do processo nº ...

Ora, a recorrente não alegou, logo na instância recorrida, um tal fundamento de revisão e, portanto, ele não constitui objecto admissível deste recurso ordinário.

Mas ainda que, ex-adverso, o contrário se devesse entender, então tem-se por certa a improcedência de um tal fundamento.

Realmente, a Reforma dos recursos eliminou, como fundamento do recurso de revisão, a ofensa do caso julgado, deixando, por isso, de permitir-se a revisão com fundamento na contrariedade da sentença a rever com outra que constitua caso julgado para as partes (artº 771 f) do CPC).

Para justificar a supressão - de resto, discutível - de um tal fundamento da revisão pode adiantar-se duas razões.

A primeira consiste no facto de a lei resolver, de harmonia com um critério de prioridade, o conflito entre duas decisões contraditórias sobre o mesmo objecto, determinando, sem quaisquer restrições ou condições, que se cumprirá a que passou em julgado em primeiro lugar (artº 675 nº 1 do CPC).

A parte, vencedora na primeira e vencida na segunda, não precisa de fazer declarar sem efeito, por meio do recurso de revisão, o segundo caso julgado; tem sempre diante de si o caminho da alegação de ineficácia formal da segunda decisão, requerendo o cumprimento da primeira, obtendo assim, por via indirecta, o que recurso de revisão lhe permitiria pedir directamente: o cancelamento do segundo caso julgado.

A segunda razão reside na circunstância de a ofensa do caso julgado constituir fundamento de oposição à execução (artº 814 nº 1 f), do CPC).

Se a parte vencedora promover a execução com base na segunda sentença, o executado pode deduzir oposição com aquele fundamento: a circunstância de estar de pé a sentença exequenda, por não ter sido declarada sem efeito através do recurso de revisão, não obsta a que a oposição proceda, dado que não se faz depender a eficácia dessa oposição do facto de a sentença ter sido inutilizada pelo recurso de revisão: pelo contrário, pressupõe-se mesmo que a sentença, base da execução ainda subsiste, visto que, se tivesse sido cancelada ou destruída pelo recurso de revisão já não teria base e não havia, por isso, necessidade de invocar aquele fundamento de oposição à execução.

Todavia, seja qual for a bondade da solução, exacto é, em todo o caso, que a ofensa do caso julgado não constitui, actualmente, fundamento do recurso de revisão.

Se se tiver presente que os fundamentos do recurso extraordinário de revisão estão sujeitos a um numerus clausus, o que daqui decorre para a improcedência daquele fundamento, é coisa que se explica por si (artº 771, corpo, do CPC).

Nestas condições, tendo em conta os parâmetros de delimitação da competência decisória desta Relação representados pelo conteúdo da decisão recorrida e da alegação da recorrente, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:

a) A sentença impugnada é portadora do valor negativo da nulidade substancial;

b) Se o decisor de facto da 1ª instância incorreu, no julgamento da matéria de facto relevante, num error in iudicando, por erro na apreciação ou valoração da prova.

A resolução do primeiro dos problemas enunciados reclama, naturalmente, a ponderação da causa de nulidade da decisão judicial representada pela contradição intrínseca e, a do segundo, desde logo, ao exame da pontualidade do cumprimento, pela recorrente, do ónus da impugnação da decisão da matéria de facto a que lei de processo a vincula.

3.2. Nulidade da sentença impugnada.

Como é extraordinariamente comum, a recorrente assaca à decisão impugnada o vício grave da nulidade substancial, apontando, como causa desse valor negativo, a contradição entre os fundamentos e a decisão.

A decisão judicial é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[6].

Está em causa a coerência – ou justificação – interna da decisão, que se reporta à sua coerência com as respectivas premissas de facto e de direito: a decisão não pode ser logicamente válida se não for coerente com aquelas premissas.

Esta nulidade substancial está, pois, para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

Face a este enunciado é bem de ver que a sentença impugnada não se encontra ferida com o vício feio da nulidade que a recorrente lhe imputa.

Como já se salientou, o fundamento do recurso extraordinário de revisão alegado pela recorrente consiste – e consiste só - na falsidade do depoimento de uma das testemunhas produzidas pelo recorrido no processo em que foi proferida a sentença revivenda.

O êxito do recurso extraordinário de revisão, por esse fundamento, depende dos requisitos seguintes: a prova da falsidade do depoimento da testemunha; a determinação, por essa falsidade, da sentença cuja revisão é pedida; que a falsidade não tenha sido discutida no processo em foi proferida a sentença a rever.

O primeiro requisito é, naturalmente, a falsidade do depoimento; o segundo tem nitidamente por objecto o nexo de causalidade entre aquela falsidade e o conteúdo da decisão revivenda.

Quanto a este requisito deve notar-se que não se exige que a decisão a rever tenha por única base, ou se funde exclusivamente, na falsidade daquela prova; basta que possa ter determinado aquela decisão, que nela tenha exercido influência relevante[7].

Se apesar da falsidade a sentença em nada se ressentiu, a abertura dum remédio tão extraordinário e tão limitado, como é a revisão, não se justifica[8].

É, porém, suficiente que o elemento de prova eivado de falsidade tenha, na indecisão dada por outros meios de prova, arrastado o julgador para uma decisão[9].

Na espécie, a sentença impugnada, depois de examinar os factos fornecidos pelo processo concluiu que não estava demonstrado o facto essencial da falsidade do depoimento, alegado como fundamento do recurso, e concluiu por uma decisão desfavorável à parte onerada com a prova dele: a recorrente.

Não há, assim, qualquer colisão entre a decisão e os fundamentos em que se apoia, dado que os fundamentos invocados pelo decisor da 1ª instância não conduzem, logicamente, a uma decisão de procedência do recurso, mas à decisão de improcedência da impugnação nela expressa.

Desde que, realmente, na perspectiva da sentença apelada, não estava demonstrada a falsidade do depoimento, o sentido da decisão só poderia ser um: a improcedência do recurso extraordinário.

Não se verifica, portanto, na construção da sentença qualquer vício lógico que comprometa, irremediavelmente, a sua coerência interna.

De resto, a alegação da nulidade da decisão impugnada, não leva em devida e boa conta o sistema a que, na Relação, obedece o seu julgamento.

O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.

Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve, como regra, conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).

No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).

Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.

Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário.

O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC).

Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação.

Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade.

Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida.

Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).

A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária.

A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal ad quem, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

Por este lado, o recurso - de apelação - é, portanto, infundado.

3.3. Incumprimento pela recorrente do ónus de impugnação da matéria de facto.

O recurso de apelação, dado o seu carácter global, pode ter por fundamento – e até por único fundamento – um error in iudicando da matéria de facto, designadamente por erro na aferição ou na valoração das provas.

Todavia, quando a impugnação se dirige à decisão da questão de facto, exige-se que o recorrente se livre do ónus de impugnação do julgamento dessa matéria a que a lei de processo é terminante em vinculá-lo.

Realmente, sempre que a impugnação tem por objecto a decisão da matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob a pena grave de rejeição do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados e quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos (artº 685-B nº 1 a) b) do CPC).

Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à indicação das passagens da gravação em que se funda; não sendo possível, por força dos meios técnicos utilizados para a gravação, a identificação precisa e separada dos depoimentos, o recorrente deve proceder à transcrição dos depoimentos em que se funda (685-B nºs 2 e 4 do CPC).

Na espécie sujeita, a impugnação do julgamento da matéria de facto empreendida pela recorrente – como prontamente notou o recorrido na sua resposta ao recurso - é, ao menos num ponto, inteiramente contrastante com o conteúdo que se deve assinalar ao ónus que a lei é terminante em fazer recair sobre ela.

A recorrente indica os meios de prova que, no seu ver, impunham, para a matéria de facto, uma decisão diversa daquela que foi encontrada pelo tribunal da audiência.

Mas é também indiscutível que a recorrente não indica as passagens da gravação em que se funda nem procedeu sua transcrição.

De duas, uma: ou o sistema técnico utilizado para o registo da prova pessoal produzida na audiência permite a identificação precisa e separada dos depoimentos ou não; no primeiro caso incumbia à recorrente a indicação das passagens do registo sonoro em que fundamenta a impugnação da matéria de facto; no segundo, competia-lhe proceder à respectiva transcrição.

A recorrente não fez nem uma coisa nem outra.

Tudo conduz, portanto, à conclusão da impontualidade do cumprimento, pela recorrente, dos ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto, no tocante à indicação das passagens da gravação em que se funda ou da sua transcrição.

A lei é terminante na declaração de que o incumprimento pelo recorrente do referido ónus importa a rejeição, nessa parte, do recurso.

Pode, porém, perguntar-se se, face ao não cumprimento daquele especial ónus de impugnação, a rejeição do recurso é irremissível ou se não deve, neste domínio, actuar-se o princípio da cooperação intersubjectiva - na vertente do dever prevenção, que vincula o tribunal - e, consequentemente, preceder a decisão de rejeição do recurso, na parte afectada, por um despacho de convite, dirigido à apelante, de aperfeiçoamento da sua alegação, evitando, assim, que o êxito do recurso seja, no segmento referido à decisão da questão de facto, irremediavelmente comprometido por uso inadequado do processo.

A letra da lei inculca nitidamente uma resposta negativa.

De outro aspecto, o convite ao aperfeiçoamento da alegação, além de resolver num novo alargamento do prazo de oferecimento da alegação, contraria abertamente a razão que levou a lei a adstringir às partes àquele ónus: a de desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto.

Deve, por isso, concluir-se que não há, neste plano, espaço, para um tal despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações[10].

Nestas condições, é meramente consequencial a rejeição, na parte apontada, do recurso[11].

De resto, o objecto exacto a que se dirige a impugnação da decisão de facto, o enunciado desta espécie que a recorrente elegeu como objecto daquela impugnação, mostra alguma incompreensão pelo procedimento do recurso extraordinário de revisão.

Uma das grandes dicotomias no domínio dos recursos, de origem legal, é a que os separa entre ordinários e extraordinários (artº 672 nº 2 do CPC).

Um dos recursos extraordinários é o de revisão (artº 672 nº 2 do CPC).

Ao passo que o recurso ordinário é um pedido de reapreciação de uma decisão ainda não transitada, dirigida a um tribunal de hierarquia superior, fundado na ilegalidade da decisão e visando revogá-la e substituí-la por outra mais favorável ao recorrente – o recurso extraordinário de revisão pode incidir sobre uma decisão transitada em julgado e desdobra-se num pedido de anulação dessa decisão – juízo rescindente – e numa solicitação de repetição dos actos invalidados – juízo rescisório.

O recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respectivo procedimento, quer dizer, tem por objecto uma sententia nulla.

Os recursos ordinários têm por objecto o juízo ou julgamento realizado pelo tribunal na decisão; os extraordinários incidem sobre a própria decisão enquanto acto processual.

Ao contrário do recurso ordinário, ao recurso extraordinário de não é inerente uma hierarquia judiciária nem um efeito devolutivo, dado que a revisão é dirigida ao próprio tribunal que proferiu a decisão impugnada (artºs 772 nº 1 do CPC). O recurso extraordinário comporta-se como verdadeira acção com um duplo objectivo: o primeiro é o de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente – juízo rescidente; o segundo é o de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da acção – juízo rescisório.

O recurso extraordinário de revisão pode ter por fundamento vícios in iudicando ou vícios in procedendo (artºs 676 nº 2, 2ª parte, e 771 do CPC).

Esse vício pode consistir, designadamente, na falsidade das provas, v.g., do depoimento de testemunha (artº 771 b) do CPC).

A realização ou administração da justiça, como função do Estado, exige, evidentemente, que, nos processos judiciais, v.g., de natureza cível, sejam prestadas declarações conformes à verdade, uma vez que essa verdade é condição indispensável para uma correcta decisão por parte do juiz – a determinação da matéria de facto relevante para essa mesma decisão.

A exigência de verdade da decisão judicial – que, note-se não é uma verdade ontológica, mas meramente jurídico-prática, processualmente válida - reclama, portanto, a segurança e a credibilidade do tráfico jurídico-probatório.

Por isso que as testemunhas estão sujeitas a um dever processual de verdade e de completude: declarar só a verdade - mas toda a verdade (artº 559 nºs 1 e 2, ex-vi artº 653 nº 1 do CPC).

A falsidade da declaração da testemunha respeita ao conteúdo do seu depoimento.

Pressupõe, evidentemente, um termo de comparação: uma declaração é falsa quanto aquilo que se declara – conteúdo da declaração – diverge daquilo sobre o qual se declara – objecto da declaração.

Todavia, como no fenómeno reportado a um dado de facto, seja ele do exterior ou do mundo puramente anímico, se podem autonomizar quatro vertentes – o do acontecimento, o da percepção, o da memorização e o da declaração – pode perguntar-se em que consiste aquele objecto da declaração.

Dito doutro modo: a falsidade da declaração reside na contradição entre o declarado e a realidade, entre a palavra e a realidade histórica, ou é falsa a declaração que não coincida com a representação do declarante no momento da declaração, a contradição entre a declaração e a ciência ou conhecimento do declarante?

O critério da falsidade é dado, não pelos acontecimentos objectivos, mas sim pelo conteúdo da consciência da testemunha?

E este conteúdo de consciência é, não o existente no momento da declaração, i.e., o que a testemunha recorda, mas sim o existente no momento da percepção?

Parece preferível – sob pena de se confundir o critério da verdade com o da sinceridade - uma concepção objectiva de falsidade: a falsidade da declaração é aferida pela conformidade com o acontecimento real a que ela se reporta: o depoimento da testemunha será falso, sempre que a sua narração se afaste do acontecido, i.e., daquilo que o tribunal em face do exercício da prova tenha dado por acontecido.

Como quer que seja, no recurso extraordinário de revisão, do que se trata é de apurar se algum fundamento justifica a destruição da decisão transitada e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.

Maneira que, quando visa, determinar se se verifica algum dos fundamentos taxativos que justificam a cassação da decisão – i.e., quanto ao chamando juízo rescidente - o recurso extraordinário de revisão é equiparável a uma qualquer acção constitutiva e os poderes de apreciação do tribunal nessa apreciação coincidem com aqueles que lhe são reconhecidos na generalidade das acções declarativas (artºs 4 nº 2 c) e 771 do CPC).

Se o tribunal concluir pela anulação do caso julgado e da respectiva decisão, abre-se, então, o chamado juízo rescisório, no qual o tribunal reconstitui a decisão anulada (artºs 776 e 778 do CPC).

Assim, por exemplo, se o tribunal concluir – na fase do iudicium rescindens - que, realmente na acção anterior foi produzido um depoimento falso que exerceu, na decisão proferida, uma influência relevante, e cassa a decisão anterior, a única consequência é abrir-se a fase rescisória, i.e. o recurso segue para a causa ser novamente instruída e julgada.

Para o efeito, o processo é retomado a partir do momento em que ocorreu o fundamento de revisão invocado, aproveitando-se a parte do processo que aquele fundamento não tenha prejudicado (artº 776 nº 1 c) do CPC).

Uma leitura ainda que meramente oblíqua do requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão inculca, sem qualquer margem de erro, que o seu fundamento é este – e só este: a falsidade do depoimento da testemunha …, que com o seu depoimento concorreu para decisão da matéria de facto julgada provada no âmbito da acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, na qual foi proferida a sentença condenatória da recorrente revivenda.

Portanto, os factos controvertidos relevantes para a decisão do recurso de revisão – rectius, para a decisão da fase rescidente desse recurso – segundo a única solução plausível da questão de direito, i.e., segundo o único enquadramento possível do objecto daquele recurso – são apenas estes: que o depoimento prestado no processo de que emanou a sentença a rever é falso; que a prova falsa foi causa determinante – no sentido apontado – dessa sentença; que não se discutiu, naquele processo, a matéria da falsidade daquela prova.

Estes são, pois, por se referirem ao fundamento alegado, os únicos factos verdadeiramente relevantes para a decisão, na fase rescidente, do recurso extraordinário de revisão.

E foi, justamente, por não se ter provado um desses factos – a falsidade do depoimento prestado por uma das testemunhas no processo no qual se proferiu a sentença a rever - que a sentença impugnada neste recurso ordinário negou provimento ao recurso extraordinário, deixando de pé a sentença a rever e, necessariamente, julgou este recurso findo, no sentido de que ficou vedado o acesso à fase rescisória.

Estava, por isso, indicado e seria natural que a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela recorrente como fundamento da apelação se referisse a esse facto.

Mas não.

Segundo a recorrente, o facto que, por erro na aferição das provas foi erroneamente julgado é outro - o identificado na sentença revivenda pela letra F) com este conteúdo: Todos os movimentos referidos são levados a conta corrente cujos extractos são regularmente remetidos ao requerido.

É, portanto, patente o erro de perspectiva da recorrente: a discussão relevante, no plano da questão de facto, na fase rescindente do recurso extraordinário de revisão, é a que tem por objecto o fundamento desse mesmo recurso, na espécie sujeita, a falsidade de uma das provas pessoais produzidas e o nexo de causalidade entre essa prova e a decisão proferida.

Nesta fase, não há que julgar qualquer facto que tenha constituído objecto da causa na qual foi proferida a sentença a rever: só na eventualidade de o tribunal julgar procedente o fundamento alegado – no nosso caso, a falsidade do depoimento e a carácter determinante da prova falsa na sentença proferida – e rescindir a sentença cuja revisão se pedira é que haverá lugar, na fase rescisória, ao proferimento de nova sentença, precedida de nova instrução e julgamento da causa, no qual se decidirá, então, se o facto relativo à remessa do extracto da conta corrente deve ou não julgar-se provado.

Quer dizer: ainda que a recorrente tivesse cumprido, com uma pontualidade religiosa, o apontado ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, ainda assim não haveria lugar à reponderação do julgamento daquela matéria.

Por esta razão simples, mas sólida: é que de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[12].

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Desde que o facto cujo julgamento é impugnado – julgado provado na acção anterior, relativo ao envio do extracto da conta corrente – não é relevante para a questão da procedência do fundamento do recurso extraordinário de revisão, único problema que constitui objecto da fase rescidente dele, não haveria lugar, por não se relevar útil, para a resolução daquela questão, à reponderação do seu julgamento.

Uma tal reponderação só seria útil no tocante aos factos referidos ao fundamento da revisão invocado. Mas, por força da vinculação temática desta Relação à impugnação da recorrente, não há que reponderar qualquer dos factos referidos a esse fundamento por não constituírem objecto dessa mesma impugnação.

Note-se que mesmo que esta Relação devesse concluir pela verificação do fundamento de revisão alegado – a falsidade do depoimento – a consequência sempre seria bem diversa da apontada pela recorrente na sua alegação.     

É evidente que, no caso, o recurso não ultrapassou a fase rescidente, i.e., aquela em que o tribunal examina e julga se o fundamento do recurso procedia e, consequentemente, se a sentença a rever subsistia ou devia cair, se o recurso devia findar ou antes ter seguimento.

O tribunal a quo decidiu que fundamento do recurso improcedia e, portanto que a sentença a rever subsistia e recurso findaria.

Se esta Relação concluísse que o fundamento do recurso procedia – i.e., que o depoimento da testemunha é falso e que essa falsidade foi causa determinante, ao menos concorrentemente, da sentença proferida, limitar-se-ia a ordenar que se abrisse a fase rescisória, i.e., que se procedesse à nova instrução e julgamento da causa, para o que reenviaria, para essa finalidade, o processo para o tribunal da 1ª instância. Só isso.

Este viaticum habilita-nos, com suficiência, a decidir a questão fundamental objecto do recurso – e a julgá-lo improcedente.

                3.4. Conclusão.

                Como se notou já, para que o recurso procedesse, para que o tribunal revogasse ou anulasse o caso julgado e a decisão anterior e ordenasse a abertura da fase rescisória do recurso extraordinário de revisão, com fundamento na falsidade do depoimento prestado por uma testemunha na acção de que emana a sentença revivenda, era indispensável que a recorrente – por ser ela a parte onerada com a prova – demonstrasse, em primeiro lugar, este facto desvalioso: a falsidade daquele depoimento (artº 342 nº 1 do CPC).

                A recorrente, porém, não se livrou desse ónus.

A improcedência do recurso extraordinário de revisão – e consequentemente deste recurso ordinário de apelação – é meramente consequencial (artº 346, in fine, do Código Civil e 516 do CPC).

Expostos todos os argumentos afirma-se em síntese que:

a) A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados;

b) A nulidade da decisão com fundamento na contradição intrínseca só se verifica no caso de falta de coerência com as respectivas premissas de facto e de direito;

c) O incumprimento pelo recorrente do ónus de indicar as passagens do registo da prova em que se funda ou de proceder à respectiva transcrição importa a irremissível rejeição, nessa parte, do recurso, não sendo admissível convidá-lo a aperfeiçoar a sua alegação;

d) O recurso extraordinário de revisão comporta-se como verdadeira acção com um duplo objectivo: o primeiro é o de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente – juízo rescidente; o segundo é o de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da acção – juízo rescisório.

e) Os factos controvertidos relevantes para a decisão do recurso de revisão que tenha por fundamento a falsidade de um depoimento – rectius, para a decisão da fase rescidente desse recurso – segundo a única solução plausível da questão de direito, i.e., segundo o único enquadramento possível do objecto daquele recurso – são apenas estes: que o depoimento prestado no processo de que emanou a sentença a rever é falso; que essa prova falsa foi causa determinante dessa sentença; que não se discutiu, naquele processo, a matéria da falsidade daquela prova;

f) Só no caso de o tribunal concluir pela anulação do caso julgado e da respectiva decisão é que se abre o chamado juízo rescisório, no qual o tribunal reconstitui a decisão anulada, seguindo o recurso segue para a causa ser novamente instruída e julgada, retomando-se o processo a partir do momento em que ocorreu o fundamento de revisão invocado, com aproveitamento da parte dele que aquele fundamento não tenha prejudicado.

A recorrente sucumbe no recurso. Deverá, por essa razão, satisfazer as custas dele (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, devendo a taxa de justiça ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP.

                                                                                                                                                                                                                          

Henrique Antunes (Relator)

José Avelino Gonçalves

Regina Rosa


[1] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, pág. 138 e ss., e Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs. 50 e 51, Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.
[2] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62, e da RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[3] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[4] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81.
[5] Luís Correia de Mendonça e outro, Dos Recursos, Quid Iuris, Lisboa, 2009, págs. 358 e 359 e José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3ª, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 230 e 231.
[6] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.
[7] Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª edição, Lisboa, 2001, pág. 318.
[8] Cândida da Silva Antunes Ferreira Neves, “O recurso de revisão em processo Civil, BMJ nº 134, pág. 196.
[9] Manuel Rodrigues, Dos Recursos, lições coligidas por Adriano Borges Pires, Lisboa, 1943, pág. 207.
[10] Neste sentido Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 170, nota 331, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80, e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 141 e 142; contra Acs. do STJ de 09.10.08, www.dgsi.pt. de 01.10.98, BMJ nº 480, pág. 438.
[11] Ac. da da RL de 02.11.00, www.dgsi.pt, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 55, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, pág. 105, Cfr. No sentido da legitimidade constitucional do nº 2 do artº 690-A na redacção do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro – que impunha ao recorrente, também sob pena de rejeição do recurso, o ónus de proceder à transcrição, em escrito dactilografado, das passagens da gravação em que fundamenta o erro na apreciação da prova - o Ac. do TC nº 122/02, DR, II Série, de 29 de Maio de 2003.
[12] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571.