Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2895/16.7T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: DANO DE CHANCE
EXECUÇÃO DEFEITUOSA DO MANDATO FORENSE
NEXO CAUSAL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 798º C. CIVIL.
Sumário: I – Os aqui AA. tendo visto improceder embargos de executado que haviam interposto e tendo sido neles condenados como litigantes de ma fé por decisão em que se reconheceu que a sua Ilustre Mandataria tinha tido responsabilidade pessoal e direta nos actos pelos quais essa má fé se revelara, determinando-se que fosse dado conhecimento desse facto à Ordem dos Advogados, nos termos do art 545º CPC, vieram interpor ação contra a mesma, pedindo a sua condenação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais para eles decorrentes do insucesso dessa ação.

II – Provou-se na ação que a R. executou defeituosamente o mandato, incumprindo deveres específicos, cujo cumprimento lhe é imposto pelo respectivo código deontológico, ao formular pedidos infundados de adiamento da audiência e ao não comparecer na audiência final, mas não se provou que tais incumprimentos tivessem sido condição para a malogro dos embargos.

III – O insucesso dos embargos de executado resultou da falta de prova dos respectivos fundamentos, mas, para essa falta de prova, aqueles incumprimentos em nada contribuíram.

IV – Porque não foi a conduta da R. que eliminou de forma definitiva as possibilidades ou algumas possibilidades do sucesso dos embargos de executado, não se verificou o dano de chance.

V – Não obstante, deve a R. ser condenada no pagamento aos AA. dos danos patrimoniais que para os mesmos advieram da condenação por litigância de má fé, na medida em que esta condenação ficou a dever-se ao incumprimento dos acima referidos deveres deontológicos e a causa de pedir na ação radica, em última análise, na execução defeituosa do mandato que, quanto a estes danos, se mostrou ser causal.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – F..., V... e M... instauraram acção declarativa comum contra C..., pedindo  a condenação da R. a pagar-lhes indemnização a título de danos não patrimoniais, sendo na quantia de €7.500,00 ao A. F..., €8.750,00 ao A. V..., e  €8.750,00 à A. M..., e  pagar a todos os AA. indemnização a título de danos patrimoniais, num montante a fixar, nunca inferior a €25.000,00.

 Alegam, em síntese, que nos embargos de executado que interpuseram por apenso a execução contra eles movida, após ter sido junta a respectiva petição inicial, renunciaram ao mandato que até então mantinham, e constituíram a R. como sua mandatária. Na medida em que a executada M... não tinha sido identificada na petição de embargos como embargante, foi a R., bem como a própria M...,  notificadas pelo tribunal para operar o devido esclarecimento, e porque a R. nada disse e tão pouco entrou em contacto com a constituinte para aquele efeito, foi proferido despacho no sentido da exclusão da referida M... como embargante. Designado dia para julgamento nos referidos embargos, a audiência não se realizou em função do adiamento requerido pelos embargados. Tendo sido designado novo dia para julgamento, a R. foi notificada nesses autos da impossibilidade da notificação da testemunha dos embargantes ... A R. requereu o adiamento da audiência alegando não poder estar presente em função do agendamento de outra diligência. Por esse motivo e por impossibilidade de realização de videoconferências a audiência foi adiada, vindo de novo a ser remarcada, desta feita para 12/1/2016. A R., que fora já anteriormente  notificada da impossibilidade de notificação da acima referida testemunha ..., voltou a  sê-lo, nada tendo respondido ao tribunal. No dia 11/1/2016, pela 18 h, a R. requereu a marcação de nova data para o julgamento, alegando a falta de um documento e a impossibilidade de notificação de testemunhas. Não obstante, a audiência realizou-se, mas a Exma Juiza entendeu suspende-la marcando data para a sua continuação, de modo a potenciar à R. que indicasse a morada da testemunha ... ou viesse requerer a identificação da mesma por intermédio do tribunal e pudesse apurar o motivo por que a testemunha ... faltara. Relativamente à data designada para a continuação do julgamento, a R. requereu de novo o adiamento, referindo não ter conseguido averiguar a identificação ou morada da referida ... Esse requerimento foi indeferido, e tendo sido de novo notificada da impossibilidade de notificação da testemunha ..., a R. nada respondeu ao Tribunal. No dia aprazado teve lugar a continuação do julgamento, sem a presença de qualquer das testemunhas dos embargantes, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos e condenou os embargantes como litigantes de ma fé.

Referem os AA. que desconheciam que a sua testemunha - essencial no processo – não havia sido notificada pelo tribunal, sem que a R. os tivesse nunca informado dessa impossibilidade de notificação, e que eles nunca compareceram por lhes ser dito pela R. de que as audiências haviam sido adiadas, tendo assim procedido também relativamente à testemunha ...  Entendem que a R. ao não ter apresentado as testemunhas, uma informando-a de que o julgamento havia sido adiado, a outra por não ter colaborado com o Tribunal para que a mesma fosse notificada, sem disso ter dado conhecimento aos AA., e bem assim tendo faltado a todas as sessões de julgamento que foram marcadas, pese embora os sucessivos adiamentos e remarcações, violando as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculada para com aqueles, causou-lhes danos que se objectivaram na impossibilidade de demonstrar a versão dos factos apresentados nos embargos, e, consequentemente, na inviabilidade de fazer valer, na totalidade ou em parte, o bem-fundado da sua pretensão.

A R. contestou, concluindo pela rejeição de qualquer responsabilidade. Refere, para tanto, e no essencial, que nada tem a ver com a omissão da embargante na petição de embargos por não ter sido ela a interpô-los, mas que, de qualquer modo, tal omissão não era apta a repercutir-se no resultado dos embargos, visto que uma decisão favorável nos mesmos se estenderia à referida M... Refere também que, depois de notificada da impossibilidade da notificação da testemunha ..., telefonou aos AA. e enviou-lhes email (doc nº 2), fazendo-o em 29/9/2015, sem que tenha obtido resposta. E refere ainda que não podendo comparecer à audiência de 12/1/2016 e sem que tivesse conseguido entrar em contacto telefónico com os AA., enviou ao A. F... email (doc nº 3) dando-lhe conta que iria faltar ao julgamento e que poderiam eles, AA., revogar a procuração e constituir novo mandatário.

Foi proferido despacho-saneador com dispensa da audiência prévia, no qual foi fixado o valor da causa, apreciada a regularidade dos pressupostos da instância, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

 Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de €9.000,00 a título de indemnização devida pelos danos patrimoniais decorrentes da perda de chance de obtenção de procedência dos embargos de executado, mais condenando a R. a  pagar aos AA. F... e V..., a título de indemnização por danos patrimoniais, decorrentes da sua condenação como litigantes de má-fé no âmbito dos referidos embargos de executado, a quantia de €1.122,00, €510,00, a título de condenação em multa e €612,00 a título de indemnização, condenando ainda a R. a pagar ao A. F... a quantia de €1.000 a título de danos não patrimoniais, absolvendo a R. do demais peticionado.

II – Do assim decidido apelou a R. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo:

...

Os AA. apresentaram contra alegações nelas concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:         

...

IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a sentença recorrida, resulta constituir objecto do presente recurso, saber se procede a impugnação da matéria de facto pretendida pela apelante e se, mesmo na improcedência dessa impugnação, a acção deveria ter sido julgada improcedente, por não ter sido feita prova da probabilidade séria e real da procedência dos embargos.

...

Refere António Arnault [1]  ser  discutível «se a responsabilidade civil do advogado é de natureza contratual, extra contratual, ou mista. Defendendo-se na primeira tese que ela resulta de contrato do mandato, ou de contrato sui generis, atípico ou inominado; na segunda, o carácter público da actividade forense e a violação dos deveres que legalmente lhe são exigíveis; na terceira, adoptando-se a concorrência de ambas as responsabilidades, podendo o acto ou omissão do advogado constituir responsabilidade contratual ou extra contratual, havendo que fixar em concreto o respectivo regime jurídico».

Tem, no entanto, sido recorrentemente decidido pelo STJ que a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual, «desde que o ilícito se traduza no incumprimento do específica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos) no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres – ou normas legais – não precisamente contratuais. Já a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extra contratual» [2]

Movendo-nos na responsabilidade contratual, beneficia o lesado da presunção de culpa do lesante, nos termos do art 798º CC o que, no âmbito do mandato judicial, implica que, provando o mandante a execução defeituosa do mandato, não tenha que provar que a mesma advém da culpa do mandatário, sendo a este que compete exclui-la.  

Há, no entanto, que ter presente, como ponto de partida para a avaliação da ilicitude do mandatário no mandato forense, que a obrigação do Advogado que patrocina o seu cliente não é uma obrigação de resultado, mas de meios. Distinção que se situa na circunstância de ali o devedor se obrigar a garantir um determinado resultado em benefício do credor, e aqui não se obrigar à produção de qualquer resultado – como seria o de ganho na causa onde desenvolve o patrocínio judiciário – mas apenas a realizar determinada actuação, esforço ou diligência, para que o resultado pretendido pelo credor se venha a atingir, devendo para tanto utilizar as regras de arte adequadas nesse sentido, e que, no caso do advogado, se traduzem, essencialmente, nos seus conhecimentos jurídicos e prática judicial, ou, se se quiser - com a propriedade que advém do disposto no art 95º/1 al c) do EOA, que enumera os deveres do advogado para com o cliente - no «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade». 

Nestas obrigações de meios só depois do credor provar que o devedor não empregou a diligência devida ou o meio exigível em função do contrato é que competirá ao devedor dessa obrigação provar que não foi por culpa sua que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível [3].

È indiscutível, vista a natureza da obrigação de meios em questão que a circunstância dos aqui AA. terem visto improceder os embargos de executado, só por si, não constitui a aqui R, mandatária dos mesmos naquela acção, em responsabilidade pela violação dos deveres jurídicos emergentes do contrato de mandato. A responsabilidade desta terá de advir, antes de mais, da violação das diferentes obrigações de meios que a concreta execução do contrato de mandato naqueles autos veio sucessivamente a implicar sendo que só se poderá falar de violação destes deveres se se concluir previamente que a R. naquela execução não usou da diligência e zelo que qualquer Advogado «medianamente competente, prudente e sensato» teria usado em concreto. Por isso, se terá de perguntar, perante cada uma das falhas que os AA. apontam à R. na execução do  mandato, se o procedimento adoptado por esta foi «objectivamente desconforme ao padrão de  actuação profissional que um Advogado medianamente competente, prudente e sensato» [4]  teria adoptado na situação em causa, só uma resposta positiva permitindo falar de ilicitude enquanto violação do dever de diligência e zelo a que a R. estava obrigada.

Importa, no entanto, ter ainda em consideração na avaliação da ilicitude da conduta do Advogado, que deve ter-se sempre como salvaguardada a respectiva autonomia técnica, que se traduz na escolha dos meios adequados para obter sucesso na causa.

Vejamos pois, uma a uma, as diferentes condutas da R. a que os AA. se referem na petição como envolvendo opções da mesma não conformes ao tal padrão do Advogado «medianamente competente, prudente e sensato».

A primeira situação a que os AA. se reportam advém da circunstância de não constando do entróito da petição de embargos como embargante a aqui A., M..., mas mostrando-se junto à referida petição procuração da mesma, terem sido notificadas por despacho do juiz nesses autos quer a R. quer a referida M... para esclarecerem esse aspecto e a aqui R. nada ter esclarecido, levando a sua conduta omissiva a que o juiz tivesse proferido despacho no sentido de que a aquela (M...) «deixaria de ser embargante nos autos tudo com as legais consequências».

Há de facto uma conduta omissiva da R. neste particular, e à qual a mesma não pode escudar-se como tenta fazer na contestação, quando salienta que também a referida M... foi notificada e nada disse, pois que o cuidadoso desempenho do mandato sempre a obrigaria a entrar em contacto com a sua constituinte, explicando-lhe porque fora notificada, e tomando ela, naturalmente, a iniciativa de se dirigir aos autos para deixar clara a posição de embargante da mesma. Não podendo igualmente escudar-se para o não cumprimento desse dever de cuidado no facto de não ter sido ela a cometer aquele lapso mas o anterior mandatário dos aqui AA. que fora quem interpusera  os embargos.   

Tratava-se, no entanto, de um mero dever de cuidado cuja não observância não importaria, pelo menos, à partida, consequências desvantajosas para a referida constituinte, pois que se os demais embargantes obtivessem êxito nos embargos, ela comungaria desse êxito. Mais propriamente, se aqueles lograssem a anulação do contrato de arrendamento a que se dirigia a petição de embargos, ela, enquanto fiadora no mesmo, tal como o embargante V..., beneficiaria da correspondente não vinculação.

De todo o modo, o correcto desempenho do mandato - os deveres de zelo e diligência na condução do processo a que estava obrigada - impunham-lhe ainda a observância daquele dever de cuidado, não podendo a referida omissão ter-se como incluída na respectiva autonomia técnica, tanto mais que a qualidade de embargante por parte da referida M... podia vir a ser  útil à mesma para outros efeitos que não os directamente resultantes dos embargos em questão.

A R. ao omitir aquele acto não observou o comportamento que lhe era devido na execução do mandato, embora o grau da correspondente ilicitude não possa ser visto como elevado.

Nenhuma responsabilidade teve a R. no 1º adiamento da audiência de julgamento nos embargos designada para 20/4/2015, pois que o mesmo foi determinado por pedido do mandatário dos embargados.  

Relativamente ao incidente a que se reporta a matéria factual em 13, 14 e 15 -  ter sido a R. notificada para comparecer nos autos na qualidade de testemunha, o que sucedeu porque terá sido ela própria a indicar-se como tal – está em causa um mero e evidente lapso, que não deixando de ser infeliz por ter implicado inútil dispêndio processual, não era apto a importar quaisquer consequências  de fundo.

 Em 26/5/2015, e tendo em vista a designação do julgamento para 23/6/2015, a R. foi notificada da impossibilidade de notificação da testemunha dos aí embargantes,...

Na medida em que logo em 29/5/2015, enviou email ao A. F..., no qual solicitava a morada correta da testemunha, nada poderá ser-lhe imputado.

Convém atentar aos termos desse email, que aqui de novo se transcrevem: «Solicito, mais uma vez, e tal como já vos tinha pedido por telefone, a morada correcta da testemunha que foi dada pelo meu colega que era vosso advogado, pois sem a mesma não se consegue fazer prova do alegado por vós».

Como resulta com clareza desse email, a R. não apenas pede a morada dessa testemunha, como refere já lhes ter pedido tal morada anteriormente, e lhes sugere que a obtenham junto do anterior mandatário, fazendo-lhes ainda notar a essencialidade do depoimento da mesma para a prova que pretendem fazer, essencialidade que, aliás, e decerto, os mesmos não desconheciam, mas que assim resultou evidenciada.

 Em 18/6/2015 a R. deu entrada de requerimento nos autos de embargos, alegando não poder estar presente na audiência de julgamento agendada para 23/6/2015. Justifica a sua ausência com a marcação para o mesmo dia de outra diligência – conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção - e comprova  a marcação dessa diligência.

Tendo havido já um adiamento por falta de advogado, seria pouco provável um outro mas, na medida em que a data fixada para o mesmo, aparentemente, apenas teria obtido o acordo do mandatário dos embargados – art 603º/1 CPC -  e não o dela - cfr fls  fls 88 e 90 – não estava totalmente fora de questão que pudesse ocorrer novo adiamento.

De todo o modo a R. não deveria, em rigor, ter arriscado o adiamento, antes deveria ter providenciado atempadamente por um substabelecimento, para o que em princípio teria tido tempo, visto ter sido notificada para a referida diligência por correio de 9/6/2015 – cfr fls 100.

Não teve consequências este requerimento, visto que a audiência acabou por ser  adiada em consideração do princípio da continuidade da audiência: a impossibilidade de realização de videoconferências na data marcada para a realização da audiência de julgamento determinou que, para que a prova não fosse repartida por dois momentos, não se desse início ao mesmo, tanto mais que não estaria presente a R., tendo assim a  audiência sido remarcada para 3/11/2015.

Por motivos que os autos não esclarecem, a data designada para a audiência -  3/11/2015 – foi substituída pela de 12/1/2016, do que a aqui R. teve conhecimento em 9/11/2015 – facto 21.

Em 9/12/ 2015 a R. voltou a ser notificada da impossibilidade de notificação da testemunha ...

Desta vez, ao que parece, nada fez.

Os AA. não demonstraram até esta altura, ou subsequentemente que, na sequência do email atrás referido de 29/5/2015, tivessem fornecido à R a morada ou a melhor identificação da testemunha ... Aliás, como acima foi referido, a testemunha C... reconheceu no seu depoimento que «nunca foi dada a morada correcta da testemunha».

Neste contexto, não se afigura que à R. fosse razoavelmente exigível que de novo contactasse os AA. (ou apenas o A. F...) para insistir pela morada da referida testemunha.

  Em 11/1/2016, na véspera da audiência de julgamento, a R. apresentou - às 18:03:12 - requerimento nos autos, requerendo a marcação de nova audiência de julgamento, alegando para tanto a falta de um documento e a impossibilidade de notificação de testemunhas, tendo previamente, enviado email ao A. F... informando-o que iria faltar ao julgamento e que poderiam eles, AA., revogar a procuração e constituir novo mandatário.

O requerimento em causa apresenta concretamente o seguinte conteúdo: «Os RR requerem que seja marcada nova data para a audiência de julgamento, uma vez que até à presente data ainda não foi junto ao processo o parecer técnico da ordem dos advogados, vulgo laudo dos honorários, conforme conclusão de 16/3/2015, o qual é fundamental para a discussão e boa decisão da causa. Por outro lado, consta do citius a impossibilidade de notificação de duas testemunhas com cartas devolvidas». 

O despropósito do requerimento é, efectivamente, total, denunciando a vontade da R. não comparecer ao julgamento nem nesse dia nem em qualquer outro, como veio a suceder.

A data da audiência tinha sido marcada por acordo: a audiência já tinha sido objecto de múltiplas remarcações; na acção em causa, embargos de executado, não estava em causa qualquer laudo da Ordem de Advogados, (mas porventura na acima referida de honorários); há muito que a R. sabia que o nome e morada referente à testemunha .... era insuficiente para permitir a sua notificação.

Isso mesmo foi – pacientemente – posto em evidência no despacho constante da acta de julgamento: «É certo que a ilustre mandatária dos embargantes, não obstante não ter aguardado que ocorresse pronúncia do Tribunal sobre o requerimento por si apresentado e que, previamente, o ilustre mandatário dos embargados pudesse exercer o seu direito ao contraditório sobre tal requerimento, presumindo o impresumível, não se apresentou no dia de hoje, contrariamente aos demais intervenientes processuais, neste Tribunal” (…) “Tal comportamento, na perspectiva do tribunal, é frontalmente violador do dever de recíproca correcção, vertido no artº 9º CPC do qual decorre que todos os intervenientes processuais no processo devem agir em conformidade com o dever da reciproca correcção e urbanidade. A falta da Srª Advogada é, pois, injustificada não se verificando assim - até porque a presente audiência de julgamento foi marcada por acordo prévio de datas -, motivo para, com base nessa falta, se adiar o julgamento, razão pela qual também por esta via, se indefere o mesmo.  (…) Resulta dos autos que no dia 9/12/2015, a ilustre mandatária dos embargantes foi notificada da impossibilidade de notificação dessa testemunha nada tendo vindo requerer, a não ser no dia de ontem o adiamento da audiência. Na perspectiva do Tribunal, o silêncio dos embargantes não pode, porém, ser interpretado como declaração adequada a concluir que os mesmos prescindiram da inquirição de tal testemunha, sendo certo ainda que, quanto à testemunha ..., nada foi pelos embargantes declarado nesse sentido. Assim sendo, importará notificar a ilustre mandatária dos embargantes para, no prazo de cinco dias – data que reputamos adequada face ao comportamento processual por essa Srª Advogada assumido e à sua ausência à presente audiência de julgamento, na qual seria o momento oportuno para a mesma se pronunciar -, vir aos autos indicar nova morada que conheça da testemunha ... ou elementos referentes à sua identificação civil e fiscal, por forma a que o Tribunal possa proceder às necessárias pesquisas de obtenção de morada, com advertência de que, se nada for requerido em tal prazo, o Tribunal considerará, face aos motivos da devolução do expediente de notificação, que a inquirição de tal testemunha é impossível». Mais se referindo que «quanto à testemunha ..., determino que os autos aguardem pelo decurso o prazo de cinco dias para justificação da falta, sendo que, se nada vier a ser dito, se considera a sua falta injustificada, condenando-se desde já a testemunha, numa multa que se fixa em 2Ucs.”.

Tendo ficado suspensa a audiência, foi designado o dia 8/3/2016 para a sua continuação. 

Tendo sido notificada desta acta em 13/1, logo em 14/1 a R. apresentou requerimento, com o seguinte teor: « …. Vem informar que já tem diligência marcada para o mesmo dia no Tribunal de Alcobaça, conforme junta em anexo, Desta forma, informa os dias disponíveis para julgamento no mês de Março: 9, 11, 14, 15, 16 . Até ao momento ainda não conseguiu averiguar da notificação ou morada da testemunha ...., logo que tenha tais dados informará o processo». Juntou notificação referente a julgamento crime em que interviria como defensora oficiosa, constando dessa notificação que, «em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários poderá no prazo de 5 dias propor datas alternativas – arts 312º/4 do CPenal e 151º/2 do CPC». 

O que se impunha, evidentemente, era dar preferência ao julgamento nos presentes autos e não ao processo crime e, notificada como estava a distância razoável do dia 8/3, providenciar para que não viessem a ocorrer impedimentos. Por isso, e mais uma vez, o requerimento em referência era despropositado, evidenciando má vontade da R. em estar presente na audiência de julgamento nos autos de embargos de executado.

E por isso foi indeferido por despacho de 18/1/2016, salientando-se para tanto,  duas ordens de razões: por um lado, a falta injustificada da R. na sessão anterior e, por outro, a irregularidade do requerimento.

  Em 18/1/2016 a R. voltou a ser notificada da impossibilidade de notificação da testemunha A...

Em função do que acima se consignou compreende-se que nada tenha respondido ao Tribunal, tanto mais que, como agora refere nas alegações de recurso, os elementos que tinha da referida ... eram insuficientes até para potenciarem pesquisas por parte do Tribunal.

O que já não se compreende é que tenha faltado à audiência de julgamento, pois que tinha tido mais que tempo para ter obtido nova data para o julgamento no processo crime ou para  providenciar por um substabelecimento nos embargos de executado.

Nem se diga que há muito que se tornara evidente que nenhuma prova iria fazer no julgamento. Pois ainda que, consabidamente a testemunha ... não tivesse estado nunca notificada, e a testemunha ... o tivesse estado e não pretendesse comparecer em tribunal, o correcto desempenho do mandato por parte da R. obrigava-a a estar presente na audiência de julgamento, ou ter diligenciado pela sua substituição através de substabelecimento.

Cumpriu, pois, a R. defeituosamente o mandato, não tendo actuado com o zelo e a diligência a que estava obrigada.

Não pode, no entanto, escamotear-se o evidente – o  cumprimento defeituoso do mandato foi predominantemente ao nível dos comportamentos de correcção deontológica a que estava obrigada, quer junto dos respectivos constituintes, quer até junto do tribunal. 

Como é referido no Ac STJ de 5/2/2013 (Helder Roque) - amplamente referido nos autos - «a deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional dos advogados que, na execução do acordado com o cliente, devem praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocarem em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das legis artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes de acordo com o dever objectivo de cuidado, sendo certo que se encontram “apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão”, conforme resulta, igualmente, do disciplinado pelo art 6º/2 da LOFTJ ».

O seu comportamento não foi deontologicamente adequado.

Mas afectou mais a sua imagem pública, quer junto do tribunal, quer junto dos constituintes, do que o seu desempenho estritamente profissional.

È que, sendo certo, como resulta evidenciado da sentença produzida nos embargos, que o objecto dos mesmos dependia da produção de prova testemunhal, nenhuma prova testemunhal havia para ser produzida na audiência de julgamento- a testemunha ... nunca se terá disposto a comparecer, e a testemunha ..., cujo depoimento, esse sim, seria essencial, não compareceria por não ter havido nunca elementos suficientes relativamente à sua identificação que tivessem tornado possível a sua comparência.

Com esta asserção há que passar a considerar o dano da perda de chance em função do qual vem nuclearmente pedida a responsabilidade civil da R.

Se a responsabilidade em função da chamada perda de “chance” é hoje predominantemente admitida no nosso e noutros ordenamentos jurídicos, durante muito tempo, apesar de discutida, não o foi.

A perda de chance, também dita perda de oportunidade, enquanto figura jurídica, surgiu em França na decorrência principalmente de casos de negligência médica e da comparação entre o estado actual do paciente resultante dessa negligência e o hipotético estado do mesmo se não fora a mesma, sendo aí, e já então, realçado que «só constitui uma perda de chance reparável, o desaparecimento actual e certo duma eventualidade favorável», exigindo-se que «a perda de oportunidade de ganho seja real e séria e não demasiado hipotética».

  Entre nós, embora tendo merecido algum tratamento doutrinário [5] e jurisprudencial [6], foi ao princípio, a um e outro desses níveis posta de lado como susceptível de fundamentar uma pretensão indemnizatória em função da nossa actual lei civil, admitindo-se tal potencialidade apenas em situações pontuais ou residuais [7].

Essa falta de «virtualidade jurídico positiva» para fundamentar pretensões indemnizatórias entendia-se advir do facto de tal dano «contrariar o princípio da certeza dos danos e das regras da causalidade adequada» [8], falando-se a seu respeito de uma “causalidade probabilística”, que se entendia como insuficiente. [9]

Apesar destas críticas, e depois de se ponderar que, por exemplo, o acolhimento da responsabilidade em função de danos futuros não deixa de implicar também a dita «causalidade probabilística», passou, lentamente, a acolher-se a perda de chance como base da obtenção de indemnização cível, mas dentro de certos condicionalismos[10].

A perda de chance, nas palavras de Nuno Santos Costa [11] , traduz-se na privação da possibilidade de obter determinada vantagem ou evitar certo prejuízo, sem que se saiba se a vantagem a obter ou o prejuízo a evitar se concretizariam se a chance não se tivesse perdido». Assim, «a chance, strictu sensu, será a possibilidade inerente a determinada sucessão de eventos (processo causal), hipotética e probabilisticamente considerada, de certo resultado se vir a produzir, constituindo a perda de chance o desaparecimento (…) dessa possibilidade dentro do processo causal, em virtude de um facto voluntário, ilícito e culposo». Pondo em evidência que «esse desaparecimento, não implicando directamente o eventual dano final sofrido pelo sujeito (lesado) do processo causal (não sendo condição sem a qual não se produziria o dano final, mas sendo, no entanto, sua condição suficiente)», levanta a questão de saber até que ponto deve ser valorado o facto ilícito e culposo que lhe deu origem, para efeitos de ressarcimento do lesado.

Seguindo, ao que parece, de perto, a obra de Rute Teixeira Pedro, Patrícia  Cordeiro da Costa[12]  analisa as características de que aquela autora entende que a  chance se deve revestir, para a sua perda ser indemnizável: neutralidade e aleatoriedade («a chance é neutral na medida em que contém, em potência, um enlace favorável e outro desfavorável, derivando tal neutralidade da natureza aleatória do decurso dos factos»); autonomia e actualidade («a chance é uma realidade em si mesma, um valor actual e autónomo distinto da utilidade final que potencia»). Atribuindo-lhe os seguintes pressupostos para que se possa afirmar a admissibilidade da reparação com base na doutrina da perda de chance: «a) A chance tem que ser referida a um resultado positivo futuro (ganho de uma vantagem ou evitamento de uma desvantagem) que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não é certa; b) A chance não pode referir-se a uma probabilidade nula, escassa ou insignificante. Antes tem que ser real e séria. c) A chance também não pode referir-se a uma probabilidade alta ou suficiente, caso em que se deve ter por provado o nexo causal entre o facto e o dano final, reconhecendo-se ao lesado o direito à reparação total; d) A chance não pode ainda referir-se a casos em que o dano final, cuja relação causal é apenas possível, ainda não se tenha materializado; e) A chance não pode referir-se a casos em que acontecimentos futuros podem razoavelmente propiciar a sua reparação; f) A doutrina da perda de chance não tem aplicação quando o lesado tenha deixado de empregar os meios probatórios que, estando ao seu alcance, teriam podido formular um juízo mais seguro em torno da existência do nexo causal – afinal, o ónus da sua prova impende, em regra, sobre si (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), pelo que a falta de diligência do lesado na tarefa probatória não pode reverter em seu favor; g) É necessário ainda, que se verifique um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade e que elimine, de forma definitiva, as possibilidades (ou algumas) de o resultado se vir a produzir, constituindo essa eliminação de possibilidades o dano susceptível de reparação».

Refere ainda Patrícia Cordeiro da Costa que «a doutrina da perda de chance, ou da perda de oportunidade, permite indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente (…), mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais». Por isso, adverte que «ficam de fora do campo da sua aplicação os casos em que se formou a convicção razoável em como o agente provocou o dano bem como os casos em que se formou a convicção oposta. O seu campo de aplicação situa-se, conforme supra referido, entre dois limites: um constituído pela probabilidade nula ou desprezível em como o facto do agente causou o dano (onde não há lugar a qualquer indemnização), e o outro constituído pela alta probabilidade que se converte em razoável certeza (dando lugar à reparação integral do dano final, visto afirmar-se o nexo causal entre o facto e este dano). (…)  A chance, para ser ressarcível, tem que estar suficientemente fundada e caracterizada, expressando um grau não insignificante de probabilidade de que o lesado teria obtido a vantagem esperada, não fora o facto do agente. A perda de chance assume assim uma natureza dúplice no que à certeza respeita: exige-se a certeza da existência de uma possibilidade séria de conseguir uma vantagem ou de evitar uma desvantagem; mas está-se perante a incerteza de que tal vantagem/evitamento de desvantagem teriam sido alcançados caso o facto do agente não tivesse ocorrido».

 O dano da perda de chance configura-se como um dano presente, ou actual, na medida em que a chance, em princípio, se perde no próprio momento da verificação do acto ilícito; e como um dano certo, visto que tem por objecto a perda da possibilidade actual de conseguir um resultado determinado, possibilidade que existia no momento da lesão. «A certeza respeita, portanto, não à verificação do resultado possível que se pretendia, mas à sua inviabilização definitiva. Ou seja, o dano indemnizado não é o dano final incerto, mas a impossibilidade de evitar este último, a qual é certa.

E na dicotomia lucros cessantes/danos emergentes configura-se como dano emergente - «com a actuação do agente, a oportunidade ficou desde logo perdida, ainda que tal oportunidade fosse referida à obtenção futura de ganhos», sendo certo que «para existir um lucro cessante ressarcível era necessária a prova da certeza desse dano», mas essa prova, por definição, não existe no dano de chance.

Sendo há muito, como se referiu, exigível à autonomia do dano de chance, que o mesmo se configure real e sério, não pode deixar de ser discutível quando se verifica a necessária seriedade.

Autores há que estabelecem um patamar mínimo de probabilidade para que a chance possa ser considerada, colocando tal limite nos 50%.

Outros há que, perante a dificuldade do concreto estabelecimento desse limite ou outro, preferem abordar a questão da relevância do dano de chance em função da inversão do ónus de prova – o dano será sério desde que o demandante prove que a chance é superior a zero, só lhe competindo, pois, provar factos constitutivos de uma probabilidade, ainda que mínima. Será ao lesante que competirá, para se ver livre da responsabilidade, provar factos impeditivos da consumação da chance». Rute Teixeira Pedro, como o informa Patrícia Costa, assinala que se deve considerar que, «em processos causais complexos, a demonstração pelo lesado da violação, por parte do agente, de um dever e da “consequente criação ou elevação de um risco de ocorrência de um dano, e da efectivação do mesmo, traduzirão já, por si, o cumprimento de uma tarefa probatória bastante, não lhe devendo ser exigido o esforço acrescido de elucidação sobre a concreta eficiência causal da inobservância do dever para o dano”, sendo justo, que se faça recair sobre a pessoa que violou o dever, e causou ou aumentou o perigo, a dificuldade sentida na apreciação do nexo causal, pois que foi ela quem criou o risco de impossibilidade de identificação da causa do dano».

Esta posição não parece que possa ter acolhimento no nosso sistema processual civil face ao disposto no art. 342º CC que determina que o ónus da prova do nexo causal entre o facto e o dano recai sobre o lesado, e é pacífico que “a extrema dificuldade de prova do facto não inverte o critério legal de inversão do ónus da prova”.

Parecendo haver consenso em que a especificidade e autonomia do dano de chance implicam a sua destrinça do dano final e por isso uma sua quantificação sempre aquém desse dano, não sendo razoável o ponto de vista de que uma vez demonstrada a existência de uma chance séria de se alcançar o resultado final, a indemnização deveria corresponder ao valor global desse resultado, parece-nos que o ponto de vista de Nuno Santos Rocha [13] oferece a este respeito uma adequada proposta de trabalho, ao distinguir a realidade e a seriedade no dano da perda de chance, atribuindo a esses dois clássicos requisitos do dano em causa, campos diferentes de aplicação.

Pondera o mesmo: «O requisito de realidade da chance, parece-nos, estará ligado à existência de possibilidades de ocorrência de um determinado resultado além das esperanças ou expectativas meramente pessoais do seu detentor – será real aquela chance que não exista apenas subjectivamente, que não viva só dentro de espectativas não fundadas num juízo de probabilidade que possa servir de critério transubjectivo de valorização da chance. Com isto pode concluir-se desde já que será real qualquer chance que seja fundamentada por uma demonstração probabilística da sua concretização. A chance terá a sua seriedade avaliada na medida das probabilidades da sua concretização. Se, em juízo, o lesado provar, através de uma demonstração probabilística objectiva, que o resultado que esperava obter (ou evitar) tinha alguma (qualquer) probabilidade de se vir a realizar (ou a evitar) e que essa probabilidade foi destruída pelo facto ilícito e culposo de terceiro, então o dano daí resultante (que é o dano da perda de chance), deve ser indemnizável na medida da seriedade da chance perdida».

Deste modo conclui: «Para que a chance seja juridicamente relevante, e a sua perda juridicamente tutelável, deve ficar assente que a mesma é real. Já no que toca à seriedade da chance, esta deverá, a nosso ver, relevar apenas para efeitos de determinação do quantum indemnizatório».

Assim, «o que caberá ao lesado, em juízo, deixar provado, é que a seriedade (o nível probabilístico de concretização) da chance não se baseava na sua apreciação subjectiva, mas sim em critérios objectivamente apreciáveis, o que lhe conferirá valor jurídico». Já o cálculo do dano da perda de chance, deve ser feito « fazendo incidir, sobre o valor do dano final, a probabilidade (traduzida em percentagem) de realização da chance perdida, no fundo, a sua seriedade».

O que implica o conhecido juízo sobre o juízo ou a dupla avaliação: em primeiro lugar há que proceder à avaliação da situação hipotética de a chance se ter realizado, determinando em que situação o lesado estaria se a chance se tivesse materializado;  em segundo lugar, calcular qual o grau de probabilidade da própria chance se ter realizado no processo causal hipotético – ou seja, qual o grau de interferência que a existência daquela chance implicava na concretização do resultado final (no fundo reconduz-se à verificação da sua seriedade). Depois de terminadas estas operações, pode então aplicar-se a percentagem obtida na segunda operação ao valor obtido na primeira e estará assim encontrado o valor do dano da perda de chance».

Ao contrário desta proposta, aquela a que alude Patrícia Costa, ao colocar a realidade e a seriedade no patamar da existência do dano de chance, e ao pressupor necessariamente para a consideração do dano em causa como autónomo, o estabelecimento, ainda ao nível da existência do dano, de uma qualquer percentagem  de seriedade desse dano – que parece será pelo menos a de 50% -  esbarra depois, ao nível da quantificação do mesmo, com a circunstancia de se dispor de uma pequena margem  - e por isso maior dificuldade e correlativamente menor segurança - para a partir desse limite poder graduar a referida seriedade para efeitos de quantificar a indemnização devida.

Feitas estas considerações vejamos se os elementos fácticos da acção permitem que se fale de dano de chance.

Se, para a existência deste dano, é necessário que se verifique um comportamento de terceiro que elimine, de forma definitiva, as possibilidades (ou algumas) de o resultado se vir a produzir, constituindo essa eliminação de possibilidades o dano susceptível de reparação, na situação dos autos, em que o comportamento ilícito da R. apenas se descortina nos pedidos infundados de adiamento da audiência e no não comparecimento na mesma, sem que, no entanto, tais comportamentos se tenham constituído como condição para a malogro dos embargos, que adveio da falta de prova, para a qual, em rigor, a R. em nada contribuiu, não pode falar-se de responsabilidade da R. pelo dano de chance. A violação por parte da R. dos deveres de zelo e diligência implicados no mandato não comprometeu o êxito dos embargos. Este adveio da falta de prova e esta não era desconhecida dos embargantes.

Em resumo - verificando-se actos ilícitos e culposos no agir da R. implicado no mandato estabelecido com os AA., entre esses actos ilícitos e a chance perdida – a de não ter feito prova dos fundamentos de anulação por erro do contrato de arrendamento, em função da indisponibilidade do objecto contratual resultante da falta de licença camararia de utilização do espaço a explorar - não há nexo causal, e tanta basta para que se não possa conceber o dano de chance.

É que no dano de chance  o nexo de causalidade tem que resultar estabelecido entre a conduta ilícita e culposa e a perda da possibilidade que esteja em causa  e nos autos não se verifica esse nexo de causalidade .

Nenhum sentido faz, pois, que se avance com um “juízo dentro do juízo” para se aquilatar da existência e da quantificação de uma chance séria de vitória no processo, se nele tivesse sido realizada prova com o depoimento da testemunha que não compareceu, ou com o depoimento da referida testemunha ..., se alguma vez tivesse sido cabalmente identificada, pois, antes disso, já está excluído o nexo de causalidade entre os actos ilícitos e culposos da mandatário forense e a não apresentação de prova na «acção falhada».

Diga-se ainda que se os AA. tivessem efectivamente querido fazer prova da perda de chance que configuraram - desde que a mesma pressupunha, para a sua cabal configuração, que o juiz na presente causa se convencesse de que se tivesse sido feita prova nos embargos em função das duas referidas testemunhas, a decisão a neles proferir tinha possibilidade real e séria de ser outra, com a consequente afirmação da procedência total ou ao menos parcial dos embargos - poderiam ter concorrido para essa conclusão tendo arrolado nos presentes autos, ao menos, a testemunha ...., o que não fizeram.

«È que o cálculo da probabilidade de êxito na “acção falhada” é particularmente difícil, entre outras, nas situações em que o advogado por não ter entregue o requerimento probatório ou por não ter diligentemente concorrido para a notificação das testemunhas viu a acção ser julgada sem o contributo destas, porquanto a «a sorte da acção falhada, caso não tivesse ocorrido o acto faltoso, dependeria, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, mais difícil de prever». Por isso, ao referir-se a esta matéria o Ac STJ de 5/12/2013, que atrás já se mencionou, faz notar que «goza o autor da faculdade de, no requerimento probatório da acção de responsabilidade civil contra o mandatário judicial, para além das testemunhas e outros elementos que entenda pertinentes para a mesma, arrolar, também, as testemunhas que pretendia indicar naquela acção e cuja omissão originou esta nova acção, conjuntamente com as testemunhas que o réu, na acção falhada já tinha apresentado para a audiência de discussão e julgamento. A não ser assim e porque mais dificilmente se arquitectará que tal iniciativa processual possa partir do réu da acção de responsabilidade civil, o juiz desta causa goza dos poderes de convidar a autor a apresentar esses meios de prova, ou mesmo oficiosamente determinar a sua presença, nos termos do disposto nos art 265º/3 e 645º CPC».

Deverá, pois, concluir-se, desde logo em função da falta de realidade do pretendido dano de chance, pela não responsabilização da R. no tocante ao insucesso dos embargos de executado.

O que significa que não se tenha constituído em responsabilidade civil na presente acção no que se reporta aos danos, patrimoniais e não patrimoniais, advindos da perda de chance.

Mas a causa de pedir na acção é subjacentemente a execução indevida do mandato não se esgotando, por isso, com o dano de chance.

O que significa, no que respeita aos danos patrimoniais advindos para os AA. F... e V... da condenação como litigantes de má fé nos autos de embargos de executado que a R. deve ser por eles responsável. Aí a causa de pedir residirá, já e apenas, na indevida execução do mandato.

  Veja-se o que foi ponderado na sentença proferida nos embargos a esse respeito:

«(…) No que se refere aos demais embargantes, é nosso entendimento que os mesmos litigaram com o intuito de entorpecer a acção da justiça.

Com efeito fizeram incluir em matéria dos embargos alegação claramente insusceptível de gerar o efeito jurídico pelos mesmos pretendido  e sem que o pudessem desconhecer. Referimo-nos à invocação das excepções de caso julgado e de litispendência, referimo-nos ainda à invocação da prescrição. Posições manifestamente infundadas  e que foram logo conhecidas em sede de saneador.

Por outro lado, pese embora tenham arrolado testemunhas, nenhuma delas compareceu em audiência de julgamento, quando é certo que o objecto dos presentes embargos dependia da produção de prova testemunhal. Nem tão pouco compareceram os embargantes ou a sua Il Advogada, não tenho colaborado com o Tribunal em quaisquer diligências tendentes à identificação das testemunhas faltosas, tendo dado azo a adiamentos da audiência e ainda a pedidos claramente infundados para que a mesma não tivesse lugar.

Na perspectiva do Tribunal, os embargantes não fizeram um uso meramente temerário da presente lide, nem actuaram processualmente em situação de erro grosseiro em que possam ter incorrido por inadvertência, leviandade ou imprudência.

A conduta processual dos embargantes procurou ilegitimamente dilatar a conclusão do processo. E pelas razões expostas – que, em termos de conteúdo divergem dos fundamentos invocados pelos embargados – serão os embargantes condenados como litigantes de ma fé»

Em função destas considerações foram condenados o A. F... e o A. V... como litigantes de má-fé, em multa de 5 UC’s, o que equivale a €510,00.

E por despacho posterior, proferido na sequência da condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, foi arbitrada indemnização aos exequentes, a satisfazer por aqueles AA., no montante de €612,00.

Sendo que nesse despacho ainda se declarou «reconhecer que a Il. Mandatária dos embargantes F... e V..., Ex.ma Senhora Dra. C... teve responsabilidade pessoal e directa nos autos pelos quais se revelou a má fé na causa e determinar que, oportunamente, se dê desse facto conhecimento à Ordem dos Advogados, aí se referindo que “(…) os requerimentos infundados para que a audiência não ocorresse, a falta injustificada à audiência de julgamento por parte desta, o nada requerer quanto à falta das testemunhas e a ausência de colaboração quanto à adequada identificação das mesmas, por forma a que pudessem ser devidamente convocadas, manifestam actos de natureza claramente jurídica e do foro do exercício do patrocínio forense.»

Apesar de se ter concluído atrás que a R. não omitiu, relevantemente, colaboração no que respeita à adequada identificação da testemunha ... por forma a que a mesma pudesse ser devidamente convocada, também se concluiu que a R. incumpriu as obrigações implicadas no mandato precisamente em função de requerimentos infundados para que a audiência não ocorresse e faltando injustificadamente à audiência de julgamento.

Por isso, se entende que se deve manter a condenação da R. no pagamento aos AA. F... e V... da quantia de €1.122,00 em que os mesmos foram condenados na sentença de embargos de executado, sendo €510,00 a título de multa e  €612,00 a título de indemnização à exequente ali embargada, num caso e noutro em função da  litigância de má fé que nessa sentença se lhes atribuiu.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar correlativamente a sentença recorrida, mantendo a condenação da R. no pagamento aos AA. da quantia de €1.122,00 € e absolvendo-a do demais peticionado.

Custas na 1ª instância e nesta pelos AA/apelados e pela R/apelante, na proporção do decaimento.

Coimbra, 11 de Abril de 2019

(Maria Teresa Albuquerque)

(Manuel Capelo)

(Falcão de Magalhães)

I – Os aqui AA. tendo visto improceder embargos de executado que haviam interposto e tendo sido neles condenados como litigantes de ma fé por decisão em que se reconheceu que a sua Ilustre Mandataria tinha tido responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais essa má fé se revelara, determinando-se que fosse dado conhecimento desse facto à Ordem dos Advogados, nos termos do art 545º CPC, vieram interpor acção contra a mesma, pedindo a sua condenação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais para eles decorrentes do insucesso dessa acção.

II – Provou-se na acção que a R. executou defeituosamente o mandato, incumprindo deveres específicos, cujo cumprimento lhe é imposto pelo respectivo código deontológico, ao formular pedidos infundados de adiamento da audiência e ao não comparecer na audiência final, mas não se provou que tais incumprimentos tivessem sido condição para a malogro dos embargos.

III – O insucesso dos embargos de executado resultou da falta de prova dos respectivos fundamentos, mas, para essa falta de prova, aqueles incumprimentos, em nada contribuíram.

IV – Porque não foi a conduta da R. que eliminou de forma definitiva as possibilidades ou algumas possibilidades do sucesso dos embargos de executado, não se verificou o dano de chance.

V – Não obstante, deve a R. ser condenada no pagamento aos AA. dos danos patrimoniais que para os mesmos advieram da condenação por litigância de má fé, na medida em que esta condenação ficou a dever-se ao incumprimento dos acima referidos deveres  deontológicos e a causa de pedir na acção radica, em última análise, na execução defeituosa do mandato que, quanto a estes danos, se mostrou ser causal.

(Maria Teresa Albuquerque)


***


[1]- António Arnault «Iniciação à Advocacia», p 130
[2] -Ac STJ 29/4/2010 (Sebastião Póvoas) in www.dgsi.pt; Ac STJ 24/11/87, B 371º-444; Ac STJ 30/5/95, CJ Ac STJ III 2º, 119; Ac STJ 27/5/03, CJSTJ II, 78.

[3]- Cfr Ac STJ 28/9/2010 (Moreira Alves)
[4] -  Ac STJ 4/12/2012 (Alves Velho)
[5] - Cfr Júlio Gomes, «Direito e Justiça», XIX, 2005, II; Carneiro da Frada, «Direito Civil, Responsabilidade Civil. Método do Caso»; Paulo Mota Pinto, «Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual» I; 1103; Rute Pedro, «A Responsabilidade Civil do Médico», 179 e ss; Armando Braga, «A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual», 125, destacando-se a este nível o estudo de Júlio Gomes.
[6] - Na jurisprudência, como disso dá notícia o Ac STJ 29/04/2010 (Sebastião Póvoas), cfr Ac STJ 6/3/2007; Ac STJ 16/6/2009; Ac STJ 9/2/2006; Ac STJ 22/10/2009 (João Bernardo); Ac STJ 26/10/2010 (Azevedo Ramos); Ac STJ 10/3/2011; Ac STJ 29/5/2012; Ac STJ 18/10/2012 (Serra Baptista); Ac STJ  29/5/2012.
[7] Nas palavras de Júlio Gomes, obra e lugar citados, «como quando ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso, ou de uma fase posterior de um concurso (…) situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem que cair no arbítrio, se poder falar (…) de uma quase propriedade de um bem».
[8] - Cfr Ac STJ 22/10/2009 (João Bernardo e Ac STJ 26/10/2010 (Azevedo Ramos)
[9]-  Ac STJ 2 2/10/2009 (João Bernardo)
[10]-Lebre de Freitas numa Comunicação ao 1º Seminário Internacional da Responsabilidade Civil realizado pela Universidade Lusíada (Porto), em Novembro de 1997, publicado em «Estudos sobre o Direito Civil e Processo Civil», Vol II, 2ª ed, p  689 e ss, sob o titulo “A responsabilidade dos Profissionais Liberais” refere: «A jurisprudência  dos países em que, mais do que no nosso , questões deste tipo se usam pôr nos tribunais,  varia entre a exigência duma absoluta certeza  do resultado hipotético não alcançado (o êxito da causa, a sobrevivência do doente) e o mero  juízo de uma razoável probabilidade, passando pelo juízo de razoável certeza».  
[11]Perda de Chance como uma Nova Espécie de Danos», dissertação de Mestrado acessível em repositório-aberto.up.pt/
[12]- «Dano de Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português», www.verbo jurídico.net 
[13] - Obra acima referida (nota10)