Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
286490/08.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO
SOCIEDADE
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 712º NSº 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) Não tendo sido gravada a prova testemunhal os factos provados em primeira instância só poderão ser alterados nos estreitos limites a que se reporta o artigo 712º nsº 2 e 3 do Código de Processo Civil, a saber : Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou".

2) O simples facto de uma sociedade comercial haver pago voluntariamente facturas emergentes do incumprimento de um contrato assinado por uma pessoa que a não representa, não cria qualquer precedente vinculativo para o cumprimento de outro contrato assinado em idênticas condições pela mesma entidade mas cuja celebração é expressamente impugnada pela Ré.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

    A...., Lda. apresentou requerimento de injunção contra B.... , Lda., pedindo a notificação desta para lhe pagar a quantia de € 6.655,27, acrescida de juros à taxa de 11,20%, no valor de € 1.217,13 desde 1/3/2007 até à data da apresentação do requerimento injuntivo.

     alegou a requerente, em síntese, a celebração, em 1/3/2007, de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, discriminados nas facturas nsº 7000114, 7000116, 7000163, 7000127, 7000153, 7000208, 7000266, e 7000389, cujo montante perfaz a quantia de € 6.655,27. Mais alegou que os produtos foram entregues, sem qualquer reclamação, e que, não obstante interpelada para o efeito, a requerida nada pagou.

     A requerida deduziu oposição à injunção, dizendo, em síntese, que todos os fornecimentos e serviços que lhe foram prestados pela requerente destinaram-se à realização de uma obra sita em ...., freguesia de ...., concelho de ...., obra para a qual foram emitidas as facturas nºs 7000114, 7000116, 7000163 e 7000208. A requerente recebeu a quantia de € 6,000,00, dando quitação através do recibo nº 7000153 de 30/3/2007; em 16/3/2007, deu quitação da factura 7000114, no valor de € 2.500,00; em 6/01/2007, deu quitação às facturas nsº 7000114, 7000116, 7000163 e 7000208 através do recibo nº 7000266; estão pagos todos os valores devidos à requerente referente à obra referida; a obra realizada em ...., na zona da ...., foi dada de empreitada em regime de chave na mão à sociedade comercial “C....Lda”; os fornecimentos efectuados para essa obra foram celebrados directamente entre a “ C....", através do seu legal representante e o vendedor da sociedade requerente D....; a requerida pagou integralmente a obra da ...., dispondo ainda de um crédito sobre a “ C....” por abandono da obra; esta acção é uma tentativa da requerente de, perante a situação de insolvência da “ C....", cobrar a dívida ao dono da obra.

     Pediu ainda a requerida a condenação da requerente como litigante de má-fé, em multa e indemnização tidas por adequadas.

     A acção foi distribuída como acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

     Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, no início da qual a requerente reduziu a causa de pedir, limitando-a à factura nº 7000389, o que foi admitido.

     Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora a qual no termo de tudo quanto alegou pediu que se revogue o decidido julgando-se a acção procedente.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) Nos presentes autos o Tribunal a quo decidiu absolver a Ré em virtude de não se ter provado que havia sido celebrado qualquer contrato de compra e venda entre A. e R..

     2) Contudo, como ficou demonstrado, esta não foi a primeira vez que um contrato de compra e venda celebrado entre a A. e a Ré era assinado pelo Sr. D....

     3) Mais, tal facto nunca foi motivo de negação das responsabilidades assumidas pela Ré para com a A..

     4) Resultam dos autos vários documentos dos quais se pode concluir pela responsabilidade da Ré no pagamento da quantia peticionada.

     - A conta corrente da Ré, na qual se repercutem os contratos de compra e venda existentes entre ambas as empresas e os pagamentos efectuados pela Ré;

     - O contrato de compra e venda com o nº 1748 em nome da Ré e que deu origem às facturas Nº 7000114 e 7000116;

     - O contrato de compra e venda com o nº 2655, em nome da Ré e o qual deu origem à factura nº 7000208;

     - O contrato de compra e venda com o nº 2659, em nome da Ré e o qual deu origem à factura nº 7000389;

     5) Sendo que, de todas estas facturas apenas a última, nº 7000389 – no montante de € 6.655,27 - é que se encontra em dívida.

     6) Tendo as restantes sido todas pagas pela aqui Ré, B.....

     7) Todos os contratos de compra e venda foram assinados pela mesma pessoa que obrigava a Ré, pois:

     8) As restantes facturas, que tiveram origem no contrato compra e venda nº 1748 e 2655 foram pagos pela Ré - B.....

     9) E só a factura objecto dos presentes autos que teve origem num contrato de compra e venda assinado exactamente pela mesma pessoa e nas mesmas circunstâncias das restantes não obriga a Ré?

     10) Parece-nos que o Tribunal a quo, apenas com base nestes documentos deveria ter concluído de forma diferente, pois em todos os contratos escritos figura como cliente a ora Ré – B...., Lda.

     11) E a entrega dos materiais descriminados nos contratos nº 2655 e 2659, encontra-se identificado como: .... – .....

     12) Por tudo o quanto fica exposto, deveria o Tribunal a quo ter considerado que o contrato de compra e venda com o nº 2659 obrigava a Ré, assim como obrigaram os contratos nºs 2655 e 1748, os quais se encontram assinados pela mesma pessoa.

     13) O artº 874º do C.C. estabelece que o contrato de compra e venda é um contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante o pagamento de um preço.

     14) Ora, os contratos celebrados entre a A. e a Ré B...., com o nº 1746, 2653 e 2659, foram todos confirmados pela mesma assinatura e o teor dos contratos traduzia a vontade das partes, A. e B.....

     15) Assim, na sequência da assinatura desses mesmos contratos, foram fornecidos bens pela A. que constavam dos respectivos contratos, sendo que a B.... apenas não pagou o montante referente ao último contrato.

     16) Pelo que sendo o contrato de compra e venda um contrato sinalagmático, encontra-se uma das partes – B.... – em incumprimentos.

     17) Assim, deveria ter o Tribunal a quo condenado a Ré B.... no pagamento do montante referente ao fornecimento dos bens entregues pela A. e R. em consequência do contrato de compra e venda nº 2659, acrescidos dos respectivos juros.

     18) Por outro lado, ao ter julgado de forma diferente o Tribunal a quo violou o disposto no art. 874 do C.C.

     Não houve contra-alegações.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     Com interesse para a decisão da causa encontram-se provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. A requerente é uma sociedade comercial que exerce a actividade de comércio de mobiliário de cozinha.

     2.1.2. No exercício do seu comércio, a requerente vendeu o conjunto de bens melhor descritos na factura nº 7000389, no montante de € 6.655,27, junta a fls. 27, que aqui se dá por reproduzida.

     2.1.3. Instada para proceder ao pagamento daquela factura, a requerida nada pagou.

     2.1.4. A obra realizada em ...., na zona da ...., foi dada empreitada, pela requerida, à sociedade comercial “ C...., Lda.".   

     2.1.5. Os fornecimentos efectuados para aquele local foram celebrados entre o legal representante da “ C....", D...., e o vendedor da sociedade requerente.

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

     - Existem nos autos elementos que unicamente de per si impõem a procedência da acção?

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     2.2.1. Existem nos autos elementos que unicamente de per si impõem a procedência da acção?

     A sentença apelada considerou a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido, o que está na origem do presente recurso.

     A absolvição em análise louvou-se no facto de a Autora não ter conseguido lograr a prova de que tivesse tido relações comerciais com a Ré de onde proviesse o crédito emergente de um contrato de compra e venda.

     Considerando que a prova testemunhal não foi gravada os factos provados em primeira instância só poderão ser alterados nos estreitos limites a que se reporta o artigo 712º nsº 2 e 3 do Código de Processo Civil, a saber:

     "b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

     c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou".

     A apelante sustenta essa alteração com base na alínea b) supra referida.

     Passemos pois em revista os pontos fundamentais da sua tese do recorrente.

     Entendeu-se em primeira instância que nenhuma prova foi feita no sentido de que a Ré se tivesse vinculado a pagar o que quer que fosse reportado ao contrato com o nº 2659 de fls. 24, cuja assinatura, mau grado tivesse sido imputado pela Autora ao representante da Ré E...., é todavia semelhante em tudo à de D..., sendo certo que não se fez a prova de que este último representasse a Ré.

     A Autora contrapõe por seu turno que não é a primeira vez que a Ré paga facturas subscritas pelo referido D....– e cita alguns exemplos na sua alegação - nunca tendo levantado então qualquer óbice; só agora, perante a factura nº 7000389 no montante de € 6.655,27, é que inexplicavelmente a questão é colocada sendo certo através daquela firma a Ré sempre se sentiu obrigada.

     A objecção não colhe; na verdade ignoramos o que esteve na base do pagamento das outras facturas, sendo certo que cada caso tem a sua especificidade. Certamente que para ter liquidado as facturas terá tido as suas razões, que ignoramos, não temos que conhecer e tão pouco chegaram à barra dos tribunais. Em termos jurídicos, e estando agora perante um litígio, interessa-nos apenas saber se a Ré se encontra obrigada no caso vertente; e perante esta questão, tomando em linha de conta que o dito Sr. D....não é representante da Ré - cfr. artigo 21º do Código de Processo Civil - teremos que responder negativamente com a primeira instância. Não existe pois qualquer documento que por si só tenha idoneidade para destruir o juízo de improcedência, aliás cabalmente fundamentado, que conjugado com os depoimentos produzidos conduziu à improcedência da acção. Haverá pois que confirmar a sentença apelada.

     À guisa de sumário e conclusões dir-se-á apenas o seguinte:

     1) Não tendo sido gravada a prova testemunhal os factos provados em primeira instância só poderão ser alterados nos estreitos limites a que se reporta o artigo 712º nsº 2 e 3 do Código de Processo Civil, a saber : Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou".

     2) O simples facto de uma sociedade comercial haver pago voluntariamente facturas emergentes do incumprimento de um contrato assinado por uma pessoa que a não representa, não cria qualquer precedente vinculativo para o cumprimento de outro contrato assinado em idênticas condições pela mesma entidade mas cuja celebração é expressamente impugnada pela Ré.

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     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim a sentença em crise.

     Custas pelo Apelante.