Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
923/11.1TBCTB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
IMI
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTS. 130 Nº3 CIRE, 662 Nº2 C) CPC
Sumário: 1. O disposto no artigo 130º, nº3 CIRE, ao determinar que, na ausência de impugnações, deverá ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção do que conste desta lista, não dispensa o juiz de proceder à fixação dos factos dados como provados e que se mostrem necessários à graduação dos créditos em função das garantias invocáveis.

2. Encontrando-se reclamados créditos por IMI, haverá que apurar a identificação do imóvel sobre que incidiu tal imposto, e no caso de créditos de trabalhadores, se os trabalhadores prestavam a sua atividade nos imóveis apreendidos ou se, de algum modo, integravam de forma estável a organização empresarial da insolvente a que pertencem os trabalhadores.

Decisão Texto Integral:










Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Por apenso ao processo onde foi declarada a insolvência de G (…), Lda., aberto concurso de credores foi pelo Administrador de Insolvência apresentada a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.

Realizada tentativa de conciliação foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

Não se conformando com a mesma, o credor reclamante Banco S(…), S.A., dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

(…)


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 658º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Graduação dos créditos por IMI à frente do Apelante, relativamente a ambos os imóveis.
2. Graduação dos créditos dos restantes trabalhadores relativamente aos imóveis, à frente do Apelante.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

 Insurge-se o Apelante quanto à graduação efetuada pela sentença recorrida relativamente aos dois únicos imóveis aprendidos para a massa e sobre os quais o apelante gozará de hipoteca:

- quanto à graduação dos créditos por IMI à frente dos créditos do recorrente, relativamente a ambos os imóveis apreendidos, quando os créditos por IMI só gozam de privilégio imobiliário relativamente ao imóvel a que respeitam;

- quanto à graduação dos créditos dos restantes trabalhadores relativamente a tais imóveis (aceitando a graduação dos créditos das trabalhadoras C (...) e N (...) ), à frente da Apelante, quando tais trabalhadores não invocaram qualquer privilégio imobiliário especial e não exerciam a sua atividade nos imóveis apreendidos, sendo que os elementos probatórios não são suficientes para se ter como processualmente adquirido o facto de os imóveis apreendidos estarem afetos à organização da empresa.

 Teremos de dar razão à Apelante, relativamente à graduação efetuada relativamente aos créditos por IMI, uma vez que só gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens a que respeitem.

Os créditos por IMI (nº1 do artigo 122º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis) gozam das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial, pelo que, caso se encontrem inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora[2] ou nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos a tal imposto – artigo 744º nº1 do CC.

Contudo, a sentença é completamente omissa quanto aos valores reclamados a título de IMI e quais, de entre os reclamados, respeitam a um, ou a outro, dos imóveis apreendidos para a massa.

E o apelante também terá razão quanto ao facto de os elementos de facto constantes do processo (pelo menos, do presente apenso) serem insuficientes para se dar por processualmente adquirido que os imóveis apreendidos se achem afetos à organização da empresa.

Ora, da leitura da sentença recorrida, constata-se, desde logo, a completa omissão dos factos em que se baseia para decidir de direito. E, relativamente à graduação a final que é feita relativamente aos imóveis apreendidos para a massa, da fundamentação da sentença não consta por que motivo os restantes trabalhadores são graduados com preferência sobre o credor hipotecário[3]. Ou seja, nessa parte a sentença é omissa quanto à fundamentação de facto e de direito.

É certo que, na ausência de impugnações, deverá ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (artigo 130º, nº3, CIRE).

Contudo, tal norma não dispensará o juiz de proceder à fixação dos factos dados como provados, ainda que, relativamente aos que constem da lista de credores reconhecidos elaborada pelo AI, possa ser efetuada por remissão para a mesma.

Antes de mais, haverá que precisar que no nº3, do artigo 130º, se encontra a referência a dois momentos decisórios distintos.

No caso de falta de impugnação da lista de credores reconhecidos, refere-se aí que o juiz se limitará:

· a homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência (atribuindo-se à falta de impugnações em efeito cominatório);

· a graduar os créditos em atenção ao que conste dessa lista.

Assim, e antes de mais, o efeito cominatório só se encontra previsto para os elementos que, ao abrigo nº2 do artigo 129º deveriam constar da lista de créditos a elaborar pelo administrador – identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas – e só em relação a esta lista se encontra previsto o despacho de mera homologação, “salvo o caso de erro manifesto”.

O efeito cominatório só funciona quanto à existência, montante e natureza dos créditos e, eventualmente, quanto as garantias de que gozem, sendo que, para que funcione será necessário que tais elementos constem da lista[4].

Já quanto à graduação de créditos, é tarefa que incumbe ao juiz em primeira mão, embora “tendo em atenção ao que consta dessa lista”: para tal, o juiz terá que proceder qualificação jurídica dos direitos de crédito reconhecidos e aferir se as garantias referidas pelo administrador se mostram corretas (sob pena de se permitir a violação de normas imperativas).

Como refere Salvador da Costa[5], na sentença de graduação de créditos importa operar a qualificação jurídica dos direitos de crédito existentes ao tempo da declaração de insolvência e que tenham sido declarados reconhecidos e atentar na natureza dos bens ou direitos integrantes da massa insolvente, no confronto com os direitos reais de garantia que os onerem. Após essa análise, deve verificar quais os direitos reais de garantia e os privilégios que se extinguiram por efeito da declaração de insolvência, e por fim, proferir a decisão de graduação, ou seja, a definição da prioridade entre os direitos de crédito quanto à satisfação pelo produto dos bens do insolvente.

Contudo, se o teor da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos é por norma, suficiente para dar como verificados, por falta de impugnação, os créditos nela constantes, limitando-se, o juiz, nessa parte, à respetiva homologação, já no que toca às garantias de que gozam, raramente nela se encontram os elementos necessários a que o juiz possa sindicar a indicação a tal respeito feita pelo administrador de insolvência e a proceder à respetiva graduação.

A graduação dos créditos em função das garantias invocáveis cabe unicamente ao juiz – e o juiz não pode proceder a tal graduação sem que os autos forneçam, e o juiz os faça constar da sentença de verificação e graduação de créditos, todos os elementos de facto necessários à aplicação das normas de direito respeitantes à graduação dos créditos verificados.

Face às considerações expostas, e ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº2, al. c), do CPC, haverá que determinar, oficiosamente, a anulação a decisão proferida na 1ª instância, a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto, apurando-se:

- no que toca aos créditos reclamados pelo MP, no montante de 33.929,59 €, indicados como “privilegiados” na relação de créditos reconhecida, qual a data da respetiva constituição e natureza e, no caso de respeitarem a créditos de IMI[6], a identificação do imóvel a que cada um deles respeita;

- no que toca aos créditos reclamados pelos restantes trabalhadores, apurando-se se os imóveis apreendidos correspondiam à sede da insolvente ou se, de algum modo, integravam de forma estável a organização empresarial da insolvente a que pertencem os trabalhadores.

A apelação será, nesta parte, de proceder, ficando, por ora, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, anulando-se a decisão recorrida, a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto, no que respeita aos créditos de IMI reclamados pelo Ministério Público, bem como no que respeita aos créditos reclamados pelos restantes trabalhadores, a fim de permitir determinar se gozam de algum privilégio sobre cada um dos imóveis apreendidos.

Sem custas

Coimbra, 6 de julho de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Carvalho Martins

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. O disposto no artigo 130º, nº3 CIRE, ao determinar que, na ausência de impugnações, deverá ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos elaborada pelo AI e se graduam os créditos em atenção do que conste desta lista, não dispensa o juiz de proceder à fixação dos factos dados como provados e que se mostrem necessários à graduação dos créditos em função das garantias invocáveis.

2. Encontrando-se reclamados créditos por IMI, haverá que apurar a identificação do imóvel sobre que incidiu tal imposto, e no caso de créditos de trabalhadores, se os trabalhadores prestavam a sua atividade nos imóveis apreendidos ou se, de algum modo, integravam de forma estável a organização empresarial da insolvente a que pertencem os trabalhadores.

 


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Tratando-se de bens apreendidos em processo de insolvência tal referência terá de ser reportada à data da apreensão.
[3] Embora se possa supor que por trás de tal preferência esteja a ideia que o privilégio do artigo 333º do CT incide sobre os imóveis que integrem de forma estável a organização empresarial da insolvente a que pertencem os trabalhadores, aplicando-se a todos os trabalhadores independentemente das funções concretamente exercidas por estes e do local onde, em concreto, as exercem.
[4] Note-se que, no caso em apreço, da Lista de Créditos Reconhecidos consta unicamente o montante global reclamado pelo MP, no valor de 51.126,47 €, por dívidas de IVA, IRS, IMI, Coimas e custas, com a referência de que parte deles, no valor de 33.929 €, são “privilegiados”, sem que se indique qual o privilégio considerado pelo Administrador de Insolvência relativamente a cada um deles e por que valor.
[5] “O Concurso de Credores”, 3ª ed., Almedina, Maio 2005, pág. 362.
[6] Caso se encontrem reclamados créditos por Contribuição Autárquica, os mesmos não se encontrarão cobertos por qualquer privilégio imobiliário especial, uma vez que, tendo-se constituído necessariamente em data anterior aos 12 meses que precederam o do processo de insolvência (tal imposto foi abolido e substituído pelo IMI pelo DL nº 287/2003, de 1212), o respetivo privilégio ter-se-á extinto por força do art. 97º do CIRE.