Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4234/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 04/20/2000
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 473.º, 397.º, 398.º, 406.º C.C. E ART. 273.º C.P.C.
Sumário:

Tendo o autor resolvido o contrato de empreitada, com base na mora no seu cumprimento, não lhe é devida a penalidade estabelecida para tal mora, visto que, extinta a relação contratual, extinguiram-se os direitos e obrigações dela emergentes, designadamente o direito de exigir do empreiteiro a pena convencionada pela mora no cumprimento do contrato, já que não pode o autor, a um tempo, pretender a destruição do contrato e, a outro tempo, a sua manutenção, para invocar a seu favor uma das suas cláusulas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


AA propôs, em 10/09/1998, pelo Tribunal de Círculo de Leiria, acção com processo ordinário contra BB, CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF, com os seguintes fundamentos, em síntese:
!9/05/1992, e por contrato escrito, foi acordado entre o autor e os réus que estes construiriam uma moradia na Marinha Grande, para o primeiro, pelo preço de 20.000.000$00, dentro de 360 dias a contar do início da construção.
Os réus deveriam acabar a obra em Outubro de 1993, mas não cumpriram o prazo, nem no prazo de três meses concedido pelo autor em Janeiro de 1995, pelo que o autor declarou aos réus a resolução do contrato, verificando-se incumprimento definitivo do contrato por parte dos réus em Abril de 1995.
O autor pagou aos réus, em dinheiro e materiais que aplicou na obra, diferença de materiais e trabalhos não colocados e não efectuados por estes, o montante de 27.137.422$70, tendo a haver daqueles 7.137.422$70, visto o preço da empreitada ser de 20.000.000$00.
Como os réus estão obrigados a pagar ao autor 25.000$00 por cada dia que excedesse o prazo para a conclusão da obra, têm de indemnizar o autor no montante total de 13.650.000$00 (546 dias x 25.000$00).
Foram efectuadas alterações no interior e exterior da moradia pagas pelo autor aos réus, com excepção do montante de 254.650$00.



A moradia apresenta vários defeitos denunciados atempadamente pelo autor aos réus, que se recusaram a repará-los, tendo, por isso, o autor direito a ser indemnizado.
Termina, pedindo:
I- Que seja declarado que o contrato de empreitada que existiu entre o A. e os RR. foi válido e legalmente resolvido pelo A.
II- Que em consequência sejam os RR. solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 7.137.442$70 respeitante à diferença entre:
a) O que o A. dispendeu para acabar a obra (3.210.000$00),
b) O montante entregue pelo A. aos RR. (14.600.000$00).
c) O que o A. dispendeu do seu bolso na obra em coisas que colocou nesta, de coisas e trabalhos, e diferenças de preços destes, que os RR. não colocaram nem efectuaram na mesma, tudo conforme o referido, designadamente nos artºs 44º, 49º (9.327.422$70), sendo da responsabilidade dos RR. e o preço da empreitada (20.000.000$00).
III- Quando assim não for entendido, devem os RR. ser solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 27.137.422$70 conforme descriminado nas als. a), b) e c) do pedido em II.
IV- Mais sejam os RR. solidariamente condenados a pagarem ao A. a quantia de 13.560.000$00 respeitante à indemnização pelo atraso no cumprimento do contrato.
V- E ainda sejam os RR. solidariamente condenados a pagarem ao A. o montante total de 900.000$00 respeitante ao que se alegou no artº 89º da p.i.
VI- E declarado compensado no crédito total do A. a quantia de 254.650$00 expressamente reconhecida como estando em dívida aos RR.
VII- E ainda solidariamente condenados a pagarem ao A. os juros legais a contar da citação sobre as quantias reclamadas por este.
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Os réus contestaram, pedindo que se declarasse que o contrato de empreitada foi alterado por acordo entre as partes relativamente ao seu objecto, ao seu prazo de execução e ao seu valor; a sua absolvição, com excepção do pagamento de algumas importâncias; se declarasse que o autor lhes deve a quantia de 5.400.000$00
respeitante ao preço da empreitada; ou se assim não fosse entendido, a redução equitativa da indemnização pelo não cumprimento do contrato.
Em reconvenção, pediram a condenação do autor no pagamento da quantia de 15.806.000$00, acrescida de juros, visto terem procedido à realização de trabalhos não previstos no contrato, cujo custo importou nessa quantia.
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O autor replicou, impugnando a reconvenção e pedindo a condenação dos réus como litigantes de má-fé.
Nesse mesmo articulado ampliou o pedido em mais:
a)- 5.965.000$00 respeitante ao que o A. pagou a mais aos RR. além dos 14.600 contos referidos.
b)- 3.656.920$00 respeitante a trabalhos e coisas que os RR. deveriam colocar na obra e não o fizeram.
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Os réus apresentaram tréplica concluindo como na contestação/reconvenção e, em relação à ampliação do pedido, pronunciaram-se pelo seu indeferimento liminar.
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No despacho saneador não foi admitida ampliação do pedido formulada pelo autor na réplica.
Foi seleccionada a matéria de facto considerada assente e a incluída na base instrutória, com reclamação do autor, indeferida, excepto quanto a alguns lapsos de escrita.

O autor recorreu do despacho saneador na parte em que indeferiu a ampliação do pedido, sendo o recurso admitido como de agravo, com subida diferida, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo

A requerimento dos réus, teve lugar um exame pericial.

Teve, depois, lugar o julgamento, com gravação da prova, e, decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida a sentença que julgou a acção parcialmente
procedente e improcedente a reconvenção
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Inconformado, interpôs o autor recurso de apelação.
São do seguinte teor as conclusões das alegações dos recursos interpostos pelo autor.
Recurso de agravo:
1. O A. formula a p.i. com boa fé e convicto que os RR. assumiriam o que havia acordado com o A..
2. No entanto enganou-se o A.
3. Pois os RR. na contestação vieram deduzir pedido reconvencional de coisas que dizem ter feito e que o A. não lhes pagou.
4. No entanto o A. pagou tais coisas aos RR.
5. Mas como os RR. não o admitiam, então o A. tem que ser reembolsado do dinheiro que pagou pelos mesmos.
6. Daí a ampliação do pedido.
7. Por outro lado os RR. fizeram também tábua rasa de coisas que não colocaram na obra e que estavam obrigados.
8. Daí que o A. tenha o direito de igualmente ser ressarcido dos custos dessas coisas e serviços.
9. Sob pena de enriquecimento por parte dos RR. à custa do A..
10. Daí igualmente a necessidade da ampliação do pedido.
11. Ora, tais alegações por parte do A.., não constitui mais que o desenvolvimento do pedido primitivo,
12. Face à posição tomada pelos RR. na contestação/reconvenção.
13. Assim, afigura-se ao A. que as alegações na réplica não constitui defesa por excepção.
14. Foram violados, entre outros, os artºs 473º, 397º, 398º, 405º, 406º do C. Civil e 273º do C.P.Civil.
Recurso de apelação:
1. Os RR. não cumpriram o contrato de empreitada a que se obrigaram.
2. Nos termos do referido contrato, os RR. estavam obrigados a concluírem a empreitada no prazo de 360 dias, a contar do início da construção.
3. Os RR. não concluíram a obra no prazo estipulado.
4. E em Abril de 1995 colocaram-se na situação de incumprimento definitivo do contrato.
5. Os RR. reconheceram e aceitaram pagar uma indemnização ao A. pelo não cumprimento do contrato, só que reduzido equitativamente o valor pedido.
6. Por isso o Tribunal “a quo” devia ter condenado os RR. em indemnização.
7. Mesmo havendo resolução do contrato, o A. tem direito a indemnização quanto mais não seja pelo dano notório causado ao A. pela própria resolução, derivada do incumprimento doloso do contrato de empreitada por parte dos RR.
8. A não ser no montante indemnizatório pedido de 13.560.000$00, pelo menos, a que for fixada equitativamente, tendo em conta o comportamento reprovável, e de má-fé contratual denotada pelos RR., bem como o tempo que o A. esteve, designadamente, sem poder habitar a moradia e o aumento do custo para o acabamento da obra, o que notoriamente lhe causou danos.
9. Foram violados, entre outros, os artºs 4º, 801º, 812º, 1223º do C. Civil.
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Os réus apresentaram contra-legações em relação ao recurso de apelação, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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É sabido que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. Artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Vamos conhecer dos recurso pela ordem da sua interposição, de acordo com o disposto no artº 710º do C.P.Civil, começando, assim, pelo

Recurso de agravo.
Como vimos, o autor ampliou o pedido na réplica, em mais 5.965.000$00 respeitante ao que pagou a mais aos réus além dos 14.500 contos referidos, e 3.656.920$00 respeitante a trabalhos e coisas que os réus deveriam colocar na obra e não o fizeram.
Consubstanciou tal ampliação no facto de os réus terem deduzido pedido reconvencional de coisas que dizem ter feito e que o autor não lhes pagou. Como o autor pagou tais coisas aos réus, tem ele que ser reembolsado do dinheiro que pagou pelos mesmos.
Por outro lado, os réus, na reconvenção, abstiveram-se de mencionar coisas que não colocaram na obra e a que estavam obrigados, tendo, por isso, o autor direito a ser ressarcido dos custos dessas coisas e serviços.

Sobre o requerimento de ampliação se pronunciou o despacho saneador, que se transcreve, na parte que aqui interessa:
“Nesta (reconvenção deduzida pelos réus), afirmam que a obra que aceitaram fazer para o autor sofreu várias alterações aditamentos e extras que discriminam, fazendo o pedido correspondente a essas alterações, que o autor não pagou.
Na réplica o autor a propósito de algumas alterações que reconhecem ter sido introduzidas na obra – há outras que afirma fazerem parte da obra inicialmente acordada, e por isso não constituem alterações, outras ainda que, apesar de reconhecer constituírem alterações, afirma ter já pago -, objecto de reconvenção por parte dos réus, amplia o pedido a propósito de cada uma das alterações nestas condições, de modo a que lhes seja restituído o montante equivalente aos materiais e mão de obra que os réus deixaram de gastar em cumprimento do contrato, para efectuarem as que constam das alterações, quantia que em alguns casos faz acrescer do montante que pagou por conta de cada uma das alterações em causa.
Este modo de se defender da pretensão dos réus plasmada na reconvenção não se traduz numa alteração do pedido formulado inicialmente, mas tão só na improcedência ainda que parcial do pedido reconvencional.
Com efeito, se as alterações cujo preço os réus pedem por via reconvencional foram feitas em vez de outras inicialmente projectadas, não dá o direito ao autor de receber o valor dessas obras iniciais mas apenas a que esse montante seja deduzido nas alterações.
O mesmo se diga dos montantes que o autor afirma ter pago por conta de cada uma das alterações.
Ou seja, o que o autor apelida de ampliação do pedido não se traduz num verdadeiro pedido mas antes constitui uma excepção ao direito invocado pelos réus na reconvenção e como tal será considerado.
Destarte, não se admite a alteração do pedido formulada pelo autor na réplica”.



Parece-nos ser de confirmar o despacho recorrido, fazendo uso da faculdade conferida pelo artº 713º, nº 5, ex vi artº 749º, ambos do Código Proc. Civil.
Com efeito, o artº 273º do mesmo Código permite que o pedido possa ser ampliado na réplica.
A ampliação do pedido, que se traduz numa modificação objectiva da instância, constituindo uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no artº 268, é, de acordo com o próprio significado da palavra, um acrescento, um aumento, do pedido primitivo.
Por isso, diz o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de processo Civil, 2º, 93) que a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Ora, no presente caso, o meio próprio para o autor impugnar o pedido reocnvencional era a defesa da improcedência desse pedido e não a ampliação do pedido formulado na p.i., uma vez que tal ampliação não se contém no pedido inicial, consistindo, antes numa excepção ao direito invocado pelos réus na reconvenção.
Improcede, por isso, a pretensão do recorrente e, consequentemente, o recurso de agravo.
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Recurso de apelação.

Nos termos do disposto no artº 713º, nº 6, do Código de Proc. Civil, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nem havendo razões para a sua alteração, remete-se aqui para os termos da decisão de 1ª instância sobre a mesma.

O objecto deste recurso restringe-se apenas à questão de saber se o autor tem direito a ser indemnizado pela quantia de 13.560.000$00 (IV do pedido da p.i.) pelo atraso no cumprimento do contrato.
Para chegar a esse pedido, alegou o autor no artº 69º da p.i. que se verificou incumprimento definitivo do contrato por parte dos réus em Abril de 1995; os réus deveriam acabar a obra até Outubro de 1993; os mesmos réus, conforme o contrato, estão obrigados a pagar ao autor 25.000$00 por cada dia que excedesse o prazo para a conclusão da obra; estão assim obrigados a indemnizar o autor no montante de 13.650.000$00 (546 dias x 25.000$00).
Importa aqui recordar que, a esse propósito, se deu como provado o seguinte:
Os réus obrigaram-se a construir a moradia para o autor dentro de 360 dias a contar do início da sua construção (al. M);
Os réus iniciaram a construção da moradia em Outubro de 1992, cinco meses após a assinatura do contrato (N);
Em Outubro de 1993, a obra não estava acabada (P).
Da parte final da cláusula 6º do caderno de encargos consta que o empreiteiro ficará sujeito a uma multa diária de 25.000$00 por cada dia que exceda a data limite para a conclusão dos trabalhos (Q).
Os réus estiveram sem fazer nada na obra desde Outubro de 1993 até ao verão de 1994 (q. 8º).
O autor solicitou e exigiu várias vezes aos réus que acabassem a obra (9º).
Em Janeiro de 1995, o autor comunicou aos réus que não tinham acabado a obra no prazo acordado, que durante quase um ano nada fizeram na obra e que, por via disso, tinha tido prejuízos, que nos termos do contrato, por cada dia que excedesse o prazo para a conclusão da obra, os réus estavam obrigados a pagar uma indemnização, à razão diária de 25.000$00, e que, sem prescindir dos prejuízos e indemnizações, notificava os referidos réus para, no prazo de três meses, a contar da recepção da carta, concluírem a obra (14º).

Na sentença foi o contrato celebrado entre o autor e os réus caracterizado como de empreitada.
Concordamos com tal caracterização, que também não foi posta em causa pelas partes.
Na mesma sentença decidiu-se - com trânsito em julgado, já que não foi impugnado no recurso – que o contrato de empreitada foi validamente resolvido decorridos 3 meses após os réus terem recebido a carta data de 25 de Janeiro de 1995, isto é, foi resolvido em 26 de Abril de 1995.


No que diz respeito ao pedido que é objecto do presente recurso, decidiu-se que não é devida ao autor a penalidade estabelecida para a mora no cumprimento do contrato, visto que, extinta a relação contratual, extinguiram-se os direitos e obrigações dela emergentes, designadamente o direito de exigir do empreiteiro a pena convencionada pela mora no cumprimento do contrato, não podendo o autor, a um tempo, pretender a destruição do contrato e, a outro tempo, pretender a sua manutenção para invocar a seu favor uma das suas cláusulas.

Entendemos que é de confirmar inteiramente a sentença recorrida, na parte impugnada através do presente recurso, para cujos fundamentos da decisão se remete, fazendo uso da faculdade conferida pelo artº 713º, nº 5, do Código Proc. Civil.

Convém apenas acrescentar que o recorrente vem agora, apenas em via de recurso, alegar que o Tribunal devia ter condenado os réus em indemnização, mesmo havendo resolução do contrato, uma vez que o autor tem direito a indemnização quanto mais não seja pelo dano notório que lhe foi causado pela própria resolução, derivada do incumprimento doloso do contrato de empreitada por parte dos réus.
Trata-se de um pedido novo que não foi formulado na 1ª instância, e que esse Tribunal dele naturalmente não conheceu, não podendo, portanto, ser apreciado por este Tribunal da Relação, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade do recurso, destinado a reapreciar a questão controvertida e não questões novas – cfr. Ac. do S.T.J. de 26/09/1996, BMJ 459-498)..
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento a ambos os recursos (agravo e apelação), confirmando o despacho e a sentença recorridos.
Custas pelo recorrente.