Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1985/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DESPEJO
EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 10/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 61º DO RAU
Sumário: I- Após a reforma ao CPC/95, com a criação do artº 930-A, a sustação do despejo, por motivos de doença, prevista no artº 61 do RAU, passou a ser aplicável, para além dos arrendamentos destinados à habitação, a todas a situações em que esteja em causa a entrega de uma casa que sirva de habitação principal do executado, a despejar.
II- Subjacente a tal normativo estão subjacentes razões de humanidade.
III- Para que possa ser sustado o despejo, por motivos de doença, necessário se torna a verificação cumulativa, para além daquele referido em I, dos seguintes requisitos:
a) Que a pessoa que se encontra na casa a despejar sofra de doença aguda;
b) Que essa doença ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência no decurso da diligência do despejo – o que deverá ser demonstrado através de atestado médico;
c) Que nesse atestado médico se indique, fundadamente, o período de tempo durante o qual se deve sustar o despejo – entendido este com o sentido de prazo provável da duração, que se pressupõe limitada no tempo, da crise da doença invocada.
IV- Estando em causa um arrendamento rural, envolvendo um prédio rústico e do qual faz parte uma casa onde viveram – desde o inicio da vigência do contrato – e continuam a viver os arrendatários, é aplicável, assim, ao mandado de despejo o regime do citado artº 61 do RAU, verificados que estejam os demais requisitos aludidos em III.
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1.1 Nos presentes autos A... começou por instaurar acção contra os réus, B... e mulher C... e D... e sua mulher D..., todos como os demais sinais dos autos, na qual acabou por pedir, com base nos fundamentos aí aduzidos, a resolução do contrato de arrendamento rural que alegou ter celebrado como os últimos, tendo por objecto o prédio rústico id. no artº 1º da pi, e que, em consequência, os últimos fossem condenados, além do mais, a despejarem tal prédio e a procederem à sua entrega ao autor livre e desocupado.
1.2 Após os autos terem prosseguido os seus ulteriores termos, veio a ser proferida, em 20/3/2001, a sentença de fls. 187/190, já devidamente transitada em julgado, na qual se decidiu, além do mais, declarar resolvido o referido contrato de arrendamento rural relativo ao prédio rústico id. nessa acção, e condenar os réus-demandados (como arrendatários) a despejarem o dito prédio, entregando-o ao autor (seu dono e senhorio) livre e desocupado.
1.3 Porém, no decurso da acção, veio o dito prédio, que então se encontrava arrendado aos réus, a ser adquirido por Amândio Pires de Almeida, melhor id. nos autos, no âmbito do processo de execução autuado com o nº 228/A/96, que correu termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu.
1.4 Na sequência, dessa aquisição veio o referido, Amândio Pires, a ser habilitado para ocupar o lugar do autor na acção principal – o referido Joaquim Monteiro da Rocha.
1.5 Assim, e após trânsito da referida sentença – sendo certo que da mesma não foi interposto recurso -, veio o referido Amândio, através do seu requerimento de fls. 213, sob a alegação de que o mesmo ainda não lhe tinha sido entregue pelos réus, solicitar, para esse efeito, a passagem dos correspondentes mandados de despejo em relação ao sobredito prédio.
1.6 Pedido esse que mereceu deferimento pelo despacho de fls. 215, ordenando-se aí a passagem dos correspondentes mandados de despejo.
1.7 Entretanto, os réus, ora executados, fizeram juntar aos autos o requerimento de fls. 218, alegando, em síntese, que os executados José Victor e Carlos Alberto se encontram gravemente doentes, vivendo numa casa “de caseiro” existente no sobredito prédio rústico, e que a execução do mandado de despejo colocaria em risco a vida daquele primeiro executado. Pelo que, com base em tal fundamento, solicitaram “a suspensão da execução e, consequentemente a sustação do referido mandado de despejo”.
1.8 Requerimento esse que mereceu o despacho de fls. 220, e no qual, além do mais, se afirmou que, não se encontrando junto aos autos o “atestado médico” exigido pelo artº 61 do RAU, se não suspendia a diligência ordenada (vulgo o despejo).
1.9 Entretanto, o sr. funcionário judicial encarregue de executar tal mandado, lavrou o auto de fls. 234, explicando as razões por que não executou a diligência, e que se ficou a dever, em síntese, ao facto de, segundo informação dos seus familiares, o executado José Víctor se encontrar acamado, gravemente doente, na sobredita casa de “habitação”, sita no prédio rústico acima aludido.
1.10 Os executados fizeram, entretanto, juntar aos autos o denominado “relatório clínico” referente à alegada doença do executado José Víctor, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
1.11 Entretanto, o exequente veio, através do seu requerimento de fls. 244/247, opôr-se, com base nos fundamentos aí aduzidos, ao pedido de sustação do despejo, pedindo que fosse designada nova data para a entrega que antes fora ordenada.
1.12 Mais tarde, foram ainda juntos aos autos os atestados médicos de fls. 252 (referente ao executado Carlos Alberto) e bem assim de fls. 260 e 267 (estes dois referentes ao executado José Victor), tendo entretanto o exequente feito juntar aos autos requerimentos a opôr-se à pretensão dos executados de sustação do despejo.
1.13 Em resposta aos aludidos requerimentos do exequente, os executados no seu requerimento de fls. 274 pediram a final que, a fim de esclarecer a verdadeira situação clínica do executado José Víctor, se notificasse o médico subscritor do seu atestado médico junto aos autos para vir dizer aos mesmos qual a verdadeira situação clínica daquele.
1.14 Pela srª juíza do processo foi então proferido o despacho de fls. 280/285.
Na primeira parte desse despacho, pelas razões aí aduzidas, indeferiu o acima aludido pedido de notificação do médico que subscreveu os atestados médicos referentes ao executado José Víctor, tendo depois, na 2ª parte do mesmo despacho, e com base nos fundamentos aí exarados, indeferido igualmente o pedido de sustação do sobredito mandado de despejo, ordenando, consequentemente, a passagem de novo mandado de despejo e com os autos a prosseguirem os seus ulteriores termos normais.

2- Não se tendo, porém, conformado com tal despacho decisório, a ré-executada, Julieta do Amaral Monteiro (mulher o réu-executado José Víctor), dele interpôs, a fls. 289, recurso qual foi recebido como agravo, e a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
2-1 Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a fls. 302/305, aquela agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1- O executado Vítor, reside na referida habitação há cerca de 30 anos.
2- O executado Vítor, com cerca de 72 anos de idade, sofre de doença cardíaca, com reagravamento último.
3- O executado Vítor não poder ser sujeito a stress emocional.
4- A pedido do executado, o médico assistente recusou indicar no Atestado médico, atento a doença, colocar um prazo previsível de duração.
5- O executado Vítor requereu ao tribunal “a quo” a notificação do mesmo clínico para informar aos autos da verdadeira situação clínica e tudo o mais que a Ex.ma Senhora Juiz, considerasse relevante.
6- O tribunal “a quo”, além do mais, atentas as circunstâncias conhecidas, do tipo de doença do executado, por razões de conveniência, oportunidade e equidade, antes de indeferir a sustação do despejo, atento o princípio da “Justiça Concreta”, desvinculando-se dos critérios normativos da lei, a que, neste caso não está subordinada, inteirar-se efectivamente das razões de saúde invocadas pelo executado Vítor, do prazo previsto e o risco efectivo para a vida do mesmo, no caso de execução de mandado de despejo.
Pelo exposto deve o presente Recurso ser provido, revogando-se a decisão da 1ª instância e julgando-se procedente o requerido, ou seja, a Sustação do despejo, pelo prazo que vier a ser indicado pelo médico assistente a ouvir”.

3- Nas suas contra-alegações que apresentou, a fls. 307/320, o agravado, Amândio Pires, pugnou pela improcedência do recurso e pela, consequente, manutenção do despacho recorrido.

4- A srª juíza to tribunal a quo proferiu, de forma tabelar, despacho a sustentar o despacho agravado.

5- Corridos os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1- Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3 do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (artº nº 2 – fine - do artº 660 do CPC).
É também sabido que, dentro de tal âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
1.1 Ora compulsando as conclusões do recurso – que, salvo o devido respeito, não se nos afiguram de todo muito claras -, a questão que importa aqui apreciar e decidir consiste em indagar da bondade ou não do despacho da srª juíza do tribunal a quo que indeferiu o pedido de sustação do mandado de despejo requerido pelos réus-executados, e que, no fundo, tem como grande questão subjacente o saber se no caso em apreço se mostram, ou não, preenchidos os pressupostos legais para que seja decretada a sustação do despejo que foi solicitada pelos executados.

2- Os Factos
Para além daqueles que atrás se deixaram já exarados, convém ainda salientar mais os seguintes (e que resultam assentes dos diversos elementos documentais juntos aos autos) factos:
a) O contrato de arrendamento arredamento rural referido nos pontos 1.1 e 1.2 dizia respeito a um prédio rústico denominado “Quinta da Redonda”, sito em Póvoa de Sobrinhos, freguesia de Rio de Loba, Viseu, inscrito na matriz sob o artº 4738 e descrito na Conservatória Predial de Viseu sob o nº 350.
b) Da certidão da Conservatória do Registo Predial, junta fls. 13 e ss dos autos, resulta que o referido prédio rústico é composto por terra de semeadura, com videiras, vinha, árvores de fruto, casa da malta, pinhal e mata (sublinhado nosso).
c) O sobredito contrato de arrendamento rural – entretanto judicialmente declarado resolvido -, foi formalizado pelo documento junto (em cópia) a fls. 16 destes autos, e do qual resulta que “a parte arrendada era composta de terra de semeadura, com casa de habitação, palheiro e pinhal” (parágrafo único do artº 1º desse contrato) – sublinhado nosso.
d) Dos sobreditos atestados médicos juntos aos autos, relativos à pessoa do executado José Victor, extrai-se, em síntese, o seguinte:
- Que o mesmo sofre de cardiopatia isquémica grave, sendo que por esse motivo tem vindo a ser seguido em consulta externa no Hospital de S.Teotónio de Viseu.
- Que é um doente com antecedentes de HTA, Diabetes Mellitus e Dislipidémia e que por instabilidade da sua patologia isquémica, já houve necessidade de internamentos na Unidade Coronária do mesmo hospital. Posteriormente, e por reagravamento da doença coronária, teve que ser submetido a cirurgia de bypass aortocoronário nos HUC, em 12 de Junho de 2001.
- Que o mesmo não deve ser submetido a esforços físicos maiores, nem a situações que acarretam stress emocional, pelo risco de agudização da sua patologia.
No final, e “tendo em conta o perfil clínico, o espectro da doença, de carácter crónico, com necessidade de apoio farmológico ad eternum e a sua progressão previsível”, o exmº médico, subscritor dos aludidos documentos juntos, atribui-lhe um “grau de incapacidade (permanente) a estabelecer de acordo como os nºs 1.3 e 1.4, al. c) do Capitulo VI da Tabela Nacional de Incapacidades” (sublinhado nosso)
f) No que concerne ao sobredito atestado médico, junto a fls. 252, referente ao executado Carlos Alberto, apenas se atesta, em síntese, que o mesmo apresenta deficiências (sem concretamente se especificar o tipo de lesões) que lhe conferem uma incapacidade permanente e global de 85%. Incapacidade essa iniciada em 18/10/2002.
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3- O Direito
Como resulta do acima exarado, após o trânsito da sentença judicial que decretou a resolução do contrato de arrendamento rural, no qual os réus-ora executados tinham a qualidade de arrendatários, e bem assim a condenação destes a despejarem o prédio objecto de tal contrato, entregando-o ao autor livre e desocupado, veio o agora seu dono, Amândio Pires, alegar que tal prédio ainda não lhe havia sido entregue, razão essa pela qual solicitou a passagem de os respectivos mandados de despejo, o que veio a ser deferido judicialmente. Porém, aqueles vieram pedir a suspensão da execução, com a sustação de tais mandados, com o fundamento de viverem na denominada “casa de caseiro” existente no prédio rústico antes arrendado aos mesmos, encontrando-se os réus-executados Carlos Alberto e José Víctor gravemente doentes, sendo certo que, devido à doença deste último, a execução de tal despejo colocaria em risco a vida do mesmo.
Sendo este o cenário com que nos deparamos a resolução da questão incidental aqui em apreço, por via do recurso, passa, como supra já deixámos expresso, por saber se se encontram reunidos os requisitos legais para que possa ser decretada a requerida suspensão da execução, com a sustação do despejo
É o que iremos ver.
Dispõe o artº 61º do Regime do Arrendamento Urbano (doravante designado por RAU), sobre a epígrafe “Suspensão por doença”, que:
Nº 1- “O executor deve ainda sobrestar no despejo quando, tratando-se de arrendamento para habitação, se mostre, por atestado médico, que a diligência põe em risco de vida, por razões de doença aguda, a pessoa que se encontra no local”.
Nº 2- “O atestado referido no número anterior deve indicar de modo fundamentado o prazo durante o qual se deve sustar o despejo”.
Nº 3- “Nos casos referidos no nº 1 tem aplicação o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo anterior”.
Nº 4- “O senhorio pode requerer, à sua custa, o exame do doente por dois médicos nomeados pelo juiz, decidindo este da suspensão segundo a equidade.”
Tal normativo, de cariz excepcional, tem subjacente a si razões de humanidade.
Como resulta da redacção do próprio nº 1 do citado normativo, a suspensão ou sustação do despejo nas condições aí previstas apenas se aplica, dentro da panóplia dos arrendamentos urbanos, aos arrendamentos destinados à habitação.
No caso em apreço está em causa o despejo de um prédio, composto de uma parte urbana e de uma parte rústica, que foi objecto de um contrato de arrendamento rural (que como acima se viu foi judicialmente já declarado resolvido).
Dessa parte urbana faz parte uma casa de habitação, na qual viviam, e vivem, os arrendatários – ora executados -, e nomeadamente o José Víctor e a mulher, desde a data da celebração de tal contrato, em 31/12/1976 (circunstância essa alegada pelos últimos, e que o exequente não pôs em causa).
Sendo assim, a questão que se coloca, desde logo, consiste em saber se tal normativo é aplicável ao caso em apreço, em que está em causa um arrendamento rural (envolvendo uma parte rústica e uma parte urbana), isto é, se é possível suspender ou sustar o despejo, entretanto solicitado e ordenado à luz do citado preceito legal?
A srª juíza a quo entendeu que não, sendo esse o primeiro dos fundamentos que invocou para indeferir o pedido de sustação do despejo (Nesse sentido, defendendo que não é possível a sustação da execução do despejo, por motivos de doença, em relação a arrendamentos não destinados à habitação vidé ainda Aragão Seia in “Arrendamento Urbano, 7ª ed., Almedina, nota 3, pags.400 e 4002” e ainda o Ac. da RP – e não de LX, como, certamente por manifesto lapso, ali se cita – de 25/2/2002, in “CJ, Ano XXVII, T1 – 219”. Posição essa que, todavia, se limitam “tout court” a declarar, sem esgrimir qualquer argumento a fundamentá-la).
Porém, e salvo o devido respeito, não concordamos com tal posição, e pelo seguinte:
Como resulta do atrás exposto estamos perante um caso de execução para entrega de coisa certa.
Ora, sobre a epígrafe “Desocupação de casa de habitação principal” dispõe Artº 930-A do CPC/95 através do seu nº 1 que “Se a execução se destinar à entrega de casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto no artº 61.º do Regime do Arrendamento Urbano”.
Comentando este normativo, escreve Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 621”) que “por se afigurar que a analogia das situações o justifica, este preceito determinou que quando a execução se destine à entrega da casa onde o executado (não sendo embora arrendatário tem a sua habitação principal, é aplicável o disposto no artigo 61.º do RAU, permitindo a suspensão da entrega no caso de comprovada doença – facultando, desse modo, uma justa e adequada ponderação dos interesses contraditórios em causa”. (sublinhado nosso)
Se antes do aditamento ao CPC/95 do citado artº 930-A era perfeitamente compreensível tal posição acima referida, que a srª juíza assumiu, (dado que não existia qualquer normativo de conteúdo semelhante ao mesmo, existindo somente o aludido artº 61 do RAU – diploma especial -, que, por sua vez, reproduziu, com ligeiras alterações o revogado artº 987 da versão anterior CPC), já, porém, após tal aditamento tal posição se torna, a nosso ver, de difícil sustentação, tal a clareza do mesmo. Na verdade, a partir então, o citado artº 61 do RAU passou a ser aplicável não só a todos os casos de arrendamento destinado à habitação, como também a todos os outros casos de execução em que esteja em causa a entrega de uma casa que constitua a habitação principal dos executados.
Ora, no caso presente, muito embora esteja em causa um arrendamento rural, está igualmente em causa a entrega, além da componente rústica do prédio, de uma casa, objecto também de tal contrato, onde habitam (desde há vários anos) os primitivos arrendatários, e que invocam doença grave de, pelo menos, um deles para fundamentar tal pedido de suspensão.
Pelo que, e salvo o devido respeito, não vislumbramos razão (jurídica) suficientemente válida para afastar, in limine, a aplicação ao caso sub judíce do referido artº 61 do RAU, por força do disposto no artº 930-A do CPC, sendo certo que são idênticas as razões (de humanidade) que estão subjacentes à criação de tais normativos, ou seja, não vislumbramos razão para tratar diferentemente situações que, na sua essência, são iguais, e que visam acautelar interesses idênticos.
Posto isto, haverá, agora, que indagar se se verificam, in casu, os demais pressupostos legais exigidos pelo citado artº 61 do RAU para que possa ser decretada a suspensão (pelo menos no que concerne à entrega da aludida casa de habitação) do despejo solicitada pela executada- ora agravante?
Ora vejamos.
Da leitura do citado artigo resulta, desde logo, que para que possa ser ordenada a suspensão ou sustação do despejo, por motivo de doença, necessário se torna a verificação cumulativa – para além daquele a que já atrás nos referimos – dos seguintes requisitos:
a) Que a pessoa que se encontra na casa a desocupar sofra de doença aguda;
b) Que essa doença ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência no decurso do despejo – o que se demonstrará através de atestado médico;
c) Que nesse atestado médico se indique, fundamentadamente, o prazo durante o qual se deve sustar o despejo.
Deve ainda dizer-se que, tal como resulta do exposto no nº 4 do citado artigo, uma vez na posse e análise de tais elementos o juíz deverá depois decidir norteado por princípios de equidade, tomando sempre em consideração, sopesando-os, os vários interesses conflituantes em jogo, tais como, por um lado, a preservação da saúde e da vida da pessoa doente, e, por outro lado, o direito de propriedade privada do executor, conexiado com os prejuízos patrimoniais advenientes para o mesmo com tal situação, e bem assim ainda as demais circunstâncias concretas que no caso se façam sentir. Ou seja, e no dizer dos profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, págs. 55”), a correspondente decisão judicial a tomar depois deverá subordinar-se, não tanto aos critérios normativos fixados na lei, mas antes dar tributo a razões de conveniência e de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda.
No que concerne ao último requisito acima referido, referente à exigência formulada no texto de que o atestado médico indique «o prazo durante o qual deve sustar-se o despejo», perfilhamos o entendimento do conselheiro Aragão Seia (in “Ob. cit., pág. 400”) quando opina que tal expressão do legislador não terá sido, porventura, a mais feliz, devendo antes ser entendida “com o sentido de prazo provável de duração da crise que a suspensão reclama”. Exigência essa que deve ser igualmente entendida tão somenrte “como manifestação de compromisso e seriedade que o certificado médico deve revestir e não como directiva em comando a que o tribunal deva acato. (...) Basta, pois, que se indique a duração provável da crise ainda que por simples menção às características da doença e a sua normal evolução de que a duração se infira”.
Postas estas considerações e reportando-nos, mais de perto, ao caso em apreciação, verifica-se que nenhum dos três requisitos acima enunciados se mostra totalmente preenchido.
Na verdade, da matéria factual apurada, é, desde logo, possível concluir que a doença de que padece o executado José Víctor (e é só a doença dele que está aqui em causa, pois no que concerne à doença do Carlos Alberto ela não é mencionada nas alegações de recurso, sendo, todavia, certo que é manifesto, pelos elementos documentais carreados para os autos, que ela é bem menos grave do que a daquele) não só não é aguda (veja-se que nos atestados médicos juntos fala-se “em risco de agudização da sua patologia”, se for submetido a esforços físicos maiores ou a situações que acarretem stress emocional), como inclusivé tal doença é de carácter crónico (como se afirma expressamente em tais atestados).
Por outro lado, de tal matéria factual não é possível concluir-se que tal doença ponha em real risco a vida do aludido doente, no caso de o mesmo ser mudado da habitação em que actualmente vive e que se pretende despejar.
E, por fim, verifica-se ainda que nos sobreditos atestados médicos não se indica o tempo em que se deve sustar o despejo, ou sequer o tempo provável de duração da alegada crise. E aqui percebe-se bem tal omissão, já que, tratando-se de doença de carácter crónico, não faria sentido tal indicação. Exigência de indicação essa que pressupõe necessariamente que a crise do doente seja provisória ou limitada no tempo, o que, como vimos, não sucede no caso.
Daí, e perante a clarividência dos respectivos atestados médicos, que não se perceba, e salvo o devido respeito, o pedido dos executados e da ora recorrente para que fosse notificado o sr. perito médico, subscritor daqueles, quer para vir fazer tal indicação, quer mesmo para dizer nos autos qual a verdadeira situação clinica do referido doente, razão essa pela qual, também quanto a esse aspecto, andou bem a srª juiza a quo ao indeferir, no despacho recorrido, tal diligência.
Desse modo, e pelo exposto, nenhuma censura nos merece o despacho da srª juíza a quo ao indeferir, por falta de preenchimento dos respectivos pressupostos legais, o pedido de sustação do mandado de despejo que os executados haviam solicitado.
Devemos dizer ainda, e a tal propósito, que não pode olvidar-se o melindre que este tipo de situações sempre acarreta, e fundamentalmente pelo melindre que a valoração de situações desta natureza sempre comporta. Todavia, e perante os factos que nos foram carreados para os autos, afigura-se-nos que outra solução não seria de impor no caso sub judice. O deferir a pretensão dos executados não seria mais do que o adiar indefenido da execução do mandado de despejo, com prejuízo intolerável para os direitos do ora exequente, e sobretudo se tivermos ainda em conta que a sentença que decretou o despejo foi já proferida em 20/3/2001, e sem que dela então os réus-ora executados tenham sequer interposto recurso.
Termos em que, sem mais, se julga improcedente o recurso.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se me negar provimento ao recurso (de agravo), confirmando-se, em consequência, embora por razões não totalmente coincidentes, a decisão da 1ª instância.
Custas pela recorrente, Julieta Monteiro – muito embora seja de considerar o beneficio de apoio judiciário de que a mesma goza até ao momento.

Coimbra, 19 de Outubro de 2004