Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6031/18.7T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
SENTENÇA
CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES
ISENÇÃO DE CUSTAS
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 85, 709 Nº1 D) , 711 Nº1 CPC, 4 Nº1 F) RCP
Sumário: I - A al. d), do n.º 1, do artigo 709.º, do Código de Processo Civil, veda a cumulação de execuções quando se trate de execução da decisão judicial que corra nos próprios autos. Para este efeito, a «execução corre nos próprios autos», mesmo quando a lei de organização judiciária prevê a existência de secções especializadas para tramitar as execuções e determina que o requerimento executivo seja apresentado no tribunal onde se encontra o processo em que foi proferida a sentença que se executa e determina ainda que este tribunal remeta à secção especializada em execuções «…com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham (n.º 2 do artigo 85.º do CPC).

II - A isenção de custas concedida às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, como é o caso das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), prevista na al. f), do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento de Custas Processuais (Aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou quando defendem os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável, abarca, desde que conexos com o seu escopo social os litígios que surjam ao nível dos seus órgãos representativos, relações de trabalho dependente, relações com os utentes, com fornecedores de bens e serviços e ao património.

Decisão Texto Integral:








I. Relatório

a) (1) - O presente recurso vem interposto pela Exequente e respeita ao despacho que indeferiu liminarmente a cumulação de execuções deduzida pela recorrente e bem ainda quanto ao não reconhecimento da isenção de custas que a Exequente afirma lhe assistir.

O despacho recorrido tem este teor:

«Em nosso entender, a isenção prevista art.º 4.º/1/f) RCP não se aplica às concretas circunstâncias em que a Exequente actua nos presentes autos.

Por outro lado:

A pretendida cumulação de execuções encontra-se vedada à luz dos art. 711.º/1 e 709.º/1/d) CPC.

Pelo exposto:

Indefere-se liminarmente a pedida cumulação de execução de novo título executivo.

Notifique».

Notifique o(a) Sr.(a) Agente de Execução».


*

(2)- O primeiro requerimento executivo tem este teor:

«1. A exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social com inúmeras valências ao nível da atividade assistencial, cultural, educacional e de formação concretizadas em diversos estabelecimentos, nomeadamente, a Colégio (…), estabelecimento de ensino particular dos 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente sito em Coimbra

2. No âmbito dessa atividade a exequente admitiu, no referido estabelecimento, T (…) (aluno n.º (…)) em 01/0/2014 e de quem a executada é mãe e representante legal e na sequência de requerimento desta.

3. No período a que se refere o título executivo ficaram por pagar 10 (dez) faturas conforme melhor resulta do mencionado título, totalizando €3.201,32, acrescidos dos juros conforme descrito em «liquidação da obrigação» do presente requerimento.

4. A requerente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que, de acordo com o artigo 2.º dos seus Estatutos, «tem por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos…» apoiando, promovendo e desenvolvendo, para o efeito e atendendo ao disposto no artigo 3.º, alínea b), atividades no âmbito da educação na qual se insere a desenvolvida pela Casa X (...) e, por isso, encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais».

«Liquidação da Obrigação

Valor Líquido……………………………………….....3 201,32 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético……356,14 €

Total……………………………………………………3 557,46 €

O valor líquido corresponde ao capital em dívida.

O valor dependente de simples cálculo aritmético corresponde ao cálculo dos juros à taxa legal civil desde o vencimento das faturas até à presente data».

«Declarações Complementares

1. Documento comprovativo da isenção de pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, encontrando-se os seus estatutos disponíveis para consulta pública em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx».


*

(3) - O segundo requerimento executivo, para cumulação de execuções, que deu origem ao despacho de indeferimento, tem este teor:

«Tribunal Competente, Título Executivo E Factos

Finalidade: Cumular a Processo Existente

Tribunal Competente: Soure - Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra

Espécie: Execução Sumária (Ag. Execução)

Valor da Execução: 3 512,93 € (Três Mil Quinhentos e Doze Euros e Noventa e Três Cêntimos)

Nº Processo: 84573/18.0YIPRT Balcão Nacional de Injunções

Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Criminal (Local)]

Título Executivo: Injunção

Cumular ao Processo: 6031/18.7T8CBR Un. Orgânica: Soure - Juízo de Execução de Soure - Juiz 1

Factos:

N/ ref.ª 111/CBB-A

1. A exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social com inúmeras valências ao nível da atividade assistencial, cultural, educacional e de formação concretizadas em diversos estabelecimentos, nomeadamente, a Colégio (…), estabelecimento de ensino particular dos 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente sito em Coimbra 2. No âmbito dessa atividade a exequente admitiu, no referido estabelecimento, T (…) (aluno n.º (…)) em 01/09/2014 e de quem a executada é mãe e representante legal e na sequência de requerimento desta.

3. No período a que se refere o título executivo ficaram por pagar 10 (dez) faturas conforme melhor resulta do mencionado título, totalizando 3 231,10 €, acrescidos dos juros conforme descrito em «liquidação da obrigação» do presente requerimento.

4. A requerente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que, de acordo com o artigo 2.º dos seus Estatutos, «tem por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos…» apoiando, promovendo e desenvolvendo, para o efeito e atendendo ao disposto no artigo 3.º, alínea b), atividades no âmbito da educação na qual se insere a desenvolvida pelo Colégio e, por isso, encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, bem como do artigo 1.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 9/85, de 9 de janeiro.

(…)

«Liquidação da Obrigação

Valor Líquido:…………………………………………………..3 410,51 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético traduz ……102,42 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: ………..0,00 €

Total: …………………………………………………………….3 512,93 €

O valor líquido resulta do título executivo (capital + juros à taxa legal civil desde a data de vencimento até à data da entrada do requerimento de injunção).

1. juros à taxa legal civil (sobre o capital) desde a data de entrada do requerimento de injunção (23/07/2018) até à data de aposição da fórmula executória em 08/03/2019: 80,73 €;

2. juros à taxa de 5% desde a data de aposição da fórmula executória, nos termos do artigo 13.º d) do regime jurídico da injunção e que se contabilizam, no presente momento, sem embargo dos que se vençam, em 21,69 €.

(…)

«Declarações Complementares

Documento comprovativo da isenção de pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais, encontrando-se os seus estatutos disponíveis para consulta pública em https://publicacoes.mj.pt/Pesquisa.aspx»


*

(4) - Antes do recurso ter sido remetido a esta Relação o Sr. juiz proferiu o seguinte despacho:

«Despacho à luz do art.º 617.º CPC:

Reafirma-se a razão de ser do despacho sob recurso.

Sobre a inadmissibilidade da cumulação:

Como é, a nosso ver, manifesto, o regime processual do CPC para a execução que corre nos próprios autos não varia consoante exista, ou não, no Tribunal em causa um Juízo de Execução.

Com efeito, conforme resulta dos art. 626.º/1 e 85.º/1 CPC, a execução de decisão judicial condenatória que deva ser instaurada mediante a apresentação de requerimento executivo (RE) na própria acção em que foi proferida a decisão a executar é sempre uma execução que corre nos próprios autos, e esta forma do processo de execução não se altera com o cumprimento do art.º 85.º/2 CPC.

Na verdade, a execução das decisões que não são processualmente executadas nos próprios autos seguem a forma sumária de processo [art.º 550.º/2/a) CPC].

Analisado o RE inicial da presente acção executiva, facilmente se constata que, nessa altura, até a própria Exequente concordava com o “supra” exposto, pois não recorreu à forma sumária de processo.

Apenas as execuções que não são (ou não possam ser) instauradas nos próprios autos em que foi proferida a decisão condenatória é que seguem a forma sumária de processo [“verbi gratia” uma sentença judicial condenatória proferida por Tribunal de outro estado da União Europeia certificada como título executivo europeu – art.º 20.º/1 do Regulamento (CE) n.º 805/2004].

Em síntese, em nosso entender, não se verificam as nulidades apontadas à decisão sob recurso.

 Sobre a isenção de custas:

A isenção à luz do art.º 4.º/1/f) RCP exige que a Parte esteja a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

Conforme esclarece Salvador da Costa [“As Custas Processuais”, 7.ª Edição, 2018, página 109]: “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona nos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou pela lei coincidentes com o bem comum.”.

Sobre o tema confrontar também o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-06-2016 (846/14.2T8BCL.G1).

No caso concreto, em nosso entender, a Exequente não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável.

A Exequente está apenas a procede à cobrança coactiva de um crédito que não foi voluntariamente satisfeito.

Quanto à isenção à luz do Decreto-Lei n.º 9/85, de 09/01, está a mesma revogada pelo art.º 25.º/1 do DL.34/2008, de 26/02.

Sobre a incompetência da secretaria para suscitar a questão e da inadmissibilidade de despacho liminar nesta matéria:

Quanto a este tema, em nosso entender, não há muito a dizer, pois a actuação da Secretaria Judicial e do Tribunal reconduz-se apenas ao cumprimento da lei [art.os 157.º/1 e 734.º/1 CPC].

Em síntese, em nosso entender, não se verificam as nulidades apontadas à decisão sob recurso.

Sobre os princípios da protecção da confiança, da proibição do efeito surpresa e da proporcionalidade:

A nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, não é possível entender que merece protecção a confiança criada pela Exequente em que não lhe será exigido o pagamento de custas que sejam devidas por não lhe terem sido exigidas até ao presente.

Frisa-se que não existe qualquer alteração da interpretação do Tribunal.

Nenhuma das acções executivas mencionadas tem qualquer despacho judicial (com excepção de um único despacho de levantamento de sigilo na acção executiva n.º 2043/18.9T8CBR).

O que se constata é que todas as acções executivas referidas assumem a forma sumária de processo e a Exequente tem usufruído da passividade dos Agentes de Execução.

Com efeito, é totalmente incompreensível que a Exequente se considere isenta de custas para pagar taxas de justiça ao Estado, mas já não vislumbre qualquer isenção quando se trata de pagar as custas relativas aos honorários e despesas da Sr.ª Agente de Execução.

Bem sabe a Exequente que – ao contrário do que sucede nos presentes autos – nos casos em que o exequente beneficia de isenção do pagamento de custas e, portanto, não paga qualquer espécie de custas [“lato sensu”: taxa de justiça; encargos; e custas de parte (o art.º 4.º/7 RCP não têm aplicação no Processo Executivo no qual não há uma “parte vencedora”)], as funções de Agente de Execução são necessariamente desempenhadas por Oficial de Justiça.

Em síntese, em nosso entender, não se verificam as nulidades apontadas à decisão sob recurso».

b) É daquele primeiro despacho que vem interposto o recurso, cujas conclusões são as seguintes:

«1. O presente recurso manifesta a discordância da apelante em relação ao despacho de indeferimento liminar do pedido de cumulação de execução de novo título executivo que assenta na circunstância de o artigo 711.º, n.º 1, combinado com o artigo 709.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil não admitir a requerida cumulação; e do não reconhecimento da isenção do pagamento de custas à apelante nesta ação.

2. Assim, da leitura combinada dos artigos 711.º, n.º 1 e 709.º, n.º 1, alínea d), CPC resulta que não é admitida a cumulação da execução de outro título quando a execução da decisão judicial corra nos próprios autos.

3. Sucede que, essa ação está a correr termos no Juízo de Execução de Soure (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra e não nos próprios autos (processo n.º 131074/16.5YIPRT que correu os seus termos no Juízo local Cível de Coimbra – Juiz 3) conforme de resto, requerido pela aqui apelante.

4. Ora, quando a aqui apelante requereu a execução de outro título (sobre a qual incide a decisão do tribunal a quo), cumulando-o à ação inicial, não o fez junto de uma execução que corra os seus termos nos próprios autos, mas junto de uma ação que corre os seus termos no juízo de competência especializada em matéria de execução.

5. A decisão que indefere liminarmente o pedido de cumulação de execuções é, por isso, nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) na medida em que os fundamentos estão em contradição com a decisão, pelo que deve ser revogada.

6. Do despacho de que se recorre resulta que, no entender deste tribunal, «a isenção prevista art.º 4.º/1/f) RCP não se aplica às concretas circunstâncias em que a Exequente actua nos presentes autos».

7. A singela oração é conclusiva e vaga sendo nula por falta de fundamentação devendo ser revogada nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil na medida em que na decisão de que se recorre não são especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

8. Sem prescindir, sempre se dirá que a ambos os requerimentos executivos assentam no não pagamento das mensalidades devidas pela frequência do Colégio (…), estabelecimento da apelante/exequente que é uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos traduzindo-se numa instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que, de acordo com o artigo 2.º dos seus Estatutos, «tem por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos…».

9. Nos termos do artigo 3.º desses Estatutos «[p]ara atingir o seu objetivo a Fundação propõe-se apoiar, promover e realizar atividades nos seguintes âmbitos: a) Solidariedade Social; b) Educação; c) Saúde; d) Cultura; e) Formação Profissional; f) …» (sublinhado nosso).

10. Em cumprimento desses objetivos a F (…) desenvolve obras sociais na região, pensa-se, de inquestionável valor e relevância, nos domínio referidos no artigo 3.º mencionado supra incluindo a educação (onde se insere o Colégio (…)), em ações ou projetos total ou parcialmente suportadas pela própria Fundação apelante.

11. A sua natureza de utilidade pública e, especificamente, o seu escopo não lucrativo está presente em todas as suas atividades, desenvolvidas no âmbito dos respetivos estatutos e às quais imprime, sempre, um cariz social o que ocorre igualmente na atividade do Colégio (…) que é um estabelecimento de ensino particular, nomeadamente, dos 1.º ao 3.º ciclos do ensino sito em Coimbra, conforme resulta do artigo 2.º do Regulamento Interno do Colégio (documento 1 cuja junção se requer e justifica a final).

12. A atividade do Colégio, apesar de particular, é materialmente social na medida em que, por exemplo, a fixação da propina para o primeiro ciclo sempre obedeceu a critérios de enquadramento em escalões de acordo com a situação (económica e social) do agregado familiar demonstrada pelos representantes legais dos candidatos; concede, através da Fundação apelante, bolsas, integralmente suportadas pela apelante, a alunos cujos agregados familiares apresentem uma capitação média mensal igual ou inferior a uma retribuição média mensal garantida; admite os menores institucionalizados na Casa (...) (estabelecimento que acolhe menores até aos doze anos retirados por decisão judicial às famílias) que frequentem os ciclos de ensino por si ministrado, sendo o respetivo custo assumido pela Fundação.

13. As funções sociais e de utilidade pública da Fundação, que resultam do seu escopo não lucrativo, não podem ser colocadas em causa na atividade desenvolvida pelo Colégio, nem, neste sentido e, s.m.o., no que respeita à cobrança de dívidas que resultam do incumprimento do pagamento das propinas e serviços devidos, que se inclui na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos sob pena de insustentabilidade da ação social que desenvolve.

14. A apelante encontra-se abrangida, neste caso, pela isenção prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Civil.

15. Sem prescindir, a exequente sempre se encontraria isenta do pagamento de custas processuais ao abrigo do artigo 1.º, alínea a) do Decreto-lei n.º 9/85, de 9 de janeiro, pois, conforme resulta da declaração junta com os requerimentos executivos, com as referências CITIUS 29773339 e 32258032, já mencionadas, a Recorrente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social o que a integra no objeto imediato da norma mencionada.

16. Acresce que no domínio do processo executivo sumário a competência para recusar o requerimento executivo ou suscitar a intervenção do juiz cabe, exclusivamente, ao agente de execução e não à secretaria, nos termos do artigo 855.º, nº 2 e 719, n.º 1 do Código de Processo Civil, razão pela qual se verifica excesso de pronúncia no que respeita às custas processuais em violação do artigo 615, n.º 1 d) do Código de Processo Civil, para além da referida ausência de fundamentação.

17. Adicionalmente o despacho liminar no âmbito do processo executivo encontra-se previsto no artigo 726.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que fixa, taxativamente, as causas de rejeição do requerimento executivo, nele não figurando o não pagamento de taxa de justiça ou o não reconhecimento de isenção subjetiva desse pagamento, pelo que também aqui se verifica o alegado excesso de pronúncia.

18. Além disso a decisão de que se recorre pretende produzir efeitos sobre um processo iniciado na sequência de requerimento que deu entrada em 22 de julho de 2018 (há quase um ano) nada tendo sido suscitado nesse momento ou até este momento (nem mesmo pela executada) em clara violação dos princípios da proteção da confiança, da proibição do efeito surpresa e da proporcionalidade que também saem feridos pela drástica alteração da corrente interpretativa deste tribunal divergente da de todos os outros em que a apelante tem ações em curso e até deste mesmo juízo.

19. A alteração da interpretação do artigo 4.º do RCP pelo tribunal a quo faz operar uma decisão surpresa por se basear num fundamento que nunca foi legitima e previamente considerado.

20. A ausência de fundamentação nada mais permite alegar nesta sede, sem prescindir de eventual e futuro exercício do direito de defesa.

21. Deve, pois, a decisão de que se recorre ser anulada, admitindo-se a cumulação deste título e reconhecendo-se a isenção de custas da apelante, assim se fazendo Justiça!

Nestes termos: deve proceder o presente recurso e, em consequência, a decisão recorrida ser revogada, por violação dos artigos 615.º, n.º 1 alíneas b) e d), 711.º, n.º 1 e 709.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 4.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais e 1.º, alínea a) do Decreto-lei n.º 9/85, de 9 de janeiro, declarada a admissão do requerimento cumulativo e, bem assim, reconhecida isenção de custas da apelante».

C) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – O primeiro grupo de questões a analisar respeita às nulidades de sentença.

2 – Em segundo lugar coloca-se a questão de saber se é viável ou não é a cumulação de execução de novo título executivo, face ao disposto no artigo 711.º, n.º 1, combinado com o artigo 709.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

3 – Em terceiro lugar, cumpre verificar se a recorrente beneficia ou não de isenção de pagamento de custas.

Analisando-se ainda a questão suscitada pela Exequente no sentido de que terá existido uma decisão surpresa por se basear num fundamento que não foi considerado anteriormente nos autos, aquando do requerimento executivo inicial, apresentado em 22 de julho de 2018, nada tendo sido suscitado nesse momento quanto à (não) isenção de custas, existindo, por isso, quanto a este segundo requerimento executivo uma alteração por parte do tribunal da interpretação antes feita relativamente ao artigo 4.º do RCP.

III. Fundamentação

a) Nulidades de sentença

A recorrente argumenta que a decisão que indefere liminarmente o pedido de cumulação de execuções é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na medida em que os fundamentos estão em contradição com a decisão, pelo que deve ser revogada.

E também é nula porque no que respeita à não isenção de custas não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

No que respeita à primeira arguição de nulidade a mesma improcede porquanto não se verifica a referida contradição, pois lendo a decisão verifica-se que esta decorre logicamente dos seus fundamentos.

Quanto à falta de fundamentação em relação à não isenção de custas a nulidade ocorre porque não foram indicados fundamentos e a simples remessa para o teor literal da norma não é neste caso suficiente, como resultará daquilo que mais abaixo será exposto.

Declara-se esta nulidade, pelo que o tribunal a suprirá ao mesmo tempo que conhecerá do fundamento do recurso que pugna pela isenção de custas por parte da recorrente.

b) Matéria de facto

A matéria a considerar reveste natureza processual e consiste nos atos atrás referidos no «Relatório».

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 - Vejamos se é viável ou não é a cumulação da execução quanto ao novo título executivo apresentado, face ao disposto no artigo 711.º, n.º 1, combinado com o artigo 709.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

O artigo 709.º, n.º 1, al. d) (Cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes), do Código de Processo Civil, tem a seguinte redação:

«É permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando: (…); d) A execução da decisão judicial corra nos próprios autos».

No caso dos autos os dois títulos executivos são duas sentenças e há identidade de executado.

Na al. d), do n.º 1, do artigo 709.º do Código de Processo Civil apenas se proíbe a cumulação de títulos executivos-sentença quando a sentença é executada no próprio processo onde foi proferida, pois é este o caso em que se verifica a hipótese prevista nessa norma, que consiste em a execução correr nos próprios autos.

Por conseguinte, se a execução de uma sentença não corre nos próprios autos onde foi proferida já não se verifica este obstáculo específico à admissibilidade da cumulação.

A Recorrente alega que a primeira sentença dada à execução não corre nos próprios autos onde foi proferida, mas sim em processo autónomo e, sendo assim, como é, escapa à referida proibição prevista na al. d), do n.º 1, do artigo 709.º do Código de Processo Civil.

Cumpre verificar este facto.

Verifica-se que efetivamente a sentença que dá corpo ao título executivo inicial foi proferida no âmbito do processo n.º 131074/16.5YIPRT, no Juízo Local Cível de Coimbra – Juiz 3.

O título executivo que se cumula é uma injunção, cuja força executiva foi declarada no âmbito do processo de injunção n.º 84573/18.0YIPRT.

Verifica-se que o presente processo aparenta ser outro processo, pois tem o n.º 6031/18.7T8CBR-A do Juízo de Execução de Soure – Juiz 1.       

Porém, muito embora se trate fisicamente de outro processo, a lei de processo trata-o para efeitos executivos como sendo o mesmo processo, pelas seguintes razões:

(I) É um facto que quando se afirma na lei que uma execução corre nos próprios autos, isso era interpretado habitualmente no sentido de que o processo executivo seria tramitado física e virtualmente ([1]) na dependência do processo onde foi formado o título executivo, isto é, a sentença.

Sempre assim foi entendido até ao momento em que se tornou possível desmaterializar os processos e, com isso, o processo passou a ter uma enorme maleabilidade no que respeita à sua tramitação, sendo possível, por exemplo, dar início ao processo, ou remeter peças processuais para o processo, sem necessidade do advogado sair do seu escritório.

Esta maleabilidade na transmissão da informação processual veio permitir outros modos mais ágeis de tramitar processos e isso refletiu-se no caso que nos ocupa, como se referirá a seguir.

 (II) No que respeita à competência territorial e especializada do tribunal para tramitar uma execução baseada numa sentença, o Código de Processo Civil atual, de 2013, veio dispor no artigo 85.º, do seguinte modo:

«1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha, entretanto, subido em recurso, casos em que corre no traslado.

2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.

3 - Se a decisão tiver sido proferida por árbitros em arbitragem que tenha tido lugar em território português, é competente para a execução o tribunal da comarca do lugar da arbitragem».

Verifica-se que o Código determina que quando se executa uma sentença o respetivo requerimento executivo é apresentado no processo em que foi proferida a sentença.

Por conseguinte, satisfaz o que foi dito, ou seja, existe dependência da execução de sentença em relação ao processo onde foi proferida.

Sucede, porém, que o Código de Processo Civil, tendo em conta a possibilidade da lei de organização judiciária prever a existência de secções especializadas para tramitar as execuções, determinou que neste caso o requerimento executivo continuaria a ser apresentado no tribunal onde se encontra o processo onde foi proferida a sentença que se executa, mas este tribunal remeteria à secção especializada em execuções  «…com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham» - n.º 2 do mencionado artigo 85.º.

Estas normas acima transcritas do artigo 85.º do CPC de 2013 não sofreram alterações.

Assim como não sofreu alteração a norma do artigo 709.º, n.º 1, al. d) do mesmo Código que veda a cumulação de execuções quando se trate de «execução da decisão judicial corra nos próprios autos».

Ou seja, é o mesmo legislador que proíbe a cumulação de execuções quando se trate de «execução da decisão judicial corra nos próprios autos» e também determina que nos casos em que existe uma secção especializada em execuções, o requerimento executivo é dirigido ao processo onde a sentença foi formada, cumprindo ao respetivo tribunal, com caráter de urgência, remeter cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham à secção especializada em execuções.

O legislador podia ter optado por ordenar a remessa de todo o processo físico à secção especializada em execuções e seria claro, nesta hipótese, que a execução corria nos próprios autos.

Mas não procedeu assim, apenas ordenou a remessa da sentença e do requerimento executivo e seus documentos, colocando-se a dúvida sobre se se trata de uma execução que corre nos próprios autos.

O legislador regulou esta tramitação na Portaria n.º 282/2013, de 29/08 (atualizada pelas Portarias 233/2014, de 14/11, 349/2015, de 13/10 e 267/2018, de 20/09), em cujo artigo 4.º (Termos de apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória), se refere o seguinte:

«1- A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes.

2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrónica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.

3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma.

4 - O exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma.

5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando-se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas.

6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução

(III) Afigura-se, a partir do que fica exposto, que resulta claro que o legislador tratou esta matéria como «execução que corre nos próprios autos», muito embora isso não corresponda à realidade física, pois o processo originário, o declarativo, permanece fisicamente num tribunal e o processo executivo corre fisicamente noutro tribunal.

Porém, em termos virtuais, não físicos, a lei constrói a situação e designa-a como «execução que corre nos próprios autos».

(IV) Ou seja, a situação que ocorre no presente processo é considerada como uma «execução que corre nos próprios autos».

Concluir assim é concluir pela improcedência deste primeiro fundamento do recurso.

2 – Passando à questão de saber se a Recorrente beneficia ou não beneficia de isenção de pagamento de custas.

Começando por analisar a alegação de que terá existido uma decisão surpresa quanto à não isenção de custas, porquanto nada tinha sido dito até ao momento da decisão, muito embora não tivesse sido paga a taxa de justiça inicial.

Não procede esta argumentação.

Existe uma decisão surpresa quando a decisão tomada não é esperada face às questões que se encontram colocadas no processo e à prática jurisprudencial do passado em casos idênticos ou semelhantes.

Não é o caso.

A questão da isenção de custas estava colocada desde o início pela Recorrente, que declarou estar isenta e, por isso, a recorrente não podia deixar de colocar a hipótese de vir a existir uma decisão sobre a matéria, muito embora a passagem do tempo lhe criasse a expetativa de que o tribunal concordava com a afirmação da exequente dado o seu silêncio sobre a matéria.

Mas o certo é que o tribunal nada disse e o silêncio como um modo de emitir uma declaração só tem esse valor, como é regra, quando a lei o uso ou uma convenção lhe atribuem um determinado valor declarativo (cfr. artigo 218.º do Código Civil), regra que é válida no presente domínio, pelo que o silêncio do tribunal não implicou necessariamente concordância, pois a lei não atribui a tal silêncio o significado de concordância.

Improcede, pelo exposto, este fundamento recursivo.

Vejamos então a questão da isenção de custas.

1 - Uma breve revista à jurisprudência mostra a existência de decisões divergentes.

a) Assim, num sentido mais restritivo, sem se ser exaustivo, podemos elencar as seguintes decisões:

• No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,  de 22 de março de 2017, no processo n.º 22455/16.1T8LSB.L1-4 (Cecília Nóbrega), ponderou-se que «Actua fora das condições referidas na al. f) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, a Ré, Instituição Particular de Solidariedade Social, no âmbito de uma acção em que é demandada para pagar diferenças salariais e uma indemnização por danos morais em virtude de contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré» (sumário).

Considerou-se que o objeto da ação versava sobre um litígio relativamente a um contrato de trabalho que a Ré havia celebrado como qualquer outra pessoa jurídica celebra, resultando assim que a pessoa coletiva não atuava, nem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições estatutárias, nem em defesa dos interesses especialmente conferidos pelos estatutos ou por lei.

Porém, no voto de vencido (Sérgio Almeida) teceram-se considerações opostas: «Cremos que existem assuntos que decorrem naturalmente, a montante ou jusante, daqueles interesses, e que são ainda necessários à prossecução dos interesses da entidade particular de solidariedade social. No caso, o que concerne à contratação de professores e às suas instalações. No primeiro poderemos ter o que se prende com os contratos de trabalho dos professores, elementos sem os quais a R. não funciona; o segundo com a defesa do local onde presta a sua atividade (vg uma defesa contra uma ocupação indevida por terceiros das instalações onde são dadas aulas)

É que em ambos a pessoa age ainda necessariamente para a prossecução dos objetivos que justificam a isenção».
• Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-12-2011, proferido no processo n.º 68/08.1TTCBR (Manuela Fialho), onde se considerou que na isenção prevista na alínea f), do n.º 1 do artigo 4º do RCP não cabem as “as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições”.
• Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Janeiro de 2013, publicado no sítio www.dgsi.pt, proferido no processo n.º 1140/11.6TTMTS, onde se ponderou que a isenção de custas prevista na alínea f), do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas processuais não abrange as ações declarativas emergentes de contrato de trabalho interpostas contra uma IPSS com vista ao reconhecimento de créditos decorrentes da relação laboral que existiu entre ela e uma trabalhadora.

• Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de junho de 2017 Processo n.º 2734/16.9T8BCL-A.G1 (Vera Maria Sottomayor) Esta isenção (refere-se à al. f), do n.º 1 do artigo 4º do RCP) não abrange, a acção declarativa emergentes de contrato de trabalho interpostas contra a Ré Santa Casa da Misericórdia (…), em que se discute o reconhecimento de diferenças salariais resultantes do contrato de trabalho que vigorou entre Autora e Ré»

•  Acórdão do tribunal da relação de Guimarães, de 4-10-2017, no processo 11/14.9TTVRL-A.G1, onde se ponderou que «Os factos alegados apenas nos permitem concluir que o litigio existente entre autora e ré é comum a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal instituição.

Não estamos perante qualquer atuação respeitante ao âmbito das suas especiais atribuições, nem para defesa dos interesses que especialmente lhe estão conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável contrato em apreço, razão pela qual se entende que independentemente de aquelas funções serem ou não levadas a cabo no âmbito dum contrato de trabalho, o que se discute nada tem a ver com o interesse público visado pela Ré, nem os créditos laborais reclamados constituem obrigações necessárias ou sequer instrumentais à prossecução dos seus fins, pelo que a Ré não está assim isenta de custas»
• Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8/8/2018, processo n.º 0394/18 (José Veloso): «Na verdade, e não obstante alguns sectores da doutrina, e jurisprudência, virem entendendo que a «isenção de custas» da citada alínea f) também se aplica às atuações das entidades em causa que sejam instrumentais das suas atribuições, cremos que esta extensão não se compagina com a exigência limitativa imposta pelo legislador. De facto, ao limitar a isenção de custas à atuação desenvolvida exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições o legislador arreda, a nosso ver, essa hipótese».

Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 18 de outubro de 2013, no processo 00309/12.0BEPNF, «I - A isenção subjectiva de custas prevista no artigo 4º, nº1, alínea f) do RCP, aprovado pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26/2, está sujeita a outros requisitos para além da inexistência de fins lucrativos. Tais pessoas colectivas privadas têm de actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

II - Tendo a Recorrente, pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, deduzido impugnação judicial (na sequência dos indeferimentos da reclamação graciosa e posterior recurso hierárquico) com vista à anulação das declarações por si entregues e das liquidações adicionais de IRS e IRC (retenções na fonte) emitidas com fundamento na falta de entrega do imposto declarado retido com respeito ao pagamento de rendimentos do trabalho dependente e independente e de rendimentos prediais, tal situação não se enquadra nas especiais atribuições da Recorrente enquanto associação abrangida pela referida isenção, tal como nada tem a ver com a defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou pela própria lei».

b) Num sentido mais abrangente, sem se ser exaustivo, podemos destacar as seguintes decisões:

• Acórdão do tribunal da relação do Porto de 14-1-2014 (Francisco Matos) no processo 1026/12.7TVPRT.P1: «…III- Por se encontrar numa relação de instrumentalidade com o seu necessário escopo social, goza da isenção de custas a associação desportiva, pessoa colectiva sem fins lucrativos, com o fim de desenvolver a prática da educação física e do desporto numa acção em que visa a anulação de deliberações sociais de uma associação desportiva, com idêntico fim, em que se encontra filiada».
• Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/06/2018, Processo n.º 988/17.2T8FAF.G1 (José Alberto Moreira Dias), com o seguinte Sumário:
«…2 - Aquela isenção deve abranger as ações em que o respetivo objeto contenda exclusivamente com a satisfação dos fins especiais que, em função dos respetivos estatutos, incumbe à pessoa coletiva particular, sem fins lucrativos, prosseguir, ou em que esta prossegue a defesa dos interesses especiais que lhe são atribuídos por lei ou por esses estatutos, ainda que esses interesses e/ou fins sejam prosseguidos na ação por via instrumental, esta entendida nos termos que se passam a enunciar.
3 - A apreciação dessa instrumentalidade carece de ser feita por referência ao objeto da concreta ação em que aquela pessoa coletiva seja demandante ou demandada, com vista a verificar se o assunto em discussão nessa ação tem por objeto relações jurídicas estabelecidas por essa pessoa coletiva com terceiro (demandante ou demandado), com vista à prossecução das atribuições (fins) especiais que lhe são fixados pelos respetivos estatutos e/ou à defesa dos interesses especiais que lhe são conferidos por lei ou pelos respetivos estatutos, por serem uma decorrência natural do seu atuar na concretização desses fins e/ou interesses, quer por serem a concretização destes fins e/ou interesses, quer por serem necessários à concretização dos mesmos.
4 - A isenção do art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP, abrange as ações referidas em 3), como é o caso de uma ação instaurada por uma IPSS, cuja finalidade estatutária é o apoio à criança, jovens e idosos, a quem incumbe, na concretização desses fins estatutários, criar, manter e desenvolver creche, jardim-de-infância, ATL, colégio e lar, em que o objeto dessa ação é o alegado incumprimento de um contrato de locação financeiro celebrado pelo IPSS com as demandadas, cujo objeto é um leitor biométrico, que aquela locou com vista a colocá-lo nas suas instalações para controlar, diária e permanentemente, a entrada e saída de alunos, professores, funcionários e visitantes nessas instalações.»

• Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-12-2019, no processo n.º 1642/18.3T8CSC-A.L1-4  (Eduardo Sapateiro), onde se considerou que «I- A al. f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP obriga a uma interpretação compreensiva e abrangente das realidades que lhe podem estar subjacentes e que, em grande medida, passam por uma apreciação casuística dos litígios trazidos a tribunal ou, pelo menos, do tipo ou espécie de ações, que pela sua relação instrumental com as referidas especiais atribuições e interesses prosseguidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, segundo os seus estatutos e o regime legal aplicável, poderão, em regra, beneficiar, à partida dessa isenção de custas, tudo sem prejuízo do disposto nos números 5 e 6 do mesmo artigo 4.º do RCP.

II- Existirão muitas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos que, pela sua dimensão e natureza da sua atividade, se sustentarão fundamentalmente na carolice e trabalho voluntário dos seus sócios e demais colaboradores, mas certamente outras, como a Ré, terão absoluta necessidade de celebrar contratos onerosos de trabalho e de prestação de serviços com terceiros, por só assim lhes ser possível prosseguir as suas particulares atribuições e específicos interesses (que, como sabemos e resulta dos próprios Estatutos da instituição aqui demandada são múltiplos, variados e ambiciosos em termos sociais).

III - Revelando-se essas relações de trabalho subordinado como absolutamente necessárias ao funcionamento da Ré e à realização dos seus fins e decorrendo de tais vínculos e do risco da autoridade e da atividade profissional a eles inerente a ocorrência de acidentes de trabalho, não se poderá negar, em regra, tal isenção de custas à Ré, ainda que condicionada ao desfecho final da ação laboral, nos termos dos números 5 e 6 do artigo 4.º do RCP».

2 – Existe consenso nos autos no sentido de que que a recorrente é uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos, pelo que nada será dito sobre esta matéria.

Afigura-se que decisão a tomar deve ir de encontro a esta segunda interpretação, pelas seguintes razões:


*

 (a) No passado, no sistema do Código de Custas Judiciais que antecedeu o atual Regulamento de Custas Processuais, as instituições particulares de solidariedade social gozavam de isenção de custas, sem quaisquer limitações.

Com efeito, o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro de 2003) dispunha que «1- Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas: (…) c) As instituições particulares de solidariedade social; …».

Tratava-se de uma isenção subjetiva, isto é, bastava que a instituição fosse parte processual para gozar de isenção de custas.

Uma das finalidades do atual Regulamento de Custas Processuais foi, como se diz no seu preâmbulo, proceder «… a uma drástica redução das isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenções».

Por conseguinte, tem de ser salientado, como auxiliar de interpretação da norma em causa, que o legislador teve a intenção de reduzir os casos de isenção de custas em relação à totalidade das isenções então em vigor, mas não em especial no que respeita às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos.


*

(b) Dentro desta finalidade, a norma que concedeu a isenção de custas às pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, ou seja, a al. f), do n.º 1, do artigo 4.º do Regulamento de Custas Processuais (Aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), foi assim redigida:

«1- Estão isentos de custas: (…); f) As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável».

Esta isenção foi restringida nos termos que constam dos n.º 5 e 6 do mesmo artigo 4.º do RCP, nos seguintes termos:

«5 - Nos casos previstos nas alíneas b), f) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.

6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s), t) e x) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida».

Por conseguinte, mesmo que em abstrato uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos goze de isenção, pagará custas quando a sua pretensão se revele manifestamente improcedente e será sempre responsável pela parte das custas relativa a «encargos» a que tenha dado origem quando a respetiva pretensão for totalmente vencida.

Ou seja, não há isenção nos casos abusivos e não há isenção quanto aos «encargos» naqueles casos em que a instituição não tem razão ou, tendo-a, não consegue mostrar no processo que a tem.

Olhando agora para os termos gerais da isenção, verifica-se que esta tem uma componente mista, subjetiva e objetiva, isto é, além da identidade da pessoa visada pela isenção de custas (modo subjetivo) exige-se ainda que o objeto do litígio (modo objetivo) se integre na previsão da norma, que é esta:

(I) Quando a pessoa coletiva atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou

(II) Quando defende os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

Estes conceitos  de «ação exclusiva», «atribuições especiais» e «defesa de interesses especiais» são de elevada abstração e, por isso, a sua compreensão ([2]) imediata torna-se difícil e apela à indagação casuística, mas, mesmo assim, o critério mostra-se rebelde ao estabelecimento de fronteiras precisas.

Com efeito, se, por exemplo, uma pessoa coletiva tem por escopo auxiliar pessoas cegas a integrarem-se na sociedade, em que consiste «atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições»?

Contratar alguém para exercer funções na respetiva secretaria é «agir exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições»? E comprar material de escritório?

Por um lado, numa visão mais ampla, parece que sim, que a instituição ao atuar deste modo está a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, pois a pessoa coletiva carece necessariamente de contratar funcionários e de adquirir material de escritório para poder levar por diante o seu objeto social.

Mas, a perspetiva mais restrita objetará que contratar funcionários ou comprar material de escritório, ou contratar serviços como fornecimento de eletricidade, nada tem de exclusivo, pois em nada se distingue da atividade que quaisquer outras entidades levam a cabo porque também elas carecem de contratar funcionários e materiais para agirem.

E que dizer se a pessoa contratada não for um funcionário comum a outras atividades sociais, mas sim um professor especialmente capacitado para interagir com pessoas invisuais?

Neste caso, já existirá consenso, pois a contratação já se inserirá, aparentemente nas «especiais atribuições» da instituição, porquanto o funcionário em questão só é contratado devido à especial finalidade prosseguida pela instituição.

Mas quem defende uma visão mais ampla argumentará que também o pessoal administrativo foi contratado devido à especial finalidade prosseguida pela pessoa coletiva, o que corresponde à realidade, porquanto é sabido que tais funcionários são imprescindível à promoção dos fins da pessoa coletiva, pois esta não pode surgir e manter-se se não contratar funcionários, se não tiver instalações, se não prestar serviços e não adquirir serviços.

Outro caso.

Se uma instituição tem como finalidade fornecer refeições gratuitas, ou acessíveis, a pessoas carenciadas, estará isenta de custas num litígio com um fornecedor de matérias-primas alimentares, já que a causa do litígio prende-se de modo direto com a finalidade prosseguida pela pessoa coletiva, que é a de fornecer refeições a pessoas carenciadas e adquiriu as matérias-primas unicamente por causa deste seu objetivo social.

Porém, se uma instituição cujo objeto social é o aconselhamento vocacional dirigido a jovens, com vista a futura integração no mercado de trabalho, monta um refeitório nas suas instalações para servir refeições aos seus funcionários e desse modo obter deles um melhor desempenho profissional, já não goza de isenção de custas num litígio semelhante?

Neste caso, dir-se-á, a atividade de servir refeições aos seus funcionários e utentes não está ligada de modo direto aos fins da instituição que são o aconselhamento vocacional.

Ou seja, a atividade de onde emerge o litígio, o fornecimento de refeições, tem natureza instrumental em relação ao objeto social (aconselhamento vocacional).

Outro campo onde se coloca a mesma questão tem a ver com a cobrança de créditos por parte destas instituições.

Assim, se uma instituição tem por objeto social o apoio a pessoas idosas e instaura em tribunal um processo a um utente para exigir o pagamento do preço de serviços que lhe prestou neste âmbito, gozará de isenção, pois o litígio respeita a algo que deriva de modo imediato do seu objeto social.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados.

Ora, quem defende a posição mais restrita apelará ao teor literal da norma e alertará que a isenção só existe (I) quando a instituição atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou (II) quando defende os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

Contrapor-se-á que toda a atividade lícita ([3]) de uma instituição constitui uma rede de interligações e, por ser assim, todas as atividades contribuem para se alcançarem os mesmos objetivos ou fins da pessoa coletiva, pois é sabido que as atividades principais carecem previamente da execução de atividades secundárias ou instrumentais, sob pena das primeiras não serem alguma vez exequíveis.

Como se referiu, uma instituição carece de órgãos sociais, de funcionários, de instalações, de património, de fornecer e adquirir serviços.

E em todas estas vertentes podem surgir conflitos cuja resolução implique a intervenção de um tribunal.

Mas se ao intervir nestes conflitos a instituição não está a (I) atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou (II) a defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável, então, cumpre perguntar, em que casos o fará?

Parece que poucos casos restarão e, por conseguinte, na generalidade dos casos em que uma instituição demanda ou é demandada não gozará de isenção.

Sendo esta a realidade destas instituições, cumpre indagar a seguir, se terão existido razões para o legislador ter alterado de modo tão radical, restringindo-o, o sistema de isenção de custas de que beneficiavam as instituições particulares de solidariedade social até 2008.


*

c) Afigura-se que o legislador não pretendeu introduzir uma tão ampla restrição na isenção de custas, quanto às instituições particulares de solidariedade social, quanto o teor literal da norma parece indicar, pelas razões que vão ser indicadas.

Em primeiro lugar, cumpre ter em consideração que, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 1.º  do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro as instituições particulares de solidariedade social, são «…pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público. 2 - A atuação das instituições pauta-se pelos princípios orientadores da economia social, definidos na Lei n.º 30/2013, de 8 de maio, bem como pelo regime previsto no presente Estatuto».

Como refere Salvador da Costa, a isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções que sem espírito de lucro realizam tarefas em prol do bem comum, que aproveitam à comunidade e que incumbe ao Estado facilitar -  Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª Edição, 2013, p. 159.

Efetivamente estas instituições existem e são apoiadas pelo Estado porque asseguram serviços relevantes à sociedade, ao conjunto das pessoas que se encontram no espaço territorial do país, serviços que sendo necessários ou altamente vantajosas para a coesão social, o Estado, através das suas estruturas, não tem capacidade para os prestar.

Daí que o Estado apoie estas estruturas sociais e nessa medida estas instituições sejam «credoras» da ajuda que o Estado lhes possa proporcionar para o bom desempenho das suas finalidades.

Entre essas ajudas que o Estado pode atribuir encontra-se a isenção de custas quando estas instituições são partes nos processos que correm nos tribunais, que são órgãos do Estado.

Claro está que esta ajuda só se justifica quando as instituições atuam na promoção ou na defesa dos seus fins estatutários.

Porém, quando estas instituições demandam ou são demandadas em tribunal são-no, em regra, por causa da respetiva atividade e esta está também, em regra, conexionada ao seu objeto social, às suas atribuições e interesses sociais.

Serão excecionais os casos em que uma instituição se envolve num litígio que nada tem a ver com os seus fins estatutários, mas poderão existir tais casos, como sejam aqueles casos que têm a ver com atividades marginais ou acidentais em relação ao seu objeto social.

 Uma instituição que se dedica, por exemplo, ao ensino de jovens carenciados economicamente pode beneficiar da doação de uma obra de arte.

Ora, um litígio que resulte da realização de um restauro dessa obra não estará conexionado com os fins sociais que a instituição prossegue.

O mesmo se diga de litígios resultantes de relações acidentais que nada de útil trazem à atividade da instituição.

Mas já se justifica que a isenção de custas abranja os litígios que tenham a ver diretamente com os diferendos que surjam ao nível dos seus órgãos representativos, às relações de trabalho, aos utentes, fornecedores de bens e serviços e ao seu património, desde que conexos com o seu escopo social, pois todas estas relações fazem parte do substrato material que torna possível a existência da instituição e a sua atividade.

Por isso, se o Estado concede isenção de custas, logicamente a concederá em relação aos litígios que surgem com epicentro neste tipo de relações jurídicas porque é no cenário onde elas surgem que ocorre o núcleo fundamental da atividade destas instituições.

Se a isenção de custas não abranger este tipo de relações jurídicas, então tal isenção será na prática uma moldura, porventura bela, a rodear um quadro vazio; uma diminuta ajuda para estas instituições, pois a generalidade dos casos judiciais não beneficiará de tal isenção, situação que ainda é agravada pelo facto da lei prever, como acima se referiu, que a instituição suporte os encargos originados no processo nos casos em que a respetiva pretensão for totalmente vencida.

Afigura-se, pois, que quando o legislador declara que estas instituições beneficiam de isenção de custas, ou seja, (I) quando atuam exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições; ou (II) quando defende os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável, tais conceitos abarcam na sua literalidade os litígios que surjam ao nível dos seus órgãos representativos, as relações de trabalho, as relações com os utentes, fornecedores de bens e serviços e o património, desde que conexos com o seu escopo social.

Sendo possível esta interpretação mais ampla, deve preferir-se à interpretação mais restritiva porque é a primeira que se harmoniza com os fundamentos que determinam a existência da isenção de custas.

Afigura-se, aliás, que os tribunais até deverão ter uma postura valorativa que parta da presunção de que a atuação da pessoa coletiva ocorre exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou, então, defende os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

Isto porque serão mais claras as situações em que a atuação se exerce fora destes parâmetros do que o inverso.

Acrescendo que as eventuais situações abusivas ou menos dignas de proteção já estão acauteladas, como se disse, pelos n.º 5 e 6 do artigo 4.º do RCP, acima transcritos (manifesta improcedência do pedido e responsabilidade pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida).


*

(d) Passando ao caso concreto dos autos.

A Exequente, segundo os estatutos, tem por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro, através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, podendo estender-se a outras localidades do país, por deliberação do Conselho de Administração – (artigo 2.º) –  e propõe-se a apoiar, promover e realizar atividades nos âmbitos social, educação, saúde, cultura, formação profissional e outros que venham a tornar-se possíveis e necessários desde que respeitem a obra e o espírito do fundador – artigo 3.º.

No caso dos autos, a Exequente vem a tribunal tentar cobrar prestações pecuniárias que afirma serem-lhe devidas como contrapartida pela frequência de um filho da executada, como aluno, no Colégio (…), que é um estabelecimento de ensino particular dos 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente, sito em Coimbra.

Por outras palavras, a Exequente é titular de um estabelecimento de ensino cuja atividade se insere no seu objeto social e vem cobrar um crédito que afirma ter.

De acordo com o critério estabelecido acima, a causa de pedir entronca claramente no objeto social da Exequente.

Com efeito, a Exequente vem cobrar coercivamente um crédito que afirma ter sobre um utente resultante dos serviços que presta de acordo com o seu objeto social.

Concluindo-se deste modo, conclui-se que a Exequente goza de isenção de custas.

A esta mesma conclusão se chegou recentemente no acórdão desta Relação de Coimbra, proferido em  10 de dezembro de 2019, no processo 1817/19.8T8CBR.C1 (Isaías Pádua) onde se referiu o seguinte:

«…a exequente atua (com a instauração da ação executiva), ainda que por via indireta ou instrumental, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos seus estatutos e com vista a garantir/assegurar (como fonte de receita) a prossecução dos fins que nortearam a sua criação e que constituem a sua razão de ser. (…) a cobrança pela exequente da dívida em causa tem uma conexão instrumental mas que está necessariamente relacionada com as especiais atribuições e a defesa dos interesses que lhes especialmente conferidos através dos seus Estatutos, sendo que quando procede à cobrança, neste caso judicial, de uma dívida a apelante não está apenas a tentar obter o cumprimento da obrigação em falta, mas está a garantir a sustentabilidade dos projetos/atividades que apoia e, em concreto, o do Colégio de onde emergiu a dívida».

Procede, pois, em parte o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso:

1 - Improcedente no que respeita à decisão que não admitiu a cumulação de execuções, mantendo-se o despacho recorrido; e

2 - Procedente no que respeita à isenção de custas a favor da Exequente, declarando-se que esta goza de isenção de custas.

Sem custas dada a isenção da Recorrente.


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Coimbra, 21 de janeiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Usa-se o termo «virtualmente» no sentido de realidade imaterial, intelectual, sem substrato físico, por oposição à realidade física, que tem um corpo com fronteiras.

[2] Na compreensão do conceito figuram as propriedades ou características que o definem. A sua extensão consiste no conjunto de todos os objetos ou seres a que o conceito se aplica.

Quanto maior for o número de objetos abarcados pela extensão do conceito, menor é a compreensão que o conceito fornece acerca desses objetos e vice-versa.

[3] Se a finalidade prosseguida pela atividade da pessoa coletiva é ilícita, ainda que os meios usados o não sejam, torna-se claro que não pode gozar de isenção de custas, pois neste caso será manifesto um uso da personalidade da pessoa coletiva contrário aos objetivos ou fins estatutários.