Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4570/17.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PAGAMENTO DE DÍVIDA ALHEIA
ÓNUS DA PROVA
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.342, 473, 474, 479, 591, 592, 595 CC
Sumário: 1. - A ação por enriquecimento sem causa depende da verificação de um enriquecimento à custa de outrem, que careça de causa justificativa, por nunca a ter tido ou por a ter perdido, tornando-se, assim, injusto e inaceitável para o direito, correndo o respetivo ónus da prova contra o demandante.

2. - A este cabe, assim, provar a falta/inexistência de causa, não lhe bastando que não se prove a existência de uma causa justificativa para a atribuição.

3. - É residualmente admissível – de acordo com parte da doutrina – ação de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias quando o empobrecido libera o enriquecido de determinada dívida deste para com um terceiro sem visar realizar-lhe uma prestação, nem estar abrangido por alguma das hipóteses em que a lei lhe permite uma compensação por esse pagamento.

4. - Se, na ação de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, o autor/empobrecido não logra demonstrar se visou, ou não, realizar uma prestação aos devedores [em mero favor destes, sem contrapartidas, no quadro do seu relacionamento com a ré enriquecida – com quem viveu anteriormente em união de facto e de quem tem uma filha –, a qual outorgou como adquirente na escritura de compra da casa de que o autor diz ser o dono de facto e como mutuária no empréstimo para financiamento dessa aquisição], a dúvida remanescente sobre tal matéria determina a improcedência da ação.

Decisão Texto Integral:




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Recurso próprio, nada obstando ao seu conhecimento.

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Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.

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I – Relatório
E (…), advogado, com os sinais dos autos,
intentou – em 06/10/2017 – ação declarativa condenatória, com processo comum, contra
1.º - P (…) e
2.ª – A (…), ambos também com os sinais dos autos,
pedindo que sejam os demandados condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia total de € 18.728,77, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.
Para o que alegou:
- deverem-lhe os RR. as seguintes quantias: € 7.814,77, que o A. pagou no âmbito do Processo n.º 3693/12.2TBVIS; € 408,00 de taxa de justiça relativa à reclamação de créditos apresentada pelo credor hipotecário em tal processo; € 5.000,00 já pagos no Processo n.º 1001/16.2T8VIS; € 5.000,00 a pagar no âmbito do Processo n.º 1001/16.2T8VIS até final de 2017; e € 306,00 relativos à taxa de justiça paga na dedução de embargos de terceiro;
- tudo por o A. ter pago estas quantias para evitar penhoras sobre um seu imóvel/casa, embora registado em nome da R. A (…), penhoras essas motivadas pela existência de dívidas dos RR., que originaram os processos acima referidos;
- ter o A. sido “obrigado a assumir as dívidas dos RR. para os termos e efeitos do previsto no artº 595 do CC não sendo necessário consentimento dos RR.” (art.º 80.º da petição inicial), sendo que, por “efeito do previsto no Artº 599 do CC transmitem-se para o A. todas as garantias que eram do credor, nomeadamente o património dos devedores” (art.º 81.º da mesma petição);
- caso assim se não entenda, “sempre pelo instituto do enriquecimento sem causa os RR. haverão que ser condenados a pagar ao A. as quantias peticionadas” (art.º 82.º da petição);
- deverem ainda os RR. ser condenados no pagamento da quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A R. deduziu contestação, alegando ineptidão, quanto a si, da petição inicial, impugnando diversa factualidade alegada pelo A. e argumentando no sentido da total improcedência da ação.
O R. também contestou, impugnando diversa factualidade alegada pelo A. e concluindo pela total improcedência da ação.
O A. veio informar que, entretanto, recebeu da R. A(…) o montante de € 5.000,00, para abater à quantia peticionada, requerendo a redução do pedido em conformidade, por se ter obrigado a abdicar, quanto àquela, do pedido a título de indemnização por danos não patrimoniais, reconhecendo os esforços dela no sentido do pagamento da dívida.
Na audiência prévia, saneado o processo, foi dispensada a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova, vindo posteriormente a proceder-se à audiência final, seguida de sentença.
Nesta foi a ação julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR. do peticionado.
Inconformado, recorre o A. do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes
Conclusões (() Que se deixam transcritas.):
«a. Recorrente e recorrida A (…), iniciaram a Abril de 1994 convivência análoga à de cônjuges, tendo fixado residência em x... , (…).
b. Como o recorrente mantinha problemas patrimoniais, relativos ao seu processo de divórcio como supra aludido, e como não tinha capacidade de aquisição do apartamento correspondente à fração autónoma designada pela letra A, sita (…), prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de x... sob o n.º 894 e inscrito na respetiva matriz pelo artigo 1847º, a recorrida acedeu a contrair o empréstimo em seu nome, junto do então B (…), S. A.
c. Em 1998 recorrente e recorrida separaram-se e, posteriormente, entre recorrida e recorrido foi contraído matrimónio e, na constância do enlace, foram contraídas dívidas pelo casal.
d. Consequentemente, pelo B (…) foi instaurada, nomeadamente, a execução n.º 3693/12.2TBVIS contra os recorridos, na qual o exequente reclamava o pagamento da quantia de 10.805,66€.
e. Na qual se determinou a penhora do suprarreferido imóvel que levou à marcação do ato de venda, por propostas em carta fechada, sendo à data dos factos, o recorrente, o proprietário de facto, isto é, quem possuía e habitava de facto o imóvel, como se logrou demonstrar.
f. Pelo que, somente por ter interesse direto e patrimonial na liquidação da quantia exequenda de forma a evitar a penhora/ venda judicial da sua habitação, o recorrente procedeu ao pagamento ao B (…) das seguintes quantias: a) 2.500,00€ em 10.04.2016, 2.500,00€ em 13.04.2016 e 2.814,77€ em 30.04.2016.
g. Independentemente do aludido “esquema” é unanimemente aceite pelas partes que o recorrente é (e sempre foi!) o único proprietário de facto do imóvel em causa!
h. Em todo o caso, sempre teria o recorrente procedido à liquidação da quantia exequenda para evitar que a aludida fração fosse vendida sobretudo por ter interesse em que a mesma se encontrasse desonerada e pudesse ser transmitida à filha do recorrente e recorrida e, por sua vez, transmitida, a final, ao recorrente.
i. Ao abrigo do disposto no artigo 591º do Código Civil, “1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.”
j. Verifica-se a sub-rogação legal quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia (o que no caso concreto se observou) ou para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire os direitos do credor originário em relação ao respetivo devedor.
k. Constitui requisito geral da sub-rogação legal que o terceiro (recorrente) tenha interesse direto no cumprimento o que sucede sempre que o não cumprimento da prestação a que o devedor (recorridos) se encontra adstrito acarretar prejuízos patrimoniais próprios ao sub-rogado, independentemente das consequências do cumprimento para o devedor (recorridos), ou o cumprimento se torne necessário para acautelar o seu próprio direito.
l. O que o recorrente (sub-rogado) logrou demonstrar em sede dos presentes autos e, reforçou, em sede de alegações.
m. Pelo que, entendemos que a obrigação dos recorridos (devedores/ executados) não se extinguiu com o pagamento pelo recorrente (terceiro) porquanto a obrigação é a mesma, mudando exclusivamente a pessoa do devedor.
n. Como consequência do pagamento realizado pelo recorrente, este deve ter um “direito de regresso” contra os recorridos.
o. Tendo pago o recorrente uma dívida no montante global de 7.814,77€, deverá o mesmo ficar sub-rogado na totalidade do aludido crédito, por corresponder ao concreto montante que por ele foi devidamente satisfeito perante o credor originário, com o consentimento daquele.
p. Em suma, ficará o recorrente investido na posição jurídica até à data atribuída ao credor da relação obrigacional.
q. Ainda que assim não se entenda, subsidiariamente, sempre seria de aplicar ao caso concreto o instituto do enriquecimento sem causa.
r. Na doutrina e jurisprudência é unanime o entendimento de que o terceiro, pese embora não se encontre adstrito ao cumprimento de uma obrigação, que proceda ao pagamento da quantia exequenda para obstar à venda judicial de um bem aí penhorado, tem direito ao respetivo reembolso por parte dos devedores/ executados, com fundamento no enriquecimento sem causa.
s. Pelo que não se concebe que, uma vez provada a liquidação pelo recorrente da quantia exequenda, isto é, com a realização da prestação alheia, aceite pelo credor originário, não adquira o recorrente qualquer direito face aos recorridos (devedores/ executados).
t. Ao abrigo do artigo 474º do Código Civil, há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
u. O artigo 473º do Código Civil consagra, expressamente, os pressupostos cumulativos do enriquecimento sem causa, pelo que “1. Aquele que, (i) sem causa justificativa, (ii) enriquecer, (iii) à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”
v. Como se logrou demonstrar, no caso em apreço, verificam-se cumulativamente os pressupostos legalmente estabelecidos.
w. O enriquecimento dos recorridos carece de legitimidade e de causa justificativa, pois que nenhuma relação jurídica pré-existia capaz de determinar o benefício que fora atribuído aos recorridos.
x. Ficando com um direito contra o devedor (executados/ recorridos), tratando-se de um novo crédito, nascido do próprio facto do pagamento da dívida alheia.
y. Motivo pelo qual se defende que sempre assistirá ao recorrente o direito a ser reembolsado nos montantes por si liquidados nas aludidas execuções.
z. Deste modo, entendemos que a sentença recorrida violou, por má interpretação, o disposto nas normas constantes dos artigos 473º, n.º 1 e n.º 2, 474º, 479º, 592º, n.º 1, 593º, n.º 1, 594º, 767º, n.º 1 do Código Civil e artigos 5º, n.º 1 e n.º 2, 6º e 342º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Pelas sobreditas razões e com o douto suprimento de Vs. Exas., deverá ser reconsiderada a decisão do tribunal a quo e ser, em consequência, concedido provimento ao presente recurso e, em virtude deste, serem os recorridos condenados ao pagamento do montante global de 13.528,77€.
Assim se crê que seja reposta a JUSTIÇA DO CASO CONCRETO!» (() Com a sua peça recursiva juntou um documento, intitulado “Doação”.).
Apenas o R./Recorrido – (…) – apresentou contra-alegação, pugnando pela inexistência de impugnação da decisão da matéria de facto e pela total improcedência do recurso.
Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (como havia sido requerido), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem (com manutenção aqui de tal regime e efeito fixados).
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação, no essencial, a determinação:
a) Quanto à admissibilidade de junção de documento pelo Apelante na fase recursiva;
b) Quanto à não impugnação, pelo modo legal, da decisão da matéria de facto;
c) Quanto à invocada sub-rogação legal e decorrente crédito a favor do A./Recorrente;
d) A título subsidiário, o também invocado enriquecimento sem causa e consequente obrigação de restituição.

III – Da admissibilidade de junção de prova documental na fase recursiva
No corpo da sua alegação de recurso, vem o Apelante invocar que a 03/10/2017, “consoante faz prova a escritura de doação (doc. nº 1) que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por B (…) foi doada a fração autónoma acima descrita ao recorrente.
Pelo que, à data da propositura da ação que deu origem aos presentes autos, o aludido imóvel já se encontrava inscrito a favor do recorrente.” (sic).
Ora, a presente ação foi intentada em 06/10/2017, isto é, depois da data da invocada escritura de doação, esta de 03/10/2017.
Por isso, bem se compreende que tenha o A., avisadamente, junto o documento em causa – intitulado “DOAÇÃO” – com a sua petição inicial, numerado ali como “D. 12” (escritura de 03/10/2017) e composto por três páginas (diversamente da versão agora junta, que se mostra incompleta, por lhe faltar a segunda página).
Assim sendo, não se trata de verdadeira junção de documento, mas de cópia (incompleta) de documento já adquirido para os autos (junto com a petição inicial), só por mero lapso do Apelante se compreendendo a apresentação de tal cópia parcial, por o documento ter sido por si oferecido anteriormente, sendo inútil proferir decisão quanto à respetiva (in)admissibilidade na fase recursória e evitando-se, por essa via, o sancionamento da parte.
Tal junção é, pois, irrelevante, de nada servindo para os autos e nada havendo, assim, a ordenar a respeito.

IV – Fundamentação
A) Da não impugnação da decisão da matéria de facto
Na sua contra-alegação de recurso, invoca o R./Recorrido que o Apelante “trouxe às suas conclusões de recurso matéria de facto que, embora alegada, não foi dada como provada nem impugnada a respetiva decisão razão por que não pode este tribunal ad quem ser chamado a pronunciar-se sobre a mesma”. Remata, pugnando pela desconsideração “para qualquer efeito de direito [d]as conclusões de recurso formuladas nas respetivas alíneas b), e), f), g) e h)”.
Ora, cabendo apreciar, dir-se-á que, efetivamente, o Recorrente não sinaliza pretender deduzir impugnação da decisão da matéria de facto (quanto aos concretos factos julgados provados ou não provados na sentença em crise), à luz do disposto no art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv., e, caso o pretendesse, então seria forçoso concluir que não cumpriu os ónus legais, previstos – em modo imperativo – naquele normativo processual, a cargo do impugnante da decisão da matéria de facto.
Com efeito, nem em sede de alegação, nem das decorrentes conclusões recursivas, o Apelante procedeu à obrigatória especificação (i) dos concretos pontos fácticos da sentença que considerasse erradamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios que pretendesse convocar e que impusessem decisão diversa, (iii) da diferente decisão a dever ser proferida no plano fáctico.
Donde que, a existir impugnação da decisão de facto – o que não se concede, por falta completa de formulação nesse sentido –, esta não obedecesse aos requisitos legais [os das al.ªs a) a c) do aludido art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv.], faltando também uma análise crítica da prova tendente a evidenciar um qualquer erro de julgamento de facto do Tribunal a quo neste âmbito, o que obriga à liminar rejeição de tal virtual impugnação.
Termos em que permanece inalterado o quadro fáctico da sentença – o julgado provado e o não provado –, assim tornado definitivo.

B) Matéria de facto
É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão da 1.ª instância:
«1. Em abril de 1994, o A. e a R. A (…) iniciaram convivência análoga à de cônjuges, tendo fixado residência em x... , (…)
2. Onde o A. tinha também o seu domicílio Profissional, como Advogado.
3. A referida relação durou até ao verão de 1998, tendo nascido, fruto dela uma filha B (…), nascida a 10 de Janeiro de 1995.
4. No Verão de 1998 o A e a R A (…) decidiram separar-se.
5. Não obstante a boa relação pessoal que sempre mantiveram.
6. A R. A (…) contraiu casamento em 26 de Junho de 2006 com o R. P (…), no regime de separação total de bens, e passaram a residir numa moradia sita (…) em x... , onde hoje reside apenas o R. P (…).
7. Os RR divorciaram-se em 25/03/2013.
8. Pelo B (…) foi instaurada a execução n.º 3693/12.2TBVIS contra os aqui réus P (…) e A (…), na qual o exequente reclamava o pagamento da quantia de 10.805,66€.
9. Por carta enviada em 10 de Abril de 2013 foi o A. notificado que, a partir dessa data, foi constituído fiel depositário da Fração Autónoma designada pela letra A, sito (…) x... . Descrito na Conservatória de Registo Predial de x... sob o n.º 894 e inscrito na respetiva matriz pelo art. 1847°.
10. Os RR não pagaram a divida exequenda, cuja penhora onerava o Imóvel o que originou o incidente de reclamação de créditos do Banco Credor Hipotecário.
11. Na execução n.º 3693/12.2TBVIS a Agente de Execução procedeu à marcação do ato de Venda por propostas em carta fechada.
12. A execução n.º 3693/12.2TBVIS foi extinta.
13. O A. procedeu ao pagamento ao B (…) das seguintes quantias:
a) 2.500,00€ em 10.4.2016
b) 2.500,00€ em 13.4.2016
c) 2.814,77€ em 30.4.2016
14. Tais quantias destinaram-se à liquidação dos contratos executados nos autos n.º 3693/12.2TBVIS da Comarca de Viseu - Inst. Central - Sec. de Execução – J1.
15. A R. A(…) outorgou escritura de doação da Fração Autónoma designada pela letra A, (…) x... . Descrito na Conservatória de Registo Predial de x... sob o n.º 894 e inscrito na respetiva matriz pelo art. 1847° a favor da A B (…).
16. Sendo a A B (…) filha da executada A (…), o valor do Imposto de Selo devido pelo ato era muito inferior ao valor que seria devido se a doação fosse feita ao A..
17. o A. não fez, contudo o registo da doação a favor da filha B (…) mantendo-se o registo inscrito a Favor da R A (…).
18. O registo predial a favor da B (…) só foi promovido a 21 de outubro.
19. O A. deduziu embargos de terceiro que foram admitidos pelo M.J. do Juízo de Execução de Viseu, no Processo 1001/16.278VIS-B e os quais foram contestados pela exequente, o B (…)..
20. No dia 4 de Outubro de 2017, a B (…) outorgou escritura de doação da Fração Autónoma designada pela letra A, sito (…) de x... sob o n.º 894 e inscrito na respetiva matriz pelo art. 1847° a favor do A..
21. Pelo B (…) foi instaurada a execução n.º 3693/12.2TBVIS contra os aqui réus P (…) e A(…), na qual o exequente reclamava o pagamento da quantia de 10.805,66€.
22. O A. pagou ao B (…)S.A. a quantia de 5.000,00€.».

E foi julgado como não provado que:
«- no Verão de 1998 o A. e a R. A (…) decidiram separar-se, uma vez que a executada pretendia regressar definitivamente ao Brasil seu País de origem;
- nesse verão, o A. tinha já desenvolvidas as diligencias de compra de um apartamento correspondente ao Rés do Chão Direito, (…) em x... , (…)
- A quem havia pago um valor a título de reserva como acordado;
- Contudo o A. mantinha ainda alguns problemas patrimoniais relativos ao seu processo de Divórcio, e como não tinha capacidade de aquisição do Imóvel sem recorrer a financiamento Bancário;
- A R. A (…) acedeu a contrair o empréstimo em seu nome, junto do então B (…)S.A.;
- Também foi determinante a tal formalização em nome da R. A (…) o facto de beneficiar à data de uma taxa de juros muito mais vantajosa pelo facto de ter “apenas” 29 anos de idade, o que permitiu incluir o financiamento na Classe I do DL 220/94 de 23 de Agosto;
- O preço do financiamento correspondeu, ao valor da compra, sendo que parte dele se destinou à realização de obras de modificação do espaço para instalação do escritório do A.;
- No local, o A. veio a instalar também o seu escritório profissional;
- No local – Rés do chão (…) x... – o A. passou a ter a sua residência e o seu escritório, nele vivendo com seus dois filhos homens: F (…) e J (…), nascidos respetivamente a 4/02/1993 e 21/08/1990;
- Esta situação era do conhecimento dos responsáveis do Balcão do Banco, credor hipotecário, sendo certo que, à data havia grande facilidade de recurso ao financiamento bancário para aquisição de casa própria;
- Tanto que a operação foi feita pelo Balcão da y... , onde o A. morou entre 1985 (data da licenciatura) até à separação de sua primeira consorte, em 1994, M (…) a, mãe dos seus filhos varões;
- E o Banco ((…) condicionou o financiamento à celebração de contrato de Seguro de Vida do A. para garantia do empréstimo contraído pela aquisição da fração;
- O Banco, representado pelo Gerente do Balcão da y... , sabia que efetivamente era o A. quem pagava as prestações da casa;
- Aberta que foi uma conta Bancária para movimentar as prestações a encargos com o financiamento – hoje com o NIB (…) – sempre foi o A. quem movimentou tal conta, e exclusivamente com os movimentos atinentes ao financiamento;
- Todas as entradas em dinheiro, cheques ou transferências bancárias que provisionaram a referida conta foram provenientes do A. ou de pessoas de sua confiança, cônjuge, filhos ou outros familiares;
- Entretanto, no decurso do Ano de 2000, a R. A (…) decidiu regressar a Portugal, tendo alugado um apartamento na Rua (…) em x... ;
- Mais tarde veio a adquirir uma Moradia em z... , com a ajuda financeira do A. no intuito de dar uma habitação condigna à filha comum e compensar a executada pelos 4 anos de vida em comum;
- Anos durante os quais a R. nunca trabalhou (fora de casa) mas prestou uma inestimável ajuda ao A. para que este recuperasse dos problemas criados pelo seu divórcio, e angariasse nova clientela em x... ;
- Foi sempre o A. quem procedeu ao pagamento das prestações contraídas pelo crédito hipotecário, e todos os encargos associados;
- Foi o A quem sempre pagou o condomínio, os encargos com agua, luz, telefone, gaz, impostos, etc. etc;
- Foi o sempre o A. quem decidiu, como verdadeiro proprietário, quem frequentava o rés do chão direito da Rua (…);
- Na referida fração, o A. morou desde 1998, com seus filhos (e suas filhas) entretanto nascidas, da união com J (…), no caso L (…) e J (…).;
- A A. B (…) foi a única que nunca teve residência permanente na Rua (…), pois a sua guarda era confiada à R. A (…)
- Segundo informação veiculada à data pela R. A (…), na base do Divorcio estariam problemas financeiros, devidos a dividas contraídas ou por ambos ou pelo R. P (…) com o aval da R. A (…)
- O que causou obvia preocupação ao A. devido ao facto de a sua casa da Rua do (…)continuar registada em nome da R. A (…), e por isso sujeita a penhoras pelas dividas supra referidas;
- Na altura os RR comprometeram-se a regularizar a situação da execução n.º 3693/12.2TBVIS, mas não o fizeram;
- Para precaver situações idênticas e R. A (…), aceitou “retirar” o imóvel de seu nome;
- Dado que tal implica vencimento imediato de todas as prestações do crédito, foi o A. obrigado a negociar a divida e a desistência do incidente de reclamação para evitar a venda do imóvel;
- O A. acordou com a credora B (…)C a libertação do Imóvel por levantamento da Penhora, mediante o pagamento das seguintes quantias:
a) 2.500,00€ em 10.4.2016
b) 2.500,00€ em 13.4.2016
c) 2.814,77€ em 30.4.2016;
- O A. logrou convencer o B (…) desistir do pedido de reclamação de créditos, já que como credor com garantia real poderia ter ordenado o prosseguimento da execução;
- No dia 28 de Setembro de 2016 novo incidente causado pelos RR.;
- Nesse dia o A. foi surpreendido com uma chamada telefónica proveniente de uma sua vizinha residente no Rés do Chão (…), que o informava estar no Prédio uma Sra Agente de Execução para lhe penhorar a casa correspondente ao Rés do Chão;
- Tendo o A. comparecido no local, foi informado pela Sra AE (…) e que o Rés do Chão Direito (…) x... , havia sido penhorado a A (…), por se encontrar registado a seu favor;
- Logo no ato, o A. exibiu certidão da escritura de doação a favor da B (…), mas de nada valeu;
- Sempre, como desde 1998, todas as despesas com emolumentos e impostos foram liquidados pelo A. tal como os seguros de vidas, seguros de condomínio, de responsabilidade civil, e tudo o que respeita à fração penhorada;
- A B (…) foi estudante e totalmente dependente do A. e da R A (…) até agosto de 2017, não tendo por isso rendimentos que lhe permitissem pagar fosse o que fosse;
- Sempre foi o A. quem sempre se comportou como o único e legitimo proprietário do bem penhorado, o único que compareceu nas assembleias de condomínio, e a contratar os fornecimentos de agua, luz, telefone, internet, televisão e gás para o imóvel;
- Nunca tendo nem a R. A (…) nem mesmo a B (…) sido proprietárias efetivas do mesmo;
- Sendo o A. o único e legítimo possuidor, titulado, do bem penhorado;
- A penhora causa ainda um outro prejuízo e grave ao A. derivado da existência do crédito hipotecário;
- Caso fosse a R. A (…)a proprietária do imóvel o banco credor seria obrigado a declarar o vencimento de todas as prestações, e reclamar o crédito na execução;
- Não tendo o A. qualquer possibilidade de liquidar o valor em divida;
- Antes sendo obrigado a reclamar também créditos por todas as prestações pagas durante os últimos 18 anos, e que seguramente excedem o valor do imóvel aos dias de hoje, por todos os seguros, todos os impostos;
- Após marcação da audiência prévia, e após horas de negociação com os advogados do Banco (…) após conhecimento dos embargos deduzidos pelo A., o Banco (…). veio propor-lhe a libertação da penhora mediante o pagamento de cerca de metade da divida;
- A cautela aconselhou que o A, aceitasse, até porque na contestação dos embargos o Banco (…)deduziu impugnação pauliana contra a dação feita à B (…), o que representaria mais encargos processuais, mais incómodos, mais receios, mais riscos processuais que sempre ocorrem em qualquer processo;
- Nos termos do acordo celebrado com o Banco (…)o A iria pagar 10.000,00€ pela libertação da penhora que incide neste momento sobre o prédio referenciado nos autos;
- Estando obrigado a pagar 5.000,00€ até ao dia 31 de Dezembro de 2017;
- Todos estes processos e incidentes têm causado ao A. angustia e preocupação, por ver a sua casa envolvida em processos Judiciais aos quais não deu causa, tendo que passar por anúncios de venda e penhora, o que lhe causa vergonha social;
- Obrigando-o além de mais a tomar diligencias para resolver os problemas causados pelos RR.;
- A R. alertou o A., desde pelo menos 25/03/2013, para o facto de existirem dívidas contraídas pelo 1º R. com o cartão de crédito da R. A... , e que tinham entrado em incumprimento – facto que deu mais tarde origem ao proc. nº 3693/12.2TBVIS, execução instaurada no B (…), na qual a R. A(…) era executada;
- Desde o seu divórcio com o R., desde pelo menos 25/03/2013, que a R. A(…) alertou e pediu ao A. para regularizar a situação da casa sita (…)
- Para o efeito, a R. A(…) sempre se disponibilizou para o passar o referido imóvel para o seu legítimo proprietário, o A., nunca tendo colocado qualquer entrave, ou sequer formulando qualquer exigência ao A.».

C) O Direito
1. - Da sub-rogação legal
Estabilizado o quadro fáctico da causa – perante o qual, reitera-se, o Recorrente não formulou impugnação da decisão da matéria de facto, à luz do disposto no art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv., não sinalizando, em tal âmbito, qualquer clara/compreensível intenção nesse sentido, nem cumprindo os aplicáveis ónus legais a que alude aquele preceito legal, seja através da especificação dos concretos pontos fácticos incorretamente julgados (e da indicação das concretas provas implicadas), seja mediante a enunciação da diversa decisão fáctica que devesse ser proferida –, resta cuidar da impugnação jurídica oferecida pelo Apelante, tal como plasmada nas suas conclusões recursivas, como supra transcrito.
Ora, não pode olvidar-se que o A. invocou, na sua petição, ter sido “obrigado a assumir as dívidas dos RR. para os termos e efeitos do previsto no artº 595 do CC não sendo necessário consentimento dos RR.” (art.º 80.º da petição), sendo que, por “efeito do previsto no Artº 599 do CC transmitem-se para o A. todas as garantias que eram do credor, nomeadamente o património dos devedores” (art.º 81.º).
E só no caso de assim não ser entendido, invocou que “sempre pelo instituto do enriquecimento sem causa os RR. haverão que ser condenados a pagar ao A. as quantias peticionadas” (art.º 82.º).
Assim, no âmbito da sua causa de pedir, o A. elegeu o enquadramento na figura da transmissão singular de dívidas, mais precisamente a assunção de dívida, a que aludem os convocados art.ºs 595.º e 999.º, ambos do CCiv..
Não aludiu então à diversa figura da sub-rogação, prevista nos art.ºs 589.º e segs., mormente à sub-rogação legal, a que alude o art.º 592.º, todos também do CCiv..
Por isso, o Tribunal a quo, ponderando o enquadramento jurídico efetuado pelo A., à luz daqueles preceitos legais dos art.ºs 595.º e segs. do CCiv., concluiu, desde logo, na sentença, que “o pedido do autor não poderá proceder com o fundamento por este invocado de que se verificou a assunção da dívida”.
Mas, continuando a sua análise, aquele Tribunal indagou ainda quanto à possibilidade de a atuação do A. ser enquadrada na sub-rogação, enquanto substituição do credor, na titularidade do direito, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor (ou que lhe faculta os meios para o cumprimento), apenas interessando no caso a sub-rogação legal (prevista no art.º 592.º do CCiv.), “já que nenhuma declaração expressa existe, seja do credor, seja do devedor” (cfr. a fundamentação jurídica da sentença).
Dispondo o n.º 1 do art.º 592.º do CCiv. que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpra a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito, entendeu-se na sentença que “são razões especiais que justificam o regime legal de favor que coloca o terceiro na mesma posição jurídica do primitivo credor, o que significa que o crédito não se extingue, antes se transfere para o terceiro que cumpre em vez do devedor”, mantendo-se, pois, “na titularidade do terceiro, o mesmo direito de crédito de que era titular o anterior credor”.
E acrescenta, a propósito, o Tribunal recorrido:
«Fica, também, sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa estiver diretamente interessado na satisfação do crédito”.
Exige-se um interesse direto, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo-se “... os casos em que o cumprimento se realize no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse “moral” ou “afectivo” do “solvens”, no dizer do A. Varela (ob. cit.).
Como ensina o ilustre Prof.. esse interesse direto do próprio terceiro, verificar-se-á sempre que, com o cumprimento, o terceiro pretenda “evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence” ou mesmo quando “o solvens” apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito” podendo, de um modo geral dizer-se que tem interesse direto “quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretenda, precisamente evitar essas consequências”.
(…)
Ora, (…) a circunstância do A. ter efetuado, em substituição dos devedores, os Réus o pagamento de despesas da responsabilidade destes últimos, não se reconduz à figura jurídica da sub-rogação voluntária, na medida em que, no caso dos autos, não existe nenhuma declaração expressa da vontade de sub-rogar, seja do credor, seja do devedor.
E também não preenche os requisitos da sub-rogação legal, visto não resultar da matéria de facto provada que o A. tivesse garantido o pagamento dos créditos em causa e/ou tivesse qualquer interesse patrimonial e próprio na satisfação desses mesmos créditos, uma vez que, apesar do A. ter alegado que efetuou esse pagamento para evitar a penhora e subquente venda da Fração Autónoma (…) que alegou ser sua propriedade, não logrou provar esse facto, ou seja não logrou provar o que por si veio alegado, desde logo e designadamente nos artigos 10.º, 21.º, 22.º, 55.º, 57.º, 58.º e 59.º da petição inicial e que constam dos factos não provados.
Assim sendo, não tendo ficado provado que o A., aquando do pagamento dos montantes devidos pelos Réus em causa nos autos, era o proprietário da Fração Autónoma (…), não se encontra demonstrado que existe outra causa em virtude da qual o A. esteja diretamente interessado na satisfação do crédito, ou seja, não ficou provado que o A. tivesse qualquer interesse patrimonial e próprio na satisfação dos créditos que pagou, pelo que, não se verificam os requisitos da sub-rogação, tendo também que improceder a ação com este fundamento» (sic, com itálico aditado).
Contrapõe o A./Recorrente, como visto, que, perante a determinação da penhora do imóvel e decorrente marcação do ato de venda, quando era ele o proprietário de facto, possuindo e habitando de facto o imóvel, é que foi levado a agir, procedendo ao pagamento de diversas quantias à entidade bancária credora dos RR., somente, pois, por ter interesse direto e patrimonial na liquidação da quantia exequenda de forma a evitar a penhora/venda judicial da sua habitação.
Afirmando ter havido um “esquema” – que levou a que não fosse ele a figurar, como adquirente, no contrato de compra e venda do imóvel, nem, como devedor, no contrato de mútuo bancário para a respetiva aquisição –, fruto de conveniências particulares concorrentes ao tempo, insiste o Apelante no seu invocado direito, o de “único proprietário de facto do imóvel em causa”, tendo, em qualquer caso, o interesse em que o imóvel se encontrasse desonerado e pudesse ser transmitido à sua filha, para posterior transmissão, a final, ao próprio Recorrente.
Vejamos, então, se esta tese encontra suporte nos factos provados, os únicos a atender para solução do caso.
Ora, o que vem provado, quanto ao aqui relevante, é apenas que:
- pelo Banco (…) foi instaurada a execução n.º 3693/12.2TBVIS contra os RR./Recorridos, ascendendo a quantia exequenda a € 10.805,66;
- por carta de 10/04/2013 foi o A. notificado da sua constituição como depositário do imóvel aludido, no âmbito da respetiva penhora, não tendo os RR. pago a dívida exequenda, vindo a ser marcada a venda executiva.
- porém, a execução foi extinta, tendo o A. procedido ao pagamento ao B (…)de diversas quantias (€ 2.500,00€ em 10/04/2016, € 2.500,00 em 13/04/2016 e € 2.814,77 em 30/04/2016), para liquidação dos contratos executados;
- a R. A (…) outorgou escritura de doação do imóvel a favor de B... , filha comum daquela e do A./Apelante, sendo o valor do imposto de selo devido pelo ato muito inferior ao que seria devido se a doação fosse feita ao A., e sendo ainda que tal doação não foi levada então ao registo predial, mantendo-se o registo a favor daquela R., situação que só mais tarde foi alterada;
- em 04/10/2017, B (…) outorgou escritura de doação do imóvel a favor do A.;
- este pagou ao B (…) S. A. a quantia de € 5.000,00.
Perante este factualismo, resta concluir – como na sentença impugnada –, salvo o devido respeito, pela não demonstração da invocada propriedade do imóvel pelo A./Recorrente ao tempo do pagamento dos montantes devidos pelos RR..
Na verdade, o essencial da sua versão dos factos ficou nesta parte claramente por provar (() Note-se que não se provou, designadamente, que:
- no Verão de 1998 o A. mantinha ainda alguns problemas patrimoniais relativos ao seu processo de divórcio e, como não tinha capacidade de aquisição do imóvel sem recorrer a financiamento bancário, a R. (…) acedeu a contrair o empréstimo em seu nome, junto do banco, sendo também determinante a tal formalização em nome da R. o facto de beneficiar à data de uma taxa de juros muito mais vantajosa pelo facto de ter “apenas” 29 anos de idade;
- o preço do financiamento correspondeu ao valor da compra, sendo que parte dele se destinou à realização de obras de modificação do espaço para instalação do escritório do A.;
- no local o A. passou a ter a sua residência e o seu escritório, nele vivendo com seus dois filhos homens;
- Esta situação era do conhecimento dos responsáveis do balcão do banco, o qual condicionou o financiamento à celebração de contrato de seguro de vida do A. para garantia do empréstimo;
- o banco sabia que era o A. quem pagava as prestações da casa;
- todas as entradas em dinheiro, cheques ou transferências bancárias que provisionaram a referida conta foram provenientes do A. ou de pessoas de sua confiança, cônjuge, filhos ou outros familiares;
- foi sempre o A. quem procedeu ao pagamento das prestações contraídas pelo crédito hipotecário, e todos os encargos associados, e quem sempre pagou o condomínio, os encargos com água, luz, telefone, gaz, impostos;
- foi sempre ele quem decidiu, como verdadeiro proprietário, quem frequentava aquele espaço;
- na referida fração, o A. morou desde 1998, com seus filhos (e suas filhas) entretanto nascidas;
- segundo informação veiculada à data pela R., na base do seu divórcio com o R. estariam problemas financeiros, devidos a dívidas contraídas ou por ambos ou pelo R(…) com o aval da R. (…) o que causou preocupação ao A. por a casa continuar registada em nome daquela R. e, por isso, sujeita a penhoras;
- os RR. comprometeram-se a regularizar a situação da execução n.º 3693/12.2TBVIS, mas não o fizeram, tendo a R. (…) aquiescido a “retirar” o imóvel de seu nome;
- o A. foi obrigado a negociar a dívida e a desistência do incidente de reclamação para evitar a venda do imóvel, acordando com a credora o levantamento da penhora, mediante o pagamento das quantias de 2.500,00€ em 10.4.2016, 2.500,00€ em 13.4.2016 e 2.814,77€ em 30.4.2016;
- sempre, como desde 1998, todas as despesas com emolumentos e impostos foram liquidados pelo A. tal como os seguros de vida, seguros de condomínio, de responsabilidade civil, e tudo o que respeita à fração penhorada;
- B (…) foi estudante e totalmente dependente do A. e da R. até agosto de 2017, não tendo por isso rendimentos que lhe permitissem pagar fosse o que fosse;
- sempre foi o A. quem se comportou como o único e legitimo proprietário do bem penhorado, o único que compareceu nas assembleias de condomínio, e a contratar os fornecimentos de agua, luz, telefone, internet, televisão e gás para o imóvel;
- a penhora causa ainda ao A. prejuízo derivado da existência do crédito hipotecário;
- caso fosse a R. a proprietária do imóvel, o banco credor seria obrigado a declarar o vencimento de todas as prestações e reclamar o crédito na execução;
- não tendo o A. qualquer possibilidade de liquidar o valor em dívida;
- a R. A (…) sempre se disponibilizou para passar o referido imóvel para o seu legítimo proprietário, o A., nunca tendo colocado qualquer entrave, ou sequer formulando qualquer exigência ao A..).
O aludido “esquema” – e sua envolvência e motivação –, se alegado, não resultou, porém, apurado, não havendo evidência dos invocados interesses pessoais subjacentes.
Não se fez luz, pois, quanto à alegada relação do A. com o imóvel, ao tempo do pagamento dos montantes devidos pelos RR., relação essa pela qual ele seria o real detentor do domínio e da posse, atuando, todavia, por interpostas pessoas.
Não demonstrado, assim, o interesse direto (e pessoal) do A., a que se reporta a norma do art.º 592.º, n.º 1, do CCiv., quanto à satisfação do crédito bancário – e ao tempo dessa satisfação –, por falta de factos provados de suporte (era do A. o ónus probatório, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do mesmo CCiv., pelo que a opacidade remanescente o desfavorece), resta dar razão nesta parte ao expendido na sentença em crise, que não merece, a nosso ver, censura neste particular.

2. - Do enriquecimento sem causa
Nesta matéria, pode ler-se na fundamentação de direito da sentença:
«(…) quando a ação de enriquecimento sem causa se funda na circunstância de ter ocorrido um enriquecimento pelos demandados, o demandante (empobrecido) precisava de demonstrar que não existia qualquer causa para tanto.
Sucede que, no caso vertente, o A. não logrou provar o que quer que fosse de relevante para este efeito, para além do pagamento objetivo dos itens em causa (quantias pagas nas execuções), não tendo logra[do] provar o motivo porque procedeu a esse pagamento, ou seja não ficou provado que o fez por ser proprietário do imóvel sito na Quinta do k... e evitar que este fosse penhorado e até vendido, logo não tendo ficado provado esse fato, não ficou, a nosso ver provada a ausência de causa justificativa do pagamento.
(…)
Acresce que constitui doutrina e jurisprudência absolutamente pacífica, a afirmação de que na ação fundada em enriquecimento sem causa, é ao demandante que pede a restituição, à luz do artº 342, nº 1 do CC, que incumbe o ónus da alegação e prova da falta de causa para a prestação efetuada, não bastando para esse efeito que não se prove a existência da causa de atribuição alegada pelo demandado. É o demandante que tem de convencer o tribunal da falta de causa, devendo “in dubio” considerar-se que a deslocação patrimonial teve justa causa (…).
Ora assim sendo, podemos concluir que, não tendo o A. logrado provar a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial, não se verifica pois um dos requisitos do enriquecimento sem causa (…).».
Contrapõe o A./Recorrente que, embora não se encontrasse adstrito ao cumprimento da obrigação, ao proceder ao pagamento da quantia exequenda para obstar à venda judicial de um bem penhorado, tem direito ao respetivo reembolso por parte dos devedores/executados, com fundamento no enriquecimento sem causa.
Enfatiza que o enriquecimento dos Recorridos carece de legitimidade e de causa justificativa, pois que nenhuma relação jurídica pré-existia capaz de determinar o benefício que lhes fora atribuído, tendo de admitir-se um direito contra os devedores (executados/recorridos), tratando-se de um novo crédito, nascido do próprio facto do pagamento da dívida alheia, dando direito ao reembolso do prestado ao credor.
Ora, são bem conhecidos os contornos jurídicos relevantes da convocada figura do enriquecimento sem causa.
No âmbito deste instituto, trata-se da verificação quanto a um injusto locupletamento, por destituído de causa justificativa, de uma parte à custa do património da outra, com o decorrente dever de restituição daquilo com que injustamente se enriqueceu – compreendendo tudo quanto se obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente (cfr. art.ºs 473.º e 479.º, ambos do CCiv.) –, independentemente da prática de um qualquer facto culposo (() Já, por exemplo, na obrigação indemnizatória por responsabilidade civil extracontratual está, diversamente, em causa a reparação de um dano, causado a outrem, decorrente de facto ilícito e culposo, como tal imputável ao lesante (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).).
Assim, o enriquecimento sem causa depende (cumulativamente) da verificação da existência de (i) um enriquecimento, (ii) que seja obtido à custa de outrem, (iii) faltando uma causa justificativa.
Em sede de enriquecimento sem causa, é pacífico que a vantagem em que o enriquecimento (() Visto como um enriquecimento real ou patrimonial, traduzindo-se este último na “diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)”, sendo certo que, nesta sede, “a obrigação de restituir se pauta pelo efectivo alcance das vantagens no património do enriquecido” – assim M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 492 e seg.. ) se manifesta pode traduzir-se no evitar de uma despesa – por exemplo, evitar pagar certo montante de renda de casa por se utilizar uma casa de que se não paga renda ou de que se paga uma renda abaixo do valor locativo –, mas também na aquisição de um novo direito ou no acréscimo de valor de um direito já existente – a propriedade de um bem ou “a mais-valia trazida a um prédio por trabalhos nele efectuados” (() Cfr. Almeida Costa, op. cit., p. 492.).
Essa vantagem, auferida por um sujeito, por repercutida no seu património, tem sempre de ocorrer para que haja enriquecimento sem causa, sendo suportada por outrem, com inerente, por regra, diminuição patrimonial, a qual pode traduzir-se, por exemplo, numa renda que se não cobra. Todavia, pode até “não se verificar qualquer efectivo empobrecimento”, já que “… o instituto abrange situações em que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulta de um correspondente sacrifício económico sofrido por outra – diminuição patrimonial ou simples privação de um aumento –, embora se haja produzido a expensas desta, à sua custa. Recordem-se, por exemplo, certos casos de uso de coisa alheia sem prejuízo algum para o proprietário” (() Assim Almeida Costa, op. cit., p. 492. Também Pires de Lima e Antunes Varela aludem, neste âmbito, ao uso ou consumo de coisa alheia, como, por exemplo, a instalação em casa alheia (cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 454). ).
Ponto é que o enriquecimento – à custa de outrem – se verifique e careça de causa justificativa, ou por nunca a ter tido ou por a ter perdido (() Cfr., por todos, Almeida Costa, op. cit., p. 499, e Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 454.), tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.
Imprescindível é ainda a ausência de outro meio jurídico – se a lei não faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído –, pois que estamos perante obrigação com natureza subsidiária, como resulta do art.º 474.º do CCiv. (() Ver ainda Almeida Costa, op. cit., p. 501.).
A obrigação de restituir abrange, segundo o preceituado no art.º 479.º do CCiv., tudo quanto o enriquecido obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o correspondente valor em dinheiro (n.º 1), não podendo, porém, exceder-se a medida do locupletamento efetivo (n.º 2), do enriquecimento patrimonial obtido, nem o montante do empobrecimento do lesado, se inferior àquele.
In casu, não haveria dúvidas quanto ao enriquecimento dos RR./Recorridos e empobrecimento correspondente do A./Recorrente, na medida em que este se apresentou a pagar dívida daqueles (pagamento ao respetivo credor bancário de montantes por tais RR. devidos). Não é neste ponto que se estabelece a controvérsia.
A discórdia prende-se, como visto, com a causa do enriquecimento ou, melhor, com a pretendida falta de tal causa.
Como refere Antunes Varela, a “causa do enriquecimento, sempre que este provém de uma prestação, é assim a relação jurídica (…), que a prestação visa satisfazer – ou seja, o fim imediato da prestação” (() Cfr. Das Obrigações Em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p. 483. E o Ilustre Autor acrescenta – mais adiante (p. 484) – que, por exemplo, nas obrigações com caráter negocial, quando esse fim falha por qualquer razão, as obrigações resultantes do negócio ficam sem causa.). Neste âmbito, é indubitável que a “falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342.º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa.” (() V., op. cit., p. 488.).
Especificamente, quanto ao “enriquecimento por pagamento de dívidas alheias”, refere Luís de Menezes Leitão (() Direito Das Obrigações, vol. I, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 444 e seg..):
«Esta acção deve considerar-se admissível através da cláusula geral do art. 473.º, n.º 1. Efectivamente, apesar de não se verificar qualquer das circunstâncias em que a lei permite expressamente a compensação do solvens, o facto de este cumprir uma obrigação alheia provoca um enriquecimento do devedor à sua custa, pelo que, sendo excluída a acção contra o credor, haverá que permitir a aplicação da condictio para possibilitar o exercício do direito de regresso. (…) Por aqui se vê que é residualmente admissível uma acção de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, quando o regresso pela quantia despendida não se pode verificar nos termos de nenhuma outra fonte.».
Todavia, este Autor (() Dando, ainda assim, conta da existência de relevante doutrina que propende para a não admissão da ação de enriquecimento neste âmbito (mormente contra o devedor), tratando-se de Pires de Lima e Antunes Varela e, por outro lado, de Pessoa Jorge.) começa por equacionar que se trata aqui do «(…) enriquecimento por pagamento de dívidas alheias (…) em que o empobrecido libera o enriquecido de determinada dívida que este tem para com um terceiro sem visar realizar-lhe uma prestação, nem estar abrangido por qualquer uma das hipóteses em que a lei lhe permite obter uma compensação por esse pagamento.» (() V., op. cit., p. 443, com itálico aditado.).
Ora, esta reflexão reconduz-nos à questão da (falta de) causa do enriquecimento: qual “o fim imediato da prestação” do A./Recorrente? Visava ele – ou não –, ao liberar os devedores, realizar-lhes uma prestação?
Como visto, de harmonia com as regras do ónus probatório, cabia a tal A. provar a falta/inexistência de causa, não lhe bastando que não se provasse a existência de uma causa justificativa para a atribuição.
E, aqui chegados, vista a factualidade provada – e a não provada –, temos de concordar com a perspetiva da sentença em crise.
O A. alegou que apenas procedeu ao pagamento da dívida dos RR., liberando-os face ao credor, para evitar a penhora e a venda da casa de que era o dono de facto, posto ser ele, afinal, o verdadeiro comprador dela, apenas o tendo feito por interposta pessoa (a R., com quem viveu em união de facto) por razões de conveniência pessoal própria, em montado “esquema” que satisfazia tal conveniência e a que ambos (o A. e a dita R.) aderiram.
Porém, se o alegou, não logrou prová-lo, como sobejamente resulta do quadro fáctico da sentença, inalterado nesta instância recursiva.
Por isso, fica sem se saber se houve ou não causa justificativa para o enriquecimento, se o solvens (A.) visou, ou não, realizar uma prestação aos devedores (em mero favor destes, sem contrapartidas, no quadro do seu relacionamento com a dita R. – de quem tem uma filha –, que outorgou como adquirente na escritura de compra da casa e como mutuária no empréstimo para financiamento dessa aquisição).
Em suma, mesmo para quem entenda admissível a ação de enriquecimento neste âmbito do pagamento de dívida alheia, in casu a opacidade antes referida, que subsiste, não permite concluir pela inexistência de causa justificativa, nem pelo seu contrário.
Por isso, tem de julgar-se de acordo com as regras do ónus probandi: não bastava – repete-se – ao A./Recorrente que não se provasse a existência de uma causa legitimadora para a atribuição; cabia-lhe convencer da falta de causa justificativa (() Também na jurisprudência é pacífico que cabe ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento – cfr., inter alia, o Ac. STJ, de 24/03/2017, Proc. 1769/12.5TBCTX.E1.S1 (Cons. António Piçarra), em www.dgsi.pt.), o que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, não logrou conseguir.
Donde que tenha de improceder a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
***
V – Conclusão (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - A ação por enriquecimento sem causa depende da verificação de um enriquecimento à custa de outrem, que careça de causa justificativa, por nunca a ter tido ou por a ter perdido, tornando-se, assim, injusto e inaceitável para o direito, correndo o respetivo ónus da prova contra o demandante.
2. - A este cabe, assim, provar a falta/inexistência de causa, não lhe bastando que não se prove a existência de uma causa justificativa para a atribuição.
3. - É residualmente admissível – de acordo com parte da doutrina – ação de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias quando o empobrecido libera o enriquecido de determinada dívida deste para com um terceiro sem visar realizar-lhe uma prestação, nem estar abrangido por alguma das hipóteses em que a lei lhe permite uma compensação por esse pagamento.
4. - Se, na ação de enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, o autor/empobrecido não logra demonstrar se visou, ou não, realizar uma prestação aos devedores [em mero favor destes, sem contrapartidas, no quadro do seu relacionamento com a ré enriquecida – com quem viveu anteriormente em união de facto e de quem tem uma filha –, a qual outorgou como adquirente na escritura de compra da casa de que o autor diz ser o dono de facto e como mutuária no empréstimo para financiamento dessa aquisição], a dúvida remanescente sobre tal matéria determina a improcedência da ação.

***
VI – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo A./Recorrente, ante o seu decaimento.

C., 13/07/2020

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinatura eletrónica.

O Relator,

Vítor Amaral