Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE PASSAGEM EXTINÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | PENACOVA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 1569º, Nº 2, C.CIV. | ||
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Sumário: | I – A extinção da servidão de passagem por desnecessidade (artº 1569º, nº 2, C.Civ.) deve ser objectiva, efectiva e actual, relevando tanto a desnecessidade superveniente como a originária. II – Para o efeito não basta a simples demonstração de que o prédio dominante confina com um caminho público. III – Se uma solução alternativa passar pela realização de obras de acessibilidade ao prédio dominante, este facto concorre para o juízo de ponderação sobre a desnecessidade, e, como tal, deve ser concretamente alegado pelo requerente, não podendo ser diferido para momento posterior à efectuação das obras, porque é elemento constitutivo do direito. IV – Compete ao requerente da extinção o ónus da prova dos elementos indispensáveis ao juízo da desnecessidade e da proporcionalidade, nomeadamente quanto à realização de obras de acessibilidade no prédio dominante, por consubstanciarem factos constitutivos do direito. V – O custo das obras é da responsabilidade do titular do prédio serviente, requerente da extinção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO 1.1. - Os Autores - A... e B... – instauraram (10/7/2006) na Comarca de Penacova acção declarativa, com forma de processo sumário, contra o Réu - C... . Alegaram, em resumo: Os Autores são donos, na proporção de metade para cada, de um prédio rústico, sito em Quinta, freguesia de S. Pedro de Alva, concelho de Penacova. O Réu é dono de um prédio rústico, sito na mesma localidade. A favor do prédio dos Autores e sobre o prédio do Réu existe uma servidão de passagem, a pé e de carro, constituída por usucapião, que se revela por um carreiro de terra batida, com cerca de 3,70 metros de largura, e que vai desde a estrema sul do prédio do Réu até à estrema sul do prédio dos Autores. O Réu colocou um portão, impediu a passagem, causando prejuízos aos Autores. Pediram cumulativamente: a) – A declaração de que o prédio dos autores identificado no art.º 1 desse articulado beneficia de uma servidão de passagem, a pé e de carro, que onera o prédio do Réu referido no art.º 13.º desse articulado, e se exerce através do carreiro referido no art.º 28.º desse articulado, com 3,70 metros de largura, situado na extrema poente do prédio do Réu, e que vai da extrema sul do prédio deste até à extrema sul do prédio dos Autores; b) – A condenação do Réu a reconhecer e a respeitar a existência dessa servidão de passagem; a abster-se de quaisquer actos ou comportamentos que impeçam ou perturbem o exercício dessa servidão de passagem; a retirar o portão que colocou na entrada do seu prédio, ou pelo menos a mantê-lo aberto, se necessário completamente, para entrada de pessoas a pé ou de carro; c) – A condenação do Réu a pagar aos Autores a quantia de Eur. 3.009,60€, acrescida de juros, à taxa legal, actualmente de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento. Contestou o Réu defendendo-se por impugnação motivada, ao negar a existência de prejuízos para os Autores. Em reconvenção, alegou, em síntese: A servidão de passagem é desnecessária porquanto o prédio dos Autores confina com um caminho situado a sudeste, que se inicia na Estrada Municipal e segue em direcção à propriedade dos Autores, que lhes permitem as mesmas ou melhores condições de acessibilidade. Admitindo-se ser eventualmente necessário levar a cabo determinadas obras na parte sudeste do prédio dos Autores ( dominante ), cabe-lhes a eles suportar as inerentes despesas. Pediu a condenação dos Autores: Responderam os Autores, contraditando a reconvenção.
1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção e total improcedência da reconvenção, decidiu: a) – Condenar o Réu: i) – A reconhecer que o prédio sua pertença sito no lugar de Quinta, freguesia de São Pedro de Alva, concelho de Penacova, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro de Alva sob o artigo 3793, se encontra onerado com uma servidão de passagem, de pé e de carro, constituída por usucapião, a favor do prédio rústico propriedade dos Autores A... e B... sito na mesma localidade e freguesia, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de São Pedro de Alva sob o artigo 3788 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penacova sob o n.º 3518/20020409, que é exercida através de um carreiro de terra batida, com cerca de 3,70 metros de largura, situado na estrema Poente do mesmo, numa extensão que vai desde a estrema Sul do prédio do Réu até à extrema sul do prédio dos Autores; ii) – A respeitar a existência da servidão de passagem referida em i), e a abster-se de praticar quaisquer actos ou comportamentos que impeçam ou perturbem o exercício dessa servidão de passagem e a manter aberto o portão que colocou na entrada do seu prédio, para entrada de pessoas a pé ou de carro; iii) – A pagar à Autora A... a quantia de € 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da presente decisão e até integral pagamento, e ao Autor B... a quantia de € 300,00, a título de danos não patrimoniais. b) – Absolver o Réu dos demais pedidos; c) – Absolver os Autores dos pedidos reconvencionais. 1.3. - Inconformado, o Réu recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: (…………………………………………………………………)
Contra-alegaram os Autores, preconizando a improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso:
A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, contende com a extinção da servidão de passagem por desnecessidade ( art.1569 nº2 CC ) e as regras do ónus da prova sobre os factos constitutivos do direito conferido ao titular do prédio serviente.
2.2. – Os factos provados:
(…………………………………………………………………) 2.3. – O Direito:
A sentença recorrida, deferindo a acção, reconheceu a existência de servidão de passagem, a pé e de carro, a favor do prédio dos Autores ( dominante) e sobre o prédio do Réu (serviente), constituída por usucapião ( art.1548 do CC ), exercida através de um carreiro de terra batida, com cerca de 3,70 metros de largura, situado na estrema Poente do mesmo, numa extensão que vai desde a estrema Sul do prédio do Réu até à estrema sul do prédio dos Autores. Perante a descrição factual apurada, dadas as características físicas do terreno do prédio rústico dos Autores, é por demais evidente que a sua confinância com o caminho público, situado a Sudeste, não proporciona as mesmas utilidades, por estar inviabilizado o acesso a pé ou de carro ao terreno de cultivo através do pinhal na parte superior. É que sendo o prédio dos Autores composto de duas partes, uma de terreno de cultivo, outra de pinhal e mato, o referido caminho público só permite o acesso à parte do pinhal e mato, visto que entre ambas as partes do terreno interpõem-se uma barroca, um muro de pedra a suportar o pinhal, com 1,45 e 1,85 metros de altura, existindo um declive acentuado entre elas ( cf. pontos 27 a 34). Neste contexto, só com eventuais obras no prédio dos Autores (dominante) é que se poderia aquilatar da desnecessidade da servidão, como, aliás, reconhece o apelante. Mas, como correctamente discorreu a sentença, a desnecessidade tem de ser aferida pela situação existente no momento em que a acção é proposta, ou mais rigorosamente, no momento na sentença ( arts.653 nº1 e 663 CPC), pois é nesta que se define o respectivo direito e se declara a extinção da servidão. Ainda que uma solução alternativa passe pela realização de obras de acessibilidade ao prédio dominante, este facto concorre para o juízo de ponderação sobre a desnecessidade, e como tal deve ser concretamente alegado pelo requerente. Ou seja, o juízo da desnecessidade não pode ser diferido para momento posterior à efectuação das obras, porque é elemento constitutivo do direito. De resto, também no regime anterior, em que a extinção da servidão se fazia em acção de arbitramento, o nº1 do art.1057 CPC dispunha que a sentença que autorize a cessação ou mudança de servidão não produz efeito sem que estejam concluídas as obras de que dependa a cessação ou a mudança. Mas a realização das obras fazia-se na fase executiva, sendo condição de eficácia da sentença, enquanto que era na fase declarativa que ficava decidida a cessação. Acontece não ter sido alegado que tipo de obras, a sua dimensão, custos e prejuízos para o prédio dominante, conforme se anotou na sentença. O apelante, estribando-se no Ac da RP de 21/11/05 ( proc. nº0455736), disponível em www dgsi.pt, remete para o dono do prédio dominante o ónus da alegação e prova da desproporcionalidade da exigências das obras necessárias, com o argumento da revogação do art.1057 do CPC pela reforma de 1995, que “ deve ser entendida como passando a ser da responsabilidade do prédio dominante a realização das obras necessárias a garantir a acessibilidade ao mesmo”, significando também que “ passou a ser da responsabilidade do dono do prédio dominante a alegação e prova da desproporcionalidade da exigência das obras necessárias”. Contudo, este argumento carece de consistência e não parece dogmaticamente correcto, segundo os princípios gerais do direito probatório. A repartição do ónus da prova entre as partes faz-se segundo o critério da “ teoria da norma”, devendo processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 116, pág.333 e segs. e 117, pág.26 e segs). Nesta medida, ao autor compete provar os factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido, ou seja, terá o ónus de provar os factos constitutivos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão ( art.342 nº1 do CC ). Ao réu incumbirá a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico pretendido pelo autor ( art.342 nº2 do CC ). E em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito ( art.342 nº3 do CC ). O ónus da prova dos elementos necessários à avaliação da desnecessidade e sobre o juízo de proporcionalidade, designadamente sobre a viabilidade de eventuais obras e de que o incómodo e dispêndio com a alteração não são excessivos, compete ao requerente da extinção, por consubstanciarem factos constitutivos do seu direito ( art.342 nº1 CC ). E o custo das obras não pode deixar de ser da responsabilidade do titular do prédio serviente, por argumento de maioria de razão com o previsto para a mudança de servidão ( art.1568 CC ) ( cf., neste sentido, Ac RC de 28/9/2004, C.J. ano XXIX, tomo I, pág.18, Ac RC de 6/12/2005, C.J. ano XXX, tomo V, pág.30, Ac RP de 12/12/2006, em www dgsi.pt ). Por conseguinte, cabe ao titular do prédio serviente, requerente da extinção da servidão, alegar que a servidão de passagem é desnecessária e, dependendo essa desnecessidade da realização de obras, que das mesmas não resultará incómodo excessivo para o prédio dominante, bem como alegar que está disposto a suportar o respectivo custo. Ora, dada a omissão destes elementos destinados ao juízo de proporcionalidade, cujo ónus da prova incumbia ao Réu, sucumbe a pretensão reconvencional. Acresce que o Réu reconvinte nem sequer manifestou sua disponibilidade no pagamento do custo das obras necessárias, endossando irritamente a sua responsabilidade para os Autores. Improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
2.4. – Síntese conclusiva:
1. A extinção da servidão de passagem por desnecessidade (art.1569 nº2 do CC ) deve ser objectiva, efectiva e actual, relevando tanto a desnecessidade superveniente, como a originária.
2. Para o efeito, não basta a simples demonstração de que o prédio dominante confina com um caminho público. 3. Se uma solução alternativa passar pela realização de obras de acessibilidade ao prédio dominante, este facto concorre para o juízo de ponderação sobre a desnecessidade, e como tal deve ser concretamente alegado pelo requerente, não podendo ser diferido para momento posterior à efectuação das obras, porque é elemento constitutivo do direito. 4. Compete ao requerente da extinção o ónus da prova dos elementos indispensáveis ao juízo da desnecessidade e da proporcionalidade, nomeadamente quanto à realização de obras de acessibilidade no prédio dominante, por consubstanciarem factos constitutivos do direito. 5. O custo das obras é da responsabilidade do titular do prédio serviente, requerente da extinção.
III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. 2) Condenar o apelante nas custas. |