Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/04.4TBVNO.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
QUESTÃO DE DIREITO
QUESITOS
CAUSA DE PEDIR
Data do Acordão: 03/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1207.º, 1210.º, 1211.º, 1218.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 664.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Tendo o autor invocado, como causa de pedir a eliminação de defeitos e indemnização, que celebrou com o réu um contrato de empreitada e este executou a obra com defeitos e tendo o réu apenas aceitado ter realizado a obra, com impugnação do restante, saber se celebraram contrato de empreitada é questão de direito, não devendo quesitar-se a invocada celebração de contrato de empreitada qua tale.
2. São elementos essenciais do contrato de empreitada: a)- o acordo sobre a realização de certa obra (resultado); b)- mediante um preço, ainda que apenas determinável; c)- e com autonomia do executante da obra em relação ao dono desta.
3. Realizado o julgamento, a acção improcede por insuficiência da causa de pedir porque faltou alegação e prova dos factos dos requisitos de autonomia e preço.
Decisão Texto Integral: I- Relatório:

A....e mulher B...., com apoio judiciário, intentaram contra C....e mulher acção ordinária pedindo a condenação dos réus a que procedam à eliminação de todos os defeitos reclamados nesta acção no prazo de 60 dias e, caso o não façam, sejam condenados a indemnizar os autores de todas as despesas que estes vierem a suportar com tal eliminação, as quais serão a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alegam que:
São donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de habitação, sito em Vale Figueira, Vilar dos Prazeres, freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, ….. O réu marido dedica-se à construção civil. Na sequência de um contrato de empreitada verbalmente celebrado em Abril de 1999 entre os autores e o réu marido, este no âmbito da sua actividade e na sequência do aludido contrato procedeu à construção do prédio urbano acima descrito. De acordo com esse contrato de empreitada ficavam a cargo do réu os trabalhos de construção do aludido prédio, nomeadamente, levantamento de toda a estrutura incluindo fundações, assentamento de todo o tijolo interior e exterior, todos os trabalhos de execução e rematação do telhado, todos os trabalhos com massas de cimento (vulgo trabalhos de pedreiro), trabalhos de ligação dos esgotos domésticos à respectiva fossa.
Os autores forneceriam ao réu marido os materiais necessários à realização da obra. A direcção da obra ficou a cargo do réu marido que orientou todos os trabalhos e forneceu a mão-de-obra. O réu marido iniciou os trabalhos em finais de Setembro de 1999 e concluiu a mesma em Abril de 2000.
Em finais de Dezembro de 2000 o sótão, tectos e paredes começaram a apresentar manchas de humidade e bolor.
Em Maio de 2001 o réu marido procedeu à execução de trabalhos no telhado com vista à resolução daqueles problemas.
Em finais de 2003 o imóvel começou novamente a apresentar defeitos no interior da casa e que se descrevem na petição nos nºs 16 a 24, bem como no exterior da casa e que se descrevem na petição nos nºs 25 a 30 da petição.
Por carta registada de 17/11/03 os autores denunciaram os defeitos junto do réu. No entanto este até ao momento não os eliminou.
Juntaram documentos e procuração.

Regularmente citados os réus, o réu marido contestou:
- Negando que tenha sido celebrado contrato de empreitada;
- Invocando a prescrição do direito que os autores reclamam;
- Mais alegando, em resumo:
Trabalhou na obra do autor como pedreiro contratado pelo autor, sendo o autor quem dirigiu os trabalhos, fez as compras de material e orientou a obra.
O reboco exterior, a forra em pedra, o assentamento das cantarias, janelas, portas revestimento e todos os acabamentos foram feitos por outros pedreiros.
A reparação efectuada pelo réu em Abril de 2001 foi paga pelo autor.
Impugnou os demais factos articulados pelos autores.
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Os autores replicaram respondendo à excepção invocada e concluindo como na petição inicial.
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O processo foi saneado, relegando-se para a decisão final a apreciação da excepção de prescrição.

Foram seleccionados os factos assentes e os da base instrutória.
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Realizou-se audiência de julgamento, que culminou nas respostas à base instrutória.
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Após repetição de julgamento efectuada mediante acórdão desta Relação proferido em recurso da sentença (acórdão que ordenou a ampliação da base instrutória à factualidade que passou a constar do quesito 44º), veio a ser proferida nova sentença, a fls. 391/404, que julgou a acção improcedente por não se ter provado factualidade caracterizadora do invocado contrato de empreitada e prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição.
Desta sentença recorrem os autores (fl. 407), concluindo a sua alegação:
1. Não houve uma correcta apreciação da matéria de facto levada aos autos, o que conduziu o M.º Juiz a quo a erro na aplicação das normas legais vigentes ao caso concreto.
2. Entendem os apelantes que os factos atinentes à existência do contrato de empreitada, verbalmente celebrado, entre apelantes e o apelado marido, e à direcção da obra, a cargo do apelado marido, que, com total liberdade e autonomia, orientou, dirigiu e fiscalizou todos os trabalhos referidos, nomeadamente a realização das fundações, o assentamento de tijolo, o enchimento de placas e o assentamento do telhado no prédio dos apelantes, fornecendo ainda a mão-de-obra necessária à execução dos mesmos, se encontram provados, conforme depoimentos das testemunhas ……, atrás referidos e que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições desnecessárias.
3. Ao aceitar realizar a referida obra, mediante o pagamento de um preço, o apelado marido obrigou-se a um resultado material (a construção de uma casa, das fundações até ao telhado), actuando com total liberdade e autonomia na execução da mesma e agindo sob sua própria direcção, sem que tenha recebido quaisquer ordens ou orientações quanto à execução dos trabalhos.
4. A modalidade de pagamento do preço da empreitada não permite, sem mais, descaracterizar este tipo contratual, nem tão pouco concluir antes pela existência de um contrato de trabalho.




5. Determinante, no caso sub judice, é o resultado pretendido, a realização de uma obra, e a inexistência de um vínculo de subordinação do apelado marido em relação aos apelantes na execução da mesma.
6. Não restando, pois, dúvidas de que foi efectivamente celebrado um contrato de empreitada entre os apelantes e o apelado marido, com vista à construção do prédio dos apelantes por parte do apelado marido, mormente das fundações, assentamento de tijolo, enchimento de placas e assentamento do telhado.
7. O apelado marido, na qualidade de empreiteiro da obra, é responsável perante os apelantes, por conta de quem a mesma foi construída, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 1225.º do Cód. Civil, recaindo sobre ele o dever de construir sem vícios e o encargo de levar a obra a bom termo, em obediência a todas as regras técnicas e às “legis artis”, como prescreve o art. 1208.º, do referido diploma.
8. Sendo, pois, responsável pela eliminação dos defeitos da obra, na sua totalidade, mais recaindo sobre ele o dever de ressarcir os apelantes de todos os prejuízos decorrentes da existência desses defeitos.
9. Nos termos do art. 712.º, do Cód. Proc. Civil, deve a decisão de facto ser alterada, com o sentido que lhe é dado pelos apelantes.
10. A considerar-se não ter existido contrato de empreitada, sempre é entendimento dos apelantes que não houve uma correcta subsunção dos factos apurados ao direito vigente e que a interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto, feita pelo M.º Juiz a quo, não é a exacta.
11. Já que sempre terá existido uma prestação de serviços por parte do apelado marido aos apelantes.
12. Ao aceitar realizar a obra referida, mediante o pagamento de um preço, o apelado marido celebrou com os apelantes um contrato, constituindo-se como devedor dessa prestação face aos apelantes, sem qualquer vínculo de subordinação no que concerne à realização e execução técnica desses trabalhos, que levou a cabo, com total liberdade e autonomia, tendo ainda fornecido a mão-de-obra necessária.
13. Resultou provado que os defeitos que o prédio dos apelantes apresenta se devem “a uma má construção do telhado e do respectivo beirado, que obsta ao adequado escoamento das águas da chuva, provocando a sua infiltração no sótão, paredes e tecto da casa, provocando o aparecimento de fissuras no estuque e o apodrecimento do rodapé nalguns sítios”.
14. O comportamento do apelado marido (devedor) é ilícito, já que existe desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, resultando no cumprimento defeituoso da obrigação por ele assumida, motivado pela actuação culposa do mesmo, por não ter diligenciado no sentido de levar a obra a bom termo e não ter observado as regras técnicas e as “legis artis” na sua execução, como devia.
15. Nos termos do art. 798.º, do Cód. Civil, “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo causado ao credor”, mais prescrevendo o n.º 1, do art. 799.º, do mesmo diploma, que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
16. Não só o apelado marido não fez prova nesse sentido, como lhe competia fazer, como resultou provado que o cumprimento defeituoso da obrigação por ele assumida resultou de culpa exclusiva sua, incorrendo, assim, em responsabilidade civil e na obrigação de indemnizar os apelantes.
17. Exercendo o apelado marido uma actividade económica no âmbito da construção civil, sem qualquer vínculo de subordinação quanto à direcção e realização dos trabalhos que levou a cabo, sempre terá o mesmo de ser responsabilizado em termos idênticos ou análogos ao dos empreiteiros e condenado a eliminar, na sua totalidade, os defeitos da obra, mais recaindo sobre ele o dever de ressarcir os apelantes de todos os prejuízos decorrentes da existência desses defeitos.
18. Tendo o M.º Juiz a quo entendido não existir contrato de empreitada, sempre deveria ter procedido à subsunção jurídica dos factos apurados e consequente aplicação do direito vigente nos termos supra referidos, com vista à boa decisão da causa.
19. Foram violados os artigos 1207.º, 1208.º e 1225.º, n.º 1, do Cód. Civil, bem como os artigos 156.º, n.º 1, 264.º, n.º 3, 664.º e 668.º, n.º 1, al. d), do Cód. Processo Civil, ficando comprometido o princípio da boa decisão da causa e o dever de administrar justiça.
20. Foram também violados os artigos 798.º e 799.º do Código Civil.
21. Os apelantes denunciaram atempadamente os defeitos existentes na obra levada a cabo pelo apelado marido, exigindo no prazo legal a sua eliminação e ainda o ressarcimento pelos prejuízos sofridos.
22. Tendo resultado provado que da actividade do apelado marido são retirados ganhos para fazer face às despesas da casa, alimentação, vestuário e saúde do próprio e da apelada sua esposa, são os apelados solidariamente responsáveis pela eliminação de todos os defeitos no prédio dos apelantes e pelo ressarcimento de todos os prejuízos decorrentes da existência desses defeitos. Termos em que, deve ser julgada procedente a apelação interposta, revogando-se in totum a douta sentença recorrida, e deve a acção ser julgada procedente, por provada.
Em suma, os recorrentes pretendem a revogação da sentença e a procedência da acção, mediante a modificação da decisão de facto de modo que as respostas aos quesitos 2º, 5º e 27º se alterem para integralmente provado.

Não houve contra-alegação.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II- Fundamentos:

Na sentença de fls. 391 ss exararam-se os seguintes factos provados:

A) O réu marido dedica-se à construção civil.
B) Por via dessa actividade realizou trabalhos de construção civil numa obra dos autores a qual se iniciou em finais de Setembro de 1999 e foi concluída em Abril de 2000.
C) Os autores através da sua patrona enviaram aos réus uma carta registada com A/R datada de 17 de Novembro de 2003 e recebida pelo réu em 19 de Novembro de 2003.
D) Os réus são casados entre si em comunhão geral de bens.
Da base instrutória:
1. Os autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de habitação, com 3 assoalhadas no r/chão, cozinha, duas casas de banho e sótão para arrumos, sito em Vale Figueira, s/n em Vilar dos Prazeres, concelho de ….. a confrontar …. – quesito 1º.
2. O réu marido no âmbito da sua actividade realizou as fundações, assentou tijolo, encheu placas e assentou o telhado no imóvel referido em 1º. - quesitos 2º e 3º.
3. Os autores forneceram todos os materiais necessários às actividades referidas nos quesitos 2º e 3º - quesito 4º.
4. Em finais de Dezembro de 2000 e princípios de 2001 na parede dos cantos do sótão começaram a aparecer humidades. - quesito 7º.
5. Após o inverno de 2000/01 o réu marido procedeu a alterações no telhado do imóvel referido em 1º. - quesito 10º.
6. Na casa de banho do quarto dos autores situado no rés-do-chão apareceram manchas de humidade e bolor no tecto, em particular na junção com a parede, sobretudo na face interior da parede exterior. - quesito 12º.
7. No quarto dos autores existem manchas de bolor com maior incidência na face interior da parede exterior e na junção do tecto com a referida parede. - quesito 13º.
8. Nas divisões do sótão da casa são visíveis diversas manchas de humidade e bolor, sobretudo nas faces interiores das paredes exteriores e nos tectos, especialmente nas junções com as referidas paredes. - quesito 14º.
9. Tais manchas de humidade e bolor causaram já o apodrecimento do estuque, estando o mesmo a desprender-se e a cair em alguns sítios. - quesito 15º.
10. Em alguns locais em particular nos cantos das divisões e também no sótão as referidas humidades chegam mesmo a escorrer pelas paredes para o chão. - quesito 16º.
11. No sótão numa das paredes da chaminé, são visíveis manchas de humidade com apodrecimento do estuque e do rodapé. - quesito 18º.
12. A concentração de humidades e bolores e as zonas onde o estuque apresenta fissuras, têm maior incidência nas paredes que suportam os beirados, ou seja, nas paredes exteriores ainda que na face interior. - quesito 19º.
13. As paredes interiores que dividem as assoalhadas apresentam manchas de humidade e bolor apenas nas zonas que fazem canto com as paredes exteriores. - quesito 20º.
14. No exterior da casa são visíveis infiltrações na parede inferior do beirado junto ao telhado, em todo ele, à volta da casa, com maior concentração nos cantos, mas também em outros locais do beirado. - quesito 21º.
15. As humidades e bolores devem-se a uma má construção do telhado e do respectivo beirado, que obsta ao adequado escoamento das águas da chuva, provocando a sua infiltração no sótão, paredes e tecto da casa, provocando o aparecimento de fissuras no estuque e o apodrecimento do rodapé nalguns sítios. - quesito 25º.
16. Para eliminar os defeitos que o imóvel agora apresenta é necessário reparar o telhado, reconstruir o beirado na sua totalidade, executar os devidos isolamentos, recuperar as zonas de estuque danificadas, pintar tectos e paredes e substituir os rodapés podres. - quesito 26º.
17. O réu marido trabalhou no imóvel referido em 1º com os seus dois filhos – …….. - quesito 28º.
18. O réu marido ia todos os dias à obra. – quesito 30.
19. Pelo menos o estuque, assentamento do chão e forra da parede exterior em pedra foram feitos por outros pedreiros. - quesito 32.
20. Em Maio de 2001 o réu e os seus dois filhos, com uma rebarbadora fizeram uma reparação no beirado do telhado. – quesitos 41 e 42.
21. Da actividade do réu marido são retirados ganhos para fazer face às despesas da casa, alimentação, vestuário e saúde do próprio e da ré sua esposa. – quesito 44.

Apreciemos o mérito do recurso, sabendo-se que no caso estamos limitados às questões suscitadas pelos recorrentes, nos termos dos artigos 684º nº 3 e 690º e 690ºA do CPC, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Sobre a modificação das respostas dadas aos quesitos 2º, 5º e 27º:

No quesito 2º perguntava-se: «Na sequência de um contrato de empreitada, verbalmente celebrado em Abril de 1999, entre os AA. e o réu marido, (…)».
Esse quesito e o quesito 3º obtiveram a resposta conjunta de apenas provado que o réu marido no âmbito da sua actividade realizou as fundações, assentou tijolo, encheu placas e assentou o telhado no imóvel referido em 1º. Consequentemente, não se provou que estes trabalhos realizados pelo réu o tivessem sido na sequência de um contrato de empreitada verbalmente celebrado em Abril de 1999 entre os AA. e o réu marido.
No quesito 5º perguntava-se: «Nos termos do aludido contrato, a direcção da obra ficou inteiramente a cargo do réu marido que orientou todos os trabalhos atrás referidos, fornecendo toda a mão-de-obra necessária à execução dos mesmos».
A resposta dada foi de não provado.
No quesito 27º perguntava-se: «O réu marido foi quem como empreiteiro e desde o início até à conclusão da obra orientou, dirigiu e fiscalizou todos os trabalhos inerentes à edificação da obra que lhe foi empreitada, tendo sido ele quem ao longo da execução da obra manteve todos os contactos com os AA. no sentido da aquisição e transporte dos materiais necessários à edificação».
A resposta dada foi de não provado.

As expressões sublinhadas mostram que na quesitação se confundiu e misturou matéria de direito com matéria de facto. E a matéria de direito consiste no caso em saber se o acordado pelas partes traduz um contrato a qualificar juridicamente como contrato de empreitada, tal como está tipificado nos artigos 1207º e segs. do Código Civil.

De modo que saber se o réu executou os trabalhos nos termos de um contrato de empreitada (tese dos autores) ou não (tese do réu) é uma verdadeira e própria questão de direito. Questão de direito que não devia ter sido vazada na base instrutória e, tendo-o sido indevidamente, nunca podia legalmente sofrer qualquer resposta de provado: têm-se por não escritas as respostas sobre questões de direito — preceitua o artigo 646º nº 4 do CPC.
Consequentemente, e nessa parte, as respostas aos ditos quesitos 2º, 5º e 27º não se podem alterar para provado.

Resta apreciar se deve considerar-se provada a restante matéria, agora de facto, designadamente, a de saber se «a direcção da obra ficou inteiramente a cargo do réu marido que orientou todos os trabalhos atrás referidos, fornecendo toda a mão-de-obra necessária à execução dos mesmos» e se «o réu marido foi quem desde o início até à conclusão da obra orientou, dirigiu e fiscalizou todos os trabalhos inerentes à edificação da obra, tendo sido ele quem ao longo da execução da obra manteve todos os contactos com os AA. no sentido da aquisição e transporte dos materiais necessários à edificação».
Ora, a proferida decisão de facto agora em crise, respeitante em suma a saber se estava a cargo do réu a orientação, direcção e fiscalização de todos os trabalhos inerentes à edificação da obra, não nos merece qualquer censura.
Discutia-se, na verdade, se era o réu ou se era o autor quem dirigia e orientava os trabalhos. Mas das testemunhas ouvidas em audiência (quatro arroladas pelos AA. e duas arroladas pelo réu) nenhum depoimento foi minimamente convincente no sentido propugnado pela tese do réu, vazada naqueles quesitos. Os filhos dos réus, ouvidos em audiência, apenas adiantaram a respeito dessa matéria que “recebiam à hora”, mas isto tanto pode traduzir remuneração de empreitada, como remuneração de contrato de trabalho em que por natureza a direcção cabe ao empregador.
Consequentemente, e nesta parte factual residual, nada se modifica nas respostas dadas aos quesitos 2º, 5º e 27º.

De direito, e atentas as conclusões da alegação, também a decisão da 1ª instância não nos merece qualquer censura.
Os direitos que os autores pretendiam fazer valer através da presente acção (eliminação de todos os defeitos da obra e indemnização aos autores de todas as despesas que estes vierem a suportar com a eliminação daqueles defeitos) assentavam na celebração de um contrato de empreitada e acolhiam-se ao regime legal desse tipificado contrato.
Só que, para se verificar este tipo contratual (contrato de empreitada), é essencial, não apenas que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra determinada (requisito resultado: realizar certa obra), mas também que haja autonomia daquele a quem cabe executar a obra contratada em relação ao dono da obra (requisito autonomia que se opõe à heteronomia ou subordinação jurídica) e, além disso, um preço como contrapartida da realização da obra, ainda que o preço seja não determinado mas determinável. É o que inequivocamente resulta do disposto nos artigos 1207º, 1210º e 1218º ss e 1211º do CC.
São a realização da obra como resultado, a autonomia na execução da obra e a onerosidade consistente no preço que, em abstracto, justificam a estatuição dos direitos específicos que a lei atribui ao dono da obra. A haver mera obrigação de meios, a haver gratuitidade ou heteronomia, não se justificava a especificidade desse conjunto de direitos (aliás hierarquizados) que consta basicamente dos artigos 1221º a 1223º do CC e em cujo elenco se inserem abstractamente os direitos que os autores invocaram na petição.
Em concreto, não se provaram factos subsumíveis aos requisitos da autonomia e do preço.
Em relação a factos subsumíveis ao requisito da autonomia, eles foram quesitados, porque controvertidos, mas não se provaram.
Em relação a factos subsumíveis ao requisito do preço, eles nem sequer foram alegados como se constata dos articulados apresentados, o que só por si era suficiente para a acção improceder.
Basta atentar-se desde logo na petição. Os AA. alegaram a celebração de contrato de empreitada, mas olvidaram a alegação dos factos concretamente ocorridos qualificáveis juridicamente como contrato de empreitada ou outra espécie contratual de prestação de serviços.
Aliás, nem a própria existência de um contrato resulta do provado, pois que o provado se compatibiliza por exemplo com uma gestão de negócios. Também o provado se compatibiliza com um qualquer acordo entre as partes, só que nem todos os acordos são contratos (neste sentido, vide Prof. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, ed. AAFDL, I, p. 163).
Consequentemente, não se mostra violado qualquer dos preceitos substantivos invocados. Igualmente não se mostra violado, na sentença, qualquer dos preceitos adjectivos invocados.
A acção tinha fatalmente de improceder, como improcedeu. E improcede por insuficiência da causa de pedir.

III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes.
Coimbra, 2008-03-11