Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3789/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRINA FERREIRA
Descritores: REGISTO DE MARCA
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 33.º, N.º 6 DO DECRETO-LEI N.º 129/98 DE 13/05; ARTIGO 258.º DO CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL; ARTIGO 26.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Sumário: 1. O direito ao nome da pessoa colectiva não constitui um direito fundamental, pelo que pode ser restringido pela lei.
2. A falta de prova do direito junto do RNPC não impede o titular da marca de exercer o direito de pedir a anulação de denominação social com ela confundível.
Decisão Texto Integral:
A...,Prestação de Serviços Médicos, L.da veio interpor recurso da sentença que julgou procedente a acção contra si intentada por B..., e improcedente o pedido reconvencional que contra esta deduziu.
Na p.i., a autora, ora recorrida, pede a anulação da denominação social da ré, ora recorrente, alegando que ela se confunde com a marca “ A... ” de que é titular. A ré contestou dizendo que o registo da marca é nulo, uma vez que ela é composta, apenas, por elementos genéricos e conjugação numérica insusceptíveis de apropriação; que na data em que solicitou o certificado de admissibilidade de denominação social desconhecia a existência de qualquer marca ou registo de marca com o nome A...; que o registo nacional de pessoas colectivas emitiu o certificado de admissibilidade porque a autora não providenciou pela comunicação do uso privatistico de marca.
Prevenindo a possibilidade de a acção proceder, a ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe indemnização por despesas a efectuar com a divulgação de nova denominação social, por perdas resultantes da alteração de denominação a liquidar em sede de execução de sentença e por danos não patrimoniais.
A autora replicou dizendo que o pedido de declaração de nulidade do registo da sua marca só pode ser feito em acção intentada expressamente para esse efeito, e que as indemnizações pedidas em sede reconvencional não têm fundamento por não ter violado qualquer direito da ré, ou cometido qualquer acto ilícito.
Elaborado o despacho saneador, seleccionados os factos relevantes (assentes e base instrutória) e instruído o processo, procedeu-se a julgamento, tendo-se decidido a matéria de facto nos termos de fls. 250 e 251.
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Estão provados os seguintes factos:
1. A autora é titular do registo da marca n.º 334.241 “A...”.
2. O registo da marca da autora foi requerido em 18 de Dezembro de 1998 e foi concedido em 7 de Junho de 1999.
3. A marca “ A...” da autora destina-se a assinalar a prestação de cuidados de saúde, integrados por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos.
4. A marca “ A...” vem sendo utilizada pela autora desde 1999.
5. No Diário da República de 5 de Dezembro de 2000, foi dada publicidade à constituição de uma sociedade denominada “A... - Prestação de Serviços Médicos, L.da”, cujo objecto consiste na prestação de serviços médicos.
6. A autora não deu autorização para que a ré pudesse usar a marca “A...”.
7. A autora não comunicou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas o uso privatistico da marca “A...”.
8. A ré solicitou ao RNPC um certificado de admissibilidade de firma.
9. O RNPC emitiu o certificado de admissibilidade da firma da ré.
10. Quer a autora (esta através do serviço “A...”), quer a ré (esta no espaço onde está instalada ou em deslocações ao domicílio dos pacientes), prestam cuidados de saúde, sendo que a actividade da autora efectuada sob a marca “A...”, tem vindo, pelo menos desde 1999, a limitar-se ao aconselhamento e encaminhamento, via telefone, ao nível da pediatria (0 aos 14 anos).
11. Por força da situação referida em 9., os sócios da ré outorgaram a escritura pública de constituição da sociedade, tendo apostado na divulgação da actividade da ré, o que foi feito a partir da respectiva denominação social.
12. Foi encomendado um logótipo para identificar a ré a uma empresa especializada.
13. No local sede, procedeu-se à divulgação da ré através da colocação de placards exteriores e interiores.
14. (…) fez-se publicidade à actividade da ré nos rádios e jornais locais e regionais e diversas acções de divulgação através de “mailing”.
15. (…) fizeram-se reproduções topográficas de receituário, processos clínicos, cartões de visita, cartões de marcação de consultas, requisições, consumíveis de papel, batas e fardas para os funcionários da ré, tudo com o logótipo e denominação da ré.
16. A ré investiu ainda na pintura do seu logótipo nos carros afectos à sua actividade.
17. A ré encomendou um sítio na Internet para sua divulgação e foram contratadas acções de divulgação específicas, designadamente ao nível das páginas amarelas e roteiro das farmácias.
18. A ré na realização das descritas actividades de divulgação despendeu quantia monetária cujo montante não foi apurado mas não inferior a € 30 000 (trinta mil euros).
19. Se tiver que proceder à alteração da sua denominação social, a ré terá que proceder, de novo, a operações de divulgação similares às referidas em 14 a 17.
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A apelante apresentou as conclusões de recurso que constam de fls. 312 verso a 315.
Não obstante a multiplicidade de argumentos apresentados, a questão colocada pela recorrente é apenas uma, e diz respeito à interpretação do art.º 33.º, n.º 6 do D.L. n.º 129/98 de 13 de Maio, diploma que define o Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC).
O n.º 6 daquele mencionado preceito mostra-se enquadrado pelos n.º s 1 e 2, que dispõem: 1. As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de outras de instituições notoriamente conhecidas. 2. Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas.
Por sua vez, o n.º 6 estabelece: Para que possam prevalecer-se do disposto no número anterior, os titulares de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC.
De acordo com a jurisprudência conhecida A propósito e mais recentemente: Acórdão do STJ de 15.6.04 em www.dgsi.pt.jstj., o n.º 6 do art.º 33.º, vale para a instância administrativa podendo, no entanto, o titular de marca registada que não fez prova do seu direito junto do RNPC, obter tutela judicial através de uma acção constitutiva.
Com aquela interpretação que, seguida na 1.ª instância, conduziu à procedência da acção, não se conforma a recorrente que justifica a sua discordância apontando um conjunto de razões que se sintetizam da seguinte forma:
- O direito à firma passa a existir a partir do seu registo como um direito fundamental e, gozando do regime específico do art.º 18.º da CRP, a lei não o pode restringir.
- O art.º 33.º, n.º 6 impõe um ónus. Não o tendo cumprido, a apelada prescindiu da vantagem de não ver admitido o registo de uma firma confundivel com a sua marca;
- O art.º 258.º do CPI é aplicável exclusivamente às marcas. Tratando-se do confronto entre uma marca e uma firma, não basta o mero registo da marca, sendo necessário que o seu titular faça prova do seu direito junto do RNPC.
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O art.º 12.º, n.º 2 da CRP, prescreve: As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.
Por sua vez, o art.º 18.º prescreve: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A entender-se que o direito à firma goza de protecção constitucional, a lei só o pode restringir nos termos definidos pelo n.º 2 do art.º 18.º, consoante refere a apelante.
Ensina o Prof. Gomes Canotilho em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, que O conceito de natureza de pessoas colectivas pretende responder a duas questões: que direitos (que categoria) e que pessoas colectivas estão incluídas entre os «candidatos positivos» insinuados pelo art.º 12.º/2.
Ao reconhecer-se «às pessoas colectivas direitos compatíveis com a sua natureza» pretende-se não apenas que se tenha em conta a «essência» do direito fundamental concreto, mas também a «essência» da pessoa colectiva em causa (...).
Determinar quais os direitos e deveres «compatíveis com a natureza» das pessoas colectivas depende do conceito e do âmbito normativo específico do direito fundamental. Os direitos postuladores de uma referência humana não podem, em virtude da sua natureza, ser extensivos a pessoa colectivas: direito à vida (art.º 24.º), direito de constituir família e de celebrar casamento (art.º 36.º), a liberdade de consciência (art.º 41.º). Em fórmula sintética e aproximada: as pessoas colectivas gozam de direitos fundamentais que não pressuponham características intrínsecas ou naturais do homem como sejam o corpo ou bens espirituais.
A apontada forma de pesquisa dos direitos fundamentais das pessoas colectivas pressupõe a consagração normativo constitucional de direitos que, tendo o humano por referência, pode incluir ou excluir aquelas pessoas do seu âmbito.
E dizemos forma de pesquisa para que não fique a ideia de negação de direitos fundamentais colectivos ou de direitos fundamentais de exercício colectivo.
Com efeito, o Prof. Gomes Canotilho explica na obra citada que Tal como certos direitos fundamentais pressupõem uma referência humana não sendo susceptíveis de gozo e exercício por parte de pessoas colectivas, também existem na constituição direitos fundamentais cuja titularidade pertence às pessoas colectivas como tais, e não aos seus membros individualmente considerados.
Sobre a mesma matéria, ensina o Prof. Jorge Miranda no seu Manual de Direito Constitucional, Tomo IV: Não foi, portanto, sem intenção que logo no início deste volume dissemos serem os direitos fundamentais direitos das pessoas individual ou institucionalmente consideradas, quer dizer, direitos das pessoas como seres individuais e direitos das pessoas inseridas ou projectadas em instituições ou das instituições ao serviço das pessoas.
Os direitos fundamentais reportam-se sempre à pessoa humana, mas há bens jurídicos da pessoa que só podem ser salvaguardados no âmbito ou através de instituições (associações, grupos de qualquer natureza, instituições stricto sensu), dotadas de maior ou menor autonomia frente aos indivíduos que, em cada momento, as constituem. Trata-se sempre da protecção, da promoção, da realização da pessoa, mas
essa realização passa, no nosso tempo, pela atribuição de direitos a determinadas instituições (personificadas ou não).
(...) Certos direitos não são exclusivos de indivíduos ou de instituições; podem ser reconhecidos quer a uns quer a outros. Formulados para os indivíduos num primeiro momento, estendem-se depois às pessoas colectivas (art.º 12.º, n.º 2): assim, o direito ao bom nome (art.º 26.º, n.º 1), o sigilo de correspondência (art.º 34.º, n.º 4) ou o direito de resposta (art.º 37.º, n.º 4).
Entendimento mais restritivo é o sustentado por Vieira de Andrade, para quem os direitos fundamentais são posições jurídicas subjectivas individuais ou, quando muito, direitos individuais colectivizados e para quem, portanto, direitos como o de antena, os direitos de organizações de trabalhadores e outros direitos de participação se reconduzem a faculdades ou competências no quadro de opções organizatórias.
Os direitos das pessoas colectivas só devem ser integrados no núcleo subjectivo dos direitos fundamentais na medida em que sejam reconhecidos ao indivíduo «no seio das formações sociais em que se manifesta a sua personalidade» e não quando sejam direitos próprios, específicos, exclusivos das pessoas colectivas. Mesmo à face do art.º 12.º, n.º 2 da Constituição, deve ser tida em conta a diferença de qualidade entre os sujeitos de direitos que são as pessoas humanas e as que o não são: a diferença entre o carácter final da personalidade jurídica do homem e o carácter instrumental da personalidade jurídica colectiva. Os direitos fundamentais das pessoas colectivas são direitos fundamentais por analogia e atípicos. Quanto aos «direitos fundamentais colectivos» em sentido estrito, direitos exclusivos de pessoas colectivas ou organizações, devem ser equiparadas a garantias institucionais.
Como se observa, não divergimos tanto das premissas de Vieira de Andrade quanto da interpretação e do enquadramento sistemático que confere a largo número de direitos, com a sua consequente desvalorização.
Ao contrário desse Autor, nós divisamos no direito de antena, nos direitos de participação das organizações de trabalhadores e nos das associações de famílias, de beneficiários da segurança social ou se consumidores também um radical subjectivo e um sentido último de protecção da pessoa, similar aos que se encontram nos direitos das confissões religiosas ou das associações em geral.
(...) Não negamos que haja aqui uma dimensão organizatória: mas ela também existe, por exemplo no direito de sufrágio, que releva quer do domínio dos direitos fundamentais quer do domínio do poder político. E não afirmamos uma identidade de estrutura ou de projecção dos direitos individuais e dos direitos institucionais: justamente, os direitos políticos só enquanto individuais (como o sufrágio) são constitutivos da vontade política do povo, não os direitos de grupos, ligados a interesses sectoriais: Apenas afirmamos que o conceito de direitos fundamentais abrange uns e outros».
Muito embora da doutrina exposta se retire que não há uma formulação teórica acabada acerca dos direitos fundamentais das pessoas colectivas, nela podemos colher valiosos subsídios para a compreensão e pesquisa desses direitos.
É assim que partilhamos com o Prof. Jorge Miranda o entendimento de que Os direitos fundamentais reportam-se sempre à pessoa humana, sem prejuízo do reconhecimento da existência de direitos fundamentais cuja titularidade pertence às pessoas colectivas como tais, e não aos seus membros individualmente considerados, consoante releva o Prof. Gomes Canotilho.
Segundo se alcança, a conciliação daquelas asserções supõe que se tenha em consideração que os direitos fundamentais se estendem às pessoas colectivas, porque só à pessoa humana são intrínsecos.
Segundo se nos afigura, quando se propõe demonstrar que o direito ao nome tem tutela constitucional, a apelante está a ver a expressão do que defende no que dispõe o art.º 26º da Lei Fundamental que, a todos reconhece, designadamente, o direito à identidade pessoal. Ou, então, naquilo a que o Prof. Gomes Canotilho designa de direitos fundamentais sem assento constitucional.
Se é certo que, no que diz respeito à pessoa humana, o nome integra os direitos de personalidade e, se é certo, que os direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade merecem tutela constitucional, crê-se que o direito ao nome, enquanto integrante da identidade obtém igual tutela.
Já no que se refere ao nome das pessoas colectivas, crê-se que nem tem, nem merece ter assento constitucional ou até, constituir direito fundamental sem assento constitucional, por constituir uma realidade inferior na estrutura ôntica.
Na sua obra Teoria Geral da Relação Jurídica, o Prof. Mota Pinto inclui o direito ao nome entre os direitos de personalidade e considera tal inclusão como sendo perfeitamente legítima, atendendo a que o bem da identidade, é um dos aspectos morais da personalidade, ao lado dos bens da honra, da liberdade e da reserva sobre a intimidade.
E na obra Teoria Geral do Direito Civil, o mesmo Mestre ensina A existência de pessoas colectivas resulta da existência de interesses humanos duradouros e de carácter comum ou colectivo. A consecução destes interesses exige o concurso dos meios e das actividades de várias pessoas ou, pelo menos, nela estão interessadas várias pessoas.
A criação de um autónomo centro de imputação das relações jurídicas ligadas à realização desses interesses permite uma mais fácil e eficaz consecução do escopo visado. A personalidade colectiva é, pois, um mecanismo técnico jurídico, justificado pela ideia de, com maior comodidade e eficiência, organizar a realização dos interesses colectivos e duradouros. É um conceito jurídico que exprime uma técnica organizatória julgada - e a título justo - vantajosa. Sublinhado nosso
Encontramos naquele texto, uma ideia de organização associada à personalidade colectiva, que também se alcança na teoria defendida por Vieira de Almeida, e que subscrevemos.
Referindo-se a Savigny e Windscheid defensores, respectivamente, da teoria da ficção e organicista, Mota Pinto, considera ambas inaceitáveis por entender que A personalidade jurídica, quer das pessoas físicas, quer a das pessoas colectivas, é um conceito jurídico, uma realidade situada no mundo jurídico, nessa particular zona da camada cultural da realidade ou do ser. É uma criação do espírito humano no campo do direito, em ordem à realização de fins jurídicos.
Mas, se a ideia de organização remete a personalidade colectiva para um patamar valorativo inferior na estrutura ôntica, é a diferença alcançada por Mota Pinto, no seguimento da análise das teorias de Savigny, que alicerça a nossa convicção de que o nome das pessoas colectivas não tem, nem merece ter assento constitucional ou, até, constituir direito fundamental sem assento constitucional.
Com efeito, Mota Pinto, que já havia considerado o nome um dos aspectos morais da personalidade, ao lado dos bens da honra, da liberdade e da reserva sobre a intimidade, diz também que Há, sem dúvida, uma importante diferença, numa perspectiva valorativa, entre a posição do direito perante o reconhecimento da personalidade jurídica dos seres humanos e perante a atribuição de personalidade jurídica às pessoas colectivas. A personalidade jurídica dos indivíduos é imposta, pelas concepções ético-jurídicas de tipo humanista hoje vigentes, como uma exigência forçosa da dignidade da pessoa humana e do direito ao respeito inerente a todo o ser humano. A personalidade jurídica das pessoas colectivas é um mecanismo técnico jurídico - um modelo, uma forma, um operador para a polarização das relações jurídicas ligadas à realização de certo fim colectivo.
Apesar dessa diferença, em ambos os casos estamos perante realidades jurídicas, impostas por valores de tipo diferente, mas resultante de uma legitimidade técnica originária do Direito para organizar os efeitos jurídicos e dotadas de realidade no mundo desses efeitos jurídicos.
Se bem que a doutrina exposta trate da matéria respeitante à personalidade jurídica, mais abrangente do que aquela que diz respeito ao direito ao nome, afigura-se-nos ter inteiro cabimento a transposição da ideia de referente humano associada ao nome, vendo-o como aspecto moral da personalidade jurídica da pessoa humana, com o conteúdo ético jurídico merecedor de tutela constitucional.
Afigura-se-nos, assim, que o nome da pessoa colectiva, contrariamente ao sustentado pela apelante, não constitui um direito fundamental.
Passando agora à análise do art.º 33.º do RNPC.
Sustenta a apelante que o n.º 6 do art.º 33.º impõe um ónus, entendendo-o, segundo se crê, como Baptista Machado que, na sua obra Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, o define como consistindo na observância de certo comportamento, prescrito por lei como condição da obtenção de uma certa vantagem para o agente, ou como pressuposto da manutenção de uma certa vantagem ou benefício de que já está a usufruir, ou para evitar uma desvantagem.
A partir daquela noção, a recorrente sustenta que a autora, ora recorrida, não tendo feito a prova a que alude o referido n.º 6 do art.º 33.º, não pode obter por via judicial tutela do direito ao uso exclusivo da marca «A...».
Já se disse anteriormente que a jurisprudência não tem acolhido aquele entendimento. Não obstante, importa analisar os preceitos aqui aplicáveis.
Dispõe o art.º 33.º do D.L. n.º 129/98 de 13 de Maio, diploma que define o Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC): 1. As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de outras de instituições notoriamente conhecidas. 2. Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas. 6. Para que possam prevalecer-se do disposto no número anterior, os titulares de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC.
A controvérsia gira em torno do n.º 6, dada a complexidade de harmonização do que ele estatui com outros preceitos, quer do mesmo diploma legal, quer do Código da Propriedade Industrial (CPI).
Com efeito, se se entender o referido n.º 6, no sentido de que ele se aplica na instância administrativa e judicial, estamos a seguir o critério que manda que não se distinga o que o legislador não distinguiu.
Há, porém, outros critérios interpretativos que importa seguir.
Assim:
Se, ao dispor que Os registos de marcas, de nomes e de insígnias de estabelecimento (...) constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com ele confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo, o art.º 4.º, n.º 4 do CPI, embora inserido em diploma posterior ao RNPC, não faz qualquer alusão ao art.º 33.º, n.º 6 deste diploma, há que concluir que, na elaboração do CPI, o legislador, ou negligenciou a harmonização de ambos os preceitos ou, então, não quis que a falta de prova do direito junto do RNPC impedisse o titular da marca de exercer o direito de pedir a anulação de denominação social com ela confundível.
Havendo que presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, afigura-se-nos que a segunda daquelas hipóteses, é a aceitável. De outra forma e, segundo se nos afigura, o art.º 4.º, n.º 4 teria uma redacção deste teor: Os registos de marcas, de nomes e de insígnias de estabelecimento (...) constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com ele confundíveis, se tiver sido feita a prova a que alude o art.º 33, n.º 6 do CPI e se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo.
Havendo que presumir, mais uma vez, que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados, também a redacção do art.º 224.º, n.º 1 do CPI seria outra se o pensamento legislativo fosse no sentido da aplicabilidade do art.º 33.º, n.º 6 do RNPC quer à instância administrativa quer à judicial. É que, prescrevendo aquele art.º 224.º, n.º 1, que O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina, a mesma exigência de harmonização que é, no fundo, o caminho para a unidade do sistema jurídico, imporia uma redacção diferente ou, então, um outro número onde ficasse salvaguardado o que dispõe o n.º 6 do art.º 33.º do RNPC. Constitui, segundo se nos afigura, a técnica habitualmente usada na produção legislativa, designadamente na elaboração de códigos onde é suposto concentrar-se toda a matéria respeitante à matéria codificada. “Um código é uma lei que reúne, de um modo sistemático e tanto quanto possível completo, toda a regulamentação de um certo ramo de direito, ou parte importante deste – Prof. Castro Mendes em Introdução ao Estudo do Direito.
Pela mesma ordem de razões, se fosse intenção do legislador que o art.º 33.º, n.º 6 do RNPC vedasse a via judicial ao titular da marca que não fez prova do seu direito junto do RNPC, tê-lo-ia deixado expresso na secção do CPI que trata dos efeitos do registo.
Finalmente, prescreve o art.º 35.º do RNPC que 1. Após o registo definitivo é conferido o direito ao uso exclusivo da firma ou denominação no âmbito territorial
especialmente definido para a entidade em causa nos artigos 36º a 43º. 2. O certificado de admissibilidade de firma ou denominação constitui mera presunção de exclusividade. 3. Salvo no caso de decisão judicial, a atribuição do direito ao uso exclusivo ou a declaração de perda do direito ao uso de qualquer firma ou denominação efectuadas pelo RNPC não podem ser sindicadas por qualquer entidade, ainda que para efeitos de registo comercial. 4. O disposto nos n.s 1 e 2 não prejudica a possibilidade de declaração de nulidade, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou a declaração da sua perda nos termos dos artigos 60.º e 61.º
Da análise daquele art.º 35.º resulta que houve a preocupação por parte do legislador de salvaguardar a possibilidade de acesso à via judicial para sindicância da atribuição do direito ao uso exclusivo da firma ou denominação e para a declaração da sua nulidade, anulação, ou revogação.
Como se vê, o direito de acesso à via judicial é concedido sem menção de qualquer condição do seu exercício.
Para além da harmonização dos dois diplomas que temos vindo a analisar supor uma interpretação restritiva do art.º 33.º, n.º 6 do RNPC, afigura-se-nos que qualquer forma de limitação do exercício do direito de acção, teria de ser feita de forma expressa.
Ora, nem se mostra feita naquele art.º 33.º, n.º 6, nem no art.º 35.º
Interpretar o art.º 33.º, n.º 6 de modo a abranger a instância judicial, supõe uma interpretação restritiva de um direito maior: o de acção, e que se mostra consagrado no art.º 35.º
Desta forma, entendemos que a apelante não tem razão na interpretação que faz do art.º 33.º, n.º 6 do RNPC.
O inconformismo da recorrente, para nós compreensível, será resultado, eventualmente, duma qualquer omissão do dever de legislar eficazmente em matéria de organização da administração do Estado a que, eventualmente, não será alheia a falta de colaboração dos cidadãos que o art.º 33.º, n.º 6 do RNPC supõe, e não de uma interpretação menos adequada da legislação aplicável feita na 1.ª instância, cuja sentença se confirma, assim se negando provimento ao recurso.
Custas pela apelante.