Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1839/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
SUA CARACTERIZAÇÃO
CRÉDITO LABORAL
RESPONSABILIDADE DO TRANSMISSÁRIO PELO SEU PAGAMENTO.
Data do Acordão: 10/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 37º DA LCT .
Sumário: I – O nº 2 do artº 37º da LCT prescreve que o adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamados pelos interessados até ao momento da transmissão ...
II – Na expressão “ transmissão de estabelecimento “ constante do referido preceito, quis o legislador consagrar uma noção ampla para ambos esses vocábulos, desde logo ao usar na letra da norma o termo “ por qualquer título “, de modo a abranger todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento se transfere de um sujeito para outro.

III – A elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta deste conceito aponta no sentido de nele se englobarem as mais diversas situações da vida real, dando-se como exemplos delas, na casuística, o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade por força da fusão ou cisão de sociedade, e até a aquisição por transmissão inválida ... , sendo factor relevante o da continuidade do estabelecimento, mesmo que o meio jurídico através do qual se processou a alteração do respectivo titular não seja qualificável como uma verdadeira “transmissão “ .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 - Na presente acção que, com processo declarativo comum, A..., solteira, com os demais sinais dos Autos, propôs contra a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B..., representada por seus herdeiros, C..., D..., solteiros, menores, residentes com a mãe, que por sua vez os representa, E..., foi requerida pela A., na resposta à contestação, a intervenção (provocada) de terceiro, com o fundamento de que – considerando a eventual transmissão do estabelecimento/escritório de advocacia onde trabalhara, a qualquer título, para a sociedade ‘F...’, de que só teve conhecimento no acto da notificação da contestação apresentada – a sociedade transmissária é solidariamente responsável pelo pagamento dos créditos laborais por si reclamados, tornando-se a sua intervenção indispensável à descoberta da verdade material para a resolução da presente lide.

2 – Com resposta da R. ao suscitado incidente, foi proferido o despacho de fls. 84-85 a julgá-lo improcedente.
(Em face do disposto no n.º2 do art. 326º e do n.º1 do art. 327º, ambos do C.P.C., entender-se-á que a decisão em causa respeita tão-só à inadmissibilidade do chamamento).

3 – Inconformada com essa decisão, veio a A. dela agravar, alegando e concluindo:
1. – A recorrente intentou a presente acção na sequência do seu despedimento promovido pela legal representante dos menores herdeiros do Dr. B..., por quem havia sido contratada em 10 de Janeiro de 1994 para, sob as suas ordens e direcção e mediante remuneração, prestar trabalho como ‘empregada forense’ no seu escritório de advocacia sito em Pombal;
2. – Para tanto alegou que após o falecimento do Dr. B..., ocorrido em 12.8.2003, continuou a prestar trabalho no referido escritório, nos termos em que o vinha fazendo até então, desta feita sob as ordens e direcção da legal representante dos menores herdeiros;
3. – A recorrida veio contestar por excepção, alegando que após a morte do Dr. B... – sem contudo especificar em concreto quais os momentos exactos – o escritório deste encerrou, estando contudo no mesmo local a ser explorado um escritório de advocacia pela sociedade de Advogados «Serrão, Amaral e Associados», exploração esta a que a recorrida é totalmente alheia;
4. - Em resposta, a ora recorrente alegou que, a ser verdade o alegado na contestação, a exploração do escritório pela citada sociedade só poderá justificar-se por um qualquer acto de transmissão, tendo por objecto o escritório de advocacia;
5. – Uma vez que todos os elementos e equipamento que compõem actualmente a exploração do escritório (processos, clientes, meios de trabalho e até funcionários) são exactamente os mesmos que foram deixados pelo Dr. B..., aquando do seu falecimento;
6. – Atendendo a que os factos acarretados para os Autos pela recorrida, no que diz respeito ao destino dado ao escritório após o seu perecimento, são susceptíveis de integrar o conceito de ‘transmissão’ para efeitos do disposto no art. 37.º da LCT, a recorrente promoveu contra a referida sociedade de advogados incidente de intervenção provocada da mesma, para, em coligação com a recorrida, intervir no presente processo;
7. – O Tribunal 'a quo', após ouvida a recorrida, indeferiu o chamamento da ‘F...’ por entender não haver qualquer fundamento para a intervenção requerida, não vislumbrando ‘qualquer interesse da chamada a intervir, já que a relação material controvertida não respeita à mesma’.
8. Ora, tendo havido sucessão na exploração do escritório de advocacia por parte daquela sociedade de advogados, nos termos do n.º1 do art. 37.º da LCT, esta é solidariamente responsável com o transmitente pelas obrigações deste, vencidas anteriormente à transmissão, nos termos do n.º2 do mesmo normativo;
9. – Para efeitos do disposto no art. 37.º da LCT considera-se ‘transmissão’ todo o facto ou acto que envolva transmissão da exploração do estabelecimento, independentemente do título que lhe deu origem;
10. – O conceito amplo de transmissão consagrado no art. 37.º, n.º4, da LCT engloba todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado, sendo, por essa via, aplicável aqui ao caso em questão;
11. – Sendo a «F...» solidariamente responsável pelas obrigações da recorrida, tem a recorrente interesse directo em demandá-la e esta interesse em contradizer, pelo que é parte legítima para intervir na presente acção em termos de litisconsórcio voluntário, assistindo à ora recorrente a faculdade de as demandar conjuntamente – arts. 512.º e seguintes do Cód. Civil, 26.º, n.ºs 1 e 2 e 27.º do C.P.C.;
12. – A recorrente só teve conhecimento da ‘transmissão’ do escritório aquando da notificação da contestação, pelo que o chamamento da transmissária na fase em que foi requerido é tempestivo e oportuno – arts. 325.º e seguintes do C.P.C.;
13. – O Tribunal 'a quo' fez incorrecta interpretação dos factos alegados pelas partes nos seus articulados e bem assim incorrecta interpretação e integração dos arts. 37.º da LCT, dos arts. 27.º, 28.º, 30.º e 325.º do C.P.C.;
14. – Deve ser revogado o despacho recorrido e em sua substituição proferido novo despacho que admita a «Serrão, Amaral &Associados» a intervir como R. em termos de litisconsórcio voluntário com a recorrida herança.

4 – Contra-alegou a recorrida, (patrocinada pela sociedade de advogados cuja intervenção se requereu), concluindo, em síntese, no sentido da inaplicabilidade ao caso do art. 37.º da LCT, acrescendo que a A., ao optar pela indemnização de antiguidade, renunciou ao direito à reintegração, pelo que, ainda que o Tribunal venha a considerar que existiu despedimento ilícito a R. apenas pode ser condenada no pagamento dessa indemnização e não a sociedade recorrida, uma vez que o contrato de trabalho não foi objecto de transmissão.
Além disso – aduziu ainda – o passivo só é transmitido entre cedente e cessionário se esta aceitar, e por escrito, tal transmissão.
A decisão recorrida só merecerá censura por outras razões existirem para indeferir a intervenção provocada da ‘F...’, para além daquelas constantes da decisão.

5 – Recebido o recurso e colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto Parecer favorável ao seu provimento – cumpre decidir.
___

II –

1 – As ocorrências de facto referenciais para o tratamento e decisão da questão decidenda são todas de natureza processual e resultam da exposição esquemática do desenvolvimento da lide que antecede.
Ao mais, que se mostre relevante e necessário, aludir-se-á na sequência.

2 – Como deflui do acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso – é questão posta a de saber se é processualmente admissível e oportuna a dedução, pela A., do concreto incidente de intervenção provocada.

Lembrando que, de acordo com o princípio da estabilidade da Instância, uma vez citado o réu aquela deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, com a prevista excepção, no que tange à sua modificação subjectiva, dos incidentes da intervenção de terceiros – arts. 268.º e 270.º, b), do C.P.C. –, vejamos então o caso presente.

A A. alegou uma relação juslaboral estabelecida em Janeiro de 1994 com o Dr. B..., advogado, entretanto falecido em 12.8. 2003.
Este, divorciado de E..., deixou como únicos e universais herdeiros os seus identificados filhos menores, fazendo parte do acervo da herança o instalado estabelecimento de prestação de serviços, constituído por um escritório de e para o exercício da advocacia, onde a A. sempre se empregou.
Após o seu falecimento, o escritório continuou aberto ao público e a A. continuou a prestar o seu trabalho, nos termos em que o vinha fazendo, desta feita por conta, sob a direcção e mediante a retribuição acima referida, da herança ilíquida e indivisa aberta por morte daquele Sr. Advogado, de cujos herdeiros é legal representante sua mãe, E....
Aliás as placas identificadoras do Dr. B... como advogado continuam afixadas na entrada do prédio onde está instalado o escritório, com o intuito de angariar clientes, dado o ‘bom nome’ que o mesmo adquirira na ‘praça’, mantendo-se aí a trabalhar uma outra funcionária, de nome Célia Mendes, que já então desempenhava funções de ‘empregada forense’, e a advogada estagiária que ao tempo estagiava remuneradamente com o Dr. Gameiro continuou após a sua morte a prestar serviço no escritório sob as orientações da representante dos menores herdeiros e da herança indivisa.
Porém, no dia 4 de Setembro seguinte (4.9.2003), esta, na já referida qualidade de representante legal dos herdeiros menores da herança ilíquida indivisa, dirigiu-se à A., durante o horário normal de trabalho, e, sem que nada o fizesse prever, comunicou-lhe que prescindiam dos seu serviços, exigindo-lhe, além do mais, a entrega das chaves da porta de entrada do escritório.
Foi, pois, a A. despedida pela demandada herança, naquela data, sem justa causa.

A R., alegou na contestação, além da excepcionada prescrição dos créditos, que o referido escritório do Dr. B... efectivamente encerrou, não mais tendo trabalhado após a sua morte, embora exista no mesmo local um outro escritório de advocacia, que começou a trabalhar em nome de ‘F...’, situação que se mantém até à data de hoje e a que a Dr.ª E..., por si ou em representação dos menores, é totalmente alheia.
Foi a A. que resolveu comunicar que se ia embora, como fez, não havendo por isso nenhum despedimento por parte da Dr.ª E..., sendo certo que nem sequer podia haver despedimento pois o contrato de trabalho havia caducado com a morte do Dr. B....
Mais alegou que após a morte deste foi instalado no mesmo escritório um novo escritório de advogados, pela sociedade ‘F...’, sendo a R. totalmente alheia a esta sociedade, bem como à actividade que esta desenvolve no dito escritório, em Pombal.

A A. respondeu no articulado eventual de fls. 50 e seguintes e – alegando só ter tido conhecimento de uma eventual transmissão do estabelecimento aquando da notificação da contestação, com a assumpção da exploração do escritório por parte da referida sociedade de advogados e da sua consequente responsabilidade solidária com a R. Herança Indivisa pelo pagamento das quantias reclamadas – veio requerer a admissão do seu chamamento para intervenção principal, devendo ser citada para os termos da presente acção.
Foi este requerimento que foi indeferido.
É dele que se agrava.
Vejamos sucintamente se com razão.

- Pretexta a A., ora agravante, como fundamento da requerida intervenção, a responsabilidade solidária da sociedade chamada pelo pagamento das importâncias pedidas no pressuposto da transmissão do estabelecimento, nos termos previstos no art. 37.º da LCT.
Verificado tal circunstancialismo, prescreve efectivamente o n.º2 do normativo que o adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até ao momento da transmissão…mas, neste caso, desde que o adquirente tenha feito afixar um aviso, no local de trabalho, durante os 15 dias anteriores à transacção, no qual se dê conhecimento aos trabalhadores de que devem reclamar os seus créditos (n.º3 da citada norma).

- Sendo certo que qualquer das partes pode chamar a Juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, devendo alegar a causa do chamamento e justificar o interesse que através dele pretende acautelar, (art. 325.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.C.), importará ponderar, antes de mais, da oportunidade do chamamento, em conformidade com a regra do art. 326.º/1 do C.P.C.
Dir-se-á, 'in limine’, que nos parece absolutamente razoável admitir que se a A. tivesse conhecimento, aquando da propositura da acção, das circunstâncias respectivas, (aportadas ao processo através do articulado de defesa deduzido pela R.), teria desde logo dirigido o pedido de condenação contra a R. e a ora chamada sociedade, atenta a falada responsabilidade solidária (n.º2 do art. 37.º da LCT e arts. 512.º e 517.º do Cód. Civil).
Tal conhecimento superveniente resulta, todavia, em medida relevante, da própria alegação da R., na sua defesa.
Na tese da agravante, não lhe foi dado conhecimento, até à data-limite em que aí prestou serviço nem posteriormente, de qualquer intenção ou decisão de encerramento ou de transmissão do escritório, razão por que não poderia saber então da alegada ‘exploração’ do escritório por banda da sociedade ora chamada…
…Perfeitamente compreensível, como aliás deflui da estruturação da causa de pedir, a qual não resulta essencialmente alterada por via da pretendida intervenção, sem esquecer que, ainda que isso se verificasse, a Lei adjectiva laboral consente, até à audiência de discussão e julgamento, a cumulação sucessiva de causas de pedir (e de pedidos), nos termos e condições previstas no art. 28.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.T., mesmo que esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da acção, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.

- Tendo por verificado positivamente esse falado pressuposto, a circunstância de a A./requerente falar em eventual transmissão’ não retira ao procedimento, só por si, a pretendida admissibilidade (e/ou procedibilidade).
Isto porque se percebe claramente que a utilização de tal expressão resulta do facto de a alegação da mudança da titularidade da exploração da actividade do escritório, enquanto bem integrado no acervo hereditário do ‘de cujus’, ser até então por si ignorada e resultar imediatamente ‘indiciada’ – e por isso só ora invocada pela A. – da mera alegação da própria R., na contestação.
Não será eventual em termos de facto, depois do adiantado pela R., como cremos, em tese, mas apenas e enquanto asserção que não foi assumida ‘ab initio’ pela A. …com prova desde logo por si prevenida como realizável …
(Quando muito sê-lo-á na sua caracterização/qualificação jurídica…).

- Assim, tendo em conta as versões das partes – como se refere no despacho sob censura – importará apurar e oportunamente decidir se o contrato de trabalho da A. caducou por morte do Dr. B... ou se a mesma continuou a trabalhar no escritório por conta da R., até que foi despedida por esta…e ainda se se verificou ou não, a qualquer título, a invocada ‘transmissão’ do estabelecimento onde a A. prestava a sua actividade profissional.

(Independentemente do que possa a final vir a ajuizar-se sobre tal ponto da controvérsia e do entendimento jurídico alargado que se preconiza relativamente à noção de ‘transmissão’ do estabelecimento – que a seguir explicitaremos, ‘per summa capita’ – sempre se anota que não deixa de ser embaraçosa a circunstância (inexplicada…) como, constituindo tal escritório de advocacia património da falada herança, ‘aparece’ de súbito, a ora chamada sociedade a operar sequencialmente a actividade por aquele escritório prosseguida, no mesmo local, com os mesmos funcionários, etc. ….).

- Contemplando os argumentos opostos pela requerida, dir-se-á que se é certo, em tese, que o facto de existir um novo escritório de advogados no local onde exercia o Sr. Advogado falecido não significa, imediata e necessariamente, que houve transmissão do estabelecimento, as circunstâncias conhecidas não explicam todavia, minimamente, por que via e em que condições se instalou o escritório da sociedade chamada, naquele local, quando apenas adrede se alegou que esta se limitou a ocupar o mesmo espaço, com os trabalhadores ali existentes a trabalharem ora sob as ordens e direcção da ‘F...’…

A recorrida, (patrocinada pela sociedade chamada), assenta basicamente a sua argumentação na circunstância de não se tratar, 'in casu’, de uma transmissão do estabelecimento e da consequente inaplicabilidade do art. 37.º da LCT.
Depois de reiterar que no local onde trabalhava a A. existe realmente um escritório de advogados, pertença da sociedade cuja intervenção se requer – e de reafirmar que a R. é e sempre foi totalmente alheia (…) ao respectivo funcionamento – discorre a seguir sobre a hipótese da transmissão do dito escritório para concluir que à mesma nunca seria aplicável o disposto no art. 37.º da LCT, nomeadamente porque um escritório de advocacia não cabe no conceito de estabelecimento.

- É nosso entendimento que – com ressalva do sempre devido respeito – não tem razão.
No essencial reza assim o art. 37.º da LCT:
‘1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a Entidade Patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade…salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento…
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão…
… … …
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento’.

Não nos diz aqui a Lei o que deva entender-se pelas expressões ‘transmissão’ e ‘estabelecimento’.
Intui-se, no entanto, que o legislador de então pretendeu consagrar uma ‘noção ampla’ de uma e outra, desde logo ao usar na letra da norma os termos ‘por qualquer título’, de modo a abranger todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento se transfere de um sujeito para outro, como expressivamente anotam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, in ‘Comentários às Leis do Trabalho’, pg. 176, cuja reflexão seguimos de perto porque pertinente e consentânea com a nossa perspectiva e entendimento.
A elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta deste conceito aponta, no decurso do tempo, no sentido de nele se englobarem as mais diversas situações da vida real, dando-se como exemplos delas, na casuística, o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade por força da fusão ou cisão de sociedade e até a aquisição por transmissão inválida…
E os mesmos autorizados Comentadores dão ainda nota de que o factor relevante é o da continuidade do estabelecimento, mesmo que o meio jurídico através do qual se processou a alteração do respectivo titular não seja qualificável como uma verdadeira ‘transmissão’.
O importante e decisivo para o efeito da identificação ou determinação da transferência ou transmissão do estabelecimento reside na conservação da sua identidade e na prossecução da sua actividade, importando sim saber se o cessionário tomou a exploração de uma empresa ou estabelecimento que estava e continua em actividade…
Relevará, sim, na economia/teleologia subjacente ao regime laboral da transmissão, que a ‘transferência’ respeite a um estabelecimento, entendido este como e enquanto uma ‘organização de meios materiais e humanos, afecta ao exercício de uma actividade lucrativa, comercial ou industrial’, (entendida em termos latos e hábeis), afinal uma universalidade a que não é alheia a capacidade de ‘aviamento’/‘clientela’, não esquecendo, no caso, nomeadamente a alegada permanência de uma outra Sr.ª Advogada, ao tempo estagiária remunerada do falecido Dr. B....
(Vide, no mesmo sentido, quanto à preconizada noção ampla de ‘estabelecimento’, o Ac. da Relação de Lisboa, de 19.1.2005, 'in' C.J. 2005, Tomo I, pg.149.
Para maiores desenvolvimentos acerca da interpretação e critérios relevantes na definição dos conceitos em causa, a nível do TJCE, vide, por todos, 'in' Questões Laborais, n.º 20, Ano IX, 2002, pg. 203 e ss., o estudo aí desenvolvido por Joana Simão.
Veja-se ainda Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, Almedina, pg. 681 e Júlio Gomes, aí referido, 'in' Estudos do Instituto de Direito do Trabalho’, Vol. I, Coimbra, 2001, pg. 482 e seguintes.).

Sobre a abertura da Jurisprudência do nosso S.T.J. a uma interpretação mais lata e abrangente da noção em causa, plasmada no falado art. 37.º da LCT, por forma a compaginá-la com as exigências normativas e o entendimento do Tribunal de Justiça da CE sobre a matéria, vemos sinais claros, por exemplo, no Acórdão do S.T.J. de 27.9.2000, 'in' BMJ n.º 499/273, e, mais recentemente, no Acórdão de 22.9.2004, publicado no Tomo III, Ano XII, pg. 254, da C.J./S.T.J.

Acertando o passo com esta visão da realidade, veja-se o art. 318.º do Código do Trabalho que, no que concerne ao aspecto em causa, assimilou as sobreditas noções, com os contornos preconizados, usando expressões como ‘transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica’.

Por fim dir-se-á que, ante os termos a que se circunscreve o objecto da impugnação, mais não importará, nesta fase processual, do que ponderar sobre a verificação, ou não, dos pressupostos da admissibilidade da requerida intervenção.

Prefigurando-se, em tese, neste momento processual – ante os termos da contestação da R. – uma situação de transmissão de estabelecimento, com contornos a definir em função da factualidade probanda, e podendo configurar-se, por isso, a hipótese de a sociedade chamada ser solidariamente responsável pelo pagamento das prestações peticionadas, não vemos razão para indeferir a intervenção principal provocada, requerida pela A.

Alegada, pois, (o que não significa ‘provada’…), a ‘transmissão’, por qualquer título, do estabelecimento em causa, a legalmente prevista responsabilidade solidária do adquirente legitima a sua intervenção principal provocada.
Os demais argumentos – porque não contendem propriamente com tal verificação, antes respeitando à existência do direito consubstanciado no pedido… – não têm por que ser considerados ‘hic et nunc’.
Conclui-se assim pela admissibilidade do chamamento.

III –
Em conformidade com os fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho impugnado, que deve ser substituído por outro que admita a requerida intervenção da identificada sociedade e ordene a tramitação dos subsequentes termos.
Custas legais pela recorrida.
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Coimbra,