Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
227/08.7GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 72º, N.º 2, AL. D), DO C. PENAL
Sumário: A circunstância de ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta, que releva para efeito da atenuação especial da pena (cfr. art.º 72º, n.º 2, al. d), do C. Penal), é a que se verifica até ao momento do seu sancionamento, em sede de sentença, sendo irrelevante, para esse efeito, em sede de recurso, o período de tempo decorrido desde a data da prolação da sentença.
Com efeito, o Tribunal da Relação não procede a um novo julgamento à luz de factos supervenientes, havendo apenas que verificar, nesta sede, se, face ao factualismo vigente à data da condenação, a decisão se mostra equilibrada e juridicamente correcta.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo Criminal de Leiria, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Assim, decido:
3.1.Condenar A... pela prática de um crime de violação de proibições p. e p. pelo art. 353º do C. P. ocorrido a 25-7-2008 na pena de 10 (dez) meses de prisão;
3.2.Condenar A... pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º nº 1 do C. P. ocorrido a 25-7-2008 na pena de 9 (nove) meses de prisão;
3.3.Condenar A... na pena única de 1 (um) ano de prisão;
3.4.Condenar A... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por período de 2 (dois) anos;
3.5.Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, fixando-se em 1/4 daquela taxa de justiça a procuradoria, e honorários;
(…)

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. Na douta Sentença recorrida, a MM juiz não apurou quaisquer factos respeitantes às condições sócio-económicas, e quanto à personalidade do agente, factos esses importantes para a determinação da medida da pena, e das necessidades preventivas especiais.
2. Mostra-se insuficiente a matéria de facto dada como provada para aferir da personalidade do agente e das suas necessidades de prevenção especial.
3. Nada se refere quanto à sua situação familiar, e quanto á sua personalidade na relação em sociedade.
4. Mostra-se então, verdadeiramente insuficiente a matéria de facto dada como provada, pelo Mmº Juiz a quo, pelo que, a Sentença deverá ser considerada nula, nos termos do nº 2 do art. 374º do CPP, visto que, não é de todo credível que se possa condenar alguém sem conhecer, ainda que de forma singela, o arguido, ou tenha conhecimento do impacto que uma sentença de prisão efectiva poderá ter na pessoa do arguido e na sua posição em Sociedade.
5. Quanto à determinação da medida da pena, a fundamentação utilizada inquina pela nulidade acima invocada, pois carece de factos atinentes á personalidade do agente.
6. Por outro lado, e quanto á fundamentação para a determinação da medida da pena e na escolha da pena, quanto ao crime de condução sobre o estado de embriaguez, Considerou, o Mmº juiz a quo que "uma vez que o arguido conduzia veiculo motorizado, numa via publica como é uma auto-estrada, sendo portador daquela taxa de alcoolemia, realizou objectivamente e subjectivamente o tipo legal de crime ( ... ). Apenas tal frase pretende fundamentar a condenação do arguido neste tipo legal de crime.
7. Não foi tecido pelo Mmº Juiz a quo qualquer consideração ao nível das necessidades preventivas gerais ou especiais para a condenação da arguido neste tipo legal de crime, ou mesmo na violentíssima pena de prisão efectiva.
8. Temos que é entendimento pacífico na jurisprudência que "as considerações de prevenção geral são determinantes para escolha da pena e já não tanto na determinação do quantum desta" (Ac. RC de 19/09/2001 in CJ, 2001. tomo V, pág. 52}, O que é referido nesta mesma sentença. Mas e as necessidades preventivas especiais, que também contribuem para essa escolha e para a determinação da medida da pena, conjuntamente com o limite da culpa?
9. (em branco no original)
10. Apenas é referido na sentença que “... o arguido é indiferente à regras do seu agir como condutor.” Mas como lá se chegou a esta conclusão? Nada em lugar algum da douta sentença é referido como facto provado que possa demonstrar, sem margem para dúvidas tal conclusão.
11. Sendo que não se vislumbram quaisquer considerações sobre a pessoa do agente para a determinação da medida da pena, somos levados a pensar que a única consideração e fundamentação para a determinação da medida da pena se situa ao nível da prevenção geral, e que tal só vem fundamentar a maior punibilidade do arguido no caso em apreço, pelo que tal não deve ser considerado,
12. Por outro lado, nas considerações que teceu, o Mmº Juiz a quo apenas se referiu vagamente a prevenção geral, não se referindo as necessidades de prevenção especial do arguido, bem como não referiu qual seria no seu douto entendimento o limite fixado pela culpa,
13. 0ra, o Mmº Juiz não demonstrou ter avaliado quer as necessidades de prevenção geral, como especial, muito menos definiu qual o limite da culpa, considerando para esse efeito apenas que o arguido realizou objectiva e subjectivamente o tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez,
14. Pelo que, e por violação do nº2 da art. 3749 do CPP sofre de nulidade a douta sentença Recorrida.
15. Quanto ao Crime de Violação de proibições, o Meritíssimo Juiz apenas refere que o arguido teria que saber que estava a praticar o crime porque é do conhecimento geral de qualquer condutor.
16. Aliás, o MM Juiz refere até que “Ao nível da culpa [ ... ] mostra-se verificado o tipo de culpa do tipo legal de crime. Em suma, … realizou o tipo de crime ..” Acontece que, não sabemos quem será este … , vista que não é o arguido nos presentes autos.
17. Ora, nos termos da al. B do nº 1 do art. 379º do CPP a sentença é nula quando condenar "por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronuncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstas nos art. 358º e 359º".
18. No caso em apreço, e pelo exposto, o tribunal conheceu de factos diversos dos acusados, fundamentando a aplicação da pena, e a escolha da medida da pena, a alguém que não o arguido, nomeadamente quando á identificação do arguido, em desrespeito das condições previstas no art. 359º do CPP, razão pela qual ocorre a nulidade invocada.

19. Logo, deverá também neste ponto a douta sentença ora recorrida ser declarada nula, nos termos do art. 379º do CPP.
20. Sempre se dirá ainda que, o arguido apenas tem conhecimento da sentença, mais de 4 anos após a pratica do crime, sendo que, neste período de tempo que mediou entre o momento da elaboração da sentença e o momento em que esta é conhecida pelo arguido, muita coisa mudou na vida do mesmo e que deverá ser agora atendida na determinação da medida da pena.
21. Desde logo, o tempo que dista entre a prática do crime e a aplicação da sanção, dilui em muito as necessidades de prevenção quer geral, quer especial.
22. Nos termos do art. 72º nº 2 al. do CP, O facto de ter decorrido muito tempo sobre a pratica de um crime mantendo a arguido uma boa conduta é um dos factores determinantes para a atenuação especial da pena, por existir uma diminuição da ilicitude do tacto e da culpa do agente, ou mesmo na necessidade de pena.
23. É facto, e pode o Tribunal constatar que, o arguido, neste 4 anos manteve uma boa conduta, não reiterando qualquer pratica de crime, e tendo conseguido organizar a sua vida familiar e profissionalmente, de forma aos seus actos serem respeitadores da ordem jurídica, encontrando-se, presentemente a trabalhar, numa empresa de instalações eléctricas, com a categoria profissional de auxiliar de montagem.
24. Pelo que, deverá ser ponderado a aplicação da pena de prisão efectiva, visto que as necessidades de prevenção especial, reinserção social do agente, não existem, podendo mesmo ser contrarias às finalidades das penas, e mesmo ao nível da prevenção geral, já não existem razões para aplicação da pena mais severa de todas, prisão efectiva,

25. Pelo que, deverá o Tribunal atender aos factos novos trazidos pelo arguido, avaliar a sua personalidade e factores pessoais que deveriam ter presidida à determinação da medida da pena, e não o foram, unicamente porque nada foi feita para os conhecer, e nem sequer fui feita prova, em audiência de julgamento, sobre os mesmos.
Termos em que se requer (…) provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, reduzindo a pena aplicada em 1ª instância.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, ainda que admitindo a eventual suspensão da pena ou a substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, alertando, para além do mais, para a inatendibilidade de factos que se não verificavam à data do julgamento e para a circunstância de o decurso de longo período de tempo desde a data da decisão ser imutável ao próprio arguido, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Insuficiência da matéria de facto para a decisão;
- Falta de ponderação das exigências de prevenção geral e especial;
- Erro na identificação do arguido no texto da sentença;
- Atenuação especial da pena por decurso de muito tempo desde a data da sentença proferida nos autos.

* * *

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
2.1.1.A 25 de Julho de 2008, pelas 3.24h., na A1, sentido Norte-Sul, ao km 119, concelho de Leiria, o arguido conduzia o veículo de matrícula … , com uma t.a.s. de 2,11 g/l..
2.1.2.A 15 de Junho de 2007, o arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 meses por sentença proferida no pr. 82/07.4ptstr transitada a 2 de Julho de 2007, tendo a carta sido apreendida a 12 de Janeiro de 2008.
2.1.3.O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente, ciente que as suas condutas eram proibidas por lei.
Da determinação da sanção
2.1.4.O arguido foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez ocorrido a 20-10-2000 na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 4 meses e cinco dias por sentença de 12-6-2001; foi condenado por crime de ofensa à integridade física e crime de dano ocorridos a 31-8-1999 na pena única de 160 dias de multa por sentença transitada a 28-4-2003; foi condenado por crime de furto ocorrido a 18-1-2002 na pena de 60 dias de multa por sentença transitada a 19-12-2003; foi condenado por crime de violação de proibições ocorrido a 29-1-2004 na pena de 120 dias de multa por sentença transitada a 17-3-2005; foi condenado por condução em estado de embriaguez ocorrido a 9-4-2005 na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 6 meses por sentença transitada a 24-5-2005; foi condenado por crime de desobediência ocorrido a 24-1-2004 na pena de 80 dias de multa por decisão transitada a 24-4-2007; foi condenado por crime de ofensa à integridade física ocorrido a 7-3-2003 na pena de 110 dias de multa por decisão de 10-4-2007; foi condenado por condução em estado de embriaguez ocorrido a 14-7-2005 na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 4 meses por sentença transitada a 11-5-2007; foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez ocorrido a 20-5-2007 na pena de 7 meses de prisão, suspensa a sua execução por 2 anos, por sentença transitada a 2-7-2007.
2.1.4. O arguido não compareceu em audiência.
2.1.5. O arguido é operário fabril.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal, relativamente à matéria da culpabilidade, assentou no depoimento de … , cabo da GNR, o qual confirmou o auto de notícia por si realizado, tendo assinalado que o arguido foi mandado parar na circunstâncias de tempo e de lugar assinalados e que realizado o teste foi revelado o teor de fls. 4 (talão procedente do aparelho “Drager” 7110 MKIII-P). Mais declarou que o arguido tinha os documentos pessoais e foi identificado pelo bilhete de identidade. A testemunha revelou-se distante em face do ocorrido, e assim isenta, convencendo-me. Atentei outrossim à certidão de fls. 94 a 115 (sentença proferida e acima assinalada, bem como auto de apreensão de carta de condução). Os elementos subjectivos advêm do facto de os comportamentos assinalados denunciarem vontade e conhecimento. Quanto à questão da determinação da sanção, atendo ao certificado de registo criminal de fls. 138 a 145 e emitido a 4-9-2009, ao t.i.r. quanto à sua actividade profissional e à acta da audiência quanto à não comparência.

* * *

Vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente, segundo a ordem em que foram suscitadas.
Começa o arguido por invocar a nulidade da sentença por violação do disposto no art. 374º, nº 2, do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as demais disposições legais citadas sem menção de origem), por não terem sido apurados quaisquer factos respeitantes às condições sócio-económicas e quanto à personalidade do agente, qualificando depois essa situação como insuficiência da matéria de facto para a decisão. Contudo, estão em causa vícios distintos, geradores de consequências diversas. A omissão das menções previstas no nº 2 do art. 374º é um vício que afecta apenas a sentença, gerador da sua nulidade, nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. a), enquanto que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na al. a) do nº 2 do art. 410º, se traduz numa insuficiência dos factos provados para a conclusão que deles se extraiu, verificando-se quando por o texto da decisão recorrida, por si só ou com recurso às regras da experiência comum evidenciar que a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro nos elementos de facto provados, devendo concluir-se que tais factos não consentem a decisão encontrada - Vício que não se confunde, no entanto, com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão que se situa no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, com sede legal no art. 127º do CPP.. Trata-se de vício que inquina o julgamento e que determina o reenvio do processo.
Contudo, não se vê que a decisão recorrida esteja inquinada por qualquer daqueles vícios. Na verdade, se no que concerne às condições pessoais do arguido a sentença se limitou a dar como assente que é operário fabril com base no que resultava do declarado pelo ora recorrente aquando da prestação de TIR, trata-se de limitação resultante da prova produzida por impossibilidade de recolha outros elementos, na medida em que o arguido não compareceu em audiência, sendo incerto o seu paradeiro. De resto, basta atentar na informação prestada pela PSP a fls. 165 vº para se constatar a impossibilidade prática de obter informações sobre o seu paradeiro, quanto mais sobre a sua situação pessoal. Essa impossibilidade não obstava, no entanto, à prolação da sentença e à sua condenação, verificada a responsabilidade penal do arguido. A falta de matéria de facto relativa às condições pessoais do arguido apenas assume relevância em termos de viciar a decisão quando, sendo razoavelmente possível obter tais informações, o tribunal não tenha diligenciado nesse sentido, o que, repete-se, não foi o caso. Por outro lado, no que concerne à situação económica do arguido, a respectiva averiguação releva sobretudo quando deva ser aplicada pena de multa (o que também não era o caso) e ainda assim, revelando-se impossível recolher tais informações, não existe, obviamente, obstáculo à condenação penal, devendo o tribunal graduar a pena usando da necessária prudência em função dos elementos que forem conhecidos.
Não ocorre, pois, pelas razões invocadas, quer a nulidade de sentença suscitada pelo recorrente, quer o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. b).

Prossegue o recorrente, sustentando que a sentença recorrida é omissa no que tange a considerações de prevenção geral ou especial. Não lhe assiste razão. Ainda que o tribunal recorrido tenha sido parco na explicitação dos termos em que valorou as razões de prevenção, geral e especial, certo é que as valorou correctamente, como o evidenciam as penas parcelares, como a pena única, que foram determinadas. Para que dúvidas não restem, é óbvio que a actuação do arguido, tal como ficou espelhada na matéria de facto provada, traduz violação dos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas. A frequência com que anteriormente tinha praticado factos tipificados como crime à luz da lei penal e as penas que lhe foram impostas como consequência dessas condutas evidenciam elevadas exigências de prevenção especial, fortemente ancoradas numa personalidade que revela falta de preparação para agir em conformidade com os ditames da ordem jurídica. Por seu turno, a frequência com que situações idênticas vêm chegando à barra dos tribunais e a premente necessidade de tutela dos bens jurídicos violados através da desmotivação de condutas semelhantes, evidenciam as fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir. Umas e outras foram devidamente acauteladas na sentença recorrida.

Alega ainda o recorrente ocorrer nulidade decorrente da referência a outra pessoa, que não o arguido, na motivação da sentença.
É certo que a sentença recorrida refere a determinado passo, que “ … realizou o tipo de crime de violação de proibição p. p. no art. 353º do C. P. (…)”. Trata-se de manifesto lapsus calami, apresentando-se como óbvio que onde se referiu aquele nome se queria na verdade indicar o nome do arguido A… , como resulta da leitura integrada do texto da sentença, que tanto no relatório como no dispositivo identificou correctamente o arguido, sendo todas as demais considerações expendidas na sentença perfeitamente ajustadas à pessoa do arguido e à sua actuação penalmente relevante. De resto, esta é questão que nem constitui verdadeiramente matéria de recurso, mas de mera correcção da sentença, podendo ser efectuada pelo tribunal superior quando os autos tiverem subido em recurso. Haverá, pois, que corrigir aquele lapso nos termos previstos no art. 380º, nº1, al. b) e nº 2, visto a correcção não implicar modificação essencial.

Prossegue o recorrente, alegando que apenas teve conhecimento da sentença mais de 4 anos após a pratica do crime e que no período de tempo que mediou entre o momento da elaboração da sentença e o momento em que esta foi por si conhecida muita coisa mudou na sua vida, devendo agora ser atendida na determinação da medida da pena, quer porque o tempo que medeia entre a prática do crime e a aplicação da sanção dilui as necessidades de prevenção geral e especial, quer porque o facto de ter decorrido muito tempo sobre a pratica de um crime mantendo a arguido uma boa conduta é um dos factores determinantes para a atenuação especial da pena, por existir uma diminuição da ilicitude do facto e da culpa do agente, ou mesmo da necessidade de pena. Estas considerações são, no entanto, totalmente irrelevantes em sede de recurso, desde logo porque este Tribunal da Relação não pode atender aos factos alegados agora ex novo pelo recorrente. Em sede de recurso, o tribunal superior não cuida de produzir nova prova ou de a actualizar. Não está em causa um novo julgamento, uma nova e distinta apreciação da matéria vertida na acusação, mas apenas e tão-só o julgamento do recurso, havendo apenas que verificar se face ao factualismo vigente à data da condenação a decisão se mostra equilibrada e juridicamente correcta. Aliás, no que concerne à matéria de facto, o tribunal superior só a poderia sindicar se ocorresse algum dos vícios previstos no art. 410º, nº 2 ou se o recorrente impugnasse o julgamento de facto nos termos previstos no art. 412º, o que não sucede. Nessa medida, a matéria de facto constante da sentença deverá ter-se por definitivamente fixada. Donde resulta, para além do mais, que neste momento processual é irrelevante a constatação do decurso de prolongado período de tempo desde a data da prolação da sentença. Aliás, se muito tempo decorreu desde a data da sentença, esse facto é imputável exclusivamente ao próprio arguido, que sempre procurou furtar-se à acção da justiça, comportamento que jamais o poderia beneficiar.
Por outro lado, o decurso do tempo como fundamento da pretendida atenuação especial da pena é circunstância que não pode ser considerada visto não ocorrer à data em que a sentença foi proferida. Repete-se, o Tribunal da Relação não procede a um novo julgamento à luz de factos supervenientes. O decurso de muito tempo entre o momento da prática dos factos e o momento do seu sancionamento, esse sim, poderia ser considerado como fundamento de atenuação especial em sede de sentença e seria sindicável em recurso. Contudo, como se viu, não é essa a hipótese dos autos objecto deste recurso.

Mas vejamos, já agora, se as penas parcelares, como a pena única, se mostram correctamente graduadas, tendo presente que, à luz do disposto no art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa uma dupla finalidade, a saber, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades são alcançadas através da prevenção. São, precisamente, razões de prevenção, que hão-de presidir à escolha da pena, que dependerá essencialmente de considerações atinentes às necessidades de prevenção especial de ressocialização e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
No que concerne à prevenção geral, a experiência quotidiana dos tribunais evidencia que estamos no domínio duma criminalidade de repetição quase quotidiana, com expressão à escala nacional. De resto, a condução em estado de embriaguez é uma das causas reconhecidamente determinantes da sinistralidade estradal, daí resultando gravíssimas consequências para a integridade física das respectivas vítimas, quando não a perda da própria vida, razões que só por si afastam a possibilidade de encarar com condescendência este tipo de criminalidade. Já a violação de proibições é um tipo de crime que pela sua própria natureza revela acentuadas exigências de prevenção especial de ressocialização.
No que tange à determinação da medida concreta da pena, a prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss..
Ora, o que nos diz, com utilidade para a avaliação das razões de prevenção, a matéria de facto provada?
Diz-nos, desde logo, que o arguido foi surpreendido a conduzir um veículo automóvel com uma T.A.S. de 2,1 g/l, ou seja, uma taxa de álcool no sangue mais de quatro vezes superior ao limite máximo admissível, de 0,5 g/l e a aproximar-se do dobro do limite de 1,2 g/l, valor que traça a fronteira da responsabilidade contra-ordenacional para a responsabilidade criminal. Diz-nos ainda que exercia a condução num momento em que se encontrava proibido de conduzir veículos automóveis, fruto de anterior condenação, ocorrida no proc. comum nº 82/07.4PTSTR. E diz-nos ainda que não é esta a única evidencia da falta de interiorização do desvalor da sua conduta, porquanto já anteriormente tinha sido condenado por crime de condução em estado de embriaguez ocorrido a 20-10-2000, na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 4 meses e cinco dias, por sentença de 12-6-2001; por crime de ofensa à integridade física e crime de dano ocorridos a 31-8-1999, na pena única de 160 dias de multa, por sentença transitada a 28-4-2003; por crime de furto ocorrido a 18-1-2002, na pena de 60 dias de multa, por sentença transitada a 19-12-2003; por crime de violação de proibições ocorrido a 29-1-2004, na pena de 120 dias de multa por sentença transitada a 17-3-2005; por condução em estado de embriaguez, ocorrido a 9-4-2005, na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 6 meses, por sentença transitada a 24-5-2005; por crime de desobediência ocorrido a 24-1-2004, na pena de 80 dias de multa, por decisão transitada a 24-4-2007; por crime de ofensa à integridade física ocorrido a 7-3-2003, na pena de 110 dias de multa, por decisão de 10-4-2007; por condução em estado de embriaguez ocorrido a 14-7-2005, na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução por 4 meses, por sentença transitada a 11-5-2007; por crime de condução em estado de embriaguez ocorrido a 20-5-2007, na pena de 7 meses de prisão, suspensa a sua execução por 2 anos, por sentença transitada a 2-7-2007. Todos estes antecedentes se projectam nas exigências de prevenção especial. Valoradas estas a par das considerações de prevenção geral a que já acima aludimos, não há dúvida de que as circunstâncias do caso reclamam em absoluto a opção por pena de prisão efectiva. As respectivas medidas, no que concerne às penas parcelares, tal como foram determinadas pelo tribunal recorrido, são proporcionais à medida da culpa. A pena única, por seu turno, é ajustada aos factos no seu conjunto analisados à luz da personalidade do agente, tal como resulta evidenciada pelos factos provados.
As penas parcelares, como a pena única, são, pois, tanto na sua espécie, como na sua medida, as ajustadas ao caso, não merecendo censura a sentença recorrida.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida.
Determina-se, não obstante, a correcção do texto da sentença, de modo a que a fls. 153 dos autos, onde se lê que “(…) … realizou o tipo de crime de violação de proibição p. p. no art. 353º do C. P. (…)” passe a ler-se que “A... realizou o tipo de crime de violação de proibição p. p. no art. 353º do C. P. (…)”, anotando-se a rectificação no texto em causa por referência a este acórdão.
Condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC.

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Coimbra, ____________
(texto processado e revisto pelo relator)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)