Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1743/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. FERNANDES DA SILVA
Descritores: PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE
CONTRATO DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 15º DA LDT .
Sumário: I – Deve ter-se como característica matricial do regime de isenção de horário de trabalho a ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os intervalos de descanso e para a saída .
II – Cumprindo o trabalhador o seu horário normal de trabalho, e disponibilizando-se a seguir para efectuar outros serviços à sua entidade patronal, não fica, nesse período extra, numa situação enquadrável nas legalmente previstas de isenção de horário de trabalho .
III – Pelo que não é admissível que a entidade patronal lhe pague esse serviço extra a título de “ prémio de produtividade “ e como sendo a retribuição especial correspondente a uma isenção de facto de horário de trabalho .
IV – Tal trabalho “ extra “ deve ser pago e considerado como trabalho suplementar .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Coimbra a R. «B...», com sede em Tentugal, Montemor-o-Velho, pedindo, a final, a sua condenação no pagamento da quantia de 3.390,86 Euros referente à parte da retribuição denominada ‘prémio de produtividade’ relativamente à retribuição dos meses referidos do ano de 2002 e outras importâncias discriminadas, com juros de mora.

Pretextou para o efeito, em síntese útil, que foi admitido a trabalhar por conta e sob a autoridade, direcção e fiscalização da sociedade agrícola de Lacticínios ‘C...’, por contrato a termo de seis meses, celebrado em Novembro de 1990 e com efeitos a partir de 2 de Janeiro de 1991, tendo acordado ambas as partes que após a conclusão do estágio ou logo que aquela entendesse conveniente, o A. seria transferido para a empresa ‘B...’, o que efectivamente veio a acontecer em Julho de 1991, renovando-se o contrato automática e sucessivamente até ao limite legal e convertendo-se em contrato sem termo a partir de Julho de 1992.
Enquanto ao serviço da R. o A. desempenhava as funções de serralheiro mecânico de 1ª, auferindo um vencimento mensal ilíquido composto por uma remuneração base, por um subsídio de turno e por um subsídio por prestação de trabalho nocturno, acrescido de um subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efectivo.
Todavia, devia auferir um vencimento mensal superior, composto pela remuneração base, no montante de 908,08 Euros, por um subsídio de turno no montante de 108,71 Euros, por um subsídio por prestação de trabalho nocturno no montante de 64,18 Euros e por um denominado ‘prémio de produtividade’, no montante mensal de 308,26 Euros, além do subsídio de alimentação de 4,15 Euros por cada dia de trabalho efectivo.

Em Abril de 1999 a R. decidiu atribuir ao A. um acréscimo de remuneração fixo e mensal denominado ‘prémio de produtividade’, no montante de 60.000$00, que actualizou para 61.800$00 a partir de Março de 2000.
Mas, a partir de Janeiro de 2002 a R. deixou de pagar tal prémio, situação que se mantém até ao presente.
Sendo inequívoco que tal prémio constitui parte integrante da retribuição, a R. diminuiu a retribuição do A., violando o disposto no art. 21º, c), do DL. 49408, de 21.11.69.
Além disso, o A. prestou trabalho fora do seu horário normal, em dias de descanso semanal ou feriado, que lhe não foi pago, conforme discriminado.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação, a R. veio contestar, impugnando a tese do A. e a respectiva factualidade, para concluir pela improcedência da acção e a sua consequente absolvição dos pedidos contra si formulados.

3 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento ao A., entre outras, da importância de 8.720,45 Euros, e no mais que vier a liquidar-se em execução de sentença, como circunstanciadamente consta do dispositivo, a fls. 253, para onde se remete.

4 – É do assim decidido que, inconformada, a R. veio interpor recurso, oportunamente admitido como apelação, cujas alegações rematou com a formulação deste quadro conclusivo:
- Em Abril de 1999, a Recorrente e o A. acordaram que, tendo em conta um programa de manutenção preventiva das máquinas existentes nas instalações, o A. iria prestar trabalho fora do horário normal de trabalho e mediante uma retribuição especial, a que erroneamente for atribuída a qualificação de "prémio de produtividade".

- O referido programa obrigava a que o A. exercesse actividade profissional para além do seu horário normal de trabalho, porquanto este processamento incluía a fiscalização da maquinaria fora do horário de funcionamento das mesma.


- O A. bem sabia, tal como demonstrado na douta sentença, que a quantia paga no período de Abril de 1999 a Dezembro de 2001 pretendia fazer face ao acréscimo extraordinário de trabalho e à necessidade desse trabalho ser efectuado fora do horário normal de trabalho.

- A referida retribuição especial como concluiu a Recorrente na sua contestação foi atribuída a título de isenção do horário de trabalho.

- A isenção de horário de trabalho é admitida sempre que seja necessária a execução de trabalhos complementares que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho (vd. alínea b), do número 1 do artigo 13º do Decreto- Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro).

- A natureza dos trabalhos a efectuar no âmbito do supra referido programa de manutenção justificam a necessidade de isenção de horário de trabalho.
- O requisito de existência e eficácia também se encontra preenchido, i.e., a entidade empregadora colocou à disposição do trabalhador uma quantia a título e retribuição especial de modo a compensar a disponibilidade do trabalhador.

- Houve concordância do trabalhador, não só para receber a quantia adicional, a que erroneamente se chamou "prémio de produtividade", bem como a efectuar actividade profissional fora do seu horário normal de trabalho.

- A douta sentença recorrida considerou, a folhas 234 a 236, estarem preenchidos os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 409/71, de 27.09, nomeadamente (i) acordo entre empregador e trabalhador (artigo 13º n.º 2) e, (ii) pagamento de retribuição especial (artigo 14º), que no presente caso era designada por "prémio de produtividade".

- De acordo com o entendimento da Recorrente a autorização da entidade administrativa competente não é se não um requisito de mera regularidade, não sendo essencial para que possa existir e ser acordada entre trabalhador e empregador uma situação de isenção de horário de trabalho.

- O interesse público não só não exige a prévia autorização do IDICT , como nem sequer é posto em causa no presente caso, não se afigura, por isso, correcto sustentar que só com a autorização prévia se garante o interesse público.

- A autorização a prestar pelo IDICT é um poder vinculado, i.e., a entidade administrativa competente está obrigada a conceder a autorização, logo que os pressupostos materiais estejam preenchidos.

- Tal como resulta da douta sentença recorrida, os pressupostos materiais encontravam-se preenchidos, pelo que a decisão do IDICT não seria outra que não a da concessão da autorização.

- Não houve, assim, desprotecção do interesse público.

- Aliás, parece também não poder entender-se de que a protecção do interesse público decorre da mera autorização do IDICT .

- Assim, o demonstra o previsto no n.º5 do artigo 10º do Decreto - Lei n.º 409/71, aplicável por força do n.º3 do artigo 13º do mesmo diploma, ao admitirem a figura do deferimento tácito.

- Tal significa que nestes casos será concedida autorização sem que haja qualquer suposta ou presumida apreciação do interesse público em causa.

- O propósito da previsão desta autorização do IDICT não é proteger o interesse público, pois este é protegido pelos requisitos materiais legalmente exigidos.

- A "isenção de facto" repousa na vontade tácita de ambas as partes.

- A não ser que um interesse público especial impusesse uma limitação à vontade das partes, deve considerar-se que vale aqui o princípio da autonomia privada, pelo que, estando as partes de acordo, não se deverá impedir a aplicação do regime material por elas escolhido.

- Não é o interesse público alegado que justifica a exigência de autorização do IDICT, pois a protecção deste interesse público decorre directamente da própria lei.

- A autorização a prestar pelo IDICT deve ser entendida, não como formalidade essencial, mas como condição de regularidade, que não afecta a validade nem a eficácia do acordo das partes, no sentido de vigorar uma situação de isenção de horário.

- A não observação de tal regularidade não tem qualquer sanção.

- Não prescrevendo a lei qualquer sanção para a omissão desse dever de diligência da entidade patronal, muito menos se poderá entender que dessa omissão pudesse obter vantagens a entidade patronal quanto à não relevância da situação real em que o trabalhador se encontra.

- O trabalhador para ter direito a receber a retribuição por isenção de horário de trabalho, basta a verificação das condições da situação de facto caracterizadoras do respectivo regime e acordo entre as partes, leia-se, trabalhador e empregador, ainda que tácito.

- A circunstância da entidade patronal não ter regularizado a situação, pedindo a autorização administrativa legalmente exigida, não pode agora aproveitar ao A.

- Cessando as condições que deram lugar à isenção de horário de trabalho, não existe qualquer obrigação de comunicação ao IDICT ou à Inspecção Geral do Trabalho de tal cessação, o que pode também ser entendido como elemento descaracterizador da necessidade material de verificação da autorização destas entidades.

- O A., entre Abril de 1999 e Dezembro de 2001 encontrava-se numa situação de isenção de horário de facto, situação essa que foi devidamente remunerada pela Recorrente.

- Seria assim devida ao trabalhador a retribuição especial prevista no n.º 2 do artigo 14º do Decreto-Lei no 409/71 de 27 de Setembro.

- Retribuição essa que foi pontualmente liquidada pela Recorrente, tendo mesmo sido incluída no subsídio de Natal e de férias do A., tal como referido na douta sentença a fIs. (...).

- Cessando os trabalhos que deram causa à situação de isenção de horário de facto, o empregador deixa de estar obrigado a liquidar qualquer quantia a título de retribuição especial.

- Aliás, a isenção de horário de trabalho é por natureza reversível pois constitui uma facilidade para a entidade empregadora que, assim, adquire um meio de dispor com flexibilidade da força de trabalho em causa, podendo este regime cessar por sua iniciativa unilateral.

- O "prémio de produtividade" não constitui, nem nunca podia ter constituído, parte da sua remuneração porquanto, tal prémio tratava-se de pagamento da retribuição especial por isenção de horário de trabalho.

- Tendo a entidade patronal considerado em Janeiro de 2002 que já não se encontravam reunidas as condições objectivas para sujeitar o trabalhador a tal regime, deixou de efectuar pagamento da retribuição especial devida.

- A retribuição especial por isenção de horário de trabalho apenas era devida enquanto o trabalhador se encontrava sujeito a tal regime.

- Sendo assim, deixando de haver lugar ao trabalho prestado fora do seu horário normal de trabalho, consequentemente deixa de ser devida pela entidade empregadora a retribuição especial correspondente.

- Da douta sentença recorrida resultam provados todos os factos aqui aduzidos, no entanto foi distinta a qualificação jurídica.

- Parece-nos no entanto que a qualificação jurídica decorrente da situação fáctica provada nos autos é claramente recondutível a uma situação de isenção de horário de facto, pelo que não podemos se não discordar da qualificação jurídica constante da douta sentença, tal como temos vindo a demonstrar .

- Deste modo, não assiste qualquer razão ao A. no pedido efectuado, ou melhor, não existe qualquer fundamento para a condenação da Recorrente no pagamento do trabalho suplementar, visto que tal trabalho suplementar nunca existiu.

- Não existiu, pois tendo o trabalho sido prestado em isenção de horário de trabalho, como se demonstrou, não há lugar ao pagamento de trabalho suplementar .

- Aliás, a Recorrente, assim que o referido programa de manutenção cessou, deixou de pagar a retribuição especial, passando a remunerar nos termos legais o trabalho suplementar .

- Tal demonstra claramente qual o entendimento das partes quanto à situação laboral do A.

- Não tem assim o A. qualquer crédito sobre a Recorrente, visto que o trabalho efectuado fora do seu horário de trabalho normal, não o foi a título de trabalho suplementar mas a título de trabalho prestado ao abrigo do regime de isenção de horário de trabalho, tendo já sido devidamente remunerado a esse título.

Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso de Apelação e revogando, em consequência, a douta sentença recorrida, cumprirão V.Exas, Ilustres Desembargadores, a lei, assim fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!

5 – Por seu turno, o A. interpôs recurso subordinado e contra-alegou, concluindo:
. O presente recurso subordinado é restrito à questão de saber qual a natureza jurídica do denominado ‘prémio de produtividade’ pago pela R. ao A., isto é, se o mesmo deve ser considerado parte integrante da retribuição – como o A. sustentou e sustenta – ou se, como se decidiu na sentença recorrida, deve antes ser considerado como ‘retribuição por trabalho suplementar relativamente ao trabalho prestado for do horário pelo trabalhador’ (A.);

. Para decidir tal questão deve ter-se por assente a matéria de facto fixada nos pontos 8 a 11 da sentença;

. Ora, em face da factualidade assim fixada, salvo o devido respeito, não podia a Exmª Juíza deixar de considerar que aquela parcela retributiva denominada ‘prémio de produtividade’ fazia parte integrante da retribuição do A., de acordo com o disposto nos arts. 82º, 86º e 87º da LCT, então aplicáveis;

. Na verdade, é indiscutível que aquela parcela monetária, paga sob a denominação de ‘prémio de produtividade’ constituía contrapartida do seu trabalho. E que se tratava, de igual modo, de uma prestação regular e periódica, paga significativamente nas retribuições dos subsídios de férias e de Natal;

. Acresce que a favor do A. sempre teria de valer a presunção do n.º3 do art. 82º, que se não mostra ilidida pela R., face à restante matéria factual dada como provada, designadamente nos pontos 13 a 17 da sentença;

. Aliás, se se pretendesse pagar, dessa forma, o trabalho extraordinário, estar-se-iam a violar normas legais imperativas, quer quanto ao máximo anual de horas de trabalho suplementar, quer quanto à retribuição devida;

. Assim sendo, não pode deixar de se entender que aquele ‘prémio’ constitui contrapartida do trabalho prestado pelo A., pelo que não pode deixar de se entender que tal quantitativo faz parte integrante da retribuição;
. E assim sendo, não podia deixar de se condenar a R. em conformidade com o peticionado no articulado inicial.
Ao não ter decidido assim, violou a sentença a lei e em especial o art. 82º da LCT, pelo que deve ser revogada, nesta parte, com as legais consequências.

No que toca à resposta relativa à motivação da apelação da R., e visto que a única questão se prende com a existência ou não de uma situação de isenção de horário de trabalho de facto e sua relevância jurídica, adiantou, em síntese, que a sentença em crise fez uma análise correcta e aprofundada do problema, não merecendo por isso qualquer censura.

6 – Veio a R. por sua vez responder às alegações do recurso subordinado, concluindo no sentido de não poderem proceder os argumentos deduzidos pelo A., sendo que o dito ‘prémio de produtividade’ não pode ser qualificado como retribuição, nos termos pretendidos, mas tão-só como retribuição especial por isenção de horário de trabalho de facto.

Recebido os recursos e colhidos os vistos legais devidos, com o Ministério Público a pronunciar-se, sucinta mas doutamente, conforme fls. 318, vamos conhecer.

II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO.
(…)
2 – O DIREITO

2.1 –
O caso.
As questões suscitadas.

O A. veio reclamar, na presente acção, o pagamento de créditos em dívida referentes, por um lado, a um acréscimo de remuneração fixo e mensal, denominado «prémio de produtividade», que a R., em Abril de 1999, como pretextou, lhe decidiu atribuir e que, efectivamente, desde então, sempre lhe pagou, integrando tal montante nos subsídios de férias e de Natal que foram pagos ao A. a partir daquela data...
...E que a R. deixou de lhe pagar a partir de Janeiro de 2002.
E, por outro lado, os relativos a um total de 2.100 horas de trabalho suplementar prestado ( e não pago) nos anos de 1999 a 2001, pela forma discriminada.

As duas questões fundamentais introduzidas pelo presente litígio foram identificadas e tratadas, cada uma de per si, na decisão aqui sob censura, e são precisamente as mesmas que vêm suscitadas nos recursos cujo objecto ora passamos a apreciar.

São elas, afinal e em síntese, as de saber: 1 - se o aludido montante fixo que a R. passou a pagar ao A. sob o título de «prémio de produtividade» corresponde à retribuição especial por ‘isenção de horário de trabalho de facto’, na tese da R., o que, em caso afirmativo, acarretaria a conclusão de não haver lugar ao pagamento de qualquer trabalho suplementar; 2 – se tal «prémio de produtividade» lhe confere, ante a sua natureza jurídica, a qualidade de componente ou parte integrante da retribuição, como o A. sustenta.

2 .2 –
( Sem esquecer que o objecto do recurso/‘thema decidendum’ é delimitado pelo teor das conclusões do recurso – arts. 684º/3 e 690º/1 do C.P.C. – e que, por isso, a nossa intervenção está condicionada nessa precisa medida, sempre se anota, ‘a latere’, que, bem vistas as coisas, por reporte à factualidade provada, não é de todo líquido que se configurasse, nas descritas circunstâncias, uma situação de facto susceptível de poder enquadrar-se no figurino legal da prevista isenção de horário de trabalho, constante das várias alíneas do art. 13º da LDT, maxime a da alínea b).
Com efeito, assente que:
- no período temporal em causa, concretamente de 1 de Abril de 1999 a 31 de Dezembro de 2001, o A. trabalhou em regime de turnos, com horários fixos pré-estabelecidos, cumprindo o horário normal de trabalho semanal de 40 horas;
- no ano de 1999 a R. pôs em prática um programa de manutenção preventiva das máquinas existentes nas instalações, programa esse que, sendo assegurado pelos trabalhadores da manutenção, entre eles incluído o A., implicava a fiscalização da maquinaria fora do horário de funcionamento das mesmas;
- o A. foi contactado pela R. para a partir de Abril de 1999, receber um montante fixo a título de compensação pela sua disponibilidade na realização daqueles trabalhos fora/para além do seu horário de trabalho e do funcionamento das máquinas na produção...
- ... e que, chegado o termo do período de pagamento daquela acordada verba, (31.12.2001), a R. voltou ao regime anterior a Abril de 1999, ou seja, a pagar ao A. o trabalho suplementar por este efectivamente prestado...
...não é claro nem seguro que – independentemente do que se entenda sobre a natureza constitutiva/condicional da intervenção/autorização da IGT na eficácia e validade do regime de isenção de horário de trabalho, a que alude o art. 13º da LDT, o DL. 409/71, de 27 de Setembro – a situação identificada corresponda à prevista possibilidade legal de isenção de horário de trabalho.
Isto porque, mais concretamente, a jornada de trabalho do A. já fôra antes cumprida (o A. trabalhava em regime de turnos, de 2ª a 6ª feira, com horários pré-fixos) e – tratando-se de trabalhos complementares que pela sua natureza só podiam efectuar-se fora dos limites dos horários normais de trabalho e do horário de funcionamento das máquinas – a execução do trabalho em causa ( o tal programa de manutenção preventiva das máquinas) iria desenvolver-se na sequência, para além daquele já cumprido horário...

Diz o art. 15º da LDT que o efeito decorrente de tal regime para os trabalhadores que dele gozem consiste na não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho...
Não podendo deixar de entender-se – seguindo a reflexão de Menezes Cordeiro, ‘Isenção de Horário, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da Duração de Trabalho’, Almedina 2000, pgs. 89-91, com o abono de idêntica interpretação de Monteiro Fernandes e A. José Moreira, in locs. aí mencionados – que o citado enunciado legal é defeituoso, omisso, deve ter-se como característica matricial do regime de isenção a óbvia ‘ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os intervalos de descanso e para a saída’, ou, nas palavras do Prof. M. Fernandes, ‘a possibilidade para o empregador de utilização dos serviços do trabalhador, não só à margem de um definido esquema cronológico de prestação/horário, mas também independentemente dos ‘‘limites máximos dos períodos normais de trabalho’’.
Donde, afigurar-se-nos poder/dever concluir-se que o A. – cumprindo o seu horário normal de trabalho, mas disponibilizando-se a seguir para... – não estaria propriamente numa situação enquadrável nas legalmente previstas de isenção de horário de trabalho.
É por isso que a consideração de tal quantia (paga e imputada, erroneamente embora, como alega a R., nos respectivos recibos de vencimento, a título de «prémio de produtividade») como sendo a retribuição especial correspondente a uma ‘isenção de facto’ de horário de trabalho nos parece, em tese, falha de suporte e consistência, salvo o devido respeito.
Fechamos aqui esta observação parentética, que, sendo extravagante relativamente às questões em que se analisam os objectos da impugnação, principal/independente e subordinada, não deixa de facilitar, cremos, a real compreensão do caso decidendo).
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Regressados ao contexto e termos em que se dirimiu o presente litígio, vejamos a questão constitutiva do objecto da apelação da R.

Partindo destes factos essenciais (:em determinado momento do ano de 1999 a R. pôs em prática um programa de manutenção preventiva das máquinas existentes nas instalações, sendo tal programa assegurado pelos trabalhadores da manutenção, entre eles o A., o que incluía a fiscalização da maquinaria fora do horário de funcionamento das mesmas; a partir de Abril de 1999 o A. recebeu um montante fixo a título de compensação pela sua disponibilidade para a realização de trabalhos fora do horário de trabalho e do funcionamento das máquinas na produção, no valor inicial de 60.000$00, tendo este dado o seu consentimento verbal a essa forma de pagamento, passando a ser-lhe pago a partir de tal data e até Dezembro de 2001 o denominado «prémio de produtividade» no dito valor, depois actualizado para a quantia de 61.800$00; a partir do mês de Janeiro de 2002 a R deixou de pagar ao A aquela parcela do vencimento denominada ‘prémio de produtividade’; a R sempre efectuou o pagamento do trabalho suplementar aos seus trabalhadores, elaborando os respectivos mapas de trabalho suplementar; até Março de 1999 a R sempre procedeu ao pagamento do trabalho suplementar efectuado pelo A; a partir do mês de Janeiro de 2002 tem vindo sendo pago pela R ao A o trabalho suplementar por este prestado...), a decisão em crise alcançou a solução a que se reage assentando na argumentação jurídica que se sintetiza:
Equacionado como problema o de saber qual a relevância a atribuir ao acordo verbal entre A. e R. no sentido de a chamado ‘prémio de produtividade’ compensar a disponibilidade daquele pelo trabalho prestado para além do horário normal de trabalho e admitindo poder configurar-se tal situação como sendo uma ‘isenção de facto’ (de horário de trabalho), sem que a mesma tenha sido deferida pela Autoridade Administrativa (IGT), concluiu-se – depois de uma circunstanciada e oportuna recensão pelas alinhadas posições (de sinal contrário...) reinantes na mais qualificada Doutrina e Jurisprudência produzidas sobre o tema – perfilhando o entendimento maioritário segundo o qual a autorização da Inspecção Geral do Trabalho é (era, ao tempo, diremos,...porque, hoje, conforme previsão homóloga constante do art. 177º/3 do Código do Trabalho, essa exigência foi dispensada, bastando que o exigido acordo escrito sobre a negociada isenção seja enviado à IGT... ) formalidade essencial para a validade e eficácia da isenção de horário de trabalhosublinhado no original.
Com efeito, estatuía o art. 13º do DL. 409/71 que ‘podem (‘poderão‘, era a expressão legal da versão original da norma, acrescentamos agora) ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os trabalhadores’...
...O que apontava claramente no sentido de o requerimento à entidade Administrativa constituir requisito prévio e a respectiva autorização formalidade essencial à eficácia e validade do regime, em homenagem a consabidas razões de interesse público então prosseguidas pela Administração.
E, em consequência, o trabalho prestado fora/para além do horário de trabalho, cuja remuneração se reclama, não pode ser considerado como executado a coberto do pretenso regime de isenção de horário (mesmo que ‘de facto’...), antes devendo ser considerado como trabalho suplementar.

Ora, tudo ponderado e considerando:
Ø que, desde o primeiro momento, na tese de defesa da R., tal (impropriamente chamado) ‘prémio de produtividade’ sempre foi prefigurado como pretendendo constituir a retribuição especial por isenção de horário de trabalho – ver art. 4º e seguintes da Contestação;
Ø que, (além da duvidosa verificação dos requisitos correspondentes à situação de facto correspondente a essa previsão normativa, de que deixámos parenteticamente nota, acima),nas relatadas circunstâncias, a exigível mas omitida intervenção/autorização prévia da IGT era condição de eficácia e validade do pretendido regime de isenção;
Ø que o referido «prémio», proposto pela R. como compensação, pagava afinal a disponibilidade do trabalhador para, depois de cumprido o seu turno/horário completo de trabalho, assegurar a fiscalização e manutenção preventiva das máquinas, actividade a executar fora/depois do seu horário de trabalho e do funcionamento das máquinas de produção;
Ø que tal regime, proposto pela R., foi transitório, retomando a R., a partir de Janeiro de 2002, a prática anterior de pagar ao A., com antes fazia relativamente a todos os seus trabalhadores (o A. incluído) o trabalho suplementar por este efectivamente prestado...
...e ainda que, mesmo que se admitisse a validade do pretendido regime de isenção de facto, tal isenção não poderia prejudicar o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso devidos – direito a que, como cremos, o trabalhador não poderia sequer validamente renunciar, 'ut' arts. 14º, n.º3, ‘a contrario’, e art. 15º do diploma em causa, o DL. 409/71 – a estruturação e fundamentação da decisão alcançada não poderia ser outra:
O trabalho prestado nas sobreditas circunstâncias haverá que ser considerado como trabalho suplementar, devendo como tal ser remunerado.
A adesão ou concordância verbal do A. ao percebimento daquele montante fixo, não valendo fora do contexto alegado pela R., não implicita qualquer renúncia ao crédito do reclamado, questão que aliás nem sequer se nos coloca, como claramente se constata pela compulsação do acervo conclusivo da Apelante.


Tudo visto e ponderado, no fixado contexto fáctico e respectivo enquadramento axiológico-normativo, é nossa firme convicção que a problemática em equação foi correctamente analisada e bem decidida.
A sentença aprecianda está absolutamente certa, merecendo o nosso sufrágio e, em consequência, inteira confirmação.
A sua adequada fundamentação, onde se aprofundou a análise e se fez a recensão das posições doutrinais e jurisprudenciais sobre a controvérsia a dirimir, com a justeza da solução, contêm a resposta que temos por a adequada e devida às reeditadas questões constitutivas do objecto da apelação da R. e do recurso subordinado deduzido pelo A.
Impelem-nos, por isso, (as ditas fundamentação e decisão) a fazer uso, em tudo aquilo que não se tenha por expressamente abordado e pontualmente tratado acima, da faculdade prevista no n.º5 do art. 713º do C.P.C. , o que constitui, a um tempo, uma opção pragmática e uma homenagem.

2.3 –
No que concerne à impugnação deduzida pelo A., subordinadamente, tudo o que se expendeu deixa necessariamente concluir que o denominado ‘prémio de produtividade’ não assume, no falado contexto fáctico, a natureza jurídica de componente da retribuição.
Também nessa parte a fundamentação desenvolvida na douta decisão em apreciação é suficientemente sóbria e explícita – concitando igualmente a nossa adesão – e a bondade da solução ajuizada resultará certamente reforçada com tudo o mais que se foi aduzindo ao longo da análise e exposição crítica que antecede, não se recolhendo do facto de essa quantia ter sido creditada ao A. também nos subsídios de férias e de Natal nenhum decisivo argumento em sentido oposto.
A obrigação desse pagamento (que mais não era, objectivamente, do que uma forma dissimulada de pagamento (parcial) do trabalho suplementar...) cessou com o termo da respectiva situação de facto, com o consequente retorno ao sistema e prática anteriormente vigentes.
Isso não constitui, como se deixou suficientemente caracterizado, uma efectiva redução da retribuição, ficando afastado, ante a explicada razão determinante do pagamento do falado ‘prémio’, o pretendido funcionamento da presunção do n.º3 do art. 82º da LCT.


Assim, em resumo:
Ø - A importância paga sob a rubrica ‘prémio de produtividade’ não poderia, assim, constituir a pretendida retribuição especial correspondente a isenção de horário de trabalho;
Ø - O trabalho prestado pelo A., nas sobreditas circunstâncias de facto, deve ser considerado, como foi, trabalho suplementar;
Ø - O (impropriamente) chamado ‘prémio de produtividade’ não constitui, no descrito contexto, parte integrante da retribuição, cessando a obrigação do seu pagamento com o termo da situação de facto então criada e o consequente retorno à prática anterior de pagamento do trabalho suplementar em função da respectiva prestação.

Improcedem as aliás doutas conclusões de ambos os recursos, não tendo sido violadas as normas legais aí identificadas ou quaisquer outras.

III –
Termos em que – com remissão, no mais, para a circunstanciada fundamentação adrede constante do texto apreciando, conforme oportunamente adiantado – se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento aos recursos.
Custas respectivas pelos apelantes.