Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1022/19.3T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PEAP
CESSAÇÃO DA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CESSAÇÃO AUTOMÁTICA
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.222-E Nº6, 222-G Nº4, 222-J CIRE, 272, 275, 276 CPC
Sumário: I – A suspensão da instância no processo de insolvência que seja decretada, nos termos do art. 222.º-E, nº 6, do CIRE, por força da pendência de um processo especial para acordo de pagamento cessa automaticamente – sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido – com o trânsito em julgado da decisão que declare o encerramento desse processo especial para acordo de pagamento.

II – Tal suspensão pode, no entanto, cessar em momento anterior e após o trânsito em julgado da decisão que recuse a homologação do plano apresentado no âmbito daquele processo, por não se justificar a partir desse momento; no entanto, porque não existe qualquer disposição legal que atribua esse efeito ao trânsito em julgado dessa decisão e porque o processo especial para acordo de acordo de pagamento continua pendente até ao respectivo encerramento, impõe-se, nesse caso, que seja proferida decisão a declarar a cessação da suspensão da instância, caso em que esta se considera cessada com a notificação dessa decisão.

III – Consequentemente, o prazo para deduzir oposição no processo de insolvência que ainda estava em curso à data em que foi decretada a suspensão da instância – e que, por essa razão, ficou suspenso – retoma o seu curso na data em que transite em julgado a decisão que declare o encerramento do processo especial para acordo de pagamento (cuja pendência motivou a suspensão) ou na data em que seja notificada a decisão que, antes daquele encerramento, declare cessada a suspensão da instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

O Banco (…), S.A. veio requerer, por via da presente acção, a declaração de insolvência de L (…), residente (…).

Efectuada a citação do Requerido para deduzir oposição no prazo de dez dias sob pena de se considerarem confessados os factos alegados na petição inicial, veio o mesmo apresentar requerimento – em 23/05/2019 – a comprovar o pedido que havia efectuado com vista à concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono.

Na sequência desse facto, foi proferido despacho – em 27/05/2019 – que declarou interrompido o prazo em curso, nos termos do artigo 24.º, n.º4, da Lei 34/2004, de 29/07.

O pedido de apoio judiciário veio a ser deferido, tendo sido comunicada ao patrono a respectiva nomeação em 25/06/2019.

Entretanto e por ter sido instaurado processo especial para acordo de pagamento relativamente ao Requerido, foi proferido despacho – em 08/07/2019 – que, face à pendência desse processo, declarou suspenso o processo de insolvência.

No aludido processo especial para acordo de pagamento veio a ser recusada a homologação do plano por decisão que transitou em julgado em 10/03/2020 e, na sequência de notificação que lhe foi efectuada, o Sr. Administrador Judicial Provisório juntou parecer em 25/03/2020, nos termos do art. 222º-G, nº 4, do CIRE onde concluía que deveria ser decretada a insolvência dos devedores e requeria que o processo fosse convertido em processo de insolvência.

Entretanto – em 23/03/2020 – foi proferida sentença nos presentes autos que, por falta de oposição do Requerido, considerou confessados os factos alegados na petição inicial e declarou a respectiva insolvência.

Inconformado com essa decisão, o Requerido veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

I) Tendo o prazo do Recorrente para deduzir oposição aos presentes autos iniciado no dia após a nomeação de patrono (26/06/2019), o último dia (com os 3 de multa) seria no dia 08/07/2019.

II) Sucede que a presente instância de Processo de Insolvência suspendeu-se, por despacho datado do mesmo dia (08/07/2019), nos termos do art. 222-E nº 1 do CIRE, em virtude do Devedor se ter apresentado a PEAP, assistindo assim, ainda ao Recorrente um dia para deduzir oposição, retomada que fosse a presente instância.

III) Sucede que a presente instância só poderia ser retomada após despacho e transitado em julgado de encerramento do PEAP, nos termos do art 222-J. al. b) do CIRE, que até à data ainda não foi proferido.

IV) Com efeito, um processo de insolvência que foi suspenso por força da instauração e pendência de um processo especial de revitalização, apenas quando encerrado este último processo, deve retomar o seu normal curso, retomando-se no exacto estado em que havia sido interrompido ou suspenso (art. 276º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil).

V) O Tribunal “a quo” ao retomar os autos de insolvência, sem que tivesse sido ainda proferido despacho de encerramento dos autos de PEAP, coartou ao Recorrente a possibilidade de deduzir oposição à insolvência (já que ainda tinha um dia para o efeito)

VI) Retomados que fossem os autos os presentes autos, teria de ser proferido despacho de prosseguimento da presente instância, notificando o Devedor e alertando-a para a retoma do prazo de oposição à insolvência que se encontrava suspenso desde o dia 08/06/2010

VII) A presente decisão revela-se desprovida de qualquer sentido de justiça, já que foi proferida à revelia da própria vontade do Requerente da insolvência- Banco BCP, na medida em no PEAP do devedor, que (reitere-se), deu entrada na pendência do presente Processo, foi este credor (maior credor) que conseguiu aprovar o Plano apresentado, votando favoravelmente o mesmo -Voto este que foi demonstrativo da confiança deste Credor na recuperação económica do Devedor –não acreditando outrossim que o mesmo estivesse insolvente.

NORMAS VIOLADAS: Viola assim a sentença o princípio basilar do contraditório (nº 3, do art. 3º, do CPC e artº 20 da CRP) e encontra-se em contradição com o decidido no Acórdão transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo: 1250/14.8T8AVR-A.P1.S1, de 17/11/2015

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, tudo com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, à data em que foi proferida a sentença recorrida (que declarou a insolvência com fundamento nos factos alegados na petição inicial que se consideraram confessados por falta de oposição), já havia (ou não) decorrido o prazo para deduzir oposição, o que pressupõe a resposta às seguintes questões:

- Saber se, à data em que foi declarada a suspensão da instância, o prazo para deduzir oposição já havia decorrido totalmente;

- Caso o prazo não tenha decorrido totalmente – ficando, por isso, suspenso com aquela suspensão – saber quando se deve considerar cessada a suspensão da instância que havia sido decretada por ser este o momento a partir do qual aquele prazo voltava a correr.


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III.

Analisemos, então, o objecto do recurso, tendo em conta que os factos relevantes são aqueles que se enunciaram em I.

O Apelante insurge-se contra a decisão recorrida dizendo, no essencial, que ela foi proferida com violação do princípio do contraditório, na medida em que, à data, ainda estava em curso o prazo para deduzir oposição.

Vejamos se assim é.

É indiscutível que o prazo para a dedução de oposição (dez dias) se interrompeu, nos termos do art. 24º, n.º 4, da Lei 34/2004, de 29/07 – por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono – e reiniciou-se em 26/06/2019, nos termos previstos no n.º 5, alínea a), da citada Lei, tendo em conta que o patrono foi nomeado da sua designação em 25/06/2019.

 Tal prazo terminaria, portanto, em 05/07/2019, sendo que o acto poderia ainda ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes, mediante o pagamento da multa, nos termos previstos no art. 139º, nº 5, do CPC.

É certo, portanto, que esse prazo ainda estava em curso quando – em 08/07/2019 – foi declarada suspensa a instância por força da pendência de um processo especial para acordo de pagamento que, entretanto, havia sido instaurado (suspensão que, aliás, era imposta pelo art. 222.º-E, nº 6, do CIRE). Assim e dado que, em conformidade com o disposto no art. 275º, n.º 2, do CPC, os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão, o aludido prazo – que ainda estava em curso – suspendeu-se naquela data e o seu decurso apenas seria retomado com a cessação da suspensão da instância que havia sido decretada.

Nessas circunstâncias, a questão de saber se o referido prazo ainda não havia decorrido à data em que foi proferida a sentença que declarou a insolvência (a sentença recorrida), pressupõe e reclama a resposta à questão de saber quando cessou a suspensão da instância, já que era este facto que marcava o momento a partir do qual voltava a correr o prazo que havia ficado suspenso.

Ainda que não o tenha dito de modo expresso, a decisão recorrida laborou no pressuposto de que a suspensão da instância que havia sido decretada cessou com o trânsito em julgado da decisão que, no âmbito do processo especial para acordo de pagamento, recusou a homologação do plano (sendo certo que foi proferida antes de apresentado o parecer a que alude o art. 222.º-G, nº 4, do CIRE).

Na perspectiva do Apelante, a suspensão da instância só cessaria com o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo especial para acordo de pagamento (decisão que, à data da sentença recorrida, ainda não havia sido proferida), sustentando ainda que teria de ser proferido despacho de prosseguimento da presente instância, notificando o devedor e alertando-a para a retoma do prazo de oposição à insolvência que se encontrava suspenso desde o dia 08/07/2010.

Em primeiro lugar, importa dizer que nada na lei aponta para a necessidade – pelo menos por regra – de ser proferido despacho a declarar a cessação da suspensão de instância e a ordenar o prosseguimento dos autos, sendo certo que, conforme resulta do disposto no art. 276º do CPC (e o CIRE não contém qualquer disposição em sentido contrário), a suspensão cessa automaticamente com a verificação dos factos que ali são enunciados. Isso mesmo já dizia Alberto dos Reis[1] no seguinte excerto: “Não pode por-se em dúvida que o espírito da lei é o seguinte: pretende-se que a crise da suspensão cesse o mais depressa possível. E cessa logo que desapareça a causa que a determinara, sem que seja necessário despacho do juiz a ordenar o prosseguimento da instância. É necessário despacho para fazer suspender a instância; não é necessário, para a pôr, de novo, em andamento”.

Compreende-se que assim seja, uma vez que os factos que determinam a cessação da suspensão da instância são, por norma, factos objectivos, perfeitamente identificados na lei e cuja verificação é acessível ao conhecimento da parte. O juiz não tem, na verdade, a obrigação ou dever de chamar a atenção das partes – sobretudo quando elas estão representadas por advogado – para a cessação da suspensão da instância quando é certo que tal cessação está expressamente prevista na lei como sendo consequência automática de um facto que é – ou está em condições de ser – do conhecimento das partes.

Só assim não será – impondo-se, nesse caso, que seja proferido despacho a declarar a cessação da suspensão da instância – quando, por qualquer razão, o facto que se considera determinar a cessação da suspensão não é um dos factos a que a lei atribui expressamente esse efeito ou quando não se possa ter como garantido que as partes possam e devam saber que a partir daquele momento a instância retoma o seu curso normal com o prosseguimento dos prazos que haviam ficado suspensos.

Vejamos o caso dos autos.

A suspensão da instância nos presentes autos foi determinada, como sabemos, pela pendência de um processo especial para acordo de pagamento e sobre essa matéria o n.º 6 do art. 222.º-E do CIRE dispõe nos seguintes termos:

Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento”.

 O CIRE não contém, contudo, qualquer disposição onde seja fixado o momento de cessação daquela suspensão da instância no caso de não ser aprovado qualquer acordo de pagamento que seja homologado, como sucedeu no caso dos autos.

No entanto, tendo em conta o fundamento da suspensão da instância – pendência de processo especial para acordo de pagamento –, a situação poderá ser equiparada à suspensão motivada por pendência de causa prejudicial que se encontra prevista no 272.º do CPC e que, conforme previsto no art. 276.º do mesmo diploma, cessa quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial. Em qualquer caso, a situação sempre ficaria abrangida na alínea d) do n.º 1 do art. 276.º do CPC onde se determina que a suspensão cessa quando cessar a circunstância a que a lei atribui o efeito suspensivo, o que, no caso, correspondia à pendência daquele processo.

É indiscutível que o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo especial para acordo de pagamento – nos termos previstos no art.º 222.º-J do CIRE – determinaria (automaticamente e sem necessidade de qualquer despacho ou decisão) a cessação da suspensão da instância no processo de insolvência, sendo certo que, nesse momento, era indiscutível que essa causa estava definitivamente julgada e era indiscutível que já havia cessado a circunstância que havia fundamentado a suspensão uma vez que o processo em questão já não se encontrava pendente. Em tal situação e à luz do disposto no citado art. 276º do CPC (designadamente as alíneas c) e d) do n.º 1), era evidente a cessação automática da suspensão da instância independentemente de qualquer despacho que assim o declarasse.

Sucede que o encerramento do processo especial para acordo de pagamento não coincide com o trânsito em julgado da decisão que recusa a homologação do plano de pagamentos; conforme resulta do disposto no nº 6 do art. 222.º-F e no art. 222.º-G do CIRE, após a recusa de homologação do plano, o processo prossegue ainda com as diligências ali mencionadas e, designadamente, com a apresentação de um parecer pelo administrador de insolvência, dispondo a lei que, caso o administrador conclua pela situação de insolvência do devedor, deve requerer tal insolvência. E, em conformidade com o disposto no art. 222.-J, n.º 1, alínea b), o processo apenas se considera encerrado após o cumprimento de todas essas formalidades.

Coloca-se então a questão de saber se a suspensão da instância no processo de insolvência pode e deve cessar antes do encerramento do processo especial para acordo de pagamento e, mais concretamente, a partir do momento em que transite em julgado a decisão que recuse a homologação do plano.

Poder-se-á dizer, na verdade, que, com o trânsito em julgado daquela decisão, não há razões que justifiquem a manutenção da suspensão da instância, uma vez que, estando definitivamente afastada a possibilidade de obter a aprovação e homologação de um plano de pagamentos, o processo de insolvência teria necessariamente que prosseguir, uma vez que, ainda que o administrador judicial viesse a requerer a insolvência – na sequência das demais diligências legais no âmbito do processo especial para acordo de pagamento – sempre deveria prosseguir o processo de insolvência inicial que estava suspenso e era o novo processo de insolvência requerido pelo administrador que deveria ser suspenso à luz do disposto no art. 8º, nº 2, do CIRE[2].

No entanto, ainda que se justificasse, na nossa perspectiva a imediata cessação da suspensão da instância no processo de insolvência por força do trânsito em julgado da decisão que havia recusado a homologação do plano, pensamos que tal pressupunha que fosse proferido despacho nesse sentido.

Passamos a explicar porquê.

Conforme se disse, a razão pela qual a suspensão da instância cessa automaticamente sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido prende-se com a circunstância de o facto que determina essa cessação estar expressamente identificado na lei e com a circunstância de as partes estarem em condições de tomar conhecimento desse facto e de saber – ou dever saber – que, nos termos da lei, ele implicava a automática cessação da suspensão da instância.

Ora, no caso em análise, a lei não identifica – pelo menos de modo expresso – o trânsito em julgado da decisão que recusa a homologação do plano como sendo o facto que determina a cessação da suspensão da instância. O encerramento do processo – que, conforme referimos, ocorre em momento posterior ao trânsito em julgado daquela decisão – é que marca, em termos formais, o fim do processo e, portanto, é esse o facto que surge, sem margem para qualquer dúvida, com total aptidão para desencadear a cessação da suspensão da instância, seja porque a partir desse momento já não existe qualquer processo pendente (não subsistindo, portanto, o facto que havia determinado a suspensão), seja porque, com tal encerramento, é indiscutível que o processo está definitivamente julgado. Enquanto não ocorrer o seu encerramento, o processo ainda se encontra pendente e, portanto, não se pode ter como cessado o facto ou circunstância que havia determinado a suspensão da instância e que, como referido, correspondia à pendência daquele processo especial para acordo de pagamento (foi nesses termos e com esse fundamento que foi decretada nos autos a suspensão da instância).

Por outro lado, se é certo que a lei não determina expressamente que aquela suspensão da instância termina com o trânsito em julgado da decisão que recusa a homologação do acordo de pagamento, nem sequer é pacífico na jurisprudência que, num caso como dos autos, a insolvência devesse ser decretada no processo cuja instância estava suspensa (que, para o efeito, deveria prosseguir), pois há quem entenda que a insolvência deve ser decretada no processo especial para acordo de pagamento.

A posição maioritária da doutrina e jurisprudência[3] – que acompanhamos – vai no sentido de que, existindo um processo de insolvência instaurado anteriormente cuja instância ficou suspensa por força da pendência do processo especial para acordo de pagamento, é nesse processo (que estava suspenso) que deve ser declarada a insolvência caso não seja aprovado e homologado um acordo de pagamento, cessando a suspensão da instância que aí havia sido decretada[4]. Mas a verdade é que há quem entenda que a insolvência deve ser declarada no próprio processo de revitalização (ou, no caso, para acordo de pagamento) ainda que exista um processo de insolvência anterior cuja instância se encontrava suspensa, como é o caso do Acórdão da Relação de Coimbra de 18/12/2013[5].   

É certo, portanto, que o devedor nem sequer podia ter como certa a posição que o juiz iria assumir no processo, não sabendo, portanto, se a insolvência iria ser decretada no âmbito do processo para acordo de pagamento (de acordo com a posição jurisprudencial citada, ainda que minoritária) ou se iria ser retomado o prosseguimento do processo de insolvência que estava suspenso. Tão pouco sabia qual a posição que iria ser assumida sobre o exacto momento em que se iria considerar cessada a suspensão da instância, já que, no silêncio da lei, tanto se poderia considerar que tal ocorria com o trânsito em julgado da decisão que recusou a homologação do plano, como se poderia considerar que ocorria com a apresentação do parecer pelo administrador judicial ou em qualquer outro momento.

Assim, não existindo qualquer disposição legal que atribua esse efeito ao trânsito em julgado da decisão que recusa a homologação do plano, o devedor não tem o dever de prever que esse facto determine, sem mais, a cessação daquela suspensão sem que seja proferido despacho nesse sentido; o facto que o Apelante tinha que considerar, independentemente de qualquer outra decisão ou notificação, para o efeito de operar automaticamente a cessação da suspensão da instância no processo de insolvência era o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo especial para acordo de pagamento.

Nessas circunstâncias, para que a suspensão da instância pudesse cessar antes do encerramento do processo era necessário que fosse proferido despacho nesse sentido; só assim o devedor ficaria em condições de tomar conhecimento desse facto e de agir em conformidade com ele, apresentando a sua defesa no processo de insolvência dentro do prazo de que ainda dispunha.

Concluímos, portanto, que a suspensão da instância no processo de insolvência cessaria automaticamente – sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido – com o trânsito em julgado da decisão que declarasse o encerramento do processo especial para acordo de pagamento; antes desse momento, o processo para acordo de pagamento ainda se encontrava pendente, não tendo cessado, portanto, a circunstância que havia determinado a suspensão da instância e, como tal, a cessação da suspensão da instância (caso se entendesse que ela já não se justificava) pressupunha a existência de decisão que assim o declarasse, considerando-se cessada a suspensão com a notificação dessa decisão.

No caso em análise, a sentença recorrida declarou a insolvência antes do encerramento do processo especial para acordo de pagamento e num momento em que ainda não havia sido apresentado o parecer a que alude o art. 222º-G, nº 4, do CIRE. Nessas circunstâncias e não tendo sido proferido qualquer despacho prévio que declarasse a cessação da suspensão da instância, esta suspensão ainda não havia cessado uma vez que ainda se verificava o facto que a havia determinado (o processo especial para acordo de pagamento ainda estava pendente porque não havia sido encerrado); o prazo de que o Apelante dispunha para deduzir oposição (ainda que mediante o pagamento de multa) continuava, portanto, suspenso e, como tal, ainda não havia terminado, ao contrário do que se considerou (erradamente) na decisão recorrida.

Assim sendo e não tendo ainda decorrido, por inteiro, o prazo para a dedução de oposição, não havia fundamento para considerar – como se considerou na sentença recorrida – que, por falta de oposição, estavam confessados todos os factos que haviam sido alegados na petição inicial e, consequentemente, não havia fundamento para, com base nesses factos (que erradamente se deram como confessados), declarar a insolvência do devedor.

A sentença recorrida não poderá, portanto, manter-se, devendo ser revogada, ficando os autos a aguardar a cessação da suspensão da instância e o termo do prazo da oposição, seguindo-se, posteriormente, os demais trâmites legais que se adequem ao caso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A suspensão da instância no processo de insolvência que seja decretada, nos termos do art. 222.º-E, nº 6, do CIRE, por força da pendência de um processo especial para acordo de pagamento cessa automaticamente – sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido – com o trânsito em julgado da decisão que declare o encerramento desse processo especial para acordo de pagamento.

II – Tal suspensão pode, no entanto, cessar em momento anterior e após o trânsito em julgado da decisão que recuse a homologação do plano apresentado no âmbito daquele processo, por não se justificar a partir desse momento; no entanto, porque não existe qualquer disposição legal que atribua esse efeito ao trânsito em julgado dessa decisão e porque o processo especial para acordo de acordo de pagamento continua pendente até ao respectivo encerramento, impõe-se, nesse caso, que seja proferida decisão a declarar a cessação da suspensão da instância, caso em que esta se considera cessada com a notificação dessa decisão.

III – Consequentemente, o prazo para deduzir oposição no processo de insolvência que ainda estava em curso à data em que foi decretada a suspensão da instância – e que, por essa razão, ficou suspenso – retoma o seu curso na data em que transite em julgado a decisão que declare o encerramento do processo especial para acordo de pagamento (cuja pendência motivou a suspensão) ou na data em que seja notificada a decisão que, antes daquele encerramento, declare cessada a suspensão da instância.


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IV.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e determina-se que os autos aguardem o termo do prazo da oposição que se encontrava suspenso e cujo decurso será retomado, nos termos supra mencionados, com a cessação da suspensão da instância (que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido, com o trânsito em julgado da decisão que declare o encerramento do processo especial para acordo de pagamento ou, antes desse momento, com a notificação da decisão que, eventualmente, seja proferida no sentido de declarar cessada a suspensão da instância), seguindo-se, posteriormente, os demais trâmites legais que se adequem ao caso.
Custas a cargo de quem, a final, venha a ser por elas responsável nos termos previstos no art. 304.º do CIRE.
Notifique.

Coimbra, 22 de Junho de 2020.

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora)

Maria João Areias

Freitas Neto


[1] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, pág. 303.
[2] Cfr. Catarina Serra, O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2017, 2.ª edição, pág. 99.
[3] Ainda que essa doutrina e jurisprudência se reporte ao processo especial de revitalização, a posição assumida é inteiramente válida para o processo especial de acordo de pagamento uma vez que os trâmites legais desses processos são similares.
[4] Cfr. Acórdãos do STJ de 17/11/2015 e 09/09/2015, proferidos nos processos 1250/14.8T8AVR-A.P1.S1 e processo 5649/12.6TBLRA-N.C1.S1, respectivamente; Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/09/2013 (processo n.º 995/12.1TBVNO-C.C1) e de 10-03-2015 (processo n.º 5204/13.3TBLRA-C.C1 e Acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2017 (processo n.º 8/17.7T8BGC.G1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.; Catarina Serra – O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2017, 2.ª edição, pág. 99 e Maria do Rosário Epifânio – O Processo Especial de Revitalização, 2016, pág. 80.
[5] Proferido no processo n.º 5649/12.6TBLRA-C.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.