Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
610-A/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ESTIPULAÇÕES VERBAIS ACESSÓRIAS
NULIDADE
INADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º DO DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10 ; 221º E 394º, Nº1, DO C. CIV
Sumário: 1 – Não sendo concretizadas pelos interessados nisso, quais as cláusulas de que não tiveram conhecimento e constantes de um determinado documento por eles assinado e redigido pelo outro contratante, não pode o tribunal fazer um juízo sobre se se trata ou não da introdução de cláusulas contratuais gerais nesse contrato, nos termos do artº 1º do DL nº 446/85, de 25/10.

2 – No artº 221º, nº 1, do C. Civ. prevê-se que as cláusulas verbais acessórias ou adicionais estipuladas antes ou contemporâneas da declaração negocial a que respeitam e para a qual se exige documento legal não deixariam de ser introduzidas no documento se tivessem sido efectivamente queridas pelos declarantes.

3 – Não sendo aí colocadas, presume-se que tais estipulações não foram queridas pelos contratantes.

4 – Já as estipulações verbais posteriores à feitura desse documento serão válidas, precisamente porque delineadas depois da feitura do documento; só assim não será se a razão da exigência da forma as abranger.

5 – As cláusulas verbais anteriores à feitura do contrato formal e que dele não constem, e verificando-se que contradizem o documento, devem ser declaradas nulas.

6 – Face ao disposto no artº 394º, nº 1, do C. Civ. não é possível prova testemunhal em relação a quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A... e mulher B..., por apenso aos autos de execução nº 610/2002 do Tribunal Judicial de Vagos, deduzem contra a C..., os presentes embargos à execução que lhe é movida por esta, pedindo que o contrato de mútuo que funda a execução seja anulado, bem como a hipoteca subjacente ao mesmo, em virtude de os mutuários terem a sua vontade viciada por erro e, caso assim se não entenda, deve o contrato junto aos autos ser tido como de adesão e, assim, deverão ser excluídas todas as cláusulas dele constante porquanto não comunicadas e/ou informadas, devendo também ser considerada procedente a excepção do incumprimento invocada e a embargada condenada como litigante de má fé.
Fundamentam este pedido, em síntese, alegando que eles, embargantes, quando solicitaram junto da C... um crédito para a construção de habitação própria, ficou estabelecido com o funcionário da C..., que o crédito a conceder seria obtido na modalidade de crédito bonificado, tendo aquele funcionário convencido os embargantes de que o crédito seria concedido naquele regime, pelo que a sua vontade foi viciada por erro, sendo consequentemente o negócio anulável, o que invocaram. Mais alegaram que o documento complementar junto com a execução reveste a forma e substância de um contrato de adesão, sendo que as respectivas cláusulas nunca lhes foram comunicadas, pelo que devem as mesmas ser excluídas do contrato. Invocaram, por fim, que o montante mutuado lhes foi sendo entregue por tranches, e que a C...lhes não entregou a última tranche, no valor de 6.938,20 euros, o que levou a que eles, embargantes, não pudessem terminar a construção da sua casa, justificando a sua recusa de pagamento
1-2- A exequente contestou, dizendo, também em síntese, que os embargantes negociaram a concessão de crédito para construção de habitação própria permanente no regime bonificado, acrescentando que foi esse efectivamente o regime em que o crédito foi concedido, conforme resulta da proposta de crédito que junta, resultando o facto de constar do documento complementar da escritura de mútuo que o crédito era concedido sob o regime geral, de lapso da redacção ou erro de escrita. Mais disse que as cláusulas do contrato de mútuo foram determinadas em concreto pela embargante e pelos embargados, que sempre tiveram conhecimento do teor das cláusulas do referido documento complementar. Mais alegou que nos empréstimos para construção, independentemente de o crédito ter sido concedido no regime geral ou bonificado, os montantes são sempre disponibilizados por tranches, sendo que na primeira fase da execução do contrato apenas haverá lugar ao pagamento mensal de juros calculados à taxa em vigor, sem qualquer bonificação, e que apenas depois de disponibilizada a última tranche, mediante confirmação prévia da execução das obras, se inicia o plano de pagamento em prestações, nos termos contratados, ao qual se aplica então a taxa de juro bonificada. Sucede, que os embargados não aplicaram a totalidade das verbas disponibilizadas na construção da casa, tendo sido por essa razão que a embargada lhes não entregou a última tranche.
Termina pedindo a improcedência dos embargos
1-3- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, em que se julgou improcedentes os embargos quanto ao primeiro e segundo pedidos formulados pelos embargantes, ou seja considerou-se improcedente a invocada anulabilidade do contrato de mútuo em que se funda a execução e decidiu-se que não se podiam qualificar as cláusulas insertas no aludido documento complementar, como cláusulas contratuais gerais, julgando-se, consequentemente, inaplicável ao caso, o regime previsto no art. 8°, al. a), do Dec. Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro.
Em relação ao terceiro fundamento, elaborou-se a base instrutória.
1-4- Não se conformando com esta decisão, dela vieram recorrer os embargantes, recurso que foi admitido como apelação, com subida deferida e com efeito devolutivo.
1-5- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Os embargantes ficaram convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado para a construção da sua habitação, não se podendo concluir que face à escritura junta, bem como no § 2º do ponto G) dos factos assentes que a vontade dos embargantes, na data da celebração da escritura, estava livre, esclarecida e ponderada.
Livre, talvez ponderada, decerto não esclarecida, porque viciada por erro.
2ª- É irrelevante a declaração da embargada, datada de 29-5-2003, no sentido de que aceita o negócio tal como os embargantes o queriam, no regime de crédito bonificado, pois tal pretensão é inviável, porquanto nesta data o crédito bonificado já se havia extinguido por decisão do Ministério das Finanças.
3ª- A declaração constante do art. 10º da contestação e invocada a fls. 4 § 1º da sentença recorrida, apenas vem reforçar o comportamento doloso da embargada, que mesmo sabendo não ser possível, não se coibiu de propor tal solução, mantendo, uma vez mais, em erro os embargantes.
4ª- É assim patente a contradição existente entre a matéria dada como provada e a decisão.
5ª- Resulta provado que a vontade dos embargantes, expressa na escritura em causa, estava viciada por erro, pois a vontade real dos embargantes e a vontade declarada coincidiram, o que não coincidiu foi a vontade negocial e a vontade hipotética que os declarantes teriam se tivessem conhecido o erro, tratando-se, assim, um erro vício.
6ª- Acresce que a embargada criou toda uma série de artifícios no sentido de convencer os embargantes de que estariam a contratar um crédito no regime bonificado, o que conseguiram.
7ª- Resulta dos factos provados que a embargada conhecia a essencialidade para os embargantes, do motivo sobre que incidiu o erro.
8ª- A vontade dos declarantes encontrava-se viciada por erro qualificado nos termos do disposto nos arts. 251º, 253º e 247º do C.Civil, pelo que o negócio a que se reporta a escritura de mútuo é anulável, o que se requereu em sede de embargos.
9ª- As cláusulas que compõem o contrato junto sob o documento complementar, revestem duas características próprias, a imodificabilidade e a pré elaboração, nos termos do art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 25/10.
10ª- Estes contratos consubstanciam uma excepção ao princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405º do C.Civil.
11ª- Os embargantes na peça processual que contém a sua defesa, maxime nos itens 13º a 23º, alegam, quer a pré-elaboração, quer a imodificabilidade, bem como o facto de a embargada nunca lhes ter comunicado o conteúdo vertido no clausulado.
12ª- O tribunal recorrido entende que os contratos de adesão estão submetidos a mais uma característica, a indeterminação, sendo porém certo que, com as alterações introduzidas no dito diploma, deixou de figurar como requisito cumulativo a par dos outros dois, pelo que cai por base a conclusão a propósito de tal requisito vertido no despacho saneador.
13ª- Na dita peça processual, foi alegado, pelos embargantes, a imodificabilidade e a pré-elaboração, tendo em mais de 10 artigos carreado os factos disso demonstrativos.
14ª- Competia ao tribunal recorrido levar tal matéria à base instrutória para se poder aferir da qualificação jurídica do contrato, não estando o tribunal apto para poder qualificar o leque de clausulado vertido no documento complementar que faz parte integrante da escritura.
15ª- Era essencial ao tribunal descortinar se aquele leque de cláusulas foi ou não negociado com os aderentes embargantes e se o clausulado lhe foi comunicado, sendo que essa prova cabe ao pré disponente, que não ao aderente (ex. vi do nº 3 do art. 5º da Lei das Condições Gerias dos Contratos).
Termos em que deve ser anulada a escritura em virtude da vontade negocial dos mutuários se encontrar viciada por erro qualificado por dolo e anulado o despacho saneador e substituído por outro que leva à base instrutória a matéria constante dos itens 13º a 24º da petição de embargos.
1-6- A parte contrária respondeu a estas alegações, sustentando a confirmação da decisão recorrida.
1-7- O processo prosseguiu os seus termos, tendo-se procedido ao julgamento, após o que se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
1-8- Nesta considerou-se os embargos improcedentes por não provados, e em consequência, ordenou-se o prosseguimento da execução.
1-9- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os embargantes, recurso que foi admitido como apelação, tendo-se, nesta instância, atribuído o efeito devolutivo.
1-10- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A sentença viola os arts. 221º nº 1 e 394º nº 1 do C.Civil.
2ª- Nos presentes autos, o tribunal considerou que a embargada iria disponibilizar o montante mutuado aos embargantes por tranches, sendo certo que a última tranche deveria ser disponibilizada ainda antes da celebração da escritura que ocorreu em 13-4-2002.
3ª- É manifesto que tal condição é anterior à escritura, pelo que dela teria que fazer parte integrante certo é que nem essa cláusula consta da escritura de mútuo, nem tão pouco do documento complementar que dela faz parte integrante.
4ª- As declarações verbais acessórias anteriores e contemporâneas ao contrato de mútuo teriam de constar da escritura pública celebrada.
5ª- Constando o contrato de mútuo de escritura forçoso será que todas as estipulações acessórias anteriores ao documento, dele façam parte integrante, sendo certo que serão nulas todas as cláusulas que não obedeçam a tal formalismo.
6ª- Ainda que se entenda que não estamos perante a nulidade da cláusula, o que se não concede, sempre a mesma deve ser considerada inexistente, visto que a mesma resultou do recurso à prova testemunhal.
7ª- Tratando-se tal condição de uma cláusula adicional, não era admissível o recurso a tal meio de prova.
8ª- Tendo ficado provado que a embargada não disponibilizou todo o capital de que os embargantes necessitavam para terminar a construção da casa, resulta que a estes é licito excepcionar a não cumprimento do contrato.
9ª- Por outro lado, como poderiam os embargantes solicitar a licença de habitabilidade, de cuja obtenção a embargada alega depender a colocação à disposição dos primeiros, do restante capital se, como é do conhecimento geral, tal licença só é fornecida quando a obra se encontra concluída.
10ª- Necessitando os embargantes do capital restante para a conclusão das obras e não tendo a totalidade do capital sido colocado à disposição daqueles é patente que, estando perante um contrato sinalagmático, que podem os primeiros excepcionar o cumprimento até que a embargada cumprisse a sua obrigação.
11ª- Impõe-se a revogação da sentença, sendo esta substituída por uma que dê cumprimento às normas legais violadas, nomeadamente uma que não considere a existência de cláusula adicionais à escritura de mútuo, cláusulas essas cuja prova foi realizada mediante recurso a testemunhas, uma vez que tal se encontra legalmente vedado pelo art. 394º nº 1 do C.Civil.
12ª- A sentença dá como provados factos incompatíveis entre si, isto é, ou o crédito concedido era concedido ao abrigo do regime bonificado, ou era concedido ao abrigo do regime legal, mas nunca o poderia ser ao abrigo dos dois.
13ª- Mais uma vez, com recurso à prova testemunhal, se afirma o contrário do que resulta da escritura do mútuo, isto é, os embargantes estavam plenamente convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado para construção da sua habitação, quando da escritura de mútuo consta que crédito é concedido ao abrigo do regime geral.
14ª- Bem sabia a embargada que, para os embargantes, era motivo essencial para a celebração do mútuo que o contrato fosse celebrado ao abrigo do crédito bonificado, sendo certo que nunca contratariam caso assim não fosse.
15ª- Ao resultar provado que os embargantes contrataram tendo tal desiderato em vista e sendo essa essencialidade do conhecimento da embargada, o contrato de mútuo é anulável, anulabilidade essa que expressamente se invoca.
Termos em que, por se encontrarem violadas as disposições legais dos arts. 221º nº 1 e 394º nº 1 do C.Civil, se impõe a revogação da sentença recorrida.
1-11- A parte contrária respondeu a estas alegações, sustentando a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
A) Recurso do despacho saneador:
2-2- Para conhecimento dos pedidos acima mencionados, o tribunal recorrido entendeu como assentes os seguintes factos:
A) A exequente/embargada é uma cooperativa de responsabilidade limitada que tem por objecto o exercício da função de crédito agrícola em favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária – al. A) dos factos assentes.
B) Nos autos apensos de execução, com processo ordinário, que a embargada C... move aos embargantes A... e B..., pretende a embargada/exequente o pagamento coercivo da quantia de 59.873 euros acrescido do montante de 6.359,38 euros de despesas e juros de mora vencidos e ainda dos que se vencerem à taxa de 9,27%.
C) Funda-se a execução na escritura pública outorgada no dia 13 de Abril de 2002, no Cartório Notarial de Ílhavo, pela qual os embargantes, na qualidade de primeiros outorgantes, e a embargada, na qualidade de segundos outorgantes, declararam:
“Que a C..., representada pelos segundos outorgantes, concede aos primeiros outorgantes, e estes aceitam, um empréstimo no montante de treze milhões e quinhentos mil escudos.
Que o empréstimo será liquidado em trezentos e sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas, no valor de setenta mil quatrocentos e vinte e dois escudos, cada, com vencimento inicial um mês após esta data.
Que o empréstimo vence juros à taxa anual de quatro vírgula setenta e cinco por cento, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento, em caso de mora e a título de cláusula penal.
Que o crédito a conceder, respectivos juros e quaisquer outras importâncias em dívida, inerentes à presente operação, consideram-se exigíveis quando os mutuários deixarem de cumprir alguma das obrigações respectivas, incorrendo nas penalidades discriminadas na lei vigente sobre o crédito agrícola.
Que os mutuários obrigam-se ainda ao pagamento de todas as despesas e encargos resultantes do presente contrato, seu registo e distrate, bem como despesas judiciais e extrajudiciais que a C...tenha de suportar para garantia e cobrança dos seus créditos, incluindo despesas com honorários de advogados ou outros mandatários da C...que para efeitos de registo se fixam em um milhão trezentos e cinquenta mil escudos.
D) Declararam ainda, através daquela escritura, os embargantes “que, para garantia do integral pagamento da referida quantia de treze milhões e quinhentos mil escudos, respectivos juros e demais obrigações acessórias, constituem hipoteca a favor da C..., representada pêlos segundos outorgantes sobre o prédio rústico composto de terreno a mato, sito nos Pardeiros, lugar e freguesia de Santa Catarina, concelho de Vagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vagos sob o número mil quatrocentos e vinte e seis, lá registado a favor primeiro outorgante pela inscrição G-um, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4798»
E) Declararam também que “o presente empréstimo se rege pela lei geral e ainda pelas cláusulas constantes do documento complementar anexo a esta escritura que dela faz parte integrante, cujo conteúdo os interessados declaram conhecer e aceitar perfeitamente, pelo que dispensam a sua leitura.”
F) E “que para a C...sua representada aceitam a confissão de dívida e hipoteca nos termos exarados».
G) Do referido documento complementar constam, entre outras, as seguintes cláusulas: Sob a cláusula primeira, que “o empréstimo no montante de treze milhões de escudos é concedido ao abrigo da linha de crédito à Habitação não Bonificado — Regime Geral”.
Sob a cláusula segunda, ponto 2., que “O empréstimo é feito pelo prazo de trinta anos amortizável em trezentas e sessenta prestações, sucessivas e iguais, com vencimento inicial a um mês da data desta escritura, confessando o tomado conhecimento de todas essas prestações através do respectivo mapa de desenvolvimento do empréstimo, que oportunamente lhe foi apresentado”.
Sob a cláusula quinta, ponto 3. que “Nos casos de construção, beneficiação, recuperação e ampliação, poderá ser estabelecido um plano de utilização por tranches (no máximo seis) distribuídas ao longo de um período pré-determinado (que não poderá exceder dois anos) durante o qual apenas haverá lugar ao pagamento mensal de juros calculados para a taxa em vigor para o Crédito à Habitação sobre o capital em dívida. Terminado o período de utilização iniciar-se-á o plano de reembolso no empréstimo previsto na cláusula segunda deste documento”.
H) O empréstimo destinou-se à construção de habitação própria permanente.
L) Os embargantes/executados cumpriram o plano de pagamento convencionado até 13 de Junho de 2002.
J) Ficou estabelecido entre embargantes e embargada que o crédito a conceder por esta seria obtido na modalidade de crédito bonificado, tendo os embargantes ficado plenamente convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado para a construção da sua habitação.
K) A embargada garantiu aos embargantes que estes só começariam a pagar a amortização do capital depois de terem utilizado integralmente o capital mutuado.
L) O capital foi sendo entregue aos embargantes através das seguintes tranches:
- Esc. 3.500.000$00 em 13.04.2000;
- Esc. 1.500.000$00 em 17.10.2000;
- Esc. 3.000.000$00 em 04.01.2001;
- Esc. 2.500.000$00 em 22.03.2001;
- Esc. 1.503.000$00 em 18.06.2002.
M) A embargada não entregou aos embargantes o montante relativo à última tranche, que, conforme o acordado, deveria ser entregue até Abril de 2002.----
2-3- Face às conclusões de recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
-Se o contrato de mútuo é anulável por erro de vontade.
- Se as cláusulas constantes do documento complementar junto à escritura devem ser excluídas do contrato, por força dos arts. 5º, 6º e 8º do Dec-Lei 446/85 de 25/10 ( cláusulas contratuais gerais ).
Na decisão recorrida e para o que aqui interessa, considerou-se que e no que toca à declaração, que está assente que as partes, embargantes e embargada, acordaram que o crédito em causa seria concedido na modalidade de crédito bonificado e que os embargantes tinham ficado plenamente convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado. Resultou também provado que, pese embora esta circunstância, do documento complementar da escritura de mútuo consta que o empréstimo seria concedido sob o regime geral e não sob o regime bonificado. Entendeu-se então que o erro manifesto por banda dos embargantes, incidiu não na formação da vontade, mas sim na respectiva formulação, já que a divergência existente incide sobre a vontade real e a declarada ( ou seja existe divergência entre o que se quis e o que se declarou ) e não entre a vontade real ( coincidente com a declarada ) e uma vontade hipotética que estes teriam tido se não fosse um representação inexacta. Por isso, será inaplicável ao caso, o disposto no art. 253º do C.Civil, ou qualquer outra norma que se reporte ao erro na formação da vontade. A hipótese em apreciação corresponde ao chamado erro na declaração ou erro obstáculo, decorrente do desvio na vontade de acção, que se verifica quando o declarante tem consciência de emitir uma declaração negocial mas, por lapso de actividade ou por «error in judicando» não se apercebe que a declaração tem um conteúdo divergente da sua vontade real. O princípio geral que regula o erro na declaração é o de o negócio será anulável se o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro ( art. 247º do C.Civil ). Todavia preceitua o art. 248º do C.Civil que na hipótese de o declarante aceitar o negócio como o declarante o queria, a anulabilidade fundada em erro não procede, visto que as razões de tutela de boa fé do declaratário que justificam a anulabilidade do negócio não colhem nessa situação. No caso, a embargada aceita expressamente o negócio tal como os embargantes o queriam, afirmando que a divergência assinalada resultou de mero lapso, disponibilizando-se para proceder à rectificação da escritura no que toca à redacção da cláusula primeira do documento complementar. Dos documentos apresentados pela embargada ( não impugnados pelos embargantes ) extrai-se que a referência constante no dito documento complementar consubstancia um erro de escrita. Por isso, se entendeu que a invocada anulabilidade do contrato de mútuo em que se funda a execução não pode proceder.
Os recorrentes entendem que os embargantes ficaram convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado para a construção da sua habitação, não se podendo concluir que face à escritura junta, bem como no § 2º do ponto G) dos factos assentes que a vontade dos embargantes, na data da celebração da escritura, estava livre, esclarecida e ponderada. É irrelevante a declaração da embargada, datada de 29-5-2003, no sentido de que aceita o negócio tal como os embargantes o queriam, no regime de crédito bonificado, pois tal pretensão é inviável, porquanto nesta data o crédito bonificado já se havia extinguido por decisão do Ministério das Finanças. A declaração constante do art. 10º da contestação e invocada a fls. 4 § 1º da sentença recorrida, apenas vem reforçar o comportamento doloso da embargada, que mesmo sabendo não ser possível, não se coibiu de propor tal solução, mantendo, uma vez mais, em erro os embargantes. É assim patente a contradição existente entre a matéria dada como provada e a decisão. Resulta provado que a vontade dos embargantes, expressa na escritura em causa, estava viciada por erro, pois a vontade real dos embargantes e a vontade declarada coincidiram, o que não coincidiu foi a vontade negocial e a vontade hipotética que os declarantes teriam se tivessem conhecido o erro, tratando-se, assim, um erro vício. Acresce que a embargada criou toda uma série de artifícios no sentido de convencer os embargantes de que estariam a contratar um crédito no regime bonificado, o que conseguiram. Resulta dos factos provados que a embargada conhecia a essencialidade para os embargantes, do motivo sobre que incidiu o erro. A vontade dos declarantes encontrava-se viciada por erro qualificado nos termos do disposto nos arts. 251º, 253º e 247º do C.Civil, pelo que o negócio a que se reporta a escritura de mútuo é anulável, o que se requereu em sede de embargos.
Vejamos:
Não existe qualquer dúvida em que os embargantes celebraram o negócio de mútuo a que alude a escritura referenciada na al. C) dos Factos Assentes.
Também não existe qualquer dúvida que, no ponto G) dos Factos Assentes, por tal resultar do documento complementar indicado, se exarou que o empréstimo era concedido sob o regime de crédito à habitação sob regime não bonificado, regime geral.
Deu-se, igualmente, como assente, por acordo das partes, que ficou estabelecido entre embargantes e embargada, que o crédito a conceder por esta, seria obtido na modalidade de crédito bonificado, tendo os embargantes ficado plenamente convencidos de que estariam a contratar um crédito bonificado para a construção da sua habitação.
Em virtude da divergência entre esta circunstância e o facto de se ter exarado naquele documento complementar que o empréstimo era concedido sob o regime de crédito à habitação sob regime não bonificado, regime geral, os apelantes sustentam existir um patente erro entre a vontade declarada e a vontade real, o que torna a declaração anulável, de harmonia com o disposto no art. 247º e 253º do C.Civil.
Foi em virtude desta divergência ( para além de outras causas ) que os apelantes interpuseram os embargos de executado, como se vê pela p.i..
Na sua contestação a embargada aceitou que o crédito em causa foi negociado, como sustentam os embargantes, no regime de crédito bonificado, acrescentado ter sido, efectivamente, esse o regime que foi concedido aos embargantes. Para tal juntou um documento ( plano de reembolso ) onde essa bonificação se demonstra. Concluiu, assim, que a referência naquele documento ao regime não bonificado, se deveu a mero lapso manifesto ( vide contestação ).
Na douta decisão entendeu-se que se provava a posição da embargada, visto que os documentos apresentados por esta, não tendo sido impugnados pela parte contrária, demonstravam que o mútuo foi concedido sob o regime de crédito bonificado. Isto é, segundo a douta decisão, não existe divergência entre o regime do crédito contratado e o efectivamente concedido. Por isso se entendeu não existir o vício de vontade invocado pelos embargantes.
Parece-nos que esta posição é certa. Com efeito, o negócio negociado foi o que, na realidade, acabou por ser concedido, como se prova pela ausência de impugnação de factos e dos documentos apresentados pela embargada nesse sentido. O regime de crédito bonificado, foi o regime efectivamente conferido. Existiu pois, ao referir-se naquele documento, o regime de crédito não bonificado, uma simples discrepância da declaração em relação ao, na realidade, pretendido, ou seja, um elementar erro de escrita, o que, no nosso entender, apenas dá origem à rectificação da declaração, como decorre do disposto no art. 249º do C.Civil, rectificação que, aliás, a embargada pretendeu efectuar, quando se apercebeu da discrepância ( vide contestação ).
Não é, pois, anulável a declaração negocial, pelo que improcede a posição dos apelantes.
Entrando na apreciação da segunda questão acima definida, na douta decisão, sobre o documento complementar junto com a execução que os embargantes sustentam constituir um contrato de adesão, disse-se que, no caso, apesar de os embargantes terem invocado que as cláusulas constantes de tal documento foram pré-elaboradas pela embargante e apresentavam um conteúdo rígido, não invocaram que tais cláusulas eram dirigidas a proponentes ou destinatários indeterminados, sendo que o ónus de alegação e prova pertencia a eles, embargantes. Não tendo invocado tal, não se poderão qualificar as cláusulas desse documento como cláusulas contratuais gerais e, consequentemente, é inaplicável no caso o regime do art. 8º al. a) do Dec-Lei 446/85 de 25/10. Além disso, considerou-se ainda na decisão, que os embargantes não concretizaram que cláusulas pretendem ver excluídas do documento complementar, sendo certo que tais cláusulas são essencialmente idênticas às constantes da escritura pública de mútuo de que o mesmo constitui parte integrante e cujo conteúdo os embargantes não podem desconhecer. Acresce que, no âmbito da escritura, os embargantes declararam que o empréstimo se regia «pelas cláusulas constantes do documento complementar anexo a esta escritura e que dela faz parte integrante, cujo conteúdo os interessados declararam conhecer e aceitar perfeitamente, pelo que dispensam a sua leitura», sendo que não arguíram a falsidade da escritura. Assim e de acordo com o disposto no art. 371º nº 1 do C.Civil, deve ter-se como provado que os embargantes declararam perante notário conhecer e aceitar as cláusulas constantes do documento complementar. Por isso se entendeu e concluiu que este fundamento de embargos também improcede.
No recurso e sobre o assunto os apelantes sustentam as cláusulas que compõem o contrato junto sob o documento complementar, revestem duas características próprias, a imodificabilidade e a pré elaboração, nos termos do art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 25/10. Estes contratos consubstanciam uma excepção ao princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405º do C.Civil. Os embargantes na peça processual que contém a sua defesa, maxime nos itens 13º a 23º, alegam, quer a pré-elaboração, quer a imodificabilidade, bem como o facto de a embargada nunca lhes ter comunicado o conteúdo vertido no clausulado. O tribunal recorrido entende que os contratos de adesão estão submetidos a mais uma característica, a indeterminação, sendo porém certo que, com as alterações introduzidas no dito diploma, deixou de figurar como requisito cumulativo a par dos outros dois, pelo que cai por base a conclusão a propósito de tal requisito vertido no despacho saneador. Na dita peça processual, foi alegado pelos embargantes a imodificabilidade e a pré-elaboração, tendo em mais de 10 artigos carreado os factos disso demonstrativos. Competia ao tribunal recorrido levar tal matéria à base instrutória para se poder aferir da qualificação jurídica do contrato, não estando o tribunal apto para poder qualificar o leque de clausulado vertido no documento complementar que faz parte integrante da escritura. Era essencial ao tribunal descortinar se aquele leque de cláusulas foi ou não negociado com os aderentes embargantes e se o clausulado lhe foi comunicado, sendo que essa prova cabe ao pré disponente, que não ao aderente ( ex vi do nº 3 do art. 5º da Lei das Condições Gerias dos Contratos ).
Também aqui os apelantes carecem de razão. De salientar desde logo que os apelantes não respondem à argumentação da decisão segundo a qual os embargantes não concretizaram que cláusulas pretendem ver excluídas do documento complementar. Também não respondem à observação ( correcta ) proferida no aresto segundo a qual os embargantes declararam, na escritura, conhecer e aceitar perfeitamente o conteúdo do contrato, dispensando a sua leitura, razão por que só invocando a falsidade da escritura conseguiriam colocar em dúvida tal declaração. Tanto bastava para dizer que a posição dos apelantes é absolutamente, improcedente. Entendemos, porém, dizer algo mais.
Na petição de embargos, como se diz no aresto recorrido, na realidade, os embargantes não concretizaram as cláusulas de que não tiveram conhecimento e assim, estamos impedidos de fazer um juízo sobre se as mesmas podem, ou não, ser consideradas cláusulas contratuais gerais. É certo que os embargantes dizem, genericamente, que não tiveram conhecimento das cláusulas constantes do referido contrato, mas esta referência é incorrecta porque, patentemente, pelo menos parte dessas cláusulas, são meras repetições do estipulado na escritura de mútuo ( vide als. C) e G) acima mencionadas ).
Por isso, pode-se dizer que não se entende quais as cláusulas que os embargantes pretendem ver excluídas e porque razão.
Não se concretizando essas cláusulas, é evidente que estamos impedidos de efectuar o pertinente juízo sobre se poderão, ou não, ser englobadas, no disposto no art. 1º do Dec-Lei 446/85 de 25/10. Note-se que só as que não fossem meras repetições do conteúdo da escritura, é que poderiam ser assim consideradas para esse efeito. Isto porque só essas, serão específicas do documento complementar. Acrescentaremos mais, só as próprias desse contrato e que baseassem a execução, é que teriam interesse para a apreciação da sua inclusão, ou não, no regime de cláusulas contratuais gerais.
De salientar ainda que, contra o que os embargantes dizem na sua petição de embargos, não se pode ter como demonstrado que não tiveram conhecimento das cláusulas do contrato, visto que, expressamente, na escritura, declaram conhecê-las e aceitá-las, declaração que tem força probatória plena, porque proferida perante o notário, entidade documentadora ( art. 371º nº 1 do C.Civil ).
Serve isto tudo para dizer que seria ( sempre escusado ) fazer prosseguir o processo, como pretendem os apelantes, dado que não existe matéria alegada em relação ao conteúdo das cláusulas, pelo que nada haveria a indagar e, consequentemente, nunca se poderia efectuar o correspondente juízo sobre a inclusão delas, ou não, no regime das cláusulas contratuais gerais.
A posição dos apelantes é, pois, improcedente.
A apelação é improcedente in totum.
B) Apelação da sentença:
2-4- Como se disse na sentença, o processo prosseguiu, apenas, para apreciação do terceiro fundamento dos embargos ( excepção de não cumprimento do contrato ).
Alegaram os embargantes, que o montante mutuado lhes foi sendo entregue por tranches, e que a embargada lhes não entregou a última tranche, no valor de 6.938,20 euros, o que levou a que eles, embargantes, não pudessem terminar a construção da sua casa, facto esse que justifica a sua recusa de pagamento.
Após a resposta à base instrutória, para além dos factos já enunciados, resultou também provado que:
1- As partes acordaram verbalmente, aquando da negociação dos termos do contrato de mútuo, que veio a ser celebrado por escritura pública de 13 de Abril de 2002, que a última tranche só seria disponibilizada mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel para cujo financiamento o crédito tinha sido concedido – resposta ao artigo 1º da base instrutória.
2- Quando os embargantes solicitaram à embargada o pagamento da última tranche não lhe entregaram a licença de habitabilidade – resposta ao artigo 2º da base instrutória.
3- A embargada enviou então ao local pessoa idónea para a avaliação da obra – resposta ao artigo 3º da base instrutória.
4- A embargante constatou que faltava pintar a casa, que a cave só estava em tijolo, que faltava concluir os beirais no telhado e que os anexos ainda estavam em construção - resposta ao artigo 4º da base instrutória.
Provou-se ainda, para o que aqui interessa, que a embargada não entregou aos embargantes o montante relativo à última tranche, que, conforme o acordado, deveria ser entregue até Abril de 2002 ( alínea M) acima referida ).
2-5- Na douta sentença recorrida, face a estes factos e para o que aqui importa, considerou-se que “os embargantes provaram ter havido incumprimento por parte da embargada, na medida em que esta não lhes entregou o montante relativo à última tranche, que, conforme o acordado, deveria ser entregue até Abril de 2002 (aliás, é a própria embargada que aceita esse facto). Contudo, as partes acordaram verbalmente, aquando da negociação dos termos do contrato de mútuo, que veio a ser celebrado por escritura pública de 13 de Abril de 2002, que a última tranche só seria disponibilizada mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel para cujo financiamento o crédito tinha sido concedido. Ora, os embargantes cumpriram o plano de pagamento convencionado até 13 de Junho de 2002. Por outro lado, o capital foi sendo entregue aos embargantes através das tranches” mas “não entregou o montante relativo à última tranche, que, conforme o acordado, deveria ser entregue até Abril de 2002. Contudo, quando os embargantes solicitaram à embargada o pagamento da última tranche não lhe entregaram a licença de habitabilidade. A embargante, através de um técnico que fez deslocar à obra, constatou que faltava pintar a casa, que a cave só estava em tijolo, que faltava concluir os beirais no telhado e que os anexos ainda estavam em construção. Assim sendo, tendo a embargada afastado a presunção de culpa que sobre si impende em virtude da responsabilidade pelo cumprimento da obrigação que assumiu (atinente à entrega do montante relativo à última tranche), verifica-se que os embargantes não têm o efectivo direito de recusar o cumprimento da sua prestação”. Por isso, se considerou improcedente a excepção de não cumprimento deduzida pelos embargantes, motivo por que os presentes embargos teriam que improceder. Isto é, tendo ficado verbalmente convencionado que a última tranche seria paga mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel para cujo financiamento o crédito tinha sido concedido, pese embora não tivesse entregue aos embargantes a tranche que deveria ser entregue até Abril de 2002, a embargada tinha o direito de recusar o cumprimento da obrigação, motivo por que não ocorre a excepção de não cumprimento deduzida pelos embargantes.
A esta construção, contrapõem os apelantes que o tribunal considerou que a embargada iria disponibilizar o montante mutuado aos embargantes por tranches, sendo certo que a última tranche deveria ser disponibilizada ainda antes da celebração da escritura que ocorreu em 13-4-2002. É manifesto que tal condição é anterior à escritura, pelo que dela teria que fazer parte integrante, sendo certo que nem essa cláusula consta da escritura de mútuo, nem tão pouco do documento complementar que dela faz parte integrante. As declarações verbais acessórias anteriores e contemporâneas ao contrato de mútuo teriam de constar da escritura pública celebrada. Constando o contrato de mútuo de escritura, forçoso será que todas as estipulações acessórias anteriores ao documento, dele façam parte integrante, sendo certo que serão nulas todas as cláusulas que não obedeçam a tal formalismo. A cláusula em causa deve ser considerada inexistente, visto que a mesma resultou do recurso à prova testemunhal. Tratando-se tal condição de uma cláusula adicional, não era admissível o recurso a tal meio de prova. Tendo ficado provado que a embargada não disponibilizou todo o capital de que os embargantes necessitavam para terminar a construção da casa, resulta que a estes, é licito excepcionar o não cumprimento do contrato. Ou seja, segundo os apelantes não seria possível ao tribunal, pelas razões expostas, dar como provado o facto acima referido sob o nº 1, isto é, que a última tranche só seria disponibilizada mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel. Assim, não se podendo dar como provado esse facto e tendo resultado demonstrado que a embargada não disponibilizou a última tranche do capital, resulta que aos embargantes, é licito excepcionar o não cumprimento do contrato.
Vejamos:
Do contrato de mútuo, celebrado por escritura pública, resulta, para além do mais, sob a cláusula quinta, ponto 3. ( do documento complementar ) que “nos casos de construção, beneficiação, recuperação e ampliação, poderá ser estabelecido um plano de utilização por tranches ( no máximo seis ) distribuídas ao longo de um período pré-determinado ( que não poderá exceder dois anos ) durante o qual apenas haverá lugar ao pagamento mensal de juros calculados para a taxa em vigor para o Crédito à Habitação sobre o capital em dívida … “. Ou seja, do próprio contrato resulta que o capital referente ao empréstimo, poderá ser distribuído por tranches, a entregar aos beneficiários ao longo a um determinado período.
Também consta do documento que a última tranche deveria ser entregue até Abril de 2002, tendo-se provado que a embargada não entregou aos embargantes o montante relativo a esta última parcela.
Provou-se, através de prova testemunhal, em julgamento, que as partes acordaram verbalmente, aquando da negociação dos termos do contrato de mútuo, que veio a ser celebrado por escritura pública de 13 de Abril de 2002, que a última tranche só seria disponibilizada mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel para cujo financiamento o crédito tinha sido concedido – resposta ao artigo 1º da base instrutória -.
Será esta cláusula válida e a prova testemunhal será possível, face ao que consta no documento?
São estas as questões que nos são colocadas para apreciação.
Nos termos do art. 221º nº 1 do C.Civil “as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo se a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração”.
Esta disposição respeita à forma das declarações negociais. Assim, prevê quanto às cláusulas verbais acessórias ou adicionais, três hipóteses. As estipuladas antes, as contemporâneas e as posteriores à feitura do documento, considerando as anteriores e contemporâneas nulas, excepto se a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração”. O fundamento desta determinação, assenta no entendimento de que essas cláusulas, se tivessem sido queridas pelos declarantes, não deixariam de ser introduzidas no documento. Não sendo aí colocadas, presume-se que não foram queridas por eles. Já as estipulações verbais posteriores serão válidas, precisamente porque delineadas depois da feitura do documento. Só assim não será, se a razão da exigência da forma as abranger.
Estes entendimentos dizem respeito à validade das cláusulas verbais acessórias, não importando, contudo, a possibilidade de sobre elas incidir prova testemunhal, questão diferente a que se referem os arts. 394º e 395º do mesmo diploma.
No caso vertente, deu-se como provado, em resposta ao ponto 1º da base instrutória, que “as partes acordaram verbalmente, aquando da negociação dos termos do contrato de mútuo, que veio a ser celebrado por escritura pública de 13 de Abril de 2002, que a última tranche só seria disponibilizada mediante a entrega pelos embargados da licença de habitabilidade do imóvel para cujo financiamento o crédito tinha sido concedido”. Quer isto dizer que, pelos próprios termos em que se encontra redigida esta factualidade, a estipulação inerente é anterior à realização do negócio através de escritura pública. Verifica-se, por outro lado, que esta estipulação contraria o que no documento se refere em relação à última tranche ( que, segundo o escrito, deveria ser entregue até Abril de 2002 ).
Nestes contornos, será tal estipulação válida?
A nosso ver, tal cláusula verbal tem que ser considerada nula, dada a circunstância de contrariar, expressamente, o que ficou exarado no documento. Com efeito, nos termos da disposição em análise, serão válidas as cláusulas que constituam estipulações acessórias para além do conteúdo do documento, desde que a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração. Mas as cláusulas que contradigam o conteúdo do documento, não poderão ser consideradas válidas, visto que não poderão ser abrangidas pelo dispositivo em causa ( neste sentido Acs. da Rel. de Lisboa de 14-7-77, Col. Jur. 1977, 657 e de 14-2-1984, Col. Jur. 1984, Tomo 1, 137 e Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª edição, 433 ).
Mas mesmo que tal cláusula fosse válida, a nosso ver, não poderia ser produzida prova testemunhal em relação a ela[11 Sendo a cláusula nula, não haveria de pôr a questão da admissibilidade da prova testemunhal. Fá-lo-emos, porém, para que não fiquem dúvidas.]. Desta forma, entramos na outra questão levantada, que é precisamente a de saber se seria possível incidir sobre tal estipulação, prova testemunhal.
Estabelece o art. 394º nº 1 do C.Civil que “é inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
Face a esta disposição e para o aqui importa, não será possível prova testemunhal em relação a quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico.
Uma convenção contrária ao conteúdo do documento será aquela que contraria, por oposição, o contido nesse escrito. Uma convenção adicional será uma estipulação complementar ao conteúdo do documento. Um ajuste que traz algo de novo ao negócio.
No caso vertente, como já vimos, estaremos perante uma cláusula contrária ao conteúdo do documento, visto que este estipula que a última tranche deveria ser entregue aos embargantes até Abril de 2002 e, contrariando esta estipulação, deu-se como provado que essa última tranche, como ficou verbalmente convencionado, seria paga mediante a entrega, pelos embargantes, da licença de habitabilidade do imóvel.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela ( in C.Civil Anotado Tomo I, pág. 343 ) “a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena, resulta dos artigos 371º e 372º… Aplica-se pois, este artigo apenas às convenções contrárias aos documentos na parte em que estes não têm força probatória plena e às convenções adicionais, ou acessórias, como lhes chama o artigo 221º”.
Portanto perante esta disposição, não será possível fazer prova testemunhal, em relação a qualquer estipulação contrária ao conteúdo dos documentos (e não só em relação à parte em que eles têm força probatória plena – arts. 371º e 372º ). A finalidade do dispositivo é, claramente, evitar que a eficácia do contido num documento escrito possa ser posto em causa através de um meio de prova mais aleatório e inseguro, como é a prova testemunhal.
Apesar da irrestritibilidade da disposição, o Prof. Vaz Serra sustenta, em relação a este dispositivo “a admissibilidade da prova testemunhal em determinadas situações excepcionais: quando exista um começo ou princípio de prova; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e ainda em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova ( vide Rev. de Leg. e de Jur, ano 107º, págs. 311 e segs.)” ( in C.Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Tomo I, pág. 344 ).
Quer dizer que este autor admite a prova testemunhal nas situações excepcionais que indica.
Temos dúvidas que a posição deste Professor seja de aceitar, dado que “a letra do nº 1 do art. 394º é tão explícita e categórica que não pode exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, outro pensamento legislativo que não seja o de proibição absoluta da prova testemunhal, se tiver por objecto convenções contrárias ao conteúdo de documentos autênticos ou particulares, em ordem a defender o conteúdo desses documentos… contra os perigos da precária prova testemunhal ( Ac. do STJ de 26-10-1994, AD. 399º, 356 ).
De qualquer forma, mesmo que a posição daquele Prof. pudesse ser admitida, não se verificam, como é bom de ver, no caso vertente, as situações excepcionais por ele indicadas, pelo que a conclusão seria ( sempre ) a mesma, isto é, de que não é possível prova testemunhal, em relação a quaisquer convenções contrárias ( ou adicionais ) ao conteúdo de documento autêntico.
Assim sendo, mesmo a ser válida a convenção a que se refere o ponto 1º da base instrutória, a produção de prova testemunhal estava vedada e, consequentemente, a respectiva resposta deve ter-se como inválida, ficando a constar a menção da impossibilidade de responder à questão através de prova testemunhal.
Fica, pois, sem efeito, a resposta a tal ponto da base instrutória.
2-5- Ficando sem efeito a resposta a este facto da base instrutória, temos que considerar como assente, em relação à entrega da última tranche, que esta deveria ser paga até Abril de 2002, encontrando-se demonstrado que a embargada não entregou aos embargantes o montante relativo a esta última parcela.
Que consequência a retirar desta omissão da embargada?
Os embargantes defendem, nos embargos, que em virtude de não ter sido entregue, até Abril de 2002, a última tranche, no montante de 6.983,20 euros, não puderam terminar a construção da sua casa, o que lhes causou prejuízo que noutra sede pedirão. Com tal recusa ilegítima, os embargados viram-se impossibilitados de concluir a sua habitação, o que motivou uma recusa legítima no pagamento da prestação, nos termos do art. 428º do C.Civil ( vide arts.31º a 34º da petição de embargos ).
Ao invocarem esta disposição, os embargantes lançam mão da excepção do contrato.
Estabelece o art. 428º nº 1 do C.Civil que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, casa um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
A exceptio non adimpleti contractus de que trata a disposição, é própria dos contratos bilaterais. Para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela ( in C.Civil Anotado Tomo I, pág. 406 ) “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assente o esquema do contrato bilateral … E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º nº 2”.
No caso dos autos, as partes, embargantes e embargada, celebraram o contrato de mútuo titulado pela escritura pública supra referida. Com a celebração do contrato, resultaram obrigações para ambas as partes. Para a embargada, a obrigação de colocar o montante monetário objecto do mútuo, à disposição dos embargantes da forma convencionada. Para os embargantes a obrigação de pagarem o montante emprestado e os respectivos juros, da forma igualmente acordada.
Ficou provado que, em relação à entrega do dinheiro aos embargantes, que este seria colocado à disposição destes por tranches, sendo que a última deveria ser entregue até Abril de 2002, sendo, porém certo que a embargada não entregou aos embargantes o montante relativo a esta última tranche.
Quer dizer, a embargada, C..., não cumpriu integralmente o que havia acordado. Ou seja, não cumpriu inteiramente a sua obrigação.
Por outro lado provou-se que a embargada garantiu aos embargantes que estes só começariam a pagar a amortização do capital, depois de terem utilizado integralmente o capital mutuado. Isto é, só teriam que começar a pagar o empréstimo depois de a globalidade do capital lhes ter sido entregue.
Evidentemente que, não lhe tendo sido entregue todo o capital, foi legitima a recusa dos embargantes em pagar as obrigações a que se vincularam.
Entende-se, porém, que dado que, no caso, existem prazos diferentes para o cumprimento das obrigações[22 Para a embargada até Abril de 2002, para os embargantes depois de lhe ter sido entregue todo o capital.
], não estamos perante um caso de exceptio[33 Note-se que dos próprios termos do mencionado art. 428º nº 1 do C.Civil, resulta que a exceptio depende da não ocorrência de prazos diferentes para o cumprimento das prestações], mas sim perante um verdadeiro caso de mora ( retardamento no cumprimento da obrigação ) por banda da embargada ( art. 804º do C.Civil ).
Pelo lado dos embargantes, dado que o capital não lhes foi entregue na sua totalidade, dependendo o começo do pagamento do empréstimo, desta entrega, dever-se-á concluir que não existe (ainda) qualquer situação de incumprimento por sua parte.
Significa isto que ocorre, na realidade, a inexequibilidade do título, fundamento de oposição à execução a que alude o art. 813º al. a) do C.P.Civil ( na redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei 199/2003 de 10/9 ).
Quer dizer que se bem por estas razões os embargos dos executados se justificaram e, consequentemente, terão que ser considerados procedentes, declarando-se que, não têm os embargantes (ainda) de cumprir as obrigações a que se vincularam através do contrato de mútuo que celebraram.
III- Decisão:
Por tudo o exposto nega-se provimento ao recurso do despacho saneador, confirmando a douta decisão recorrida.
Pelos motivos aduzidos, dá-se provimento ao recurso interposto da sentença, considerando-se:
a) Nula a supra-mencionada cláusula, por contrariar o que no documento se refere em relação à entrega da última tranche do mútuo;
b) Nula a resposta ao ponto 1º da base instrutória, por estar vedada a produção, em relação à matéria, de prova testemunhal, ficando a constar da resposta, tal menção;
c) Os embargos procedentes, declarando-se que não têm (ainda), os embargantes de cumprir as obrigações a que se vincularam através do contrato de mútuo que celebraram.
Custas no 1º recurso pelos apelantes e na 2ª apelação pela apelada.