Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 04/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 490º DO CÓD. PROC. CIVIL
Sumário: No caso de o réu se defender por excepção, o autor não está obrigado a tomar posição sobre tais factos, se os mesmos estiverem em oposição com a versão por ele apresentada na petição inicial, não sendo, portanto, de aplicar o disposto na 1ª parte do nº 2 do artº 490º do Cód. Proc. Civil (ex vi artº 505º), em face da ressalva constante desse mesmo nº 2.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e marido, B..., instauraram, em 13/11/2001, no Tribunal da comarca de Viseu, acção sob a forma de processo sumário contra C... e seu filho D..., casado com E..., peticionando que os réus sejam condenados a reconhecer que o direito de propriedade sobre o prédio descrito no art. 1º da p.i. lhes pertence, abstendo-se estes por qualquer forma de o ofender e violar; a reconhecer que a demarcação entre os prédios de autores e réus é feita pela linha ideal descrita nos arts. 12º a 19º; a demolir parte do muro que construíram, o qual, numa extensão de 25 metros, viola o direito de propriedade dos autores, conforme arts. 24º a 27º; a reconstruir o muro na sua correcta localização, ou seja, seguindo a linha ideal que separa ambos os prédios de autores e réus, tudo conforme descrito nos arts. 12º a 19º; a indemnizar os autores na quantia paga, indevidamente, a título de indemnização, em sede de processo-crime e para a reconstrução de muro em local indevido equivalente a 748,20 euros; a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor dos pinheiros que cortaram equivalente a 99,76 euros.
Para tanto, alegam, em síntese que, são donos do prédio rústico que descrevem no art. 1º da p.i., propriedade que lhes adveio por escritura de doação celebrada em 18/9/95, e do qual, por si e antepossuidores, retiram há mais de 40 anos todas as utilidades, de forma contínua, sem oposição e à vista de toda a gente e na convicção de exercerem direito próprio.
Por seu turno, os réus são donos do prédio referido em 9º da p.i., o qual



na sua estrema norte, sul do terreno dos autores confina com o terreno destes, constituindo uma linha ideal que segue sempre a demarcação fixada por 3 marcos de pedra.
Sucede que, o réu D..., com conhecimento de sua mãe, construiu um muro de separação dos prédios em apreço, mas ocupando parte do prédio pertencente aos autores, desviando-o para norte e para dentro do terreno dos autores, isto em Abril de 1999.
Os autores foram ainda condenados num processo pelo crime de dano no qual pagaram aos réus, como queixosos, a quantia de 748,20 euros, sendo que os réus, pese embora o referido, voltaram a construir o muro, considerando assim os autores que haviam pago a reconstrução do muro em local indevido.
Além disso os réus derrubaram 4 pinheiros que existiam nas estremas dos prédios dos autores, causando a estes um prejuízo de 99,76 euros.
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Os réus contestaram, reconhecendo a propriedade do prédio dos autores mas não as respectivas confrontações, uma vez que a linha divisória entre o prédio dos autores e o prédio dos réus se encontra definida por uma linha quebrada que segue sensivelmente no sentido poente/nascente, depois inflecte no sentido sudoeste/nordeste, em local onde sempre existiu um marco que foi arrancado pelos autores, pelo que o aludido muro se encontra junto à estrema entre os 2 prédios definindo-a perfeitamente, além de impugnarem a generalidade do teor da petição inicial.
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Foi proferido despacho saneador e organizada a selecção dos factos assentes e dos que constituem a base instrutória, com reclamação dos réus, parcialmente deferida.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
1º- Os autores são donos e possuidores de um prédio rústico descrito como composto por terra inculta com pinhal e mato, sito à Cumieira, limite e freguesia do Campo, inscrito na matriz predial respectiva sob o nº1308 e descrito na Conservatória do Registo predial sob o nº3043 – Al. A) dos Factos Assentes.
2º - Por escritura de doação celebrada em 18 de Setembro de 1995, Alberto Ferreira e Margarida de Jesus declararam doar a A..., que por sua vez declarou aceitar, um prédio rústico, composto por terra inculta com pinhal e mato sito à Cumieira, limite e freguesia de Campo inscrito na matriz sob o art. 1308 e não descrito na Conservatória do Registo predial de Viseu – al. B).
3º - Por escritura pública lavrada no dia 11 de Janeiro de 1957, Daniel Martins dos Santos e esposa, Gracinda dos Santos Faria, declararam vender a Alberto Ferreira, que, por sua vez, declarou comprar “uma corte de terra de mato, sito à Cumieira, limite de Maria Madalena, freguesia do Campo” -
al. C).
4º - Os réus são donos de um prédio descrito como terra inculta com pinhal inscrito na matriz rústica sob o art. 1306º dessa freguesia de Campo – al. D).
5º - A estrema norte deste prédio e a estrema sul do prédio referido em A) confinam entre si – al. E).
6º - O réu construiu um muro de blocos de cimento para separação dos prédios aludidos em E), com a extensão total de cerca de 50 metros, em finais do mês de Abril de 1999 – al. F).
7º - O muro aludido em F) inicia-se junto ao arruamento alcatroado, no sentido sudoeste/nordeste, numa extensão de 25 metros – G).
8º - Na sequência do descrito em 6º e 7º os autores requereram a notificação judicial dos réus para em 30 dias reporem a situação existente antes da construção do aludido muro, destruindo-o e construindo outro nos limites que aqueles consideram correctos de ambos os prédios, declarando ainda que caso não o fizessem o fariam eles – al. H).



9º - Apenas a ré recebeu a referida notificação – al. I).
10º - Os autores procederam à demolição de parte do muro – al. J).
11º - Os réus voltaram a construir o aludido muro - al. L).
12º - Por força da prática dos factos aludidos em 10º foi instaurado o processo crime nº504/00 que correu os seus termos no 1º Juízo Criminal deste Tribunal, no qual foi homologado acordo quanto à matéria cível e houve desistência de queixa na parte criminal, conforme fotocópia de fls. 32 e 33 dos autos – al. M).
13º - O prédio referido em 1º confronta a norte com Manuel Simões – Resp. ques. 1º da Base Instrutória.
14º - E confronta do nascente com António Sá – qº. 2º.
15º - E confronta do sul com Maria Ferreira (ré) – qº. 3º.
16º - E confronta do poente com Matias Martins, hoje largo alcatroado pertencente a urbanização ali construída – qº. 4º.
17º - Os prédios aludidos em 1º e 4º, na estrema comum norte são delimitados por uma linha que parte de poente, junto ao largo alcatroado pertencente a urbanização nova ali construída – qº. 8º.
18º - E tal linha dirige-se sensivelmente a direito para nascente até ao prédio que naquele ponto de orientação pertence a António de Sá – qº. 9º.
19º - Tal linha segue a demarcação que era fixada em 3 marcos de pedra, dos quais apenas um subsiste – qº. 10º.
20º - O primeiro dos marcos aludidos em19º encontrava-se a poente dos prédios, junto ao largo alcatroado, onde está o muro referido em 6º - qº. 11º.
21º - O segundo marco encontrava-se sensivelmente a meio da distância percorrida por tal linha – qº. 12º.
22º - O 3º marco encontra-se no extremo nascente junto a um barracão de blocos de cimento pertencente ao referido António Sá – qº. 13º.
23º - O muro aludido em 6º e 7º aumenta a área do prédio dos réus – qº. 14º.
24º - A divisão aludida em 19º até 22º vem de tempos imemoriais – qº. 15º.
25º - Há mais de 40 anos que os autores, por si e por seus antepossuidores, vêm roçando mato e usufruindo da lenha produzidos no prédio identificado



em 1º, considerando a divisão aludida em 19º a 22º - qº.18º.
26º - O descrito em 25º ocorre de forma contínua – qº. 19º.
27º - E ocorre à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – qº. 20º.
28º - Ao praticarem os actos aludidos em 25º, os autores agem na convicção de exercerem um direito próprio – qº. 21º.
29º - A linha divisória entre os prédios aludidos em 2º e 4º inicia-se, a poente, junto ao arruamento alcatroado numa recente urbanização – qº. 23º.
30º - A linha divisória segue depois no sentido poente/nascente, numa extensão de cerca de 25 metros, onde se encontrava um marco divisório –
qº. 24º.
31º - Os réus, por si e por seus antecessores, há mais de 50 anos que cortam matos e lenhas no trato de terreno aludido em 4º - qº. 29º.
32º - O descrito em 31º ocorre à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – qº. 30º.
33º - E ocorre agindo os réus com a consciência de não prejudicarem os direitos de outrem e de estarem a exercer um direito próprio de donos –
qº. 31º.
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Inconformados com a sentença, apelaram os réus, rematando a sua alegação com as seguintes (extensas) conclusões:
1. Ao ser proferido o despacho de fls. 209 e 210 foram mantidos na base instrutória os quesitos 22 a 33º, correspondente aos factos alegados pelos recorrentes nos artºs 14 a 24 da contestação, não obstante reclamação dos mesmos, sendo que tal despacho influi directamente na sentença proferida.
2. Em manifesta violação das normas dos artºs 463º, 487º, nº 2, 490º, 505º e 785º do C. Civil, já que a factualidade neles descrita constitui matéria de excepção à qual os recorridos deveriam ter respondido.
3. Não o tendo feito e não os tendo impugnado, tais factos têm que ser dados como assentes devendo ser proferido acórdão que revogue a sentença proferida, nos termos do artº 712º do C.P.Civil, dando como provados tais factos e julgando inteiramente improcedentes os pedidos formulados pelos recorridos.



4. Até porque tal despacho nem sequer se encontra fundamentado, violando-se expressamente os artºs 158 do C.P.Civil e 205º da Constituição da República.
5. Assim, deverão ser dados como não provados os factos constantes dos artºs 18º a 28º da sentença recorrida, absolvendo-se os recorrentes dos pedidos.
6. Se assim se não entender, atendendo à reclamação apresentada pelos recorrentes deveriam ter sido levados à base instrutória a factualidade descrita nos artºs 21º e 22º da contestação a qual importa para uma boa decisão da causa e apuramento da verdade material.
7. O indeferimento de tal reclamação no despacho de fls 209/210 também não se encontra fundamentado em termos fácticos ou legais, em manifesta desobediência e violação do artº 205 da Constituição e artº 158 do C.P.Civil.
8. Pelo que deverá ser proferido acórdão onde deva ser ordenada a repetição do julgamento ou produção da prova relativa a tal matéria nos do artº 712º do CPCivil.
9. Aquando da resposta à matéria de facto não foi proferida qualquer resposta ao quesito 29 a), matéria essencial para que se pudesse dar como provado a versão dos recorrentes relativa ao trato de terreno em questão, nomeadamente dos actos de posse, para procedência da excepção deduzida pelos recorrentes, com todas as consequências legais daí inerentes.
10. Tal omissão influencia a sentença recorrida e como tal a mesma será nula nos termos do artº 668º, nº 1 al. d), por não se pronunciar sobre tal facto.
11. Entendem igualmente os recorrentes que existem inúmeras contradições na sentença recorrida entre a factualidade dada como provada em si mesmo assim como na fundamentação.
12. Não tendo o Tribunal atendido a todos os elementos de prova, nomeadamente fotografias juntas aos autos pelos recorrentes e documentos juntos na audiência de 17/03/2004, a fls. 248 para prova da matéria alegada nos artºs 22º e 28º, 29º a 33º da base instrutória.
13. Documentos sobre os quais os recorridos não deduziram qualquer oposição, nem tomaram qualquer posição ou resposta.
14. Não devendo dar-se como não provada as respostas aos quesitos 25º a 28º e 22º havendo também contradição na apreciação da prova testemunhal, já que a Mmª Juiz



admite, na sua fundamentação das respostas aos quesitos que a delimitação entre autores e réus foi posta em causa pelas testemunhas dos réus.
15. Havendo igualmente contradição nos factos dados como provados na sentença, nos artºs 19º a 23º, não se esclarecendo que área é que o muro aumenta o prédio dos réus, nem em que parte.
16. Não sendo líquida a matéria dada como provada nos artºs 24º e 28º da sentença recorrida que se encontra em contradição com a matéria constante dos artºs 29º a 33º.
17. Não apreciando o Tribunal todos os elementos de prova nomeadamente os documentos já referenciados não impugnados pelos autores tais como a planta topográfica, em manifesta violação do artº 515º do C.P.Civil, não devendo ter sido dada como provada a matéria constante do artº 33º.
18. Em face da resposta negativa ao quesito 7, existe igualmente contradição quando a decisão recorrida refere que o 3º marco se encontra no extremo poente junto a um barracão de blocos de cimento pertença de António Sá.
19. Não valorando mais uma vez todos os elementos da prova devendo ter sido decidido a delimitação dos prédios entre recorridos e recorrentes da forma alegada por estes.
20. Discordam igualmente os recorrentes do enquadramento jurídico feito pelo Mmº Juiz a quo na sentença recorrida, pois que a presente acção em face dos pedidos formulados pelos autores configura uma verdadeira acção de demarcação e não uma acção de reivindicação.
21. Pois que os recorridos, não obstante pedirem o reconhecimento do direito de propriedade, não reivindicam, ou pedem entrega de qualquer trato de terreno ou que o mesmo faz parte integrante do seu prédio.
22. Apenas pedem ao Tribunal através desta acção, a qual não foi sequer sujeita a registo por não se tratar de uma acção real, a delimitação ou demarcação de extremas entre o seu prédio e o dos recorrentes.
23. Demarcação que foi devidamente impugnada pelos recorrentes excepcionando estes a posse do seu prédio até aos precisos termos em que alegam ser a linha divisória de ambos os prédios, nos termos dos artºs 16º a 24º da sua contestação.
24º. Assim, deveria o Mmº Juiz ter decidido em conformidade com as normas dos artºs 1353º e 1354º do C. Civil, normas que foram violadas.


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Os autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Como é sabido, a delimitação do objecto do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).

I – Começam os recorrentes por afirmar que, tendo alegado matéria de excepção nos artºs 14º a 24º da contestação (integrada na base instrutória sob os quesitos 22º a 33º), à qual os recorridos não responderam, deveriam tais factos ter sido dados como assentes - o que não veio a suceder, não obstante reclamação sua nesse sentido -, devendo ser dados como não provados os factos constantes dos artºs 18º a 28º da sentença (correspondentes às respostas aos quesitos 9º a 15º e 18º a 21º da Base Instrutória), absolvendo-se os recorrentes dos pedidos.
Naqueles artigos da contestação invocam os réus actos de posse de determinada área de terreno como parte integrante do seu prédio, que adquiriram por sucessão e usucapião, pretendendo, assim, na sua reclamação, que tais factos fossem considerados como factos assentes, por falta de impugnação.
O Sr. Juiz indeferiu a reclamação, nessa parte, por se lhe afigurar não assistir razão aos réus, em virtude de a matéria em questão estar em manifesta contradição com a versão apresentada pelos autores na petição inicial (cf. artºs 4º a 6º, 8º e 31º).
A reclamação foi bem indeferida.
Com efeito, os réus defenderam-se por impugnação, uma vez que, com a alegação constante dos artºs 14º a 24º da contestação, tem de se considerar



(subentendendo-se) que eles pretendem afirmar que os factos articulados na petição não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelos autores – efeito esse que é o de os autores terem adquirido o trato de terreno em questão por usucapião, por terem exercido sobre ele actos de posse, visto serem eles, réus, que exerceram actos de posse sobre tal terreno, tendo-o o adquirido por usucapião (cfr. artº 487º, nº 2).
Mas, ainda que se entenda que estamos perante defesa por excepção, não estavam os autores obrigados a tomar posição sobre tais factos, em virtude de os mesmos estarem em oposição com a versão por eles apresentada na petição inicial, tal como se decidiu no despacho que apreciou a reclamação, não sendo, portanto, de aplicar o disposto na 1ª parte do nº 2 do artº 490º (ex vi artº 505º), em face da ressalva constante desse mesmo nº 2.
Por isso, bem se decidiu no aludido despacho em indeferir a pretendida inclusão nos Factos Assentes dos factos constantes dos artºs 14º a 24º da contestação.
E também por isso, não há que dar como não provados os factos constantes das respostas aos quesitos 9º a 15º e 18º a 21º, como pretendem os recorrentes.

Dizem estes que, se assim se não entender, atendendo à reclamação por eles apresentada, deveria ter sido levada à base instrutória a factualidade descrita nos artºs 21º e 22º da contestação, a qual importa para uma boa decisão da causa e apuramento da verdade material.
Tal pretensão não pode, contudo, ser provida, uma vez que aqueles artigos não contêm factos, limitando-se a remeter para o que já consta dos artºs 16º a 18º da contestação, e que foi incluído na Base Instrutória.

Alegam, também, os recorrentes que tal despacho não se encontra fundamentado, violando-se expressamente os artigos 158º do C.P.Civil e 205º da Constituição da República.
Estas normas exigem, efectivamente, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo sejam sempre fundamentadas.



Por outro lado, os artºs 666º, nº 3, e 668º, nº 1, al. b), estabelecem que são nulos a sentença ou o despacho que não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No entanto, é preciso realçar que a lei só comina a nulidade em relação às decisões judiciais absolutamente carecidas de fundamentação, e não àquelas cuja fundamentação é deficiente, errada ou medíocre (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, bem como, ente outros, os Acs. do Trib. Const. de 02/06/1992, BMJ 418º-904, do S.T.J. de 30/10/1996, http://www.dgsi.pt, e de 22/01/1998, BMJ 473º-427, da R.L. de 18/12/1997, CJ, T5-126, e da R.P. de 02/03/1998, http://www.dgsi.pt,).
Analisando o despacho em questão, verificamos que o mesmo se encontra minimamente fundamentado, cumprindo, portanto, a exigência prevista naqueles normativos, não sofrendo, assim, da nulidade apontada.
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II – Alegam, depois, os recorrentes que aquando da resposta à matéria de facto não foi proferida qualquer resposta ao quesito 29º a). Em seu entender, tal omissão influencia a sentença recorrida e como tal a mesma será nula, nos termos do artº 668º, nº 1, al. d), por não se pronunciar sobre tal facto.
O artº 653º (sob a epigrafe “Julgamento da matéria de facto”) dispõe, no seu nº 2, que a decisão proferida sobre a matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados.
O nº 4, por sua vez, estatui que, após a leitura do acórdão pelo presidente, este o facultará para exame a cada um dos advogados e que, feito o exame, qualquer deles pode reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a sua falta de motivação. Apresentadas as reclamações, o tribunal reunirá de novo para se pronunciar sobre elas.
A omissão da decisão sobre determinada matéria de facto constante da Base Instrutória, traduz uma deficiência dessa decisão, sendo uma nulidade secundária, que, segundo essa norma (nº 4 do artº 653º), deve ser objecto imediato de reclamação, sob pena de se considerar sanada (cfr. artºs 201º e 205º).




No presente caso, a decisão proferida sobre a matéria de facto omitiu a resposta ao quesito 29º a) da Base Instrutória.
Tal decisão foi proferida em 01/04/2004 e, como se referiu no relatório, não foi objecto de qualquer reclamação por parte dos réus, pelo que se encontra sanada a aludida irregularidade.
A omissão em causa não pode, de forma alguma, conduzir à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já que esta diz respeito às questões apresentadas pelas partes nos articulados e não aos factos constantes desses mesmos articulados.
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III – Alegam, também, os recorrentes que existem inúmeras contradições na sentença recorrida entre a factualidade dada como provada em si mesma, assim como na fundamentação.
Parece-nos que a argumentação dos recorrentes padece de alguma confusão, pretendendo eles impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e não a sentença, que são actos processuais distintos, proferidos, normalmente, também, em momentos diversos, como resulta com clareza dos artºs 653º e 658º.
Assim, dizem os recorrentes que o Tribunal não atendeu a todos os elementos de prova, nomeadamente fotografias juntas aos autos pelos recorrentes e documentos juntos na audiência de 17/03/2004, para prova da matéria alegada nos artºs 22º e 28º, 29º a 33º da Base Instrutória, documentos sobre os quais os recorridos não deduziram qualquer oposição.
As fotografias e os documentos a que os recorrentes fazem alusão são documentos particulares que não são da autoria dos autores.
Por isso, não fazem eles prova do seu conteúdo, sendo apreciados livremente pelo julgador (cfr. artºs 363º, 374º e 376º do Código Civil), de acordo com o princípio da livre apreciação das provas estabelecido no nº 1 do artº 655º, não sendo, por isso, de criticar a decisão do Mmº Juiz a quo de não valorar os referidos documentos.
E também este Tribunal da Relação não pode alterar as respostas àqueles quesitos da Base Instrutória, nos termos do artº 712º, uma vez que foram inquiridas diversas testemunhas à matéria constante desses quesitos (v. Daniel dos



Santos, Joaquim dos Santos, João Ferreira, Alberto Ferreira, Carlos Cunha, João Almeida – qºs 29º a 33º, Gracinda Barbosa - qºs 22º e 33º, e Severino Sousa - qº 28º), sem que os depoimentos tenham sido gravados, ignorando-se, portanto, o que disseram tais testemunhas sobre essa matéria.
E com base só nas fotografias e nos aludidos documentos não é possível alterar as respostas a tais quesitos, visto tais elementos não imporem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, como é exigido pelo artº 712º, nº 1. al. b).

Por não ter havido gravação da prova também não é possível a este Tribunal pronunciar-se acerca da contradição que os recorrentes afirmam existir na apreciação da prova testemunhal.

Dizem os recorrentes que há igualmente contradição nos factos dados como provados na sentença, nos artºs 19º a 23º, não se esclarecendo que área é que o muro aumenta o prédio dos réus, nem em que parte.
É absurda esta afirmação dos recorrentes, uma vez que a contradição (entendido este conceito no sentido preconizado pelo Prof. Alberto dos Reis, Ob. cit., vol. IV, pág. 553 – a resposta ou respostas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros) impõe que haja colisão entre as respostas constantes de quesitos diferentes, não esclarecendo aqueles entre que respostas se verifica tal contradição.
Por outro lado, se não se esclarece, nas respostas, em que área e em que parte o muro aumenta o prédio dos réus, podemos estar perante respostas deficientes, mas não contraditórias.

Alegam, ainda, os recorrentes que não é líquida a matéria dada como provada nos artºs 24º e 28º da sentença recorrida, que se encontra em contradição com a matéria constante dos artºs 29º a 33º.
Não existe a contradição invocada.
Com efeito, no artº 24º (que corresponde à resposta dada ao quesito 15º da Base Insterutória) diz-se que a divisão aludida em 19º a 22º - divisão entre o prédio



dos autores e o prédio dos réus – vem de tempos imemoriais, e no artº 28º (correspondente à resposta ao quesito 21º) refere-se que, ao praticarem os actos aludidos em 25º, os autores agem na convicção de exercerem um direito próprio.
Nos artºs 29º e 30º (correspondentes às respostas aos quesitos 23º e 24º), esclarece-se a forma como a linha divisória entre o prédio dos autores e o prédio dos réus se processa em determinada extensão
Nos artºs 31º a 33º (que correspondem às respostas aos quesitos 29º a 31º) alude-se aos actos de posse exercidos pelos réus no seu prédio – delimitado este, subentenda-se, pela forma descrita nos artºs 17º a 22º (correspondente às respostas aos quesitos 8º a 13º)..
Não se descortina, nem os recorrentes esclarecem minimamente, onde está a contradição invocada.

Afirmam, também, os recorrentes que, em face da resposta negativa ao quesito 7º, existe contradição quando a decisão recorrida refere que o 3º marco se encontra no extremo poente junto a um barracão de blocos de cimentos pertença de António Sá.
Sem razão, no entanto.
Independentemente de os recorrentes não identificarem a resposta do quesito com a qual a resposta ao quesito 7º se encontra em contradição, há que tomar em consideração que uma resposta negativa não entra em contradição com qualquer outra, uma vez que dela não se pode considerar provado o facto quesitado, nem o facto contrário, tudo se passando como se tal facto não tivesse sido articulado (cfr. Acs. do S.T.J. de 05/06/1973, de 04/06/1974 e de 26/06/1991, in BMJ 228º-195, 238º-211 e 408º-581).
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IV – Finalmente, alegam os recorrentes que discordam do enquadramento jurídico feito pelo Mmº Juiz a quo, pois que a presente acção, em face dos pedidos formulados pelos autores, configura uma verdadeira acção de demarcação e não uma acção de reivindicação, pelo que deveria o Mmº Juiz ter decidido em conformidade com as normas dos artºs 1353º e 1354º do Código Civil.


Na sentença recorrida, depois de se proceder à distinção entre acção de reivindicação e acção de demarcação, conclui-se que é pela posição assumida na petição inicial que se definirá qual a acção correcta: na primeira pedir-se-á o reconhecimento do direito de propriedade sobre parcela de terreno definida e já delimitada, sem dúvidas para o autor, enquanto na última terá de alegar-se a existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes e a existência de dúvidas quanto a extremos divisórios. No presente caso, decorre da petição inicial que, para os autores a linha divisória já vem desde tempos imemoriais, pelo que a acção se configurará, do ponto de vista dos autores, como uma acção de reivindicação.
Confirmamos inteiramente a sentença recorrida, no que a esta questão de direito diz respeito, remetendo para os respectivos fundamentos, fazendo uso da faculdade conferida pelo nº 5 do artº 713º.
Com efeito, para estarmos perante uma acção de demarcação, como pretendem os recorrentes, era necessário que houvesse dúvidas acerca dos limites dos prédios confinantes (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág. 179, e Prof. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, pág. 77), o que, no presente caso, não sucede em relação aos autores, como ressalta com clareza da petição inicial, e, nomeadamente, dos pedidos por eles formulados.
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Assim, e porque improcedem todas as conclusões da alegação dos recorrentes, e porque não violou a sentença recorrida as disposições dos artigos aí mencionados ou quaisquer outras, não poderá deixar de ser negado provimento ao recurso.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida e condenando os recorrentes nas custas.