Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2919/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: DESTITUIÇÃO DE GERENTE
EXONERAÇÃO DE SÓCIO EM SOCIEDADES COMERCIAIS
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Área Temática: CÓDIGO CIVIL; CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Legislação Nacional: ARTS. 257º Nº 1, 2, 5 E 7, 246° N° 1 AL. D), 241º N° 1, 242° N° 1, 3° N° 2 DO C.S.COMERCIAIS E ART. 1005º N° 3 DO C.CIVIL
Sumário:
I- Numa sociedade com apenas dois sócios, se o motivo de destituição do gerente for a de justa causa, a mesma só poderá ser decidida em acção judicial. No caso porém de não se invocar a justa causa, a destituição poderá ser decidida por mera deliberação social.
II- Um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e nos termos previstos na lei ou fixados no contrato. Pode, além disso, ser excluído por decisão judicial quando o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, cause a esta ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes.
Por isso é necessário aqui justificar-se a razão da exclusão de sócio. Isto é, no caso de deliberação social, é necessário invocar-se os termos da lei ou do contrato em que se funda a deliberação.
III- Existindo apenas dois sócios, só através de decisão judicial é que se poderá decidir a exclusão. Isto porque não existindo disposição expressa sobre o assunto no C.S.C., nos termos do art. 3° n° 2 deste diploma deve valer o que estabelece o art. 1005º n° 3 do C. Civil, segundo o qual "se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal'.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- José ..., residente em Vivenda 3, Santo Antão, Batalha, propõe contra a Pires ..., Ldª, com sede em Alto Vieiro, Parceiros, Leiria, a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, pedindo se suspenda a execução das deliberações constantes da convocatória do sócio Carlos Pires cuja cópia juntou.
Fundamenta o seu pedido, no facto de a Assembleia Geral da Sociedade que indica, ter tomado deliberações que ele, requerente, considera inválidas, razão por que pede que tal se suspendam essas deliberações.
1-2- A requerida contestou impugnando os factos mencionados no requerimento inicial e sustentando, em síntese, que as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Sociedade, são válidas.
1-3- Por despacho judicial de 6-5-03, a requerida foi notificada para vir regularizar o mandato judicial conferido ao senhor advogado que subscreveu a contestação, com ratificação do processado ( despacho de fls. 66 ).
1-4- Entretanto foi proferida decisão em que se julgou improcedente a providência cautelar intentada.
1-5- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer o requerente, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-6- A requerida veio, entretanto, juntar a procuração de fls. 79, com ratificação do processado.
1-7- Não se conformando com a decisão que notificou a requerida para regularizar o mandato, dela veio recorrer o requerente, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-8- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis ( quanto ao recurso referido em 1-7 ):
1ª- O despacho recorrido ordenou a notificação da requerida para em 10 dias regularizar o mandato conferido, pela assinatura de procuração e ratificação do processado pelo gerente nomeado na acta nº 25, ou seja, o Sr. João ....
2ª- Este despacho viola o disposto no nº 1 do art. 396º do C.P.C. 3ª- É que o despacho, ao considerar gerente o João ..., executa a deliberação que, por força da providência requerida, está suspensa.
4ª- Enquanto não houver, como ainda não há, decisão com trânsito em julgado, as deliberações tomadas na Assembleia do dia 18-10-02, estão suspensas.
Temos em que deve revogar-se o despacho recorrido.
1-7- O recorrente, quanto ao agravo em relação ao indeferimento da providência alegou também, tendo retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A douta decisão foi proferida sem que o mandato conferido pela requerida estivesse regularizado.
2ª- A decisão data do dia 6-5-03, sendo que da mesma data é o despacho de fls.66 que concede o prazo de 10 dias para a requerida regularizar o mandato.
3ª- A decisão é pois proferida num momento em que não se sabia se o mandato iria ser regularizado se não.
4ª- Não obstante a junção aos autos de procuração ratificativa do processado, o requerente interpôs recurso do despacho de fls. 66 que foi recebido como agravo, com efeito suspensivo, o que significa que a decisão recorrida se encontra fundamentada em factos que, na procedência do recurso, podem ser considerados não escritos.
5ª- A decisão recorrida conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo nula nos termos do art. 668º nº 1 al.d) do C.P.Civil.
6ª- Os pontos 5 e 6 dos factos provados, atento o alegado nos articulados e a impugnação expressa das actas nºs 24 e 25 juntas aos autos, não podem considerar-se como confessadas pelas partes.
7ª- O que significa que havendo matéria controvertida, o tribunal não estava em condições de conhecer imediatamente do mérito da causa, impondo-se a realização da audiência final para a produção das provas requeridas.
8ª- A decisão recorrida não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 257º nº 5, 241º e 242º do C.S.C.
9ª- Ao contrário do decidido, a deliberação de destituição do requerente como gerente é anulável, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 58º do C.S.C., por violação do disposto no nº 5 do art. 257º do mesmo diploma.
10ª- A exclusão do requerente como sócio é também, atento o disposto na al. a) do art. 58º do C.S.C., anulável, por violação do disposto no art. 242º do C.S.C.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, declarando-se nula a decisão recorrida, ou, caso assim se não entenda, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue a providência procedente ou ordene a produção da prova requerida.
1-8- A parte contrária não respondeu a estas e aquelas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º n.º 3 do C.P.Civil ).
A) Agravo interposto da decisão que notificou a requerida para regularizar o mandato:
2-2- É do seguinte teor o despacho recorrido:
A requerida conforme resulta da decisão registral da sua existência, obriga-se mediante a assinatura de dois gerentes. A mesma tem dois gerentes, o sócio-gerente que assinou a procuração junta aos autos e o gerente nomeado por deliberação social -acta nº 25-. Assim sendo, notifique-se a requerida para em 10 dias vir aos autos regularizar o mandato judicial conferido, pela assinatura da procuração e ratificação do processado pelo outro gerente - art. 40º nºs 1 e 2 do C.P.Civil-.”.
Quer isto dizer que o Mº Juiz, constatando ( no seu entender ) a irregularidade do mandato judicial conferido, notificou a parte para regularizar tal mandato com ratificação do processado. Baseou-se para ordenar tal diligência, no disposto no art. 40º nºs 1 e 2 do C.P.Civil.
E diga-se desde já que, sob o ponto de vista formal, o Mº Juiz agiu correctamente, já que o mencionado art. 40º nº 1 estabelece que a insuficiência ou a irregularidade da procuração, podem, em qualquer altura do processo, serem suscitadas, oficiosamente, pelo tribunal, donde se conclui que cabe ao juiz a todo o tempo, suscitar essas faltas e providenciar pelo suprimento delas, com ratificação do processado ( nº 2 do mesmo artigo ).
Significa disto que, formalmente, o Juiz não ordenou algo que funcionalmente lhe fosse vedado.
Questão diversa é o saber-se se, substancialmente, a decisão do juiz foi correcta.
E é aqui que o agravante discorda da posição assumida pelo Exmº Magistrado. É que, no seu entender, o despacho viola o disposto no nº 1 do art. 396º do C.P.C. porque, ao considerar gerente o João Baptista dos Santos, executa a deliberação que, por força da providência requerida, está suspensa. Enquanto não houver, como ainda não há, decisão com trânsito em julgado, as deliberações tomadas na Assembleia do dia 18-10-02, estão suspensas.
Somos em crer que o agravante carece de razão. É que, contra o que defende, a deliberação que nomeou gerente a mencionada pessoa não estava suspensa na altura em que foi proferido o despacho. O presente procedimento cautelar visa precisamente a suspensão dessa deliberação. Mas obviamente enquanto não for decretado, a deliberação mantém-se. Mantendo-se válida na altura do despacho, substancialmente, este justificou-se.
O art. 396º nº 1 do C.P.Civil, a que o agravante apela para sustentar a sua posição, apenas enuncia os pressupostos e as formalidade necessários para se deduzir o pedido de suspensão de deliberações sociais. De forma alguma se pode defender que esta disposição comporta, pelas simples dedução de um pedido de suspensão de deliberação social, que essa deliberação fica desde logo suspensa. A suspensão, repete-se, só se verificará, caso o procedimento seja deferido.
O agravo não pode pois ser provido.
B) Agravo interposto da decisão que indeferiu o procedimento:
2-3- Na douta decisão recorrida deram-se por assentes os seguintes factos:
1) A requerida é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto é a indústria de bate-chapas, serralharia e compra e venda de carros usados, o seu capital realizado é de 5.000 Euros, dividido em duas quotas, uma de 2.750 Euros pertença do sócio Carlos Manuel ... e outra de 2.250 Euros pertença do requerente, José ....
2) A gerência é de ambos os sócios e a assinatura de ambos obriga a sociedade.
3) O requerente e sócio da requerida, José ..., convocou uma Assembleia Geral da requerida para o dia 18-10-2002, pelas 19 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
1- Análise e deliberação sobre o comportamento do gerente e sócio Carlos Manuel ... e sua eventual destituição.
2- Nomeação de novo gerente para a sociedade.
3- Deliberar sobre a exclusão do sócio Carlos Manuel ... e ainda deliberar conceder poderes à sociedade para intentar uma acção nesse sentido contra o sócio Carlos Manuel ... e ainda para lhe amortizar a quota.
4- Deliberar conceder poderes à gerência da sociedade para intentar uma acção contra o sócio Carlos Manuel ... pelos prejuízos causados à sociedade.
5- Análise de outros assuntos com interesse para a sociedade.
4) Para esse mesmo dia mas pelas 20 horas, o sócio Carlos Pires também convocou uma Assembleia Geral da requerida, com a seguinte ordem de trabalhos:
1- Destituição de gerente do sócio José ....
2- Nomeação para gerente da sociedade, o Exmº Senhor João ....
3- Deliberar sobre a exclusão do sócio José ... e ainda deliberar conceder poderes à sociedade para intentar uma acção nesse sentido contra o sócio José ... e ainda para lhe amortizar a quota.
4- Deliberar conceder poderes à gerência da sociedade para intentar uma acção contra o sócio José Vieira Pires pelos prejuízos causados à sociedade, resultante da concorrência desleal.
5- Analisar o comportamento do técnico de contas da sociedade, José Gomes, pelo facto de se recusar a entregar a contabilidade da sociedade e ainda deliberar conceder poderes à sociedade para proceder judicialmente contra o técnico de contas e ainda participar à respectiva Associação.
6- Análise de outros assuntos com interesse para a sociedade.
5) A Assembleia Geral designada para as 19 horas do dia 18-10-02 realizou-se, conforme consta da acta nº 24 junta a fls. 34 destes autos e todos os pontos da ordem de trabalhos foram recusados, com os votos favoráveis do sócio José Pires e os votos contra do sócio Carlos Pires.
6) A Assembleia Geral designada para as 20 horas do mesmo dia também se realizou, conforme consta da acta nº 25 junta a fls. 35 destes autos, com a presença de ambos os sócios, tendo todos os pontos da ordem de trabalhos sido aprovados com os votos favoráveis do sócio Carlos Pires e votos contra do sócio José Pires.
7) Ambas as actas foram apenas assinadas pelo sócio Carlos Pires.
8) O sócio José Vieira Pires foi, em 8-11-02, notificado, por via de notificação judicial avulsa que lhe foi dirigida pala requerida, efectuada pelo tribunal da comarca de Porto de Mós, para no prazo de 15 dias, se deslocar à sede da empresa e aí assinar as referidas actas.----------------------------------------------------------
2-4- Perante estes factos considerou-se na douta decisão recorrida, em síntese, que estava em causa no presente procedimento cautelar, a verificação se as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Sociedade de 18-10-02 pelas 20 horas e presidida pelo sócio Carlos Pires, por força do disposto no art. 248º nº 4 do C.S.C. são inválidas por contrárias à lei e, como tal, anuláveis, de harmonia com o disposto no art. 58º nº 1 al. a) do mesmo diploma. Considerou-se que, face à forma como foi convocada a Assembleia, a destituição do sócio José Pires ( o requerente ) podia ser efectuada validamente por mera deliberação social, nos termos da dita disposição e no art. 246º nº 1 al. d) do C.S.C.. Entendeu-se ainda e quanto à maioria necessária para aprovação da proposta, que ela se alcançou validamente, pelos votos maioritários favoráveis do sócio Carlos Pires, pois o pacto social não impõe a maioria qualificada para tal situação ( art. 250º do mesmo diploma ). Assim concluiu-se que in casu foi validamente deliberado, por maioria simples dos votos, a destituição do requerente de gerente da requerida. No que toca à exclusão de sócio do requerente, referiu-se que por força do disposto nos arts. 241º nº 1 e 246º nº 1 do C.S.C., a exclusão pode ter lugar por deliberação social por deliberação social, nos casos previstos na lei ou nos fixados pelo contrato social, estando o sócio cuja exclusão se delibera excluído de votar tal matéria ( art. 251º nº 1 al. d) do mesmo diploma ). Para tal deliberação ser validamente tomada basta a simples maioria do capital social, pelo que no caso vertente foi validamente deliberado por maioria simples dos votos a exclusão do requerente de sócio da requerida. Acrescentou-se ainda que e quanto às deliberações tomadas em tal Assembleia, que o sócio Carlos Pires não estava impedido de nela participar, já que os pontos da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada nesse dia pelas 19 horas nunca poderiam ser aprovados com os votos favoráveis apenas do requerente, já que, com esses votos, nunca poderia alcançar a maioria simples do capital social necessária para aprovação de qualquer das matérias a deliberar. Daí que o sócio Carlos Pires na Assembleia das 20 horas mantinha todos os poderes de sócio maioritário e gerente da sociedade requerida. Por isso, não se considerando inválidas as deliberações tomadas na Assembleia realizada pelas 20 horas, a providência cautelar foi julgada improcedente. Acrescentou-se ainda que no requerimento inicial da providência deveria alegar-se factos concretos donde se pudesse aferir a existência de prejuízos causados pelas deliberações, pois só nessas condições o procedimento poderia ser decretado. Como o requerente não alegou aí esses factos, também por aí o procedimento cautelar deveria ser julgado improcedente.
No agravo o agravante começa por sustentar que a douta decisão foi proferida sem que o mandato conferido pela requerida estivesse regularizado. A decisão data do dia 6-5-03, sendo que da mesma data é o despacho de fls.66 que concede o prazo de 10 dias para a requerida regularizar o mandato. A decisão é pois proferida num momento em que não se sabia se o mandato iria ser regularizado se não. Não obstante a junção aos autos de procuração ratificativa do processado, o requerente interpôs recurso do despacho de fls. 66 que foi recebido como agravo, com efeito suspensivo, o que significa que a decisão recorrida se encontra fundamentada em factos que, na procedência do recurso, podem ser considerados não escritos.
O agravante tem aqui razão, se bem que essa razão não lhe possa trazer qualquer resultado positivo, como iremos ver.
Com efeito, quando a decisão recorrida foi proferida ainda não tinha sido regularizado o mandato, conforme foi ordenado pelo despacho de fls. 66 já mencionado. O mandato foi apenas regularizado depois de ter sido proferida a decisão, isto é, através de procuração entrada em juízo em 12-5-2003 ( fls. 79 ). A nosso ver, o Mº Juiz antes de proferir decisão, deveria aguardar o prazo que concedeu para a tal regularização e caso isso não fosse feito, então deveria dar sem efeito tudo o que o mandatário tivesse praticado, com as demais consequências definidas no nº 2 do art. 40º do C.P.Civil. Não podia antes, prosseguir com o processo, tomando conhecimento da posição assumida pela requerida na contestação, já que nessa altura não podia saber se não teria que dar sem efeito essa oposição, o que sucederia se o mandato não fosse regularizado.
O certo é que proferiu a decisão sem que essa regularização tivesse tido lugar, se bem que a mesma foi efectuada posteriormente.
Que consequência retirar destas circunstâncias ?
A nosso ver, ao prosseguir com o processo sem que a ordenada regularização se tivesse efectuado, o Mº Juiz cometeu uma irregularidade que, porém, não constitui nulidade visto que, ao regularizar-se o mandato, a falta deixou de poder influir no exame e decisão da causa, sendo também certo que a lei não a tipifica como nulidade ( art. 201º nº 1 do C.P.Civil ).
Temos pois como irrelevante a apontada irregularidade, pelo que se mantém válida a decisão.
No que diz respeito ao teor do despacho de fls. 66 e à sua bondade intrínseca, já acima nos referimos.
2-5- Sustenta depois e de essencial que a decisão recorrida não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 257º nº 5, 241º e 242º do C.S.C. (diploma de serão as disposições a referir sem menção de origem ). Ao contrário do decidido, a deliberação de destituição do requerente como gerente é anulável, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 58º, por violação do disposto no nº 5 do art. 257º. A exclusão do requerente como sócio é também, atento o disposto na al. a) do art. 58º, anulável, por violação do disposto no art. 242º.
Aqui o agravante impugna o que a douta decisão recorrida diz sobre o assunto.
Recorde-se que a decisão considerou que, face à forma como foi convocada a Assembleia, a destituição do sócio José Pires ( o requerente ) podia ser efectuada validamente por mera deliberação social, nos termos da dita disposição e no art. 246º nº1 al. d), afastando-se a necessidade da destituição ser proferida pelo tribunal. Entendeu-se ainda e quanto à maioria necessária para aprovação da proposta, que ela se alcançou validamente, pelos votos maioritários favoráveis do sócio Carlos Pires, pois o pacto social não impõe a maioria qualificada para tal situação ( art. 250º ). Assim concluiu-se que in casu foi validamente deliberado, por maioria simples dos votos, a destituição do requerente de gerente da requerida. No que toca à exclusão de sócio do requerente, referiu-se que por força do disposto nos arts. 241º nº 1 e 246º nº 1, a exclusão pode ter lugar por deliberação social por deliberação social, nos casos previstos na lei ou nos fixados pelo contrato social, estando o sócio cuja exclusão se delibera excluído de votar tal matéria ( art. 251º nº 1 al. d) ). Para tal deliberação ser validamente tomada basta a simples maioria do capital social, pelo que no caso vertente foi validamente deliberado por maioria simples dos votos a exclusão do requerente de sócio da requerida Entendeu-se ainda e quanto à maioria necessária para aprovação da proposta, que ela se alcançou validamente, pelos votos maioritários favoráveis do sócio Carlos Pires, pois o pacto social não impõe a maioria qualificada para tal situação ( art. 250º ). Ou seja, concluiu-se que in casu foi validamente deliberado, por maioria simples dos votos, a destituição do requerente de gerente da requerida e sua exclusão como sócio.
Vejamos:
Quanto à destituição de gerente, o art. 257º nº 1 estabelece que “os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes”, acrescentando o nº 2 que “o contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se porém a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples”.
Destas disposições e para o que aqui importa, resulta que a deliberação sobre a destituição de gerentes é livre para os sócios, não se necessitando para o efeito de maioria qualificada excepto se o contrato de sociedade o exigir, não sendo preciso essa maioria qualificada, mesmo que o contrato a exija, no caso de destituição com justa causa.
No caso dos autos, como não se vê que o contrato social exija a maioria qualificada ( nem tal foi alegado ) a destituição através de maioria simples seria possível.
Acrescente o nº 5 que “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pode ser decidida em acção intentada pelo outro”.
Destas disposições legais resulta que numa sociedade com apenas dois sócios, se o motivo de destituição do gerente for a de justa causa, a mesma só poderá ser decidida em acção judicial. No caso porém de não se invocar a justa causa, a destituição, a nosso ver, poderá ser decidida por mera deliberação social. É que vigora no nosso direito o princípio da livre destituidade do gerente pelos sócios, sem prejuízo de, em certos casos ( por exemplo, destituição sem justa causa ), o gerente destituído ter direito a indemnização pelos prejuízos sofridos. Como se refere no Ac. do STJ de 4-12-96 ( in www.djsi.pt ), invocando Raul Ventura ( Sociedade por Quotas, III, p.116 ) “do confronto entre os ns 1, 5, e 7 do artigo 257 do C.S.C., resulta que, mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, a destituição da gerência pode ser deliberada, em princípio por maioria simples, só na hipótese de invocação de justa causa é que se mostra necessário o recurso a acção judicial; e, se a destituição tiver lugar por deliberação, não pode ser invocada justa causa e o gerente tem direito a indemnização”.
Na decisão recorrida entendeu-se as coisas desta forma, pois expressamente se disse que, face ao disposto no art. 257º nº 5, nas sociedades por quotas com apenas dois sócios, a destituição de um deles da gerência pode ser objecto de (mera) deliberação social, se não for invocada justa causa.
Face ao dito, aceitamos este modo de ver a problemática, acrescentando somente que, segundo o entender de Raul Ventura acima mencionado, como, no caso vertente, a destituição de gerente ocorreu por deliberação social, não poderia para tal ser invocada justa causa ( como aliás o não foi ). Nesta circunstância, o gerente poderá ter direito a indemnização pelos prejuízos sofridos.
Quer isto dizer que o requerente foi validamente destituído, pois foi-o por deliberação do outro sócio que dispunha de maioria simples ( art. 246º nº 1 al. d) ), sendo certo que do contrato de sociedade não consta ( nem foi invocada ) a maioria qualificada para tal procedimento.
No recurso, o agravante entende que na convocatória da Assembleia, além de constar a destituição de gerente do sócio José Pires, constava também uma deliberação no sentido de dar poderes à gerência para intentar uma acção contra esse sócio pelos prejuízos causados à sociedade resultante de concorrência desleal, donde seria essa alegado comportamento que fundamentava a destituição da gerência.
Pese embora se aceite alguma pertinência na objecção, o certo é que, como claramente consta da convocatória da Assembleia e da respectiva acta, a destituição não foi determinada nem justificada por qualquer justa causa. Apenas se deliberou a destituição do gerente, sem invocação de qualquer motivação. Assim sendo, não se pode ter como invocada para a destituição, qualquer justa causa. Note-se que, como já se viu, a destituição de gerente, face ao nosso direito, é livre, sem prejuízo de, como é evidente, o gerente destituído ter direito a indemnização pelos prejuízos sofridos.
Para além de ter sido destituído o requerente foi também excluído de sócio.
Nos termos do art. 241º nº 1 “um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixado no contrato”. Refere o art. 242º nº 1 que “pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes”.
Quer isto dizer que um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e nos termos previstos na lei ou fixados no contrato. Pode, além disso, ser ainda excluído por decisão judicial quando o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, cause a esta ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes. Ou por outras palavras, a exclusão de sócio por deliberação social terá lugar “nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixado no contrato”. A exclusão de sócio por sentença terá lugar por sentença judicial com o fundamento no comportamento desleal ou gravemente perturbador ( do sócio ) no funcionamento da sociedade e que lhe tenha causado ou possa vir a causa-lhe prejuízos relevantes”.
Aqui, a nosso ver, é necessário justificar-se a razão da exclusão de sócio. Isto é, no caso de deliberação social, é necessário invocar-se os termos da lei ou do contrato em que se funda a deliberação. Deve invocar-se, por exemplo e no que concerne ao previsto na lei, a verificação da situação a que alude o disposto no art. 204º. E no toca aos termos do contrato, a ocorrência de situação violadora do pacto social, susceptível de ser integrada em causa de exclusão aí prevista.
Ora no caso dos autos a deliberação social de exclusão de sócio em causa, não invocou, nem qualquer situação legal que a justificasse, nem se referiu a qualquer disposição do contrato que a baseasse e a fundamentasse, donde se conclui que a mesma foi inválida.
Aliás a deliberação social é também inválida por outra razão. É que a nosso ver, existindo apenas dois sócios ( como é o caso dos autos ), só através de decisão judicial é que se poderia decidir a exclusão. Isto porque não existindo disposição expressa sobre o assunto no C.S.C., nos termos do art. 3º nº 2 deste diploma, deve valer o que estabelece o art. 1005 nº 3 do C.Civil, segundo o qual “se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal” ( neste sentido Ac. da Rel. de Lisboa de 5-7-00, in www.djsi.pt ).
Sendo a deliberação inválida, haverá que determinar se a mesma será nula ( art. 56º nº 1 ) ou se anulável ( art. 58º nº 1 ). Apesar a classificação não ser importante para a presente decisão ( porque o que interessa para aqui é somente a invalidade da deliberação ), somos em crer que devendo considerar-se como nulas aquelas que violam normas legais subtraídas à disponibilidades dos sócios e anuláveis as que respeitem à vida interna da sociedade, à sua organização e às relações travadas entre os sócios como tais e a sociedade ( vide Vasco Lobo Xavier, in Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, págs. 149 e segs. e 247 ), ou como diz Carlos Olavo (Impugnação de Deliberações Sociais in Colectânea de Jurisprudência, 1988, Tomo 3, pág. 21 e segs.), referindo-se ao disposto no art. 56º nº 1 al. d) “apenas será nula a deliberação que ofenda interesses públicos ( os bons costumes ) ou interesses indisponíveis dos sócios”, sendo anuláveis as restantes, a deliberação em causa, porque ofende ( apenas ) um interesse disponível do próprio sócio, será anulável nos termos do art. 58º nº 1 al. a) segundo o qual “são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do art. 56º, quer do contrato de sociedade”.
Quer isto dizer que a sociedade tomou uma decisão contrária à lei, pelo que, estando provada a qualidade de sócio do requerente ( e não se colocando em causa a observância do prazo de 10 dias a que alude o art. 396º nº 1 do C.P.Civil ), o mesmo, provando que a execução da deliberação pode causar um dano apreciável, pode pedir a suspensão de tal deliberação.
No caso vertente, para além de se ter sustentando na decisão recorrida, que as deliberações sociais tomadas eram válidas ( o que, como já viu, não é exacto em relação à exclusão da sociedade ) e por isso, não eram susceptíveis de suspensão ( razão por que o procedimento cautelar foi indeferido), entendeu-se ainda que no requerimento inicial da providência não se alegaram factos concretos donde se pudesse aferir a existência de prejuízos causados pelas deliberações, sendo que só nestas condições o procedimento poderia ser decretado.
Não podemos aqui concordar com esta visão das coisas. É que, apesar de se reconhecer que o requerente podia ter alegado de forma mais correcta factos tendentes a demonstrar a existência de prejuízos derivados da execução da deliberação, o certo é que nos arts. 40º, 41º e 42º do requerimento inicial alegou algo de concreto que a provar-se indiciará esses danos, sendo certo que aqui, em sede de providência cautelar, apenas se exige, como se sabe, uma probabilidade muito forte da existência do direito ou um bonus fumi juris.
Haverá que prosseguir o processo para averiguar este elemento.
Em síntese:
Pese embora se reconheça que a deliberação social tomada não violou qualquer disposição no que toca à destituição de gerente do requerente ( e por isso a decisão neste aspecto, é de confirmar ), já o mesmo não sucede em relação à deliberação assumida em relação à exclusão de sócio do ora agravante. Esta decisão é inválida (anulável ), pelo que os autos terão que prosseguir para determinar se se verifica, em concreto, o requisito relativo à possibilidade da execução da deliberação causar dano apreciável, sendo que só nesta hipótese é que a suspensão da deliberação social pode ser decretada.
Nesta parte o agravo procederá.
Só mais umas observações em relação ao agravo.
Sustenta o agravante que a decisão recorrida é nula porque conhece de questões de que não podia tomar conhecimento ( art. 668º nº 1 al.d) do C.P.Civil ).
Segundo cremos, o agravante defende esta posição em razão da falta de regularização do mandato a que já nos referimos acima.
A solução à questão já acima a demos. Acrescentaremos que a nulidade a que se refere a disposição invocada, surge quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, não vendo que isso tenha sucedido na decisão recorrida. O que sucedeu é que juiz, como acima já se disse, ao proferir a decisão sem que a regularização do mandato da requerida tivesse sido feito, cometeu uma irregularidade, sem efeitos práticos porém. Evidentemente que essa irregularidade, não afectou a decisão recorrida, em si mesma.
Sustenta também o agravante que os pontos 5 e 6 dos factos provados, atento o alegado nos articulados e a impugnação expressa das actas nºs 24 e 25 juntas aos autos, não podem considerar-se como confessadas pelas partes.
Aqui carece o agravante de razão. É que a materialidade dada como assente nos ditos pontos, não é contrariada, na sua essência, pelo requerente. O que sucede é que o agravante contesta o mérito das deliberações aí constantes. Daí o presente procedimento cautelar.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao agravo do despacho de fls. 66.
Mas dá-se parcial provimento ao agravo de indeferimento do procedimento cautelar, considerando-se inválida ( anulável ) a deliberação tomada na Assembleia Geral de 18-10-2002, pelas 20 horas, em relação à exclusão de sócio do ora agravante, pelo que os autos terão que prosseguir para determinar se se verifica, em concreto, o requisito relativo à possibilidade da execução da deliberação, causar dano apreciável, devendo-se para o efeito ordenar a pertinente produção de prova.
Custas naquele agravo pelo agravante e neste pela parte vencida a final.