Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4680/08.0TBLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PESSOA MORAL DE DIREITO CANÓNICO.
ENTIDADE PÚBLICA DE DIREITO CANÓNICO
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO DE 1917 (CDC) E CDC DE 1983
Sumário:
I – Independentemente do quadro jurídico vigente à data dos factos – o CDC de 1917 – não consentir que se operasse qualquer distinção substantiva entre associações públicas ou privadas, o facto de a referida A. ter sido canonicamente erecta em 2 de Março de 1959 pelo então Bispo de ..., ainda que acedendo a uma solicitação privada, conferiu-lhe irrecusavelmente, não só o reconhecimento da ordem jurídica canónica como pessoa de direito canónico (como “pessoa moral” de direito canónico), mas a natureza de uma entidade pública de direito canónico, diante do quadro legal instituído pela mesma ordem canónica vigente.
II - Temos assim como adquirido que a A. PIA UNIÃO nasceu como uma associação pública de fiéis e, por via disso, deverá ser tratada como uma Associação Pública de Fiéis, agora no âmbito do actual CDC, estando por isso especificamente sujeita aos cânones 312 a 320 desse tipo de associações, para além de se lhe aplicarem as normas comuns dos cânones 298 a 311 do mesmo Código.
III - Independentemente da opção que se tome sobre a natureza da A. PIA UNIÃO como associação pública ou privada – dicotomia inelutável à luz do Código de Direito Canónico de 1983 que não pode deixar de atravessar todas as entidade e associações criadas após a cessação da vigência do Código de 1917 – certo é que sempre ela participará da característica essencial de uma entidade ou pessoa de direito canónico, por isso se submetendo inteiramente a essa específica ordenação jurídica em tudo quanto diga respeito à sua estrutura, organização e modo de funcionamento.
IV - Por conseguinte, não tinha o tribunal a quo como não tem a Relação – fundamento para se pronunciar sobre uma relação de direito canónico como é aquela que se estabelece entre uma pessoa de direito canónico como é a 1ª A. e a autoridade eclesiástica corporizada no Bispo de ...
Com esse alcance, o dito pronunciamento seria mesmo indiscutivelmente violador da regra da separação jurisdicional consagrada no art.º 11 da Concordata em vigor.
Decisão Texto Integral:
Apelação nº 4680/08.0TBLRA.C2

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Em acção declarativa sob a forma de processo ordinário instaurada no Juízo local Cível de Leiria, Comarca de Leiria, Pia União das ... e G... e S... demandaram Diocese de ..., A..., C... e L... pedindo:
A - Que seja declarado nulo e de nenhum efeito o “decreto” do Bispo de ..., de 15 de Julho de 2008 que designou os 3º e 4º RR, comissário e comissário adjunto para administrarem bens da 1ª A, e bem assim todos os actos praticados ao abrigo do referido decreto, nomeadamente termos de desistência ou confissão, procurações, revogações de procurações, escrituras ou quaisquer outros dele resultantes;
B - Que os RR. sejam solidariamente condenados:
1 - Os dois 1ºs pela totalidade dos danos causados, e os 3º e 4º na medida da respectiva intervenção directa, a pagar às AA. uma indemnização pelos danos patrimoniais causados à 1ª, resultantes dos efeitos judiciais ou notariais dos actos praticados ao abrigo do acto a que se refere a al. A) relativos à propriedade de prédios urbanos, despesas judiciais, honorários e quaisquer outras despesas em que as AA. tenham que incorrer para acautelaram os seus direitos;
2 - A pagar à 2ª R, a título de reparação pelos danos morais sofridos em consequência dos actos impugnados, a quantia de € 2.500,00 que destinará à sua obra assistencial”.

Em síntese alegam que a 1ª A. é uma associação privada de fiéis erigida canonicamente nos termos dos cânones 321, 325 parágrafo 1º e 1257 parágrafo 2º do Código de Direito Canónico (de ora em diante CDC), sendo sua representante a 2ª A., eleita por todas as associadas com direito de voto, administrando livremente os seus bens, os quais são bens privados.
O 2º R,. sabe, enquanto autoridade eclesiástica que é, que não pode em nenhum caso substituir-se à vontade da Associação livremente expressa em eleições entre pares, na designação da superiora, muito menos podendo adoptar medidas de tutela substitutiva relativamente à administração e disposição dos seus bens que não são bens eclesiásticos.
Apesar disso o 2º R., enquanto Bispo da Diocese 1ª R., emitiu um “decreto” datado de 15 de Julho de 2008, designando o 3º R. ecónomo diocesano, como comissário, e o 4º R. como comissário adjunto, invocando norma habilitante o cânone 318, aplicável exclusivamente a associações públicas e bens eclesiásticos.
Tal acto é nulo porque fundamentado em norma que não lhe é aplicável, já que a 1ª A. é uma associação privada e só tem as limitações à sua autonomia que constam do Código de Direito Canónico nos termos do artigo 11º da Concordata.
Com base naquele acto foram praticados diversos actos jurídicos, nomeadamente para constituição de mandatários, revogação de procurações, desistências, e confissões em acções em que a A. é A. ou R.
Com tais actos visou-se prejudicar patrimonialmente a 1ª A. causando-lhe a perda de propriedade de três prédios urbanos.
Mesmo que a A. venha a conseguir impugnar os actos ilícitos praticados pelos RR. tal obriga a despesas avultadas com taxas de justiça, honorários, despesas com deslocações e pedidos de certidão e outros prejuízos decorrentes da actuação ilícita dos RR. cujo valor e liquidação só poderão ser apurados em liquidação de sentença.
A 2ª A. é pessoa idosa, tendo sofrido profundamente com a constatação de que a Igreja tem no seu seio também quem se mova por meros interesse materiais e que não olha a meios ou instrumentos para acrescentar o respectivo património.
Juntaram documentos.

Citados, os RR. contestaram por excepção, invocando a incompetência material dos Tribunais Estaduais para dirimir o litígio; a falta de representação e ilegitimidade da 1ª A.; a natureza da A. de associação pública de fiéis por ter sido erecta canonicamente pelo Bispo de Leiria em 02/03/1959; além disso, defenderam-se por impugnação.
Terminam com a procedência das excepções dilatórias e a consequente absolvição dos RR. da instância; assim não podendo ser, com a improcedência da acção e a absolvição da Ré do pedido.

Houve réplica das AA. na qual, entre o mais, foi requerida a intervenção espontânea de terceiros, intervenção da qual vieram a desistir posteriormente.

No despacho saneador datado de 06 de Agosto de 2009, foi julgada procedente a incompetência material dos Tribunais Judiciais para apreciarem o litígio e absolvidos os RR. da instância.

Em 01 de Setembro de 2009 deduziram as AA. ampliação do pedido em virtude de em 13 de Julho de 2009 o Sr. Bispo de ... ter emitido novo “decreto” a prorrogar por mais um ano o mandato conferido aos comissários, igualmente prorrogando o mandato da superiora, esta apenas quanto a aspectos religiosos, impetrando que também esse novo “decreto” seja declarado nulo ou anulado.

Por acórdão desta Relação de 31 de Maio de 2011 foi o despacho saneador revogado e, em função disso, declarada a competência dos Tribunais Estaduais Judiciais para a apreciação do litígio.

A final foi a acção julgada improcedente por não provada e, em função disso, foram os RR. absolvidos de todos os pedidos contra si formulados.

Inconformadas, deste veredicto recorreram as Autoras, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apelação.
Nas conclusões com que encerram as respectivas conclusões, as Autoras ora recorrentes levantam as seguintes questões:
Reapreciação da matéria de facto;
Natureza de associação privada de fiéis da A. Pia União;
Nulidade do Decreto Bispal do Bispo de ... de 15 de Julho de 2008.

Os RR. contra-alegaram pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Apreciando.
Reapreciação da matéria de facto.
Querem as recorrentes ver aditado à matéria de facto um novo facto a que caberia o nº 35, correspondendo ao facto alegado no art.º 34 da réplica.
É o seguinte o teor deste art.º:
“Todos os seus bens pertenciam ou às associadas, nomeadamente às fundadoras, ou lhes foram doados por familiares destas ou pessoas amigas, tendo elas feito, desde a sua constituição, livremente administrado os respectivos bens, sem quaisquer restrições, tendo feito várias doações à igreja”.
Trata-se aqui de apurar a origem dosbens da A. PIA UNIÃO.
...
Improcede, assim, a impugnação deduzida, sendo estes os factos que esta Relação tem por definitivamente provados:
1- A “Pia União das...” foi erecta canonicamente por Decreto de 02 de Março de 1959, emitido pelo Bispo de ..., Dom J..., tendo posteriormente sido feita a comunicação de participação de erecção ao Governador Civil de ... e registada na Secretaria do Governo Civil de ... sob o nº 181 em 06 de Março de 1959.
2- Dos estatutos da Pia União, para além do mais que aqui se dá por reproduzido, consta:
“Do Nome
Art. 1º- “Escravas do ...” é o nome de família das Senhoras que, por sua livre vontade, quiseram viver em comunidade e dar-se totalmente a Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa dos Pobres, em todas as Obras de Caridade.
Dos fins
Art. 2º- O fim desta Pia União é, em primeiro lugar, a santificação individual pelo cumprimento dos Preceitos e Conselhos Evangélicos e normas da Igreja; em segundo lugar, a evangelização dos Pobres pelo exemplo e a prática das Obras de Misericórdia.
Da dedicação
Art. 3º – Esta Pia União será consagrada aos Sagrados Corações de Jesus e Maria e propõe-se desagravá-los pela oração, penitência e caridade.

Dos meios de manutenção
Art. 12º - As escravas devem viver da caridade pública. Não podem aceitar heranças, nem exigir qualquer remuneração de seus trabalhos.
Nesta matéria, seguirão à risca a Vida do Mestre, o divino pobre que nasceu no Presépio e morreu na cruz.

Da superiora
Art. 15 – A Pia União das Escravas deve ter uma Superiora eleita por três anos e por todas as associadas já com votos.
Art. 16- Uma vez eleita, a Superiora deve apresentar-se imediatamente ao seu Prelado a quem prestará juramento de fidelidade absoluta às normas da Santa igreja.
Art. 17- Depois de eleita, a Superiora deve escolher, entre as associadas já com votos, duas ou três que sejam suas auxiliares na direcção das Casas que tiverem à sua conta.
Art. 18- A superiora nunca poderá ser eleita por mais de dois mandatos sucessivos.
Art. 19 – À superiora, as Escravas devem obedecer como a Virgem à voz do anjo. Devem ser cegas, surdas e mudas para só ouvirem a Deus na ordem da sua Superiora.
…”
3- No decreto de erecção a que se alude em 1 deixou-se escrito:
“Dom J..., por Graça de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de ...
Tendo-Nos sido pedida a erecção canónica da “Pia União das ...” depois de termos examinado atentamente os Estatutos que nos foram presentes e julgando que a mesma Pia União, se for fiel, como esperamos, ao espírito que presidiu à sua organização e fins que se propõe, será de grande utilidade para as almas, Havemos por bem:
1ª – Erigir canonicamente em Pessoa Moral, segundo a norma do Can. 100 do Código de Direito Canónico, a Pia União das ...;
2ª- Aprovar à Experiência os seus estatutos.
Esperamos confiadamente que o Sagrado Coração de Jesus e o Coração da Imaculada Maria cujas intenções de misericórdia as Escravas prometem fazer suas, tomem sob a Sua protecção e amparo esta Pia União e a façam crescer e desenvolver-se no espírito da Mensagem de Fátima.
Dada em ..., sob o Nosso sinal e selo da Diocese aos dois dias do mês de Março de 1959. E eu, P. J..., Chanceler da Cúria a subscrevi.
+ J..., Bispo de ...”
4- Em 19 de Dezembro de 1959, na presença de Monsenhor A..., em representação do Bispo de ..., e enquanto reitor do Santuário de ..., procedeu-se à eleição da, em religião irmã M..., como madre superiora da A. Pia União.
5- As eleições posteriores, até à eleição de 25 de Maio de 2008, sempre foram acompanhadas por padres representantes da Diocese que funcionavam como guias espirituais das irmãs, e que redigiam as actas da eleição, sendo que as eleitas posteriormente solicitavam a respectiva confirmação junto da Diocese.
6- Em 2008 sem a presença de qualquer elemento do clero foi eleita pelos seus pares e para o triénio 2008/2011, a aqui A. G..., em religião irmã M...
7- Em 03 de Novembro de 1991 M..., remete missiva ao Bispo da Diocese de ... em que refere “…apresentámos à Direcção Geral de Contribuições e Impostos o pedido de isenção da contribuição autárquica para o prédio de A... onde temos a Casa Mãe. Para completar o processo é necessário uma declaração do Senhor Bispo em que nos reconhece como instituição religiosa de utilidade pública. Solicitamos ao Senhor D. ... a caridade de nos mandar passar o documento referido, que nos tornará possível a isenção deste encargo…”
8- Em Agosto de 1993 a pedido da 1ª A. o Bispo de ... emitiu um documento onde refere, relativamente à 1ª A que “…goza de personalidade jurídica nos foros canónico e civil e é representada em juízo e fora dele, em todos os assuntos referentes à mesma instituição segundo as normas de direito, pela Sua Superiora Geral, G... e S..., em religião irmã M...
Mais fazemos saber que desejando a referida Instituição fazer a justificação de posse de um prédio urbano situado no lugar de A..., freguesia de ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo ... será do mesmo modo representada pela Sua Indicada Superiora Geral, a qual poderá no entanto, substabelecer na Irmã ...”.
9- Em Outubro de 2005, o Bispo de ..., Dom S..., emitiu a favor das AA que lho haviam pedido, o documento com o seguinte conteúdo:
“Fazemos saber que a Associação de Fiéis, ou Pia União (…) goza de personalidade jurídica do foro canónico civil e é representada, em juízo ou fora dele em todos os assuntos referentes à mesma Associação, segundo as normas de direito, pela sua Superiora Geral, G... e S..., (…) que tem os seguintes poderes: praticar os actos necessários à criação de uma fundação de natureza social que garanta, no futuro, a permanência do espírito que presidiu à organização e fins daquela Pia União, bem como assegurar a continuidade da sua acção social, afectando património para o efeito; aceitar doações, vender e adquirir quaisquer propriedades, nos termos e condições que entender, outorgando escrituras e contratos, proceder a quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, representá-la em quaisquer organismos ou repartições públicas, nomeadamente em Repartições de Finanças, Câmaras Municipais, Cartórios Notariais e Conservatórias do Registo Predial; exercer poderes genéricos de administração, designadamente arrendar, receber rendas, passar e assinar recibos, renovar e prorrogar ou rescindir os respectivos contratos, requerer avaliações fiscais, liquidar impostos, contribuições ou taxas, receber ou pagar quaisquer importâncias em dinheiro, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos e vincendos, passando recibos e dando quitações, depositar e levantar capitais em bancos e outros estabelecimentos de crédito, assinando recibos ou cheques; exercer direitos da Pia União, incluindo os que a ela respeitam como pessoa moral ou colectiva, ou que por inerência, herança ou disposição dos seus membros, lhe pertençam ou venham a pertencer por qualquer via ou título, designadamente imóveis ainda não registados a seu favor; exercer poderes especiais para justificar tanto para primeira inscrição como para reatamento do trato sucessivo de imóveis; exercer direitos que lhe assistam ou representar em qualquer acto ou contrato; exercer poderes de representação em juízo usando, para o efeito, de todos os poderes em direito permitidos, os quais poderá substabelecer em advogado ou procurador habilitado sempre que deles tenhas que usar, requerendo, prestando declarações complementares, praticando e assinando tudo o mais que seja necessário para os indicados fins.
Como Superiora Geral pode ainda conferir idênticos poderes ao Senhor Dr. P..., titular do bilhete de identidade nº ..., de 15.04.05, emitido em ..., residente em ..., na qualidade de procurador da Pia União das Escravas do ....”
10- No dia 09 de Novembro de 2005 no Cartório de Ourém compareceu a A. G..., em representação da Pia União, a qual segundo se refere em tal documento apelidado de “doação”, goza de personalidade jurídica no foro canónico e civil, e tem sede no lugar de A..., conforme credencial emanada do Bispo da Diocese de ..., como 1ª outorgante; P... como 2º outorgante, tendo a 1ª e aqui A. efectuado a favor do 2º outorgante, doação do prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de trezentos cinquenta e quatro metros quadrados, e quintal, com a área de duzentos e quarenta e sete metros quadrados, sito na Rua ... na respectiva matriz sob o artigo ... com o valor tributável de 30.386,75 € (fls. 616 e seguintes).
11- A referida doação foi sujeita às seguintes obrigações por parte do donatário:
- destinar a área ou áreas do prédio a fins sociais que o mesmo considere convenientes:
- facultar o direito de residência às irmãs actualmente pertencentes à Congregação doadora;
- Promover todo o tipo de apoio às referidas irmãs quer na saúde quer na doença destas.
O doador (2º outorgante) declarou que aceitar.
12- No dia 22 de Junho de 2006 em Cartório Notarial de ..., compareceu como outorgante P..., na qualidade de procurador, em nome e representação da “Pia União das ...” qualidade e poderes verificados por públicas formas de procuração e da credencial aludida em 9, que em tal acto constituiu uma fundação com a denominação de “Fundação Divino ...”, aqui se dando por integralmente reproduzido o demais constante em tal documento de constituição de fundação que se encontra a fls. 129 e seguintes dos autos.
13- No mesmo dia e no mesmo cartório foram elaborados dois documentos complementares, sendo o 1º relativo à descrição de prédios e o segundo relativo aos estatutos da aludida fundação, cujo seu integral conteúdo aqui se dá por reproduzido e que consta de fls. 135 e seguintes dos autos.
14- Foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Fundação acima aludida P..., e presidente do conselho fiscal a A. G...
15- No dia 03 de Outubro de 2006 a A. redigiu, assinou e remeteu ao R. A... uma missiva, cujo seu integral conteúdo que se encontra a fls. 24 se dá aqui por reproduzida.
16- Nessa sequência o R. acima aludido remeteu à A. em religião irmã M..., uma missiva, cujo seu integral conteúdo que se encontra a fls. 25 se dá aqui por reproduzida.
17- Em 15 de Julho de 2008 o R. A... na qualidade de Bispo da Diocese de ... emitiu o documento com o seguinte conteúdo: “A...,
Bispo da Diocese de ..., faz saber quanto segue:
Sendo necessário providenciar ao bem da Diocese e das suas instituições, e tendo em consideração que:
- A Pia União das ..., com sede no lugar de A..., freguesia de..., desta diocese, erecta canonicamente pelo Bispo de ... com decreto de 2 de Março de 1959, está sujeita à nossa autoridade, conforme determinam as leis canónicas, por ser uma Associação de Fiéis (cf Código de Direito Canónico cân 303);
-A mesma Pia União criou, com finalidade social, a Fundação D..., com escritura pública de 22 de Junho de 2006, mas sem existência canónica, e para ela transferiu os seus bens, o que acarreta sério prejuízo no património daquela pessoa colectiva;
-Os Estatutos da Fundação criada não asseguram de modo algum os fins religiosos da Pia União, nem na forma nem no espírito nem na substância, o que traduz inobservância dos Estatutos desta pessoa Colectiva Religiosa e das normas canónicas;
- Terminou em 11 de Junho último o mandato de três anos estabelecido nos Estatutos, da Superiora Geral, irmã M..., com o nome civil G... e S...;
Exercendo o dever de vigiar sobre a administração das pessoas jurídicas sujeitas ao Ordinário diocesano, conforme os cânones 305, 1276 e outros aplicáveis do Código de Direito Canónico, e o artigo 7º das Normas Gerais das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa.
Decreta o seguinte:
Designar, nos termos do cân. 318§ 1 e do artigo 23º das Normas Gerais das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa, o ecónomo diocesano, Padre C... (…) como comissário, e o Dr. L... (…) como comissário adjunto, a fim de representarem a Pia União das ..., ficando desde já o Dr. L..., mandatado singular e especificamente para a prática dos seguintes actos em Juízo e fora dele:
- intentar, no Tribunal ou Tribunais competentes, acção judicial destinada a declaração de nulidade da Escritura Pública de Constituição da Fundação do D... (…) bem como, Providências Cautelares (…);
- intentar no Tribunal Competente acção judicial destinada à declaração de nulidade ou anulação da Escritura Pública de Doação do imóvel sito na Ilha do ..., outorgada pela Pia União das ... a favor de P... (…);
- desistir do pedido e confessar o pedido reconvencional na Acção Ordinária nº ..., que corre termos na 2ª Secção das Varas de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, em que é Autora a Pia União das ... e Réu o S...;
-confessar, desistir e transigir na Acção Ordinária nº ..., que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ... onde é Autor o S... e Ré a Pia União das ...;
- revogação de todos e quaisquer mandatos forenses constituídos e que venham a ser constituídos e notariais que tenham sido conferidos, ou que venham a ser conferidos pela Pia União das ..., designadamente a procuração outorgada em 19/10/2005 no Cartório Notarial de Ourém, em que foi mandatário o Dr. P... (…)
- revogação do mandato judicial conferido ao mandatário da Autora, o Dr. M... (…) na Acção Ordinária ... (…) em que é Autora a Pia União do D... e Réu o S...;
- revogação do mandato judicial conferido ao mandatário da Autora, o Dr. M... (…) na Acção Ordinária ... (…) em que é Autor o S... e Ré a Pia União do D...;
- para conferir mandatos forenses a favor de Advogado ou Advogados, a fim de representar a Pia União do D... em Juízo. E para constar se lavrou o presente decreto que assim e autentica com selo branco que usa.
L..., 15 de Julho de 2008.
Consta a assinatura A...
18- No processo ... em que era A. a aqui A. Pia União e R. S..., por decisão de 15 de Julho de 2008 foi decidido:
- declarar aquela A. como proprietária do prédio urbano, composto de edifício para habitação de rés-do-chão, primeiro e segundo andares e logradouro, sito em Coimbra;
- condenar o R. a reconhecer a A. como dona desse prédio;
- ordenar-se o cancelamento da inscrição no registo do direito de propriedade sobre esse imóvel a favor do R.
19- No processo aludido em 18, no dia 18 de Julho de 2008 compareceu na 2ª Sessão da Vara Mista e Juízos Criminais de Coimbra, do Tribunal Judicial daquela cidade, L... que naquele acto juntou instrumentos de representação emitidos pelo Chefe de Gabinete Episcopal da Diocese de ... e que disse “revoga o mandato conferido nos autos ao mandatário da Autora, Dr. M... e que em representação da Autora desiste do pedido e confessa o pedido reconvencional apresentado pelo Reu S...”.
O aludido “termo de desistência do pedido” foi assinado pelo comparecente e por funcionário judicial.
20- Em 29 de Outubro de 2008 foi por decisão judicial considerado revogado o mandato conferido ao Dr. M... no processo aludido em 18, decisão essa confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Setembro de 2009.
21- Em 24 de Março de 2010 foi por decisão judicial no processo acima mencionado, já transitada em julgado:
- reconhecido o S... como legítimo proprietário do prédio urbano sito em Coimbra (…);
- condenada a reconvinda Pia União das ... a entregá-lo imediatamente ao S..., livre e devoluto de pessoas e bens.
22- No processo nº ... em que era A. o S... e R. Pia União das ..., em 21 de Julho de 2008 compareceu no 2º Juízo do Tribunal Judicial de ..., L..., o qual por “termo de confissão do pedido” e apresentado as credenciais já referidas em 19, confessou o pedido naquela acção e bem assim no apenso B tendo ainda dito que revogava os mandatos judiciais conferidos naquele processo.
23- Por decisão judicial de 23 de Julho de 2008 foi julgada válida a confissão aludida em 22, condenando-se a R. no pedido e considerado revogado o mandato a favor do Dr. M...
24- Em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e relativo ao processo indicado em 22, foi confirmado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que não havia admitido recurso interposto pela Fundação D... dos despachos judiciais da 1ª instância de 02 de Fevereiro e 10 de Fevereiro de 2009.
25- Em 13 de Julho de 2009 o R. A... na qualidade de Bispo da Diocese de ... emitiu o documento com o seguinte conteúdo:
“A...,
Bispo da Diocese de ...,
faz saber quanto segue:
Tendo em consideração que:
- A associação de fiéis, denominada Pia União das ..., com sede no lugar de A..., freguesia de ..., desta diocese foi erecta canonicamente pelo Bispo de ..., com decreto de 02 de Março de 1959, estando por isso sujeita à sua autoridade, conforme o cânone 305 do Código de Direito Canónico e o artigo 7º das Normas Gerais das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa;
- Pelos decretos de 15 e 29 de Julho de 2008, foram designados comissário e um comissário adjunto a fim de representarem a Pia União das ..., ficando mandatados para a prática de actos em juízo e fora dele e para, em nome do bispo diocesano, administrarem temporariamente os bens da Pia União, assegurando os seus membros os meios adequados à sua digna subsistência e apostolado;
- Pelo decreto de 29 de Julho de 2008 foi prolongado, por um ano renovável, o mandato da Superiora cessante, apenas para os aspectos religiosos e apostólicos da Pia União e o cuidado da vida dos seus membros;
- Se mantém inalteradas as circunstâncias especiais que determinaram a nomeação dos mencionados Comissário e Comissário Adjunto como representantes da Pia União;
- Se torna necessário a prorrogação do mandato dos ditos Comissários e Comissário Adjunto, a fim de serem acautelados os interesses da dita Pia União e as finalidades indicadas nos Decretos de nomeação;
E exercendo o dever de vigilância sobre as associações de fiéis sujeitas a autoridade do Ordinário diocesano, conforme os cânones 305, 1276 e outros aplicáveis do Código de Direito Canónico, e o artigo 7º das Normas Gerais das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa;
Decreta o seguinte:
1- Prorrogar, por mais um ano, o mandato que, nos termos do cân 318 § 1 e do artigo 23º das Normas Gerais das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa, e pelos mencionados decretos de 15 e 29 de Julho de 2008, conferiu ao ecónomo diocesano, Padre C... (…) como comissário, e ao Dr. L... (…) como comissário adjunto.
2- Prorrogar, por mais um ano, o mandato que foi conferido à irmã M... pelos referidos Decretos, apenas para os aspectos religiosos e apostólicos da Pia União e o cuidado da vida dos seus membros.
3- O presente decreto entre em vigor na data de hoje.
E para constar emite o presente decreto que assina e autentica com selo branco que usa.
L..., 13 de Julho de 2009
Consta a assinatura A...
26- Em 02 de Setembro de 2008 em Cartório Notarial de L..., compareceu como primeira outorgante a aqui A. G... e S..., aí se dizendo no aludido documento de “compra e venda” que a mesma “outorga na qualidade de Superiora da “Pia União das ...”, associação privada de fiéis, com personalidade jurídica no foro canónico….qualidade e poderes que verifiquei pelo artigo quinze dos estatutos da associação, pelos cânones trezentos e vinte e um, trezentos e vinte e cinco parágrafo primeiro e pelo cânone mil duzentos e cinquenta e sete parágrafo segundo do Código de Direito Canónico e pelas Públicas-Formas das actas número dezassete de vinte e cinco de Maio de dois mil e oito e número dezoito de quinze de Junho de dois mil e oito (…)”
Igualmente compareceu como segunda outorgante, L..., em representação e nome da sociedade L... Lda.
Em tal documento a 1ª outorgante declarou vender pelo preço já recebido de €140.0000,00 (cento e quarenta mil euros) à sociedade representada da segunda outorgante; pelo preço de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia e Concelho de ..., e descrito na respectiva conservatória sob o número ..., com o valor patrimonial Tributário de € 3.059,57; pelo preço de € 20.000,00 (vinte mil euros), o prédio rústico inscrito na matriz sob artigo ... da freguesia e Concelho da ..., e descrito na respectiva conservatória sob o número ..., com o valor patrimonial tributário de € 375,71.
A segunda outorgante declarou aceitar a venda nos termos exarados.
27- As casas da Pia União possuem capela que é usada pelas residentes, e bem assim pelos respectivos familiares e vizinhos.
28- Pelo menos desde 1991 e por autorização do respectivo Bispo da Diocese de ..., foi autorizada a conservação permanente e a bênção do santíssimo sacramento no oratório em casa da Pia União, localizada na paróquia de ...
29- E igualmente na cidade da ..., possuía a casa das irmãs no oratório o santíssimo sacramento.
30- Em 16 de Abril de 2009 o Bispo da Diocese de ... remeteu à A. G..., uma missiva na qual refere “porque persiste na falta de comunhão com a igreja, na pessoa do Bispo, cumpre-me informá-la, de acordo com o Bispo de ..., que suspendo a licença de oratório, na vossa residência da cidade da ...”.
31- A Pia União sempre movimentou as suas contas bancárias por intermédio das irmãs, mormente da madre superiora, e nunca prestou contas de qualquer gestão de seus bens à diocese (facto complementar que foi sujeito a contraditório em audiência – artigo 5º nº2 alínea b do CPC-).
32- Nas casas da Pia União sempre existiu ensino pré-primário, primário e preparatório, sendo as aulas leccionadas pelas irmãs e também por alguns padres estes leccionando religião e moral (facto complementar que sujeito a contraditório em audiência – artigo 5º nº2 alínea b do CPC-).
33- A A. G... e S... nasceu em 24 de Janeiro de 1930.
34- Tem dedicado a sua vida a missões de apoio a crianças e jovens desfavorecidos.

A questão da natureza da A. Pia União.
Concluiu a decisão recorrida que, embora criada na vigência do Código de Direito Canónico de 1917, diploma que não fazia distinção entre associações de fiéis públicas e privadas, antes prevendo apenas a figura da “pessoa moral” resultante de disposição de direito ou decreto da entidade eclesiástica competente, a A. Pia União é também uma associação pública de fiéis à luz do Código de Direito Canónico vigente aprovado em 1983.
Para tanto argumenta com o facto de aquela A. ter sido erigida canonicamente por decreto de 2 de Março de 1959 do então Bispo de ...; de ao longo da respectiva existência terem sido produzidas certificações várias e credenciais eclesiásticas pedidas ao Bispo de ..., não obstante a aprovação de estatutos próprios e da autoridade de uma madre superiora eleita pelas associadas; e, bem assim, as finalidades eminentemente religiosas e públicas da A. Pia União consignadas em vários pontos dos respectivos estatutos.

Contrapõem agora os recorrentes – munidos de dois proficientes pareceres de dois eminentes jurisconsultos – que a A. Pia União é uma associação privada de fiéis, pois que o seu sistema de governo sempre foi privado; sendo que a iniciativa da sua constituição partiu de um convénio privado de um grupo de Senhoras que se juntaram com tal objectivo; e que não fazem parte dos respectivos fins o ensino da doutrina cristã em nome da Igreja ou a promoção do culto público que são tipicamente prossecuções das associações públicas de fiéis.
Sem embargo da valia da argumentação expendida pelas recorrentes, cremos que neste conspecto a razão está do lado da sentença recorrida.
Se não vejamos.

Sem prejuízo da realidade dos restantes argumentos avançados pela sentença, designadamente quanto a condutas posteriormente adoptadas pela gestão privativa da A. Pia União, o critério que aqui se antolha como o decisivo é o do circunstancialismo que presidiu à constituição desta A., necessária ou obviamente coevo do seu nascimento como entidade de direito canónico.
Assim, independentemente do quadro jurídico na altura vigente – o CDC de 1917 – não consentir que se operasse qualquer distinção substantiva entre associações públicas ou privadas, o facto de a referida A. ter sido canonicamente erecta em 2 de Março de 1959 pelo então Bispo de ..., ainda que acedendo a uma solicitação privada, conferiu-lhe irrecusavelmente, não só o reconhecimento da ordem jurídica canónica como pessoa de direito canónico (como “pessoa moral” de direito canónico), mas a natureza de uma entidade pública de direito canónico, diante do quadro legal instituído pela mesma ordem canónica vigente. Note-se que nada então impedia que as mesmas pessoas que pediram ao então Bispo de ... a emissão do decreto de erecção canónica da 1ª A. se tivessem limitado associar-se no âmbito de uma mera associação de direito civil, ainda que sabendo – como é evidente – que em tal restrito contexto não poderiam colher aquele reconhecimento da autoridade eclesiástica.
Temos assim como adquirido – tal como se proclama na sentença recorrida - que a A. PIA UNIÃO nasceu como uma associação pública de fiéis, e, por via disso, deverá ser tratada como uma Associação Pública de Fiéis, agora no âmbito do actual CDC, estando por isso especificamente sujeita aos cânones 312 a 320 desse tipo de associações, para além de se lhe aplicarem as normas comuns dos cânones 298 a 311 do mesmo Código.
Improcede, destarte, a segunda das questões suscitadas.

A questão da nulidade/invalidade dos Decretos Bispais do Bispo de ... de 15 de Julho de 2008 e 13 de Julho de 2009 e respectivas consequências na actividade da A. Pia União.
Independentemente da opção que se tome sobre a natureza da A. PIA UNIÃO como associação pública ou privada – dicotomia inelutável à luz do Código de Direito Canónico de 1983 que não pode deixar de atravessar todas as entidade e associações criadas após a cessação da vigência do Código de 17 – certo é que sempre ela participará da característica essencial de uma entidade ou pessoa de direito canónico, por isso se submetendo inteiramente a essa específica ordenação jurídica em tudo quanto diga respeito à sua estrutura, organização e modo de funcionamento.
Como se ponderou no Ac. desta Relação de 23/06/2015 proferido na Apelação nº 2153/06.5TBCBR.C1, há um quadro normativo próprio que não permite pensar numa solução para o problema da representação da A. PIA UNIÃO fora do âmbito do direito canónico e, por via dele, da autoridade canónica competente.
Aí se escreveu a propósito de tal quadro normativo:
“O CDC regula a disciplina das Associações de Fiéis nos Cânones 298 e seg.s, ali se distinguindo entre associações privadas e públicas de fiéis; porém, todas elas, sejam públicas ou privadas, devem ter por finalidade a missão sobrenatural da Igreja, e ainda que louvadas ou recomendadas pela autoridade eclesiástica, se chamam associações privadas (Cânones 298 e 299) ou públicas (estas a seguir explicitadas) – cf. Código de Direito Canónico, Edição Anotada da Universidad de Navarra Instituto Martin De Azpilcueta, Tradução Portuguesa a cargo de José A. Marques, Edições Theologica, Braga, 1984, a pág. 237, por contraponto às públicas que são erigidas pela autoridade eclesiástica competente. De acordo com o Cânone 301 (Cf. autores e ob. ora cit., a pág.s 238 e 239) entende-se por “associação pública aquela que foi erigida por acto formal da autoridade eclesiástica competente, ainda que talvez, na sua origem, a associação provenha da iniciativa privada dos fiéis. Sobre o alcance da qualificação de pública, o c. 116 Parágrafo 1.º, precisa que a pessoa jurídica dotada deste carácter actua em nome da Igreja dentro do âmbito para o qual foi instituída, acrescentando-se que só a autoridade competente pode erigir associações de fiéis para fins que, pela sua natureza, estejam reservados à hierarquia eclesiástica, o que implica que a associação assim erigida se deverá manter dentro dos limites para os quais foi constituída.
Todavia, independentemente da sua qualificação como pública ou privada, toda a associação de fiéis está sujeita à vigilância da autoridade eclesiástica competente, no caso o Ordinário do lugar, como decorre do cânone 305.
As públicas devem obedecer ao estatuído nos cânones 312 a 320, designadamente, são erectas pela autoridade eclesiástica competente, tendo em vista a prossecução dos fins que se propõem realizar, carecendo os seus estatutos de aprovação da autoridade eclesiástica a quem compete a respectiva erecção, administrando os bens que possui em conformidade com os estatutos sob a superior direcção da autoridade eclesiástica respectiva, a quem devem prestar contas anualmente.
Assume especial relevância para o caso em apreço o disposto no cânone 318, Parágrafo 1.º, segundo o qual:
“Em circunstâncias especiais, quando razões graves o exigirem, a autoridade eclesiástica referida no cân. 312 P. 1.º pode designar um comissário que em seu nome dirija temporariamente a associação.”.
Como se refere no CDC anotado já anteriormente citado, pág.s 247 e 248 “A nomeação de um comissário poderá ter lugar quando as circunstâncias aconselhem que a autoridade competente não só exercite a alta direcção (c. 315), mas que também assuma temporariamente o regime da associação, procurando ao mesmo tempo que cessem quanto antes os motivos que dão lugar a essa intervenção extraordinária.”.
Por seu turno, o regime das associações privadas encontra-se tipificado nos cânones 321 a 326, de onde resulta, no que aqui importa, que as mesmas são governadas pelos fiéis segundo as prescrições dos estatutos, com a ressalva de que se encontram sujeitas à vigilância da autoridade eclesiástica, nos termos do cânone 305, acima já referidos.
Por último, de acordo com o cânone 325, confere-se às associações privadas o direito de administrarem livremente os bens que possuem, de acordo com as prescrições dos estatutos e sem prejuízo de a autoridade eclesiástica competente vigiar no sentido de que esses bens sejam utilizados para os fins da associação.
De ater ainda ao disposto nas Normas Gerais das Associações de Fiéis, designadamente, nos seus artigos 7.º e 23.º, de acordo com os quais, todas as associações de fiéis estão sujeitas à vigilância da autoridade eclesiástica competente, no caso o Ordinário do lugar e que possibilita a este, em circunstâncias especiais, quando razões graves o exigirem, a nomeação de um comissário que em seu nome dirige temporariamente a associação”.

Concordando com esta interpretação do regime de vigilância/intervenção da autoridade eclesiástica competente no sentido de que ele se também se estende às associações privadas de fiéis, indo ao ponto de ter como legítima a nomeação no respectivo âmbito de comissários temporários, verificada que seja a presença de uma razão grave, não está esta Relação – como não está nenhum outro tribunal não eclesiástico – legitimada a declarar a validade ou invalidade dos Decretos Bispais que, invocando precisamente o grave condicionalismo aludido na lei, nomearam os mencionados comissários para a 1ª A..
Há, portanto, um particular e grave condicionalismo para a intervenção do Ordinário nas associações de fiéis com reconhecimento canónico – no caso, foi a 1ª A. canonicamente erecta na vigência do anterior CDC – mesmo quando se trata da gestão e funcionamento de uma associação privada de fiéis.
Ora é esse particular condicionalismo que surge na motivação do primeiro dos Decretos Bispais agora atacado.
É que, na verdade, para além da invocação do governo corrente privado, também não há quaisquer normas de direito estadual civil que sejam questionadas pelos Decretos Bispais cuja declaração de nulidade vem pedida.
Para as Autoras, a nulidade em apreço assentaria num suposto desrespeito das regras de organização, estrutura, gestão e funcionamento de uma pessoa de direito canónico – para as Autoras constituída em associação privada de fiéis, para nós integrando uma verdadeira associação pública de fiéis – segundo o regime e a disciplina previstos no Código de Direito Canónico.
Ou seja, as regras cuja infracção poderia ditar a nulidade dos Decretos Bispais pertencem exclusivamente à ordem jurídica canónica.
Por conseguinte, não tinha o tribunal a quo como não tem a Relação – fundamento para se pronunciar sobre uma relação de direito canónico como é aquela que se estabelece entre uma pessoa de direito canónico como é a 1ª A. e a autoridade eclesiástica corporizada no Bispo de ...
Com esse alcance, o dito pronunciamento seria mesmo indiscutivelmente violador da regra da separação jurisdicional consagrada no art.º 11 da Concordata em vigor.
Sem afrontar o acórdão que anteriormente tomou partido pela competência dos tribunais estaduais para a presente causa, temos para nós que um hipotético pronunciamento visando aquilatar da validade ou invalidade de um acto com tal cunho ou origem representaria uma inaceitável intromissão na esfera que está reservada a essa autoridade e aos meios e formas de impugnação previstos pela ordem jurídica canónica.
Situação inteiramente diferente seria a de esta Relação ser colocada no papel de apreciar e decidir dos efeitos civis (isto é, no plano estritamente patrimonial) dos aludidos decretos Bispais no pressuposto da respectiva existência, validade e eficácia na ordem jurídica canónica.
Mas não é essa pretensão das Autoras, pois embora na vertente acção queiram fazer valer determinadas consequências civis de carácter patrimonial (atinentes à validade dos actos praticados pelo comissário bispal em representação da 1ª A. e à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais derivados dessa actuação) elas apenas se desencadeariam por força da declaração de nulidade dos falados decretos de Julho de 2008 e Julho de 2009 do Sr. Bispo de ... por um tribunal estadual.
O pedido fulcral é o da nulidade dos dois decretos da autoridade eclesiástica; o da ilegalidade/nulidade dos actos praticados à sombra dos mesmos pelo comissário bispal e, bem assim, o da indemnização pelos danos ocasionados com tais actos são pedidos que decorrem da declaração da nulidade dos decretos.
É certo que, de um ponto de vista prático, o objectivo da acção é o de declarar a ilegalidade/nulidade da representação da 1ª A. pelos comissários imposta pelos Decretos Bispais.
Todavia, é insofismável que, na tese das AA., para que essa representaçãoque se impõe qua tale pela autoridade eclesiástica de quem a determinou – pudesse ser invalidada careceria de ser simultaneamente invalidada a sua fonte, isto é, haveria que declarar a invalidade do primeiro decreto de que dimanou e daquele que prorrogou os seus efeitos.
Em suma, conhecendo embora do objecto do recurso, mas constatando que esta Relação não pode declarar a nulidade dos actos da referida autoridade eclesiástica – que, aliás, foram actos destinados a regular de forma excepcional a organização e funcionamento de uma pessoa de direito canónico com a apontada natureza (de associação pública de fiéis) – a sentença ora recorrida, ao julgar a acção improcedente e absolver os RR. do pedido, não poderá deixar de ser mantida.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.

Coimbra, 16 de Outubro de 2018
Dr(a). Freitas Neto
Dr(a). Carlos Barreira
Dr(a). Barateiro Martins