Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
723-C/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DISPENSA DE PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2006
Data do Acordão: 01/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTº 66º, Nº 1, DA LEI Nº 60-A/2005, DE 30/12
Sumário: I – Uma das formas encontradas, através do artº 66º, nº 1, da Lei nº 60-A/2005, para levar a cabo a intenção de descongestionamento dos tribunais foi estimular as partes à auto-composição dos seus litígios, mediante a dispensa do pagamento das respectivas custas judiciais.

II – Entre essas formas de auto-composição encontra-se a transacção, a qual é um dos meios legalmente previstos para pôr termo aos processos e levar à extinção da instância.

III – A lei, no entanto, impôs como condição para que tal dispensa de pagamento de custas pudesse ocorrer, que a acção tivesse sido instaurada até ao dia 30/09/2005 e que o requerimento de auto-composição do litígio fosse apresentado até ao dia 31/12/2006 (entre 1/01/2006 e 31/12/2006).

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No 4º juízo cível, autuada sob o nº 723/2002, correu termos a acção declarativa, com forma de processo ordinário, na qual A..., foi demandada como Ré.

2. Acção essa que foi instaurada no ano de 2002 e à qual foi posto termo na sequência de transacção lavrada em plena acta de julgamento, tendo as partes aí acordado, além do mais, se responsabilizar em partes iguais pelo pagamento das custas.
Transacção essa outorgada em 06/07/2005, e que logo nessa mesma data foi ali homologada, embora em termos condicionais, por sentença judicial, vindo a ser convertida em homologação definitiva, por despacho judicial de 10/11/2005 (tendo ambas as decisões transitado em julgado).

3. Em 14/04/2007, foram os autos remetidos à conta.
E na sequência da conta que foi então elaborada, em 26/04/2007, foi a ré dela notificada, para efeitos de reclamação da mesma ou do pagamento das custas da sua responsabilidade nela liquidadas.

4. A ré apresentou então, em 25/05/2007, requerimento de reclamação, insurgindo-se contra a remessa dos autos à conta, por entender não haver lugar a tal remessa, estando a mesma dispensada do pagamento das custas nessa acção, por aplicação do disposto no artº 66, nº 1, da Lei nº 60-A/2005 de 30/12.

5. Por despacho judicial (seguindo a tese defendida, quer pelo srº contador, quer pela digna representante do MºPº junto do tribunal) foi indeferida tal reclamação.

6. A ré interpôs então recurso de tal despacho, o qual foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.

7. A ré/agravante concluiu as suas alegações de recurso defendendo, em síntese, a revogação do despacho agravado, por ser aplicável ao caso o disposto no artº 66, nº 1, da Lei nº 60-A/2005 de 30/12, do qual resulta a sua dispensa do pagamento de custas e sem que haja lugar à elaboração da conta.

8. A exma Magistrada do MºPº junto daquele tribunal, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

9. O srº juiz a quo proferiu, de forma tabelar, despacho de sustentação do despacho agravado.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
A) De facto.
Com relevância para a decisão do recurso devem ter-se como assentes os factos supra descritos sob o ponto I (vg. nºs 1 a 5).
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B) De direito.
Como é sabido, e pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto (cfr. artºs 684, nº 3, e 690, nº 1, do CPC, sendo o último na redacção anterior ao DL nº 303/2007 – cfr. artºs 9, al. a), 11, nº 1, e 12, nº 1).
Ora, tal como decorre das conclusões das alegações do recurso – e bem assim, aliás, daquilo que supra se deixou exarado -, verifica-se que a única questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se, nesta acção, a ré está, ou não, dispensada do pagamento de custas - ainda em divida e da sua responsabilidade -, por força da aplicação do artº 66, nº 1, da Lei nº 60-A/2005 de 30/12?
A ré/agravante/entende que sim, ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo e pela ilustre representante do MºPº.
Vejamos.
A resposta a tal questão passa pela forma como interpretar e aplicar o citado artigo 66, nº 1, da Lei nº 60-A/2005.
Normativo esse que reza assim: “Nas acções cíveis declarativas e executivas que tenham sido propostas até 30 de Setembro de 2005 … e venham a terminar por extinção da instância em razão de desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 2006, há dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas pelos autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição do que já tiver sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva conta”.
O referido normativo integra-se na Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2006.
E do relatório dessa Lei extrai-se que entre os objectivos do Governo de então figurava a intenção de proceder ao descongestionamento dos tribunais, com vista a permitir a realização de uma justiça mais célere e pronta, promovendo-se e estimulando-se para o efeito a auto-composição dos litígios.
E é nesse âmbito e com tal desiderato que, naquela Lei, surge o Capítulo XIII, sob a epigrafe “Incentivos excepcionais para o descongestionamento das pendências judiciais”, e no qual se encontra o citado artº 66, especificamente sob a epígrafe de “Incentivos à extinção da instância”.
Lei essa que foi publicada em 30/12/2005 e que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006 (artº 108).
Resulta, assim, da aludida Lei que uma das formas encontradas, através do citado artº 66, nº 1, para levar a efeito a declarada intenção de descongestionamento dos tribunais foi estimular as partes à auto-composição dos seus litígios, “acenando-lhes” para o efeito com a dispensa do pagamento das respectivas custas que normalmente seriam devidas em consequência de tais actos de auto-composição susceptíveis de conduzir à extinção da instância.
E entre essas formas de auto-composição ali previstas encontra-se precisamente a transacção, a qual, como se sabe, é um dos meios legalmente previstos para pôr termo aos processos e levar à extinção da instância (cfr. artºs 294 e 287 al. e) do CPC).
A Lei (que é excepcional) impôs, todavia, ainda como condição, para que tal dispensa de pagamento de custas pudesse ocorrer, que acção (neste caso declarativa) tivesse sido instaurada até ao dia 30/09/2005 e que o requerimento de auto-composição do litígio fosse apresentado até ao dia 31/12/2006.
Se aquele primeiro pressuposto (quanto à data limite em que a acção em causa tenha que ter sido proposta) não suscita problemas ou dificuldades de interpretação (pois só poderão beneficiar do referido regime de excepção as acções propostas até ao sobredito dia 30/9/2005) já, a nosso ver, o mesmo não sucede com o segundo dos referidos pressupostos (temporais) exigidos para o efeito (limite temporal durante o qual deve ser apresentado o requerimento ou lavrado o acto que conduz à extinção da acção – cfr., a propósito, artº 300 do CPC). Dificuldades essas que, quanto a esse 2º pressuposto, se colocam não quanto à data do limite da apresentação do aludido requerimento (a qual terá sempre que ocorrer até ao dia 31/12/2006) mas somente quanto à data da contagem do seu inicio, isto é, sobre a data a partir da qual o mesmo pode ser apresentado.
Muito embora a Lei (na redacção da letra do citado normativo), a tal propósito, se revele ou se apresente, a nosso ver, algo confusa, haverá, na resposta a dar, que atender ou ponderar no seguinte:
Que a referida Lei entrou apenas em vigor no dia 1/1/2006 (tendo sido publicada dias antes, ou seja, no dia 30/12/2005).
Que com a mesma (na parte aqui em questão) se visava estimular as partes à auto-composição dos litígios pendentes em tribunal, “oferecendo-lhes”, grosso modo, como “contrapartida”, a dispensa do pagamento das custas (à semelhança, diga-se, do que já havia acontecido com a Lei nº 3-B/2000 de 4/4 – artº 73º – e voltou recentemente a acontecer com a publicação do DL nº 385/2007 de 19/11 – artºs 1º e 2º -, com redacções e objectivos idênticos aos do referido diploma que vimos analisando).
Que até à entrada em vigor dessa Lei as partes não tinham sequer qualquer fundada expectativa jurídica de vir a auferir do benefício por ela criado.
Que o normativo acima citado se integra na Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2006.
Assim, na conjugação de tais de tais elementos, afigura-se-nos que a melhor interpretação a dar a tal normativo é aquela que vai no sentido de considerar também como um dos pressupostos da aplicação do benefício de dispensa do pagamento de custas nele consagrado que o requerimento contendo o pedido de auto-composição do litígio tenha sido apresentado no período de tempo compreendido entre a entrada em vigor da citada Lei nº 60-A/2005, ou seja, entre a 1/1/2006 e 31/12/2006. Interpretação essa que é aquela que, a nosso ver, mais está em consonância com o elemento teleológico (e até histórico) do norma em causa e da Lei em que se insere, e até ainda com o próprio artigo 12 do CC.
Sendo assim, compulsando o caso em apreço verifica-se, desde logo, a falta desse pressuposto legal, para que a ré/agravante possa beneficiar da dispensa do pagamento de custas ali consagrado. Na verdade, a transacção com a qual as partes puseram termo à causa, ou seja, ao litígio, foi celebrada, em plena acta de audiência de julgamento, no dia 6/7/2005 – tendo logo ali sido homologada por sentença judicial, embora em termos condicionais, vindo mais tarde, em 10/11/2005, a ser convertida em homologação definitiva -, e, portanto, muito antes da entrada em vigor da aludida Lei.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entenda, sempre a pretensão recursiva da ré terá de naufragar e pelo seguinte:
Como resulta quer do citado normativo legal, quer de tudo o que supra se deixou exarado (nomeadamente quanto à razão de ser do mesmo), exigia-se, como primeiro dos pressupostos legais da sua aplicação, que a respectiva acção ou causa ainda (à data da entrada em vigor da citada Lei) se encontrasse pendente, isto é, que a instância ainda não tivesse sido extinta, pois o objectivo que se pretendia atingir com o benefício excepcional concedido por tal normativo era levar precisamente as partes a extinguirem a instância, isto é, a porem termo às causas ou litígios pendentes em acções a correr nos tribunais.
Como ressalta do acima já expresso, a transacção é precisamente um dos meios auto-compositivos legalmente previstos para por termo às causas e levar à extinção da respectiva instância (cfr. os acima já citados artºs 294 e 287 al. d), do CPC).
Como resulta também do supra exposto, e nomeadamente da matéria factual assente, quando a citada Lei 60-A/2005 entrou em vigor já as partes haviam celebrado acordo de transacção com vista a porem termo ao litígio que as opunha e bem assim já há algum tempo tal transacção havia sido homologada, por sentença judicial devidamente transitada. Sentença essa que, assim, determinou a extinção das instância. Conclusão essa que não pode ser beliscada pelo facto de o processo (por razões relacionadas com a organização e funcionamento dos serviços internos do tribunal, e que aqui concretamente se desconhecem) só ter sido remetido à conta no dia 14/4/2007, ou seja, decorrido que foi cerca de ano meio após a prolação da sentença homologatória da referida transacção, e, portanto, já muito depois da publicação e entrada em vigor daquela Lei. A “pendência” do processo nessas condições apenas releva para efeitos contabilísticos (de contagem de custas) e estatísticos, não podendo, como vimos, confundir-se com o conceito de pendência da causa (litigiosa) ou da instância.
Aliás, outro entendimento levaria a que, por exemplo, ainda agora a agravante pudesse também usufruir de benefício idêntico que foi concedido pelo recentemente publicado DL nº 385/2007 de 19/11 (cfr. artºs 1º e 2º).
Concluindo, assim, não estarem, preenchidos os respectivos pressupostos legais, não poderá a ré beneficiar da dispensa de pagamento de custas concedida pelo 66, nº 1, da citada Lei nº 60-A/2005.
E nestes termos nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, pelo que se terá de julgar, como julga, improcedente o recurso.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de agravo), confirmando-se a decisão da 1ª instância.
Custas do recurso pela ré/agravante.

Coimbra, 2008/01/29