Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2698/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA
REQUISITOS
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 342º, Nº 1, DO C.CIVIL E AL. A) DO Nº 2 DO ARTº 193º DO C.P.CIVIL.
Sumário: I – São requisitos do embargo judicial e da ratificação de embargo extrajudicial de obra nova (artº 412º do C.P.Civil):
a) - que o requerente seja titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse;

b) - que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;

c) - que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízos ao requerente.

II – Compete ao requerente a prova da verificação desses requisitos (artº 342º, nº 1, do C.Civil), devendo, para isso, alegar os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, indicando de forma clara, em que consiste o seu direito, em que medida é que se julga ofendido nesse direito, que tipo de obra, trabalho ou serviço novo é que está a ser levado a efeito e que prejuízos a obra, trabalho ou serviço novo lhe causam ou ameaçam causar.

III – A falta de tais elementos traduz-se em omissão da causa de pedir, geradora da ineptidão do requerimento inicial, nos termos da al. a) do nº 2 do artº 193º do C.P.Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra :


A... e esposa, B..., requereram, em 06/04/2005, no Tribunal da comarca de Leiria, ratificação de embargo de obra nova, contra C... e D..., com os seguintes fundamentos, em síntese:
Os requerentes são proprietários de um prédio urbano sito em Lagoas, Azóia, que confronta a norte com João Ferreira Bernardino (sobrinho), a sul com João Fereira Bernardino, a nascente com Regueira e a poente com caminho público (Estrada da Azóia/ Vale do Horto).
Os requeridos andam a construir um imóvel urbano de equipamento mesmo em frente à casa de habitação dos requerentes, que pretendem destinar a morgue.
Para além da dita construção não respeitar os mais elementares princípios destinados a licenciar as construções urbanas, o espaço ocupado invade terreno pertencente aos requerentes e não respeita o destino que estes lhe deram quando cederam algum do seu terreno para caminho ou rua pública.
A Junta de Freguesia dispunha, no local de 1/20 de um terreno de pinhal que lhe foram doados por Maria Leonor Cardoso Coelho Pereira e Maria Benedita Cardoso Coelho Pereira, correspondendo a fracção doada a 498,50 m2 indivisos.
Fazendo fraccionamento ilegítimo, a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal iniciaram a dita construção e, desrespeitando acordo feito com os requerentes

estão, com base nos 470 m2 cedidos pelos requerentes, e fazendo uso desta área, a construir a dita morgue numa área constante do projecto de 584,7 m2.
A construção não só invade, do lado nascente, terreno dos requerentes como, violando acordo realizado com estes, serve-se dessa área para legitimar a construção já que, dispondo apenas de uma parte aliquota, correspondente a 1/20 de um bem cuja área total é de 9.970 m2, nunca poderiam ali levar a efeito qualquer construção, construção essa que causa prejuízo sério à propriedade dos requerentes e viola o acordo firmado expressamente entre eles.
No dia 01/04/2005, os requerentes fizeram embargar extrajudicialmente a dita obra, na pessoa do encarregado desta, ordenando-lhe que a não continuasse, o que este não acatou.
Juntaram documentação a fls 6 a 18, inclusive, cuja análise evidencia várias fotografias do local da obra; o auto de embargo extrajudicial de obra nova, assinado por duas testemunhas e pelo mandatário dos requerentes e ainda uma planta de implantação da construção da Casa Mortuária de Azóia, levada a cabo pela Junta de Freguesia de Azóia, bem como três declarações desta junta, de 25/11/1998, 13/04/1999 e 06/07/1999, respectivamente.
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A petição foi julgada inepta, por omissão e ininteligibilidade da causa de pedir, ao abrigo do disposto nos artºs 193º, 288º, 493º e 494º do Código de Processo Civil, uma vez que não resulta clara a invocada ofensa do direito de propriedade, já que não foi alegada concretamente a invasão do espaço ocupado, além de que os requerentes não concretizam o acordo que dizem ter sido violado pela junta de freguesia, e, de qualquer modo, por o embargo se inserir na impossibilidade legal estabelecida no artº 414º do C.P.C.
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Inconformados com a decisão, agravaram os requerentes, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª- Não existe ineptidão da P.I.
2ª- De facto não se verificam os efeitos expressos nas als. a), b) ou c) do nº 2 do artº 193º do C.P.C.
3ª- A P.I. é perfeitamente inteligível, tanto que a Mmª Juíza a quo tirou a ilação de que
“o caso se inseria nitidamente nos actos de gestão pública” – embora o fizesse

erradamente.
4ª- Por outro lado não é, nas providências cautelares análogas à presente necessário esgotar todos os elementos respeitantes à alegação e prova da propriedade ou direito ofendido, bastando-se a lei fumus boni juri.
5ª- Existe além disso um acordo, minimamente expresso nos documentos juntos com a P.I., donde resulta que a cedência dos metros quadrados feita pelo Agravante à Junta não previa qualquer aproveitamento do espaço para necretório.
6ª- Nem, com tal finalidade, o Agravante teria cedido qualquer parcela do seu terreno.
7ª- Por fim o Tribunal competente, atenta a causa de pedir, é o Tribunal comum e não o Tribunal de foro administrativo.
8ª- A Mmª Juíza a quo violou o disposto no nº 2 al. a), b) e c) do artº 193º, 414º in fine (a contrario); 288º e 668º nº 1, al. b), todos do C.P.C. e vária doutrina e jurisprudência.
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Os requeridos contra-alegaram, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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O Mmº Juiz a quo sustentou, tabelarmente, a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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O artº 412º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência) dispõe no seu nº 1 que “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra , trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
O nº 2 do mesmo normativo estatui que “o interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar”.
Resulta deste normativo que o embargo judicial e a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova obedecem aos seguintes requisitos:

a) - que o requerente seja titular de um direito de propriedade, de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse;
b) - Que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo;
c) - que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízos ao requerente.
A prova da verificação desses requisitos compete ao requerente, nos termos do disposto no nº 1 do artº 342º do Código Civil.
Para isso, no entanto, deve ele que alegar os factos de onde deriva o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, indicando, de forma clara, em que consiste o seu direito, em que medida é que se julga ofendido nesse direito, que tipo de obra, trabalho ou serviço novo é que está a ser levado a efeito e que prejuízos a obra, trabalho ou serviço novo lhe causam ou ameaçam causar.

No presente caso, como se disse, a petição foi julgada inepta, por se considerar que não resulta clara a invocada ofensa do direito de propriedade, já que não foi alegada concretamente a invasão do espaço ocupado, além de que os requerentes não concretizam o acordo que dizem ter sido violado pela junta de freguesia.
E, efectivamente, assim é.
Alegando os requerentes que os requeridos andam a construir um imóvel mesmo em frente à sua casa de habitação, que pretendem destinar a morgue, invadindo terreno pertencente aos requerentes, não concretizam, minimamente, em que parte do seu terreno e em que área está essa ocupação a ser levada a efeito.
Por outro lado, referem os requerentes que a junta de freguesia da Azóia violou um acordo feito com eles, requerentes, não respeitando o destino que estes lhe deram quando cederam algum do seu terreno para caminho ou rua pública. No entanto, ficamos sem saber que tipo de acordo foi celebrado, em que condições e quando, pelo que não é possível saber se existe a violação invocada.
A falta de tais elementos traduz-se na omissão da causa de pedir, como bem se decidiu no despacho recorrido, geradora da ineptidão do requerimento inicial, nos termos da al. a) do nº 2 do artº 193º.
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Sendo de manter o despacho recorrido, torna-se despiciendo estar a apreciar se as obras não podem ser embargadas com fundamento no disposto no artº 414º, até porque tal despacho não julgou inepto o requerimento inicial com base nesse normativo.
De qualquer modo, sempre se dirá que as obras não poderiam deixar de ser embargadas com o fundamento de o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, uma vez que os requerentes não trouxeram, como acto donde derive o direito para o qual pretendem a tutela judiciária, um acto de gestão pública, nem peticionam uma responsabilidade civil administrativa, limitando-se a invocar um direito de propriedade que querem ver reconhecido e defendido e com base no que têm por sua violação formulam o respectivo pedido de embargo (cfr. Ac. do S.T.J. de 04/03/1997, CJ, T 1-125).
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.