Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1005/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: CASO JULGADO
FACTOS CONSTANTES DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO
ACESSÃO INDUSTRIAL
BENFEITORIA
Data do Acordão: 05/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS. 498º DO CPC ; 216º, Nº 1, 1325º, 1340º DO C. CIV. .
Sumário: I – Os factos considerados como provados nos fundamentos de uma sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de deles se extrair outras consequências além das contidas na decisão final, designadamente para efeitos do seu aproveitamento em outros processos judiciais entre as mesmas partes .
II – Na acessão industrial imobiliária, quando reportada à edificação de obra, à sementeira ou plantação feitas de boa fé por alguém em terreno alheio, há sempre e necessariamente que distinguir entre se o benefício material resultante da incorporação ou união ao terreno se traduz numa mera benfeitoria para este ou numa realidade passível de conduzir à acessão .

III – As benfeitorias e a acessão são fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa beneficiada .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :

I

No Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, A... e mulher B..., residentes no lugar de Litrela, freguesia de Santiago de Besteiros, concelho de Tondela, instauraram contra C... e mulher D..., residentes na Rua Paulo Emílio, nº 97, R/C - D.tº, em Viseu, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação dos R.R. a ver reconhecido a favor dos A. A. o direito destes adquirirem, por acessão industrial imobiliária, a propriedade do prédio rústico referido na acção, pelo preço de € 740,00 , acrescido de juros desde o seu depósito, com o consequente cancelamento de quaisquer registos a favor dos R.R. sobre tal imóvel ; ou, que os R.R. sejam condenados a pagar aos A.A. a quantia de € 5.000,00 , correspondente às obras e melhoramentos incorporados no prédio, com juros de mora desde a citação .

Para tanto e muito em resumo, alegaram os A.A. que em acção de preferência movidas pelos aqui R.R. contra os aqui A.A. e outros, foi àqueles reconhecido o direito de preferência na aquisição de um prédio rústico, constituído por pinhal, sito à Porqueira, limite de Litrela, freguesia de Santiago de Besteiros, prédio esse inscrito na matriz respectiva sob o artigo nº 5978, pelo preço de € 498,80 .

Que por efeito da decisão proferida nessa acção, devidamente transitada em julgado, foram os ora A.A. substituídos na sua posição de adquirentes desse imóvel pelos agora R.R. , face ao que todas as obras, sementeiras, plantações, limpezas e melhoramentos levados a cabo pelos agora A.A. nesse prédio, têm de ser consideradas como feitas em prédio alheio .

Que em 1986 os agora A.A. terraplanaram o terreno desse prédio, aí tendo semeado pinhão, e plantado eucaliptos e cedros, além de nele terem aberto um poço com cerca de 10 metros de fundo, que revestiram com anéis de cimento e com tijolo .

Que tais melhoramentos foram efectuados de boa fé, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, dado que então os agora A.A. estavam na posse do prédio e convencidos de que eram seus donos .

Que nesses melhoramentos os A.A. gastaram mais de € 5.000,00 , sendo que os ditos não podem ser separados do prédio , pelo que valorizaram o prédio, o qual passou a valer cerca de € 6.282,00 .

Que, por isso, estão reunidos os requisitos necessários pata a verificação da acessão industrial imobiliária desse prédio pelos agora A., como se pretende .


II

Contestaram os R.R., alegando, muito em resumo, que logo após os agora A.A. terem adquirido o prédio em questão, procederam eles ao desbaste da floresta nele existente, pelo que mais nada fizeram do que conservá-lo e melhorá-lo, o que não tem a virtualidade de fundamentar qualquer pedido de acessão imobiliária .

Que a abertura do poço alegada pelos A.A. não é mais do que uma benfeitoria, com carácter precário e até ilegal, pelo que também não tem a virtualidade de trazer qualquer benefício ao prédio, até porque essa abertura apenas se destinou a beneficiar terceiros no que concerne ao aproveitamento da água explorada .

Que, além disso, quando os agora A.A. agiram sobre o referido terreno eram eles seus legítimos donos, pelo que não se pode aceitar que tenham edificado obra ou construção em terreno alheio .

Que, porém, as alegadas benfeitorias, a terem existido, não custaram mais do que cerca de € 100,00 , e destinaram-se a compensar o desbaste da floresta efectuado .

Terminaram pedindo a improcedência da acção .


III

Responderam os A.A., mantendo tudo quanto antes haviam alegado .


IV

Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva da acção, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria da facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos .


V

Dessa sentença interpuseram recurso os A.A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que apresentaram os Apelantes concluíram do seguinte modo :

1ª a 18ª - ...

19ª- Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida e, consequentemente, serem os R.R. condenados no pedido .


VI

Contra-alegaram os Apelados, defendendo que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto apresentada pelos Apelantes por não estarem preenchidos os pressupostos necessários para essa impugnação, e que, quanto ao mais, deve improceder a apelação, por falta de fundamentação das conclusões apresentadas pelos Apelantes .


VII

Neste Tribunal da Relação foi aceite o Recurso tal como foi admitido em 1ª Instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “ vistos” legais, pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto de tal recurso .

Este objecto, dadas as conclusões formuladas pelos Apelantes, pode resumir-se às seguintes questões :

A – Apreciação da decisão sobre matéria de facto proferida em relação aos quesitos 14º e 23º .

B – Reapreciação dos pressupostos inerentes ao reconhecimento da invocada acessão industrial imobiliária por parte dos Apelantes .

C – Reapreciação da decisão sobre o invocado direito a benfeitorias a favor dos Apelantes .

Começando a nossa análise pela primeira das apontadas questões, importa, desde logo, que nos atenhamos às razões pelas quais os Apelantes pretendem ver alteradas as decisões proferidas sobre os referidos quesitos da base instrutória .

No quesito 14º pergunta-se se “ ( os actos referidos no quesito 10º - abertura de um poço e de uma vala; o encanamento e condução da água; o revestimento do poço com anéis de cimento e com paredes de tijolo; a abertura de um furo de broca no fundo do poço; a cobertura do poço com placa de cimento; a sementeira de pinhão ; a plantação de cedros e de eucaliptos; a manutenção, limpeza e conservação do terreno feitas pelos Apelantes ) aumentaram o valor do pinhal de € 498,80 para cerca de € 6.282,00 “ .

No quesito 23º pergunta-se se “ o poço não veio trazer qualquer valor acrescido ao pinhal “ .

Este quesito mereceu a resposta de “provado “ e aquele outro a resposta de “ não provado “ .

Pretendem os Apelantes que tais quesitos sejam respondidos de forma inversa ou contrária .

Quanto ao quesito 14º, baseiam-se os impugnantes, para o efeito, na circunstância de em anterior acção processada no mesmo Tribunal e entre as partes nesta mesma acção – uma acção de preferência movida pelos agora Apelados aos agora Apelantes e outros – se haver dado como provado que “ a compra e venda ( nesse processo referenciada ) foi efectuada pelo preço de Esc. 100.000$00, sendo certo que poucos meses decorridos sobre a alienação do prédio objecto da preferência foram cortados pinheiros no dito prédio e procedeu-se à sua terraplanagem, nele tendo sido semeados pinhões e plantados eucaliptos e cedros, além de nele ter sido aberto um poço com cerca de 2 metros de diâmetro e 10 metros de profundidade, revestido com anéis de cimento e com tijolo ... , prédio esse que hoje vale cerca de € 6.282,00 “ , o que, no seu entender, e por si só, justificaria uma resposta positiva ao referido quesito .

Analisando a fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, damos conta que tal questão foi aí abordada de forma extensa, onde se defende que os factos considerados como provados nos fundamentos de uma sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para efeitos de deles se extrair outras consequências além das contidas na decisão final ( opinião esta que é retirada do Manual de Processo Civil, do Prof. Antunes Varela , que aí se cita ) .

Em função dessa opinião, entendeu-se e decidiu-se que “ a força do caso julgado não se estende aos factos fundamentadores da decisão na acção de preferência, não tendo a eficácia pretendida pelos autores “ .

Apreciando, não podemos deixar de concordar com essa tomada de posição acerca da questão sobredita, tanto mais que resulta das certidões juntas aos autos relativas a essa acção de preferência que na mesma não foi objecto de discussão nem de decisão o eventual ressarcimento do obrigado ao reconhecimento do direito à preferência por benfeitorias por si introduzidas no prédio, na sua qualidade de possuidor do dito .

Com efeito, da certidão de fls. 95 a 120 , retirada do processo sumário nº 273/98, do Tribunal Judicial de Tondela, resulta que os R.R. nessa acção não deduziram qualquer pedido reconvencional, tendo-se limitado a contestar o invocado direito de preferência .

Logo, todos os factos aí dados como assentes são absolutamente estranhos a qualquer discussão sobre o valor das obras, sementeiras ou plantações levadas a cabo no prédio pelos seus adquirentes obrigados a ceder o prédio, tanto mais que o valor aí dado como assente de € 6.282,00 se reporta ao valor atribuído à data para o prédio ( 2002 ) , o qual havia sido vendido em 1986 por Esc. 100.000$00, e não ao valor que resultou para o prédio das obras e sementeiras nele levadas a cabo tempos antes ...

Tenha-se em atenção o que se escreve no Acórdão desta Relação proferida nessa dita acção, sobre a desproporção verificada entre os valores supra referidos, onde se faz salientar : “a desproporção dos valores ... é em parte proveniente das benfeitorias que os apelantes nele realizaram, com a replantação e substituição arvense, a abertura de um poço, ... , e noutra parte resulta da própria valorização da propriedade fundiária, passados que foram cerca de 5 anos, em percentagem relativa que não ficou demonstrada ... , bem como em função da depreciação da moeda ...“ .

Donde a conclusão de que não há “caso julgado“ que possa aproveitar aos Apelantes para o efeito pretendido, tanto mais que não há sequer repetição dos pedidos e das causas de pedir entre a presente acção e a referida acção de preferência, o que seria necessário como requisito dessa excepção – artº 498º, nºs 1, 2 e 3, do CPC .

Concluindo, no que respeita à matéria do quesito 14º da base instrutória, em nada aproveita aos Apelantes, para a sua prova, uma qualquer decisão judicial anterior proferida noutro processo, designadamente na acção de preferência supra referida, pelo que importa manter a decisão proferida sobre esse quesito, dada a ausência de prova quanto ao mesmo, conforme se refere na fundamentação da decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto quesitada .

No que respeita ao quesito 23º, que mereceu uma resposta no sentido de que “ o poço não veio trazer qualquer valor acrescido ao pinhal “, com base em depoimentos testemunhais que são referidos, ao destino do prédio e sua implantação em zona REN, ao facto do terreno não poder ser regado, possibilitando a existência de outras culturas, para além das existentes, e dado que a água desse poço se destina exclusivamente a outros prédios ( para casa de uma filha dos Apelantes, a uma distância de 200 metros ), também nada se oferece criticar, carecendo de razão os R.R. na sua impugnação relativa a este ponto, porquanto o que importava apurar era o benefício resultante para o prédio da abertura do poço, o que, como resulta do supra exposto, foi nenhum, não sendo notório o contrário, como alegam os Apelantes .

Antes de prosseguirmos na análise das questões supra enunciadas importa fazer referência a uma “ pseudo “ questão suscitada pelos Apelantes e referente a uma alegada manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada na resposta ao quesito 1º e a ausência do direito a benfeitorias ... , para remetermos tal questão para a abordagem a fazer sobre o eventual direito a benfeitorias .

Do exposto resulta que nada há a alterar à matéria de facto considerada como assente, matéria essa que consta dos seguintes pontos :


...

***


Prosseguindo na abordagem da 2ª questão enunciada, afigura que se deve dizer que a pretensão formulada pelos Apelantes/Autores no sentido de quererem adquirir a propriedade do prédio objecto do reconhecimento de direito de preferência através do instituto da acessão industrial imobiliária, carece de toda e qualquer razão legal, sem o que estava descoberta uma fórmula legal de negar o próprio direito de preferência expressamente reconhecido por sentença transitada em julgado .

Com efeito, na acessão industrial imobiliária ( instituto legal que prevê a união de um prédio - terreno – de um dono, com uma obra , sementeira ou plantação, pertencentes a outrem ), quando reportada à edificação de obra, à sementeira ou plantação feitas de boa fé por alguém em terreno alheio, caso este previsto no artº 1340º do C. Civ., há sempre e necessariamente que distinguir entre se o referido benefício material resultante da incorporação ou união ao terreno se traduz numa mera benfeitoria para este ou numa realidade passível de conduzir à acessão ( forma originária e específica de aquisição da propriedade, nos termos do artº 1325º do C. Civ. – veja, entre outros, o Prof. José de Oliveira Ascensão in “ Estudos sobre a superfície e a acessão “ ) .

Conforme bem referem os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “ Código Civil Anotado “ , vol. III, pg. 148, “ a benfeitoria e a acessão, embora objectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas . A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela . São benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo enfiteuta, pelo possuidor, pelo locatário, pelo comodatário e pelo usufrutuário; são acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional .

As benfeitorias estão sempre dependentes de uma relação jurídica ( posse, locação, comodato, usufruto, ... ), pelo que têm o aspecto de excepcionais em relação à acessão, que será a regra ... As benfeitorias e a acessão são fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule à pessoa a coisa beneficiada .”

Em sentido idêntico, pelo menos quanto ao resultado, e com um maior desenvolvimento, pode ver-se o estudo do sr. Juiz Desembargador Quirino Soares, sobre “ Acessão e Benfeitorias “, in Col. Jur. do STJ, ano IV, tomo I, pg. 11 e segs., onde muito claramente expõe o seguinte : “ No dizer da lei ( artº 216º do C. Civ. ), benfeitoria é uma despesa feita para conservar ou melhorar a coisa . Despesa « natural» ou «material», isto é, que se concretiza em actos materiais de obra na coisa beneficiada ...

Benfeitoria é um facto material, uma despesa, um fenómeno da vida económica com relevância jurídica ...

Acessão constitui um título de aquisição do direito de propriedade imobiliária, ao lado da compra e venda, da usucapião, p. ex..

A necessidade de distinção, ou o confronto, entre acessão e benfeitoria só emerge nas hipóteses de acessão industrial imobiliária que resultam da intervenção em terreno alheio ( os casos dos artºs 1340º a 1342º ), ...

Na medida em que possa ser qualificada como “ despesa feita para conservar ou melhorar “ o prédio alheio, toda a incorporação ( obra, sementeira ou plantação ) prevista nos artºs 1340º a 1342º é, assim, potencialmente regulável pela disciplina das benfeitorias, desde que o interveniente possa ser considerado um possuidor em nome próprio, ou esteja, relativamente ao prédio, numa das relações ( locação, comodato, usufruto ) que conferem os direitos correspondentes: arts. 1273º a 1275º - posse ; 1046º - locação ; 1138º - comodato ; 1450º - usufruto ; 14º e 15º do Dl nº 385/88, de 25/10 – arrendamento rural .


...

O problema da delimitação dos campos de incidência dos institutos da acessão e das benfeitorias só pode resolver-se através do confronto dos efeitos próprios de cada um, à luz da função que desempenham no ordenamento jurídico relativo às coisas .

...

Quando a intervenção do possuidor convoque, ao mesmo tempo, o regime das benfeitorias e o da acessão, a solução ajustada do conflito de regimes legais será a de, em princípio, aplicar o das benfeitorias, que é o regime regra, e se destina a encorajar as obras de conservação e melhoramento da coisa possuída, na prossecução do aludido interesse social .

...

Como os dois ilustres mestres ( Pires de lima e A. Varela ), entendo, assim, que a acessão industrial imobiliária está reservada aos juridicamente estranhos à coisa; mas isto só em princípio, pois que, quando a relação jurídica que liga o interventor à coisa é a possessória, relação esta que não compreende um vínculo bilateral, mas, antes, universal, a acessão ocupará o lugar do regime das benfeitorias sempre que, por efeito daquela, se opere a aquisição, pelo interventor, do domínio da coisa incorporada, e a consequente perda de tal domínio por parte do que era dono do terreno à data da incorporação . “

No mesmo sentido se tem vindo a pronunciar a jurisprudência, como resulta, p. ex. , dos Acs. do STJ de 9/05/1995; de 8/02/96; e de 25/03/1996, in, respectivamente, C. J. do STJ, ano III, tomo II, pg. 70 ; e C.J.STJ, ano IV, tomo I, pgs. 80 e 153 .

Veja-se, ainda, o Prof. Vaz Serra, in “ RLJ, ano 106º, pg. 109 ; e RLJ ano 108º, pg. 266 “ .

Face ao exposto, uma vez que os aqui Autores e Apelantes adquiriram o prédio (sobre o qual agora vêm deduzir o pedido de reconhecimento de um seu pretenso direito de aquisição por acessão industrial imobiliária – pinhal sito à Porqueira, limite de Litrela, freguesia de Santiago de Besteiros, concelho de Tondela, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo nº 5.978 - ) através de uma escritura pública de compra e venda outorgada em 16/07/1986, em que foram adquirentes desse imóvel, e do qual tiveram de abrir mão a favor dos ora R.R. , face ao reconhecimento de um direito de preferência nessa aquisição a favor destes, conforme decisão transitada em julgado proferida na acção nº 273/98, do Tribunal de Tondela, sentença essa datada de 26/08/2002, e pela qual foram os agora autores condenados a abrirem mão de tal prédio e a verem-se substituídos pelos agora Réus naquela referida aquisição, sendo-lhes adjudicada a propriedade sobre o referido prédio, decisão essa que foi confirmada por acórdão da Relação de Coimbra, dúvidas não podem haver acerca da ligação jurídica dos agora autores e apelantes ao prédio que agora pretendem adquirir de novo, no momento em que terraplanaram o terreno, nele tendo semeado pinhão, plantado eucaliptos e cedros, e onde também abriram um poço, cuja água passaram a canalizar para uma casa de sua filha, a uma distância de cerca de 200 metros .

Isto é, quando os agora autores e apelantes efectuaram tais obras de melhoramento no referido prédio, eles eram os efectivos proprietários do prédio, face à escritura de compra e venda que efectuaram a seu favor, pelo que agiram com esse tipo de ligação jurídica efectiva, legal e real ao prédio, ligação essa na qual apenas foram substituídos pelos agora R.R., face à procedência da acção de preferência que estes posteriormente lhes propuseram e que lograram vencer .

Logo, tais obras incorporadas no prédio jamais permitirão ao incorporante das mesmas a respectiva aquisição pelo instituto da acessão, porquanto estas obras têm de ser consideradas apenas como benfeitorias nele incorporadas, destinadas a conservar e a melhorar o prédio – artº 216º, nº 1, do C. Civ. - , às quais não é aplicável o regime jurídico da acessão .

Os agora Apelantes nunca foram terceiros ou juridicamente estranhos ao prédio, para efeitos de poderem beneficiar do referido instituto da acessão industrial imobiliária, como é sua pretensa .

Donde tenha de se concluir que sempre esteve vocacionado ao fracasso o pedido de condenação dos aqui Réus a ver reconhecido a favor dos A.A. o direito de estes adquirirem, por acessão industrial imobiliária, a propriedade do referido prédio .


***

Resta-nos apreciar a decisão proferida sobre o pedido de condenação dos R.R. a pagar aos A.A. a quantia de € 5.000,00 , a título de benfeitorias que efectuaram no prédio de que abriram mão a favor dos aqui R.R. .

Que houve benfeitoras efectuadas no prédio pelos aqui Autores já resulta da abordagem supra exposta .

E na medida em que os agora Autores também foram possuidores titulados e de boa fé, além de seus legítimos proprietários, do prédio em causa, como decorre dos artºs 1251º; 1259º, nº 1; 1260º, nºs 1 e 2; 1261º, nº 1; e 1262º, todos do C. Civ. , têm eles direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas no prédio, desde que o possam fazer sem detrimento do mesmo, e caso assim não possam actuar cumpre que sejam ressarcidos pelo dono do imóvel - os aqui R.R. – segundo as regras do enriquecimento sem causa .

É o que resulta do disposto no artº 1273º, nºs 1 e 2, do C. Civ. .

Esta obrigação de indemnização, porém, é susceptível de compensação com a responsabilidade do possuidor por deteriorações – artº 1274º do C. Civ.

No caso concreto temos que os A.A., em 1986, logo após a celebração da escritura de compra e venda do prédio ( a seu favor ), terraplanaram o terreno, onde semearam pinhão, plantaram eucaliptos e cedros, além de nele terem procedido à abertura de um poço, cuja água canalizaram, por vala, para uma casa de uma sua filha, à distância de cerca de 200 metros .

Essas obras relacionadas com a abertura do poço não são passíveis de separação ou levantamento do prédio, sendo certo que esse poço, porém, não veio trazer qualquer valor acrescido ao prédio, porquanto a água que nele brota não se destina a regas no mesmo, já que apenas foi canalizada para um outro prédio, estranho aos agora R.R. .

Daqui resulta que estas obras de abertura do poço devam ser consideradas como voluptuárias, nos termos do artº 216º, nº 1, do C. Civ., pelo que não só não podem ser levantadas como também não são passíveis de ser reparadas .

Quanto à terraplanagem do solo e ao seu cultivo com pinhão, eucaliptos e cedros, devem ser consideradas como benfeitorias úteis, na medida em que aumentaram o valor do prédio, como é manifesto, e porque o seu levantamento, no presente, não é justificável, pois daí resultaria o detrimento do próprio prédio, carecem os agora Autores de ser indemnizados por tais benfeitorias, nos termos do enriquecimento sem causa – artº 1273º, nºs 1 e 2, do C. Civ. - , assim se evitando o locupletamento dos aqui R.R. à custa do património dos aqui A.A. .

Logo, os R.R. estão obrigados a liquidar aos A.A. o valor correspondente ao referido enriquecimento, nos termos do artº 479º, nº 1, do C. Civ. .

Porém, nada ficou provado sobre o valor despendido pelos agora A.A. com essas benfeitorias que incorporaram no prédio, apenas tendo ficado provado que pagaram essas obras ou melhoramentos .

Assim sendo, não temos elementos para fixar o montante do referido enriquecimento, pelo que apenas nos resta a possibilidade de condenar os R.R. no que vier a ser liquidado, a esse título, nos termos do artº 661º, nº 2, do C.P.C. .

Donde que não concordemos com a sentença recorrida na parte em que decidiu que não se provou que as sementeiras e plantações não podem ser levantadas sem detrimento do prédio, pois que é notório que assim não acontece .

Donde que importe derrogar a sentença nesta parte, com a condenação dos R.R. nos termos supra expostos, o que se conclui .


VIII

Decisão:

Face ao exposto, acorda-se em julgar apenas parcialmente procedente a apelação deduzida, face ao que se mantêm a decisão da sentença recorrida, embora com os fundamentos supra expostos, com excepção no que respeita ao pedido de condenação nos R.R. a pagarem benfeitorias aos A.A., parte esta em que se derroga essa mesma sentença, alterando-a no sentido de condenar os R.R. a pagarem aos A.A. o valor do enriquecimento destes resultante das benfeitorias levadas a cabo pelos A.A. no prédio, e que se traduzem na obra de terraplanagem do solo e ao seu cultivo com pinhão, eucaliptos e cedros (consideradas como benfeitorias úteis), cujo valor de enriquecimento será aquele que vier a ser liquidado, a esse título, nos termos do artº 661º, nº 2, do C.P.C. .

Custas da acção e do recurso por ambas as partes e na proporção de ¾ para os A.A. e ¼ para os R.R. .


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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /