Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4147/16.3T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA PARTILHADA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1901, 1906 CC, LEI Nº 61/2008 DE 31/10, ARTS. 13, 36 CRP, 18 CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA
Sumário: 1. É posição dominante na jurisprudência a admissibilidade da guarda compartilhada (ou residência alternada), por acordo ou por imposição do tribunal, desde que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os progenitores possam ser, de algum modo, amenizados.

2. A guarda partilhada com residências alternadas configura-se atualmente como a solução “ideal”, embora nem sempre possível, como é o caso de famílias com histórico de violência doméstica, de grande conflitualidade entre os progenitores ou quando estes residem em diferentes localidades.

2. Se, desde a separação do casal, a menor tem residido alternadamente com o pai e com a mãe, por acordo entre ambos, vivência da qual o relatório social dá uma imagem globalmente positiva, dele sobressaindo, e dos mais elementos dos autos, uma quase equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, o interesse da menor imporá a opção pela manutenção do regime da residência alternada.

Decisão Texto Integral:     






                                                                                           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

C (…) intentou a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor N (…), contra NF (…)

Alegando, em síntese, que a requerente e requerido são casados um com o outro e são pais da menor, estando separados e não se encontrando de acordo relativamente ao exercício do das responsabilidades parentais referentes à mesma.

Foi realizada a conferência a que alude o artigo 175º da OTM, na qual não foi possível obter o acordo de ambos os progenitores pelo que, nos termos do art. 23º do RGPTC, entretanto entrado em vigor, foram as partes remetidas para Audição Técnica Especializada o que veio a suceder, sem que se tenha alcançado o entendimento entre os progenitores.

Em continuação de conferência, nos termos do art. 39º do RGPTC foi por escrito apresentado relatório final de ATE e, mantendo-se o conflito, foi dado cumprimento ao nº 4 do art. 39º e solicitado inquérito social nos termos do art. 21º.

Ambos os requeridos apresentaram alegações, nos termos de fls. 53 a 58 e 63 a 73, respetivamente, que aqui se dão por reproduzidos, ambos propugnando, no essencial, pela atribuição da confiança da menor sua filha à sua pessoa, com fixação de regime de contactos prestação alimentar ao outro progenitor.

Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença, regulando as responsabilidades parentais nos seguintes termos:

“1. A menor ficará confiada ao pai, junto de quem residirá e que assumirá as decisões referentes aos actos da vida diária da menor, outro tanto se passando com a progenitora, durante o tempo em que a filha consigo conviva.

2. As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância da vida da menor serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, ressalvados os casos de manifesta urgência, nos quais, as tomará o progenitor com quem o filho, na ocasião, se encontrar.

3. A mãe poderá e deverá visitar a criança sempre que o entender, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso, mediante aviso prévio ao progenitor.

4. O progenitor deverá respeitar a vontade da criança e levá-la a visitar a mãe ou fomentar os contactos entre ambas sempre que a filha, nisso manifestar vontade.

5. A mãe poderá ainda ligar uma vez por dia, em horário a combinar com o pai, para falar com a filha ou se inteirar de assuntos do seu interesse.

6. A mãe, ainda, ter a filha consigo, em fins de semana alternados (de 15 em 15 dias), indo para o efeito buscá-la e entrega-la á escola que a mesma frequenta no final do período lectivo de 6ª feira e início do mesmo período de 2ª feira.

7. Poderá, ainda, ter a menor consigo, todas as 4ªs feiras, indo busca-la à escola, no fim do período lectivo e entregando-a no mesmo local, na 5ª feira de manhã.

8. Poderá, ainda, ter N (...) consigo durante metade dos respectivos períodos de férias escolares, sendo que, em caso de pausas lectivas a progenitora deverá ir buscar e entregar a filha a casa do pai ou a local que o mesmo lhe indique como sendo aquele onde a filha, então se encontre.

9. Nas férias de Verão, os contactos serão divididos em blocos de 15 dias alternados, a combinar previamente entre os progenitores.

10. Os dias de aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai serão passados com o progenitor a que respeitar a efeméride.

11. Os dias de aniversário da menor serão passados sensivelmente na proporção de metade com ambos os progenitores, por forma a permitir que cada uma das refeições principais seja passada com cada um deles.

12. Os períodos festivos de Natal, ano Novo e Pascoa serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se neste ano de 2016 o Natal com o pai e o Ano Novo com a mãe e no ano de 2017 a Páscoa com o pai, independentemente do progenitor com quem o menor devesse estar no período correspondente.

13. Caso ambos os progenitores nisso acordem, a ordem antes mencionada pode ser alterada.

14. A mãe contribuirá com a quantia mensal de 125€ a título de alimentos para a menor sua filho, a pagar até ao dia 8 do mês a que respeitar, através de depósito ou transferência bancária que o pai indicará nos autos no prazo de 5 dias.

15. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, imprevistas e de vulto, designadamente com tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade.

16. As despesas acabadas de referir, sempre que possível, serão avisadas com antecedência e comprovadas através de cópia do recibo correspondente no mês seguinte ao da respectiva liquidação àquele que as dever reembolsar, devendo o seu pagamento ocorrer nos termos ditos em 14., parte final, no mês seguinte ao da apresentação do recibo.

17. A quantia dita em 14. será anualmente atualizada no mês de Janeiro, pelo valor de 2,50€, com início em Janeiro de 2018.

18. Tendo em conta o regime vigente até ao momento consideramos que a prestação alimentar fixada só será devida após o início de execução da presente sentença.


*

Inconformada com tal decisão, a mãe da menor dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

(…)


*

O Ministério Público apresentou contra-alegações no sentido do sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil[2] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidades da sentença nos termos do art. 615º, nº1, alíneas b) e d), do CPC.
2. Impugnação da matéria de facto.
3. Se é de alterar o decidido quanto à confiança do menor.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Nulidades da sentença nos termos das alíneas b) e d) do artigo 615º do CPC.

A Apelante começa pro invocar a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615º, nº1, al. b), do CPC, com a alegação de que a sentença recorrida é completamente omissa no que respeita à análise crítica das provas produzidas, dela não se retirando quais os elementos probatórios que foram considerados para aferir de cada um (ou do conjunto) de factos constantes do elenco. 

Antes de mais, há que esclarecer que a irregularidade referida na al. b), do nº 1 do artigo 615º do CPC – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito – prevista como uma das causas de nulidade da sentença, nada tem a ver com eventuais deficiências na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

A eventual falta de fundamentação, ou fundamentação insuficiente, de alguma das respostas dadas à matéria de facto, poderá importar, tão só, caso a insuficiência de fundamentação respeite a algum facto essencial, que a Relação determine que o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (artigo 662º, al. d), CPC)[3].

O dever de fundamentação da matéria de facto encontra-se atualmente consagrado no 1º período do nº4 do artigo 607º do CPC), nos seguintes termos: “O juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Ao fundamentar a sua decisão sobre os factos controvertidos e objeto de instrução, o juiz deverá referir quais os elementos de prova que foram determinantes para a aquisição da sua convicção e quais as razões ou motivos de determinaram a sua credibilidade para o julgador.

No caso em apreço, o juiz a quo, explicita quais os elementos de prova a que se ateve e o que deles colheu de relevante quer para a situação profissional dos progenitores, quer para a vivência dos progenitores com a menor, antes e depois da separação. É certo que de tal exposição se torna difícil percecionar qual o raciocínio lógico que esta subjacente à resposta dada pelo juiz a quo a cada um dos factos que considerou relevantes.

Contudo, uma eventual deficiência ao nível da fundamentação quanto à decisão de determinado facto só assumirá relevância para o efeito de determinar a baixa do processo à primeira instância para que o tribunal fundamente adequadamente tal decisão, se a mesma afetar algum facto “essencial”.

 Assim sendo, não só a deficiência invocada não integra a nulidade prevista no artigo 615º, nº1, al. b) do CPC, como ainda, não identificando o apelante qualquer facto que, a encontrar-se afetado por tal vício, fosse essencial para a decisão da causa, concluímos não se justificar a anulação do julgamento ao abrigo do disposto na al. c), do artigo 662º do CPC (sendo certo que este tribunal dispõe de todos os elementos de prova e dos poderes necessários a, ele próprio, reapreciando a decisão sobre a matéria de facto, proceder à alteração pontual da mesma, em caso de discordância com a decisão da 1ª instância).

Defende ainda a Apelante que, face à ausência de prova suficiente para determinação da existência de um progenitor de referência, deveria ser ordenada a produção de novos meios de prova, nomeadamente a realização de uma perícia à menor, com vista a apurar se existe progenitor de referência e, em caso afirmativo, quem, o que requer ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1, al. b), CPC.

É certo que a al. b) do nº1 do artigo 662º do CPC atribui ao Tribunal da Relação a faculdade de “ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova”.

A matéria sobre a qual a apelante pretende que incida a produção de novos meios de prova – relativa à inexistência de um progenitor de referência – encontra-se vertida no ponto 5 dos factos dados como provados na sentença recorrida, o qual vem a ser objeto de impugnação pela Apelante, defendendo dever ser o mesmo dado como “não provado”, alegando tratar-se de matéria conclusiva, “não se encontrando demonstrada nos autos, com recurso a factos concretos”.

Contudo, da análise dos autos não resulta que a afirmação contida no ponto 5, de que “não é possível discernir qual dos progenitores se apresenta ou apresentou como figura parental de referência da mesma (…)”, não surge com o sentido de que a prova produzida não teria sido suficiente para apurar se algum deles se apresenta como figura de referência, expondo antes a ideia de equivalência de posições de cada um dos progenitores perante a menor, o que, além do mais, é explicado pelo facto de, pelo menos desde a separação, ambos os progenitores assumirem as funções de cuidador principal uma vez que a menor reside alternadamente com um e com o outro[4].

Não se reconhece, assim, qualquer insuficiência de prova que urja colmatar.

Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença prevista na al. d), do nº1 do art. 615º, com fundamento em que tendo cada um dos progenitores indicado factos que entenderam como relevantes para a fixação do regime de regulação das responsabilidades parentais, o tribunal não considerou qualquer um deles, fosse para os dar como provados ou como não provados.

Tal nulidade encontra-se conexionada com o disposto no artigo 608º CPC: o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que de que oficiosamente lhe caiba conhecer.

A circunstância de o juiz a quo ter desconsiderado determinados factos alegados pelas partes nos seus articulados – por os ter considerado irrelevantes, conclusivos, ou por integrarem conceitos de direito, ou prejudicados pela prova ou pela não prova de outros – não importa, assim, a nulidade da decisão.

Não se reconhece, assim, a verificação das invocadas nulidades.


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1. Impugnação da matéria de facto.

(…)


*

A. Matéria de facto

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas:

 1. N (…) nasceu a 18.11.2011 e é filha de requerente e requerido.

2. Tendo entre si contraído casamento em 1.5.2010, os progenitores separaram-se no início de Agosto de 2015, data em que a requerente saiu da que foi a casa de morada da família, tendo, então passado a viver na casa de seus pais.

3. Quando saiu de casa a progenitora levou consigo a menor a qual, contudo, por acordo entre os progenitores, em Setembro de 2015 a mesma passou a residir alternadamente com o pai e com a mãe, sendo a mudança efetuada a cada 3/2/2 dias, regime que se mantém até ao presente.

4. (eliminado).

5. Sendo ambos progenitores zelosos e competentes para o exercício da parentalidade, face ao regime mencionado em 3, parte final e o seu prolongamento até aos dias de hoje, neste momento não é possível discernir qual dos progenitores se apresenta ou apresentou como figura parental de referência da mesma, a qual, não obstante a sua tenra idade, demonstra perceber o conflito que a rodeia e adota uma postura altamente protetora relativamente a ambos os progenitores.

6. A menor aparenta estar relativamente adaptada ao regime em execução.

7. Após a separação a progenitora reside em casa dos seus pais, no 1º andar de uma moradia, constituída por sala, cozinha, 3 quartos e duas casas de banho com boas condições de higiene e organização, na qual a menor dispõe de quarto devidamente adaptado à sua idade.

8. A progenitora tem a atividade profissional de empresária no Ramo da Restauração, em sociedade com a sua irmã, ali trabalhando, ainda a progenitora de ambas.

9. C (…) não tem horário fixo, variando entre as 7h até ao fim do dia, sendo a hora de saída variável de segunda a Sábado.

10. Dada a familiaridade da empresa, quando N (…) está consigo, C(…)ausenta-se após as 8h para ir buscar N (…) a casa, onde ficou, e ir levá-la ao Jardim Escola, assim como à tarde para a ir buscar ao esmo local.

11. Por vezes a menor fica com a progenitora no local de trabalho até Ambas regressarem a casa.

12. Dentro destas limitações a requerente conta com o apoio dos pais com quem reside, sendo o pai o único que não se encontra envolvido na atividade em causa.

13. Declara cerca de 700€ de rendimento.

13.a. A menor entrou para pré-escola aos três naos de idade, passando a frequentar a pré-escola Jardim Escola (...), e até esta altura, porque a progenitora e progenitor trabalhavam, a menor ficava ao cuidado dos avós maternos.

14. O progenitor reside sozinho ou com a filha naquela que foi a casa de morada de família, constituída por moradia de construção recente com sala, cozinha, terraço, 3 quartos, escritório e duas casa de banho no piso térreo, bem como garagem e jardim exterior, na qual a menor possui quarto próprio adaptado à sua idade, sendo o que ambos os pais para ela idealizaram durante o casamento e vivência em comum.

15. O progenitor, por seu turno, trabalha também numa empresa que mantém com o pai e um irmão, na área de venda e reparação de radiadores de automóveis, praticando o horário das 9h/9.30h às 18h, mas tendo toda a facilidade de sair às 17 nos dias em que a filha permanecer consigo, pois na oficina tem outras pessoas que o podem substituir e trabalha por conta própria.

16. Conta com o apoio da progenitora na prestação de cuidados à filha, a qual reside muito próximo tanto da sua casa como do local de trabalho e já antes da separação se constituía como grande auxiliar do casal no acolhimento e prestação de cuidados à neta, pois não desenvolve atividade profissional.

17. A comunicação entre os progenitores é bastante difícil, ocorrendo essencialmente através de mensagens escritas.

18. As recolhas e entregas da criança são feitas na escola que a mesma frequenta.

19. Cada um dos progenitores assume as despesas da criança quando a mesma está consigo, sendo a despesa do Jardim Escola, no montante de 170€ integralmente satisfeita pela mãe, enquanto o pai assume o valor do empréstimo da casa de morada se família, onde ficou a residir quando a requerente saiu, no montante de 180€ mensais.

20. A criança tem roupa em casa de ambos os progenitores que vão devolvendo nos dias respetivos na mochila que é entregue no Jardim Escola.

21. De acordo com a Educadora de Infância, N (…) é uma criança alegre e bem comportada que denota gostar tanto do pai como da mãe, chegando igualmente bem nos dias que vem da casa de cada um dos progenitores, tanto ao nível de assiduidade, como de pontualidade como ao da apresentação, com higiene e vestuário cuidado.

22. Ambos os progenitores participam nas reuniões e festas escolares, manifestando-se publicamente pacíficos um com o outro nessas ocasiões.

23. Os assuntos relacionados com a menor são agora geridos e acompanhados pelo pai e pela mãe pois ambos a acompanham a consultas médicas, quer em conjunto quer separadamente.

24. O pai mostra-se mais flexível no que se refere a permitir contactos centre a progenitora e a menor foram dos dias especificados, demonstrando a requerente uma posição mais rígida nessa matéria.

25. Quanto à prestação alimentar ambos concorda na fixação do valor de 100€ mensais, acrescidos de 50% das despesas de saúde e educação.

26. Ambos concordam que o regime atual não é benéfico para a filha mas ambos se consideram em melhores condições para ser designados como progenitor guardião, evidenciando a requerente que era ela a figura parental de referência da filha durante a vivência conjugal e quem dela cuidava com mais frequência alegando que o pai se tornou mais presente na vida da filha após a separação.

27. Já o pai refere que mesmo durante a vivência comum era ele o mais presente na vida da filha, pois a progenitora raramente estava presente devido aos seus afazeres profissionais que se estendiam, ao contrário dos seus também aos fins de semana e até bastante tarde à noite de forma que na maior parte dos dias nem sequer via a filha.

28. A avó paterna cuja residência se situa próximo da empresa onde o pai labora e onde se situa a que foi a casa de morada de família, sempre contribuiu bastante para a prestação de cuidados à neta, auxiliando os progenitores, os quais, não obstante, são ambos descritos como competentes e autónomos, se necessário nessas funções.

29. Pelo menos uma vez, quando a menor se encontrou doente na escola, dali tentaram contactar a mãe e como isso se não mostrasse possível, foi contactado o pai que de pronto foi buscar a filha ao estabelecimento, levando-a consigo.

30. Durante a vivência conjunta ambos os progenitores eram reconhecidos como interlocutores perante a escola que a filha frequentava, embora fosse o requerido quem geralmente a ia buscar ao fim do dia, lhe dava banho, jantar e a punha a dormir na esmagadora maioria das vezes, pois a requerida embora viesse a casa, voltava a ausentar-se por motivos profissionais.

31. Também nos convívios familiares e de amigos, geralmente era o requerido quem acompanhava a filha, pois a progenitora estava ocupada profissionalmente.

32. Em Agosto de 2015, as consultas médicas feitas pela menor, em número exato não apurado foram sempre efetuadas na companhia da mãe.


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B. O Direito

1. Residência da menor.

Encontrando-se os progenitores separados desde início de Agosto de 2015, a menor, por acordo entre os progenitores, desde setembro de 2015 tem residido alternadamente com o pai e com a mãe, sendo a mudança efetuada a cada 3/2/2 dias, regime que se mantém até ao presente.

De tal vivência, salientamos as seguintes notas exaradas no relatório social:

 “a menor é uma criança alegre e bem comportada, que gosta de estar tanto com o pai como com a mãe, chegando igualmente bem nos dias que vem de casa de cada um dos progenitores; (…)

ambos os progenitores participam em reuniões e festas escolares sendo pacífica a convivência entre ambos;

os assuntos relacionados com a menor são acompanhados e geridos pela mãe e pelo pai;

ambos os pais se referem um ao outro como sendo bons pais.

Ou seja, apesar da vontade manifestada pelos pais nos presentes autos no sentido de ambos pretenderem que a residência da menor seja fixada junto de si, cabendo ao outro tão somente um direito de visita e da existência de alguma conflitualidade entre ambos, de tal relatório sobressai, assim, uma imagem positiva do resultado desta experiência de quase dois anos de vivência alternada da menor com o pai e com a mãe.

Contudo, ao arrepio de tal resultado, a sentença recorrida, mantendo embora o regime regra do exercício conjunto da parentalidade no que se refere às decisões de particular importância, veio a “confiar” a menor ao pai, junto de quem residirá, atribuindo à mãe o direito a ter a menor consigo em fins de semana alternados, de 15 em 15 dias, bem como às 4ªs feiras (indo busca-la no fim do período letivo e entregando-a no mesmo local, na 5ª feira de manhã), e ainda durante metade do tempo das férias escolares.

Tal decisão surge juridicamente justificada com o argumento de que a “guarda partilhada” ou “residência dupla da criança”, “só será possível e conveniente para a criança (…) nos casos em que ocorra uma grande cumplicidade e elevado entendimento entre os progenitores, que coloque o filho a salvo de disputas, mas também uma similitude de vinculações da criança a ambos os pais e uma adequada proximidade geográfica que não implique deslocações inúteis e morosas, com perda de contacto reiterado com a “outra” realidade da criança”.

Segundo a sentença recorrida, quando “existe um verdadeiro conflito entre os progenitores No que o caso dos autos não é exceção mas antes uma evidente e clara regra) não só a guarda conjunta ou residência alternada não se impõe como a salvaguarda do interesse das crianças até afasta a possibilidade de a ela se recorrer”.

Seguindo tal linha de raciocínio, que o faz rejeitar liminarmente a hipótese de fixação de residência alternada, o juiz a quo acaba por justificar a opção pela confiança da menor à guarda do pai em detrimento da mãe, com a seguinte argumentação:

“No caso dos autos, a menor N (…), foi na companhia da mãe em Agosto de 2015, quando esta tomou a decisão de se separar do seu ainda marido, que permaneceu a residir naquela que foi a casa de morada de toda a família.

Posteriormente, o casal, em sede de CPCJ veio “a repartir” os tempos da filha entre si à razão de 3/2/2 dias, sem se cruzarem entre si o que mantêm até ao presente, de tal forma que se a mesma já tivesse tido uma figura parental de referência, neste momento ela já não se consegue definir, assumindo ambos os progenitores exatamente o mesmo papel perante a menor.

Esta, que pressente o conflito dos progenitores relativamente a si, assume-se como figura protectora de ambos, numa inversão de papéis pouco saudável atentos os 5 anos acabados de fazer e embora se haja adoptado relativamente ao regime adoptado pelos progenitores urge revê-lo a curto prazo, sob pena de vir a lesar a criança em termos psicoemocionais, privando-a da estabilidade e constância de que carece para um desenvolvimento harmonioso e de pertença.

Não temos, pois, aqui um progenitor de vinculação preferencial a quem confiar a criança no seu dia-a-dia, pelo que o critério decisório terá que se fixar noutros vectores de menor importância, como seja a disponibilidade para estar com a filha em tempo de qualidade (já que ambos têm idênticas capacidades nessa matéria) e a maior manutenção do status quo que a mesma sempre teve desde o nascimento.

Tendo em conta tais pressupostos é de confiar a N (…) ao pai, não só porque o mesmo tem maior disponibilidade em termos de horário de entrada e saída que lhe permite acompanhar pessoalmente a filha como porque dispõe da ajuda de sua mãe nos termos em que já ocorria antes da separação do casal e se mantém a residir naquela que sempre foi a casa da N (…) onde ela tem os seus pertences e melhores condições para brincar e ser criança.

É ele, também o progenitor que parece mais predisposto a fomentar os contactos da filha com a mãe, tendo esta, uma posição um pouco mais rígida nessa matéria, o que também contribui para se concluir no apontado sentido.

Já a mãe, tem toda a sua família, à excepção do pai envolvida no negócio e ainda que leve a filha consigo para o local, isso não representa um contacto de qualidade entre mãe e filha, se não se limitar a situações de excepção. Por outro lado, o seu pai é nouvel cuidador, pois não era ele que antes auxiliava na criação da neta, posto que estava mais distante e a casa também é outra casa, por muito que se tenha adaptado a mesma para receber a criança.

Por outro lado, não existem quaisquer indícios de que o progenitor seja incapaz para manter o papel que vem exercendo até agora e, muito pelo contrário, aparenta ser um pai presente, zeloso e interessado no desenvolvimento de sua filha, pelo que, tendo em conta tudo o que acima se deixa dito, importa concluir ser de decidir confiar a menor ao dito progenitor, não obstante, nada desabone, também relativamente à progenitora, que teria condições para estar com ele em idênticas circunstâncias, não fosse a sua situação diferente e mais absorvente, mormente ao nível profissional.

A Apelante insurge-se vivamente contra tal decisão, assumindo, em primeira linha, a posição de que seria ela a progenitora que em melhores condições se encontraria para a atribuição da guarda da criança: melhores condições económicas do que o pai, tendo sido ela quem sempre prestou, em exclusivo, os cuidados de saúde à menor, conjugados com o sexo e a idade da menor. Para o caso de ser entender que os progenitores se mantêm em igualdade de circunstâncias, então, “sempre o tribunal deveria fixar a residência a ambos os pais, de forma alternada, sendo este o regime que melhor possibilita a manutenção da estabilidade da criança e o contacto com ambos os progenitores”.

Vejamos, assim, cada uma das questões que se colocam, face os termos em que se acha configurada a decisão recorrida de exercício comum das responsabilidades parentais com atribuição de guarda da menor ao progenitor:

1. Admissibilidade legal e condições da determinação da guarda ou residênciaalternada”.

2. No caso de a mesma não ser admissível ou se mostrar inadequada no caso em apreço, qual dos dois progenitores se encontra em melhores condições para fixar junto dele a residência da menor.

1. Exercício conjunto das responsabilidades parentais – admissibilidade de residências alternadas.

A Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, que procedeu à última reforma ao Código Civil em matéria do Direito da Família, introduziu importantes alterações às regras que estabelecem o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores em caso de dissociação familiar.

A primeira alteração consistiu, desde logo, na substituição da expressão “poder paternal”, por “responsabilidades parentais”, consagrando a igualdade de direitos e de deveres de ambos os pais relativamente à pessoa e ao património dos filhos menores[5].

Do percurso pelas alterações introduzidas aos artigos 1901º a 1912º do Código Civil (CC), surge realçada a funcionalidade dos poderes que integram as responsabilidades parentais, colocando a criança e o seu interesse no centro do exercício de tais responsabilidades.

Mais se salienta a imposição legal, em caso de dissolução familiar, que o regime fixado garanta “uma grande proximidade da criança com ambos os progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades” – artigo 1906º, nº7.

E, como se afirma no acórdão do TRL de 28-06-2012[6], com a publicação e alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, não mais serão admissíveis ou defensáveis teorias ou práticas que desconsiderem ou menosprezem a realidade jurídica subjacente e vertida neste novo modelo, com a instituição da mudança de paradigma.

Como corolário dos princípios citados, o artigo 1906º estabeleceu como regime regra, em caso de divórcio ou separação dos pais, o exercício em comum por ambos os progenitores quanto às questões de particular importância na vida do filho.

O exercício conjunto, porém refere-se unicamente aos atos de particular importância, pois a responsabilidade pelos “atos da vida corrente” cabe exclusivamente ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente – nº 3 do artigo 1906º.

A abandonando o conceito de “guarda” da criança, adota-se o conceito de “residência[7] do filho, que deverá ser determinada “de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” – nº5 do artigo 1906º.

De qualquer modo cumpre, antes de mais, distinguir os conceitos, que continuam a ser usados na doutrina e na jurisprudência, de “guarda exclusiva” – exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva –, “guarda conjunta” – exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro –, “guarda alternada” – residência alternada com exercício exclusivo nos respetivos períodos de residência de cada um dos pais –, e “guarda compartilhada” como exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada[8].

Tendo, no caso em apreço, sido determinado pelo juiz a quo o regime regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais, determinação que os progenitores não põem em causa, discute-se apenas no presente recurso, a fixação da residência à menor: se junto do pai, como foi determinado na sentença de que se recorre; se junto da mãe, como esta sustenta a título principal nas suas alegações de recurso, ou com residência alterada junto de ambos os pais, como aí defende a título subsidiário.

Ou seja, face à definição anteriormente exposta, o primeiro passo a dar passa por determinar se é de fixar a guarda conjunta (com residência junto de um dos progenitores e com um regime de visitas ao outro) ou a guarda compartilhada (com residência alterada junto de cada um dos progenitores).

Uma passagem pela jurisprudência dos tribunais superiores permite-nos concluir ser posição dominante a admissibilidade da guarda compartilhada, inclusivamente por imposição do tribunal (ou seja, na falta de acordo entre os pais, porquanto ambos pretendem a residência exclusiva), colocando, contudo, como requisito que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os pais possam ser de algum modo amenizados[9].

Já ao nível da doutrina, com exceção de Maria Clara Sottomayor[10] – face aos novos dados da investigação científica e das novas tendências ao nível dos demais ordenamentos jurídicos europeus –, se constata uma quase unanimidade na assunção da guarda compartilhada como a solução ideal (embora nem sempre possível, como é o caso de famílias com histórico de violência doméstica ou de os progenitores residirem em diferentes localidades) em caso de dissociação familiar[11].

Na solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.

Haverá que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro[12].

O argumento base dos opositores da guarda compartilhada prende-se com a estabilidade da criança.

Contudo, tal ideia sobrevaloriza a estabilidade que possa advir de um só espaço físico a que possa chamar casa, face ao conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si: deste modo “tem dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em doses reduzidas de tempo, é certo, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor[13]”.

A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores.

Como salienta Joaquim Manuel da Silva[14], havendo conflito entre os progenitores, a residência exclusiva agrava-o, consolida-o, aumentando-o muitas vezes, gerando um grande número de abandonos, de “órfãos de pais vivos”, que, quando não ocorrem, por força da exposição da criança a este stresse tóxico, permanente e intenso, gera nelas profundos problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo, que são na sociedade atual um problema grave de saúde.

Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro.

Concordamos, assim, com Ana Teresa Leal[15] quando afirma que a mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje não só como uma das soluções a equacionar mas ainda que na tomada de decisão sobre a entrega da criança se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.

Jorge Duarte Pinheiro[16] defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais:

1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio.

2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais.

3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36º, nº5 e 13º, da CRP e pelo artigo 18º da Convenção  Sobre os direitos da Criança.

4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (art. 36º, nº6, da CRP).

Assim expostos os princípios gerais com interesse para apreciação da decisão a tomar, debrucemo-nos, então, sobre o caso em apreço, fazendo uma súmula do que, de essencial, foi levado aos factos dados como provados:

- a N (…) nasceu em 18.11.2011 (tem atualmente 5 anos de idade) e viveu com ambos os progenitores, casados entre si, desde o seu nascimento até que se separaram em Agosto de 2015;

- desde setembro de 2015 que a menor, por acordo entre os pais, reside alternadamente com a mãe e com o pai, vivência que se mantém até hoje;

- ambos os progenitores são zelosos e competentes para o exercício da parentalidade;

- a menor aparenta estar relativamente adaptada ao regime em execução;

- cada um dos pais dispõe de casa com boas condições e na qual a menor dispõe de um quarto adaptado à sua idade;

- a N (...) é uma criança alegre e bem comportada que denota gostar tanto do pai como da mãe chegando igualmente bem nos dias que vem da casa de cada um dos progenitores, tanto ao nível de assiduidade, como de pontualidade como ao da apresentação, com higiene e vestuário cuidado.

- Ambos os progenitores participam nas reuniões e festas escolares, manifestando-se publicamente pacíficos um com o outro nessas ocasiões.

- Os assuntos relacionados com a menor são agora geridos e acompanhados pelo pai e pela mãe pois ambos a acompanham a consultas médicas, quer em conjunto quer separadamente.

Perante esta factualidade, a solução de optar por um só dos pais (a entendermos que a residência alternada não era possível por imposição do tribunal) deixava-nos, desde logo, perante um grave dilema: a qual dos dois entregar a menor, quando ambos são pais zelos e interessados? Por moeda ao ar? Ou por critérios de somenos importância, como o facto de a mãe ter um horário mais alargado que o do pai, ou o facto de o pai se mostrar mais flexível a permitir contatos entre a progenitora e a menor “fora dos dias especificados”, demonstrando a requerente uma posição mais rígida nessa matéria[17]?

Por outro lado, como salienta Ana Teresa Leal[18], “inverter a tendência de entrega das crianças à mãe para as passar a entregar ao pai, em nome da igualdade dos progenitores, nada mais é do que deslocar o problema, mantendo-o”.

Partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita (artigos 1906º, ns. 5 e 6, do Código Civil e artigos 180º e 177º da OTM), o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais da criança com o filho” (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores (artigo 1906º, nº7).

A fim de minorar a subjetividade das decisões naqueles casos em que ambos os pais se encontram efetivamente ligados à criança e igualmente capazes de cuidar dela, Clara Sottomayor[19] aponta o seguinte conjunto de fatores a ter em causa pelo juiz: i) relação afetiva da criança com cada um dos pais; ii) disponibilidade de cada um deles para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral; iii) o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades; iv) a preferência da criança e a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido.

No caso em apreço sobressai uma quase equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, quer pela ligação afetiva que ambos os progenitores mantêm com a menor, quer pela capacidade de qualquer um deles para desempenhar o papel de “cuidador primário” ou de “referência” da menor[20] (sem que se consiga discernir se algum deles se apresenta como a figura parental de referência), quer pelas condições socioeconómicas (ambos residem numa casa onde a menor dispõe de um quarto adequado à sua idade e ambos gozam do apoio da família alargada, nomeadamente dos avós).

O caso em apreço será precisamente um daqueles em que a residência alternada surge como perfeitamente adequada, até porque, de um modo perfeitamente espontâneo e natural, e sem qualquer intervenção externa, foi esse a que os pais, por si só chegaram e que têm sabido gerir (de tal modo, que a 1ª instancia nem sequer sentiu necessidade de, a título cautelar fixar qualquer regime, continuando a vigorar o regime que eles próprios definiram).

É certo que ao longo do processo nenhum deles propôs a guarda compartilhada, confiante e no pressuposto de que, a ser confiada só a um o seria a ele próprio, como se confirma pela reação da progenitora que, face à decisão da primeira instância de alterar o regime vigente por acordo dos pais, em sede de alegações de recurso já admite a guarda partilhada, formulando tal pretensão, embora a título subsidiário (significativo é ainda o facto de o progenitor não ter apresentado contra-alegações). Note-se ainda que, após sua audição, fez-se constar do Relatório Social ser a seguinte a posição assumida por cada um dos progenitores relativamente a tal questão:

Os progenitores concordam que os convívios com o progenitor não guardião ocorram em fins de semana alternados, bem como no convívio em épocas festivas de forma alternada e na divisão equitativa das férias escolares. Neste ponto a mãe propõe que os fins de semana com o pai ocorram de 5ª a 2ª feira, bem como a pernoita de 2ª para 3ª feira na semana que se segue ao fim de semana da mãe. O progenitor, apesar de referir os fins de semana alternados mostra flexibilidade em a N (...) estar com a mãe quando ambas o desejem e atendendo à disponibilidade horária desta última”.

Atentar-se-á em que o regime proposto pela mãe (posição que igualmente assume nas alegações por si proferidas ao abrigo do artigo 39º da OTM) se aproxima mais de uma guarda compartilhada do que uma guarda exclusiva com regime de visitas ao outro progenitor.

Poderemos, assim, afirmar pode-se extrair dos autos a vontade presumida de ambos os progenitores no sentido de que, entre a entrega da guarda exclusiva ao outro e a guarda compartilhada, a opção é claramente pela segunda.

No caso em apreço, será mesmo essa a solução que se nos afigura corresponder ao interesse da criança: essa solução foi experimentada pelos pais, está a correr bem, a menor, quer antes quer depois da separação dos progenitores, sempre manteve intacta a relação integral com ambos e cada um dos pais, constituindo uma violência a alteração de tal situação de facto, em nome de uma “instabilidade” não cientificamente comprovada e cada vez mais questionada pelos estudos científicos.

“A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para os saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal[21].

A guarda partilhada com residência alternada será mesmo a solução natural quando a criança tem um convívio normal com ambos os progenitores, no âmbito do que se designa por relação positiva com ambos os progenitores: “este tipo de relação é a que se encontra na maioria das situações das crianças cujos pais já não vivem ou nunca viveram maritalmente, em que valorizam a relação com ambos os seus progenitores e claramente desejam partilhar o seu convívio com os dois, de um modo significativo e, muitas vezes, em tempo igual[22]”.

Quanto ao relevo dado à conflitualidade entre os progenitores pela 1ª instância, os elementos constantes dos autos levam-nos a considerá-los perfeitamente ultrapassáveis, não só porque, sem qualquer intervenção externa, lograram chegar a um acordo de guarda partilhada que souberam gerir e que se mantêm há mais de dois anos, como se encontra dado como provado que ambos os progenitores participam nas reuniões e festas escolares, manifestando-se publicamente pacíficos nessas ocasiões[23].

A apelação deduzida pela progenitora será de proceder parcialmente, impondo-se a revogação da decisão recorrida, determinando-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada junto de cada um dos progenitores.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, e regulando-se o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, nos quais as tomará o progenitor com quem a menor na ocasião se encontrar.
2. A menor fica a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor com quem a menor irá ficar, recolher a menor na escola, ao final da tarde de sexta-feira.
3. A menor passará metade das férias escolares de Carnaval, Páscoa, verão e de Natal, com cada um dos progenitores, em períodos pré-definidos, a combinar entre ambos.
4. Os dias de aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai serão passados com o progenitor a que respeitar a efeméride.
5. Os dias de aniversário da menor serão passados alternadamente com cada um dos progenitores.
6. Os períodos festivos de Natal, ano Novo e Pascoa serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, independentemente do progenitor com quem o menor devesse estar no período correspondente.
7.  Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, devendo cada um prover ao seu sustento no período em que a menor reside consigo.
8. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, imprevistas e de vulto, designadamente com tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade.

A apelação ficará sem custas (o apelado não apresentou contra-alegações e o M.P. encontra-se delas isento).                          

Coimbra, 27 de abril de 2017

Maria João Areias ( Relatora )

Vítor Amaral

 Luís Cravo


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. É posição dominante na jurisprudência a admissibilidade da guarda compartilhada (ou residência alternada), por acordo ou por imposição do tribunal, desde que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os progenitores possam ser, de algum modo, amenizados.
2. A guarda partilhada com residências alternadas configura-se atualmente como a solução “ideal”, embora nem sempre possível, como é o caso de famílias com histórico de violência doméstica, de grande conflitualidade entre os progenitores ou quando estes residem em diferentes localidades.
2. Se, desde a separação do casal, a menor tem residido alternadamente com o pai e com a mãe, por acordo entre ambos, vivência da qual o relatório social dá uma imagem globalmente positiva, dele sobressaindo, e dos mais elementos dos autos, uma quase equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, o interesse da menor imporá a opção pela manutenção do regime da residência alternada.


[1] Face ao manifesto incumprimento da obrigação de nelas sintetizar os fundamentos do recurso (nº1 do artigo 639º CPC).
[2] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[3] Cfr., neste sentido, entre outros, Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 244.
[4] Cfr., em especial o Parecer da APAPI de fls. 83, onde surge tal afirmação.
[5] Ou, como se afirma no Acórdão do TRL de 28-06-2012, com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos artigos 1901º e ss., do CC – Acórdão relatado por Ana Luísa Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Relatado por Ana Luísa Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Segundo Guilherme de Oliveira, a evolução foi no sentido de um abandono progressivo do uso das palavras “guarda”, direitos de “visita”, ao mesmo tempo que as leis passaram a recomendar ou a exigir “planos de parentalidade” que cumpram o objetivo de regular a convivência dos dois progenitores com o filho, sendo que a ideia de um dos progenitores com um papel principal foi desaparecendo nos Estados Unidos e na Europa – «Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora 2011, Ano 8, nº16, p.16.
[8] Formulações assim sintetizadas por Joaquim Manuel da Silva, Juiz de Direito do Tribunal de família e Menores, “A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada”, Petrony Editora, 2016, p. 45. Para maiores considerações, cfr., Clara Sottomayor, “Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina 2014, p.69-76.
[9] Cfr., entre outros, Acórdão do TRC de 05-05-2009, relatado por Távora Vítor, e Acórdãos do TRL de 17-12-2015, relatado por Anabela Calafate, de 13-12-2012, relatado por Rijo Ferreira, e de 28-12-2012, relatado por Ana Luísa Geraldes, embora este diga respeito unicamente à homologação de um acordo entre os progenitores que previa a guarda compartilhada.
[10] “Entre o idealismo e a realidade: A dupla residência das Crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina 2014, pp. 165 e ss., em especial, p.178-182.
[11] No sentido de que a residência alternada pode ser consensualizada pelos pais ou imposta pelo tribunal, se pronunciam Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – uma questão de direitos”, 2ª ed., Coimbra Editora 2014, p.209. Também Joaquim Manuel Silva, Juiz de Direito da Secção de Família e Menores de Lisboa-Oeste, se apresenta como acérrimo defensor da guarda compartilhada: “A guarda compartilhada assume-se hoje na nossa prática jurisprudencial como central na consagração do direito da criança a ter pai e mãe e até importante na tarefa de afastar o conflito e de manter ou construir a sua família. A guarda compartilhada mantém os pais implicados na vida dos filhos, desenvolvendo, em regra, plataformas de funcionamento conjunto que criam novas emoções positivas, que depois contribuem para ultrapassar as memórias emocionais negativas da vindas, em regra, da “separação conjugal” – “A Família das Crianças na Separação dos Pais, A Guarda Compartilhada”, p.135.
[12] Neste sentido, António José Fialho, “Residência alternada – visões de outras paragens”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ p.397, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. .
[13] Neste sentido, “Cidalina Freitas, “Notas soltas sobre a residência alternada”, “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ p.297, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.
[14] “A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada”, p.121.
[15] “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.372, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. Em defesa da residência alternada se pronunciam todos os participantes no tema “Residência Única ou Residência Alternada – Vantagens e Inconvenientes”, incluídos no referido Ebook do CEJ, desde Helena Bolieiro, António José Fialho e outros. Não resistimos a reproduzir aqui os 16 argumentos que legitimarão a imposição judiciária da residência alternada, apontados por Edward Kruk num estudo publicado em 2012 e aí citados por Helena Bolieiro (in “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A residência alternada – casa do pai – casa da mãe – E agora”,p.235-241):
1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais rem suporte empírico.
[16] “Estudos de Direito das Famílias e das Crianças”, AAFDL Editora 2015, p. 338-339.
[17] Atentar-se-á em que tal facto não corresponde à circunstância que o nº5 do artigo 1906º manda atender na determinação da residência do filho, “disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”. Com efeito, uma coisa é a disponibilidade para promover as relações habituais com o outro progenitor – e essa está perfeitamente demonstrada, quer pelo facto de ter voluntariamente acedido a uma divisão igualitária do tempo de residência da menor entre ambos, em termos do acordo extrajudicial a que chegaram, quer pelo regime de visitas que propõe em sede de alegações (em que no fim de semana que calhasse ao outro progenitor, este poderia ter consigo o menor desde 5ª feira até à 2ª feira seguinte, e no seu fim de semana o outro progenitor poderia ter a menor consigo de 2ª para 3ª feira) – e outra é pretender estar com a menor nos dias não estipulados.
[18] “A residência alternada”, local citado, p.371.
[19] Obra citada, pág. 48.
[20] Capacidade evidenciada por unanimidade, quer pelo Relatórios Social junto aos autos, quer pelo Parecer elaborado na sequência do ATE, quer pela educadora ouvida em audiência.
[21] Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.10, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.
[22] Ana Vasconcelos, local citado, p.11.
[23] A análise dos autos deixa-nos a ideia de que conflito entre os progenitores terá sido potenciado por lhes ter sido transmitida a ideia de que não lhes seria permitida a manutenção do regime de residência alternada, ambos temendo que a residência fosse fixada junto do outro progenitor.