Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. BELMIRO ANDRADE | ||
Descritores: | RECUSA DE JUÍZ INTERVENÇÃO ANTERIOR NO PROCESSO | ||
Data do Acordão: | 03/17/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ALCOBAÇA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECUSA | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 40º E 43º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. | ||
Sumário: | Em caso de anulação do julgamento com reenvio para novo julgamento, o juiz que tenha intervindo no julgamento anulado não deve intervir no novo julgamento. | ||
Decisão Texto Integral: | 3 ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA BB e mulher CC, assistentes no autos em epígrafe, deduziram o presente incidente de recusa de juiz, contra o - ...... M.º Juiz de Círculo, Presidente do Tribunal Colectivo do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Alcobaça. Alega, para tanto, em resumo: O Mº Juiz presidiu à audiência de discussão e julgamento perante o Tribunal Colectivo, tendo, a final, relatado o respectivo acórdão que condenou a arguido a pena de prisão. Interposto recurso dessa decisão, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra veio o processo a ser reenviado para novo julgamento. Após resolução do conflito de competência para a repetição do julgamento, tal competência foi atribuía, por acórdão do STJ, ao 1º Juízo do mesmo Tribunal de Alcobaça. Sucede que o Mº Juiz que presidiu ao julgamento anulado – foi decidido o reenvio para novo julgamento – é o mesmo que preside ao Tribunal Colectivo que irá realizar a nova audiência. Ora atendendo a que o anterior julgamento se revestiu de toda a publicidade, aos olhos do público deixava de existir a garantia de no novo julgamento a realizar fosse justo e imparcial, atenta a identidade do julgador que, naturalmente já formou determinado juízo sobre o caso no anterior julgamento a que presidiu. Aliás reconhecendo isso mesmo, o Mº Juiz pediu escusa de intervenção no julgamento, escusa que foi todavia rejeitada pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Não houve resposta. No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, tendo sido indeferido o incidente de escusa suscitado pelo Mº Juiz visado, deve também ser indeferido o presente pedido de recusa. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, o recorrente não respondeu. Realizada a conferência, cumpre decidir. **** O CPP define, no seu art. 39º, n.º1, determinadas situações objectivas que impedem ipso facto o juiz de exercer as suas funções em determinado processo, entre elas relações de parentesco, afinidade ou união de facto com pessoas intervenientes no processo – cfr. alíneas a) e b). Depois o art. 40º define os casos de impedimento do juiz em intervir em determinados actos do processo – intervenção em recurso de decisão que proferiu, no julgamento em que tenha proferido despacho de pronúncia, ou em que tenha aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido. O artigo 43°, n.º 1 prevê que “A intervenção do juiz pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Os motivos de recusa são assim menos nítidos que os de impedimento, obrigando à mediação de um juízo que incide sobre duas vertentes. Por um lado para determinar se esse motivo é “sério e grave”. E por outro lado se o facto pode ainda ser considerado “adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade”. Não só de um ponto de vista subjectivo, do visado, como essencialmente em termos objectivos, de representação do cidadão médio perante as circunstâncias do caso, por forma a afastar qualquer dúvida legítima, tal como em vindo a entender o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – cfr. citação do Ac. STJ de 13.01.1988 cujo sumário se encontra transcrito por Simas Santos / Leal Henriques no seu C.P.P. Anotado, 2ª ed., 2º vol., p. 253-255. Não se trata de confessar uma fraqueza; a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios; mas de admitir ou não admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento da suspeição – cfr. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, I vol., 237-239. A independência dos juizes é, antes do mais, uma responsabilidade que terá “a dimensão” ou a “densidade” da fortaleza de ânimo do carácter e da personalidade moral de cada juiz” – cfr. AC.TC 135/88, in Acórdãos do T. Constitucional, 11º vol. p. 945. De acordo com a jurisprudência do TEDH sobre o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal preceito reflecte a exigência de um juízo imparcial, não apenas do ponto de vista subjectivo, como ainda numa visão objectiva, de modo a dissiparem-se quaisquer reservas: deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade para preservar a confiança que, numa sociedade democrática os tribunais devem oferecer aos cidadãos. Ou em que, face à sua densidade e profundidade – tendo como indício os casos enunciados no art. 40º - a anterior tomada de posição seja idónea para, aos olhos dos sujeitos processuais e do público poder abalar ou criar dúvidas sobre a independência e imparcialidade exigidas. No caso trata-se de uma questão de orgânica judiciária em que não está previsto directamente o impedimento do juiz. Ora quando o legislador ordena o reenvio para novo julgamento, exigindo que o processo seja transferido para tribunal diferente daquele que julgou da primeira vez (art. 426-A do CPP), não pode ter deixado de querer que o mesmo fosse realizado por outro(s) juiz(es), com todo o significado objectivo que tal representa, para evitar que tenham de julgar de novo o caso que já julgou. Se é certo que juiz não se confunde com tribunal, não é menos certo que não há tribunal sem juiz. E a remessa para outro tribunal implica, normalmente, que o caso seja julgado por outro juiz. Esta questão tem sido objecto de decisões desencontradas por parte do tribunais superiores, designadamente o mais alto tribunal. Assim, no sentido de que nada obsta a que possa intervir no novo julgamento v. Ac. STJ 05.03.97, CJ/STJ tomo I/97, p. 241; STJ 18.02.1999, CJ/STJ tomo I/99, p. 214. Em sentido contrário – que o juiz que interveio no anterior julgamento não pode intervir no novo julgamento - v. Ac. STJ de 21.01.98, CJ/STJ tomo I/98, p. 172; Ac. STJ de 17.02.99, CJ/STJ tomo I/97, p. 216. Neste sentido v. ainda o Ac. RC de 22.01.2003, na CJ tomo I/2003, 0. 43. Também o Tribunal Constitucional tem sido chamado a dirimir questão semelhante, no âmbito de aplicação do art. 40º do CPP, tendo levado, a doutrina enunciada no Ac. com força obrigatória geral 186/98 de 20.03, à alteração, em conformidade, do texto do citado art. 40º acima enunciado. O TC tem colocado a questão em termos de salvaguardar o funcionamento da estrutura acusatória do processo. Mas a argumentação tem sido no sentido de evitar que quem julga não possa ter tomado anteriormente posição sobre a existência dos pressupostos do crime ou da culpa do agente, por forma a que, objectivamente, não tenha formado, previamente, um juízo sobre os mesmos – v. por todos Ac. TC 297/2003, de 12.06.2003, publicado no DR, II S, de 03.10, onde é feito o resumo das sucessivas tomadas deposição daquele tribunal sobre esta questão. Critério esse que o TC tem definido, caso a caso, em função da “dimensão, frequência, intensidade ou relevância” da intervenção do juiz na fase anterior do processo, por forma a negar a intervenção quando as intervenções processuais anteriores, “pela sua frequência, intensidade, ou relevância o conduzem a pré-juízos ou pré-compreensões sobre a culpabilidade dos arguidos que firam a sua objectividade e isenção”. De sorte que tem decidido que só pode intervir no julgamento o juiz que tenha tido intervenção em actos que não obrigam a uma tomada de posição consistente sobre os pressupostos do crime. Na busca da melhor solução para o caso concreto, tendo por referência o quadro referido, afigura-se que nada melhor do que o critério do próprio legislador na definição do tribunal competente para a repetição do julgamento, em caso de reenvio, como é o agora em apareço. Ora é o próprio legislador que obriga a que a repetição do julgamento no caso de reenvio - diferente da nulidade da sentença, ou outras nulidades – seja realizada por um tribunal diferente (art. 426-A do CPP). De tal opção legislativa decorre, por maioria de razão, que o juiz que interveio no primeiro julgamento não deva intervir na repetição, não por que ele subjectivamente não possa ultrapassar o juízo formulado, exigindo a si próprio maior grau de rigor e objectividade, mas porque, aos olhos do próprio legislador, já teve oportunidade de formar determinada convicção sobre o caso, que apreciou e julgou em toda a sua dimensão, sentenciando sobre o mesmo. Aliás o n.º2 do art. 426-A permite que “Quando na mesma comarca existam mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição”. Pelo que, esta referência à existência, na comarca de “outro tribunal da mesma categoria e composição” parece pressupor necessariamente que a composição do tribunal que recebe o processo seja diferente daquele que realizou o primeiro julgamento. Pelo que se entende deferir a recusa. Esta decisão não é contraditória com a proferida no pedido de escusa, uma vez que aquela, tal como consta da respectiva fundamentação, foi indeferida com base na invocada anulação do julgamento. E não com fundamento no reenvio, cujos pressupostos são taxativamente enunciados no art. 410º, n.º2 do CPP, por remissão do art. 426º, n.º1 do CPP e que, como se disse, obriga à remessa do processo para outro tribunal. *** Termos em que se decide conceder provimento ao pedido de recusa de intervenção do M.º Juiz na repetição no novo julgamento para que foi reenviado o processo em questão. Comunique por fax dado que o processo tem julgamento marcado. Sem custas. |