Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1367/14.9TAVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE DECISÃO SOBRE RECLAMAÇÃO ANTERIOR
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JI CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 615.º, N.º 4, E 617.º, N.º 6, DO CPC, E 4.º DO CPP
Sumário: I - Tendo-se a Relação pronunciado sobre a omissão de pronúncia com o conteúdo referido, não pode voltar a pronunciar-se sobre a mesma questão.

II - Não é legalmente admissível a arguição de nulidade sobre decisão complementar que decidiu arguição de nulidade dirigida à decisão principal.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

           


I

Por acórdão da Relação de 15 de Dezembro de 2016 foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , do acórdão proferido em 3 de Junho de 2016 pela Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, que o absolveu da prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, nº 2 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e o condenou, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a) do mesmo diploma legal – resultante da convolação do acusado crime de tráfico agravado – na pena de dois anos e seis meses de prisão.  

Por requerimento de 17 de Janeiro de 2017 o arguido invocou a nulidade do acórdão proferido, em síntese, nos termos seguintes: sendo o caso pouco comum e pretendendo um futuro distinto do passado, faz sentido a suspensão da execução da pena de prisão, subordinada a regras de conduta ou a regime de prova; foi isso o que alegou nas conclusões 9 a 13, formuladas no recurso designadamente, que as finalidades da punição podem ser conseguidas sem privação da liberdade, pois tem uma vida nova, não fazendo sentido afundá-lo quando está à tona da água; esta perspectiva não mereceu qualquer ponderação no acórdão reclamado, quando a Relação tinha o dever funcional de a efectuar.

Por acórdão da Relação de 10 de Maio de 2017 foi julgada improcedente a invocada nulidade de omissão de pronúncia verificada no acórdão de 15 de Dezembro de 2016.


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            Por requerimento de 30 de Maio de 2017 veio o arguido, uma vez mais, invocar a nulidade de omissão de pronúncia, com os mesmos argumentos que tinha trazido aos autos, no requerimento de 17 de Janeiro de 2017 isto é, e em síntese, que o seu caso não é comum e como tal tem que ser tratado e não, com base em teorias genéricas, que não foi ponderado, nem a Relação o demonstrou, que a suspensão da execução da pena de prisão, com sujeição a regras de conduta ou regime de prova, que a nova família lhe exige, não viabilizavam uma prognose favorável, e concluir que a Relação tem o dever funcional de se pronunciar sobre o problema concreto colocado e não sobre uma perspectiva aleatória do mesmo.

            No mesmo requerimento, referindo fazê-lo por mera cautela, arguiu duas inconstitucionalidades, a saber:

- Face ao decidido, a inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão de 10 de Maio de 2017, do art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal, no sentido de não ser omissão de pronúncia a falta de tomada de posição sobre a questão de a suspensão da execução da pena de prisão dever ser sujeita a regras de conduta ou regime de prova como a sua própria nova família lhe exige, por só dessa forma ser de sustentar um juízo de prognose favorável;

- Face à anterior tramitação processual, a inconstitucionalidade da interpretação das normas dos arts. 425º do C. Processo Penal e 617º e 666º do C. Processo Civil, no sentido de não ser admissível, por inexorável esgotamento do poder jurisdicional a arguição de nulidade do acórdão que considerou não existir nulidade anteriormente arguida, por violação do art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.


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            O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no exercício do contraditório, pronunciou-se no sentido de não ser admissível reclamação de acórdão que já se pronunciara anteriormente, por via de reclamação apresentada, sob pena de se sancionar um uso anómalo do processo e o protelamento do seu normal andamento, no sentido de ser manifesta a falta de fundamentação da primeira inconstitucionalidade arguida, e no sentido de a arguição de ambas ter sido efectuada em incidente pós decisório, inidóneo e processualmente intempestivo, e concluiu pela não admissão da reclamação e pela não verificação de qualquer inconstitucionalidade.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


II

1. O arguido não ignora que uma das questões que integrou no objecto do recurso que, do acórdão da 1ª instância de 3 de Junho de 2016, interpôs para a Relação, foi a da substituição da pena de dois anos e seis meses de prisão, pela suspensão da respectiva execução com sujeição a regras de conduta ou regime de prova. Também não ignora que, conhecendo da questão, o acórdão da Relação de 15 de Dezembro de 2016 entendeu, pelas razões nele expostas, que a sua personalidade e os concretos factos não permitiam a formulação do necessário juízo de prognose favorável, e entendeu também ser necessário assegurar a confiança da comunidade na validade da norma violada, concluindo pela inadequação da pretendida substituição da prisão. Não ignora ainda que, na sequência da arguição de nulidade por si apresentada, o acórdão da Relação de 10 de Maio de 2017 julgou improcedente a invocada omissão de pronúncia tendo por objecto, não ter o tribunal ad quem conhecido da substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução, com sujeição a regras de conduta ou regime de prova.

A repetição da mesma arguição de nulidade significa que o arguido não aceita o decidido e que, aparentemente, na sua perspectiva, a omissão de pronúncia, só deixará de existir, se e quando a Relação proferir decisão contrária, satisfazendo a sua pretensão.

Dito isto.

In casu, são aplicáveis os arts. 615º, nº 4 e 617º, nº 6 do C. Processo Civil (ex vi, art. 4º do C. Processo Penal) pelo que, a decisão proferida pela Relação através do acórdão de 10 de Maio de 2017 é definitiva, sobre a nulidade suscitada. Tendo-se a Relação pronunciado sobre a omissão de pronúncia com o conteúdo referido, não pode voltar a pronunciar-se sobre a mesma questão.

Em suma, não é legalmente admissível a arguição de nulidade sobre decisão complementar que decidiu arguição de nulidade dirigida à decisão principal (cfr. Ac. do STJ de 31 de Outubro de 2007, processo nº 06P4699, in www.dgsi.pt). 

2. No que respeita à arguida inconstitucionalidade da interpretação que o arguido diz ter sido dada pela Relação à norma do art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal, a argumentação limitou-se exactamente a isto.

Não tendo indicado que norma ou normas constitucionais e/ou que princípio ou princípios constitucionais entende terem sido violados e por quê, não pode a Relação ficcionar a argumentação omitida e conhecer da inconstitucionalidade que, em todo o caso, não descortina.

No que respeita à arguida inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos arts. 425º do C. Processo Penal e 617º e 666º do C. Processo Civil, no sentido de não ser admissível a arguição de nulidade de acórdão que considerou não existir nulidade anteriormente arguida, o arguido indicou como norma violada a do art. 32º, nº 1 da Constituição da República, sem mais esclarecimentos.

Dispõe o preceito constitucional invocado que, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso

Nesta fórmula estão condensadas todas as demais normas que constam do artigo, já que todas elas são garantias de defesa. No que ao direito ao recurso respeita, assegura-se a existência de um duplo grau de jurisdição o que, basicamente, significa a reapreciação da questão, na vertente de facto e na vertente de direito, por um tribunal superior (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4ª Edição Revista, Volume I, 2007, Coimbra Editora, pág. 516).

O arguido recorreu do acórdão da 1ª instância, de facto e de direito. A Relação conheceu do recurso. O arguido reclamou da decisão, invocando a existência de nulidade. A Relação conheceu e indeferiu a nulidade.

Assegurado que foi o duplo grau de jurisdição, não se vê como possa a não admissibilidade de nova reclamação traduzir-se na violação do nº 1 do art. 32º da Lei Fundamental ou na violação de qualquer outra garantia de defesa [que o arguido, em todo o caso, não especificou].


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III


Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em:

- Julgar não admissível a reclamação quanto à invocação da nulidade de omissão de pronúncia;

- Não conhecer da invocada inconstitucionalidade da interpretação dada ao art. 379º, nº 1, c) do C. Processo Penal, por falta de fundamentação;

- Considerar não verificada a inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos arts. 425º do C. Processo Penal e 617º e 666º do C. Processo Civil, no sentido de não ser admissível a arguição de nulidade de acórdão que considerou não existir nulidade anteriormente arguida.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em duas UCS (art. 8º, nº 9 do R. das Custas e tabela III, anexa).

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Coimbra, 8 de Novembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)

(Helena Bolieiro – adjunta)