Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1441/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL:CONVOCATÓRIA DA ASSEMBLEIA GERAL; REQUISITOS
Data do Acordão: 09/30/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Nacional: ART. S 396.º N.º 1 DO C.P.C.
Sumário:
I- Na convocatória da Assembleia Geral de uma cooperativa há que ver o que dizem os estatutos,
II- Não ocorre nulidade se a convocatória for enviada por via postal simples, tal como vem previsto nos estatutos.
III- O art. 396°, n° 1, do C.P.C. exige a ocorrência simultânea de dois requisitos para que seja decretada a suspensão de deliberações sociais, pelo que a falta de um deles determina a impossibilidade do seu deferimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
Sociedade Agro-... e António ... requereram, em 01/08/2002, no Tribunal da comarca de Celorico da Beira, contra Estrelac..., CRL, a suspensão da execução da deliberação de alteração das regras de produção do Queijo da Serra da Estrela tomada na assembleia geral de 23/07/2002, alegando, em síntese, o seguinte:
Na assembleia geral de 23/07/2002, foi aprovada uma deliberação que impõe aos produtores de Queijo Serra da Estrela um limite máximo de laboração de leite, com vista à produção de queijo, de 50.000 litros de leite por ano.
Os requerentes votaram contra a referida deliberação, por um lado, porque a assembleia geral foi irregularmente convocada por via postal simples, por outro lado porque existiu uma modificação da ordem de trabalhos sem que se encontrasse presente ou representada a totalidade dos membros da requerida, por outro lado ainda, porque a aludida deliberação extravasa o objecto da requerida, uma vez que, de acordo com os seus estatutos, apenas lhe pertence definir regras comuns de produção, com vista a melhorar a qualidade dos produtos, e por último, porque o despacho 8487/2002 (2ª série), de 26 de Abril, nada refere quanto às quantidades máximas de leite para cada produtor, tendo em vista a sua transformação em Queijo Serra da Estrela.
Concluem, por isso, que a deliberação em causa é anulável nos termos do artº 58º, nº 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais.
Tal deliberação causa dano apreciável aos requerentes, não só enquanto produtores de Queijo Serra da Estrela, como também enquanto produtores de leite, uma
vez que vêem o potencial da sua produção drasticamente reduzido e a sua imagem no mercado danificada e correm o risco de ver o seu produto desvalorizar-se substancialmente.
Terminam, pedindo que seja ordenada a suspensão da execução da referida deliberação de 23/07/2002, e que seja fixada a sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efectividade da providência decretada.
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A requerida deduziu oposição, pugnando pelo indeferimento da providência requerida.
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Inquiridas as testemunhas arroladas pela requerida, foi proferida decisão sobre a matéria de facto e sobre a questão de fundo, indeferindo a providência requerida.
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Inconformados, recorreram os requerentes, tendo o recurso sido admitido como apelação, mas que o relator ordenou que seguisse os termos do agravo.
São do seguinte teor as conclusões da alegação dos recorrentes:
1ª- Ao decidir que a respectiva regulamentação tão só tenha exigido a convocação por via postal, a sentença recorrida fez uma incorrecta apreciação da legislação como do texto do Regulamento da Requerida, violando o previsto no nº 4 do artº 47º do Código Cooperativo;
2ª-Pelo que a convocatória efectuada é nula por não ter cumprido os formalismos legais;
3ª- A deliberação social em causa não constava da ordem de trabalhos da convocatória pelo que a mesma é nula nos termos do artº 50º do Código Cooperativo e nos termos do artº 29º dos Estatutos da Requerida;
4ª- Não estiveram presentes ou representados na reunião todos os membros da Requerida no pleno gozo dos seus direitos, pelo que a requerida não podia deliberar sobre questões que não constavam da ordem de trabalhos;
5ª- As únicas regras de produção em vigor são as constantes do Caderno de Especificações, nos termos para que remete o Despacho nº 8487/2002, de 26 de Abril (2ª série), sendo que a proposta de alteração das “Regras de Produção” nunca chegou a ser aprovada. Não obstante,
6ª- A Requerida não pode alterar “per si” o caderno de especificações sob pena de violação da legislação comunitária e nacional sobre essa matéria.
7ª- A Requerida não tem qualquer legitimidade para fixar a quota de produção máxima de Queijo da Serra, conforme confissão da própria, tendo nessa parte a sentença recorrida violado as regras de prova.
8ª- A Requerida encontra-se vinculada à legislação comunitária e à tutela do Governo enquanto gestora do uso da menção DOP, legislação essa que não estabelece qualquer limite de produção, nem atribui poderes à Requerida para os estabelecer, pelo que não tem poder para estabelecer limites de produção DOP por produtor, seja qual for a classe do respectivo estabelecimento industrial em cada momento.
9ª- Nesses termos, a deliberação social em causa viola o previsto na legislação comunitária e nacional relativa à menção DOP.
10ª- A deliberação social em causa viola ainda o previsto nas als. c) e f) do nº 1 do artº 2º do Dec.Lei nº 371/93, de 29 de Outubro.
11ª- Os Requerentes são ambos donos de rebanhos e produtores de leite destinado à produção de Queijo da Serra DOP, pelo podem sofrer dano considerável pela redução do preço do litro deste tipo de leite que, por força da lei da oferta e da procura, a deliberação social em causa, provocará;
12ª- Bem como sofrerão os danos resultantes da perda de imagem da região e com o desincentivo ao investimento rentável de produção local que a deliberação em causa acarreta, a qual inviabiliza investimentos para “subida” de classe dos estabelecimentos industriais locais;
13ª- Bem como têm sempre interesse, enquanto associados da requerida, em se oporem a qualquer deliberação social que viole a lei nacional, o respectivo Regulamento e demais legislação comunitária aplicável.
14ª- A sentença recorrida fez uma incorrecta selecção e apreciação dos factos relevantes para a decisão da causa, verificando-se falta de pronúncia sobre questões suscitadas com manifesto interesse para a decisão da causa, designadamente da questão da violação das regras da concorrência, e pronunciando-se sobre questões sem relevo para a decisão, como a questão do abuso de posição dominante, o que é causa de nulidade da sentença nos termos do previsto na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC;
15ª- A sentença recorrida deu como provados factos por falta de impugnação num momento processual em que tal impugnação já não era possível (pontos 13 e 14 dos Factos Provados), o que viola o previsto nos artºs 302º e ss. do CPC, aos quais não se aplica o previsto no artº 505º do mesmo Código por a tramitação em causa não admitir mais articulados.
16ª- A sentença recorrida fez ainda uma incorrecta apreciação e interpretação da legislação aplicável, verificando-se mesmo contradição entre os vários fundamentos e a própria decisão, designadamente quando afirma que não existe qualquer referência legal a limites de produção e decide que é a “existência de uma tal limitação um dos critérios de concessão da autorização”, o que representa igualmente uma causa de nulidade da sentença nos termos da al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC.
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A requerida contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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O Mmº Juiz a quo pronunciou-se acerca das nulidades invocadas pelos recorrentes, concluindo pela sua improcedência.
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Corridos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
1 – A requerida é uma cooperativa agrícola polivalente, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Celorico da Beira sob o nº 3, cujo capital social é variável e ilimitado, com um montante mínimo de 498,80 €.
2 - Os requerentes são cooperadores na requerida e, nessa qualidade, foram convocados para a respectiva assembleia geral, realizada no dia 23/07/2002, pelas 14 horas, na sua sede social, conforme cópia do aviso convocatório de que se encontra cópia a fls. 18.
3 - A assembleia geral reuniu no local e no dia indicado em 2, tendo os requerentes estado presentes.
4 - A acta da referida assembleia geral não foi disponibilizada aos requerentes até 01/08/2002.
5 - A convocatória para a referida assembleia geral foi efectuada por via postal simples.
6 - O ponto 2 da ordem de trabalhos da convocatória para a referida assembleia geral consistia na aprovação de alteração das regras de produção do Queijo Serra da Estrela, de acordo com a proposta de alterações preparada pela Direcção e colocada à disposição dos cooperantes na sede da requerida, de que se encontra cópia a fls. 23/32.
7 - Nesta assembleia geral foi aprovada, por maioria e ao abrigo do ponto 2 do aviso convocatório, uma deliberação que impõe aos produtores de Queijo Serra da Estrela um limite máximo de laboração de leite (com vista à produção de queijo Serra da Estrela) de 50.000 litros por ano.
8 - Os requerentes votaram contra a referida deliberação e entregaram ao presidente da mesa da assembleia geral cartas, de que se encontra cópia junta aos autos a fls. 20/21, onde, além do mais, solicitaram que ficasse expresso em acta o seu voto contra, bem como que lhes fosse disponibilizada, no prazo de 24 horas, cópia da mesma.
9 - Não foram efectuadas as publicações referenciadas no artº 14º da petição porque a requerida tem menos de 100 membros.
10 - O queijo Serra da Estrela constitui uma Denominação de Origem Protegida.
11 - A requerida adoptou o “Regulamento Interno” de que se encontra cópia a fls. 63/68.
12 - Foi editado na revista “Proteste” o estudo sobre “queijos tradicionais”, de que se encontra cópia a fls. 70/73.
13 - No dia 06/04/1997 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária, na Delegação da “Ancose”, cujo ponto 1 era a “apreciação das alterações às regras de produção do Queijo Serra da Estrela” e, no dia 27/04/2001, teve lugar a Assembleia Geral da requerida, no Centro Cultural, em Celorico da Beira, cujo ponto 3 consistia na “apreciação dos rótulos específicos do queijo Serra da Estrela DOP, queijo Serra da Estrela DOP velho, requeijão e borrego Serra da Estrela, e impedir a transformação superior a 50.000 litros nas queijarias classe D que se candidatem à utilização DOP, tendo tais regras de produção sido aprovadas, com vinte e quatro votos a favor e uma abstenção.
14 - Os requerentes estiveram presentes nas referidas reuniões da Assembleia Geral da requerida, nos dias 06/04/1997 e 27/04/2001.
15 - A propósito do ponto 3 da aludida reunião de 27/04/2001, o “Sr. Fernando Cruz perguntou se ultrapassar cinquenta mil litros se continua a certificar, o Sr. Manuel Fernandes respondeu que este assunto será transmitido às entidades competentes e estas que decidam”.
16 - A razão de ser do assente em 15 prendeu-se com a necessidade de proteger e prestigiar o Queijo da Serra como produto de qualidade, garantindo ao consumidor a genuinidade do produto, bem como preservar os métodos artesanais e artesãos.
17 - A requerida possui e rege-se por um “Caderno de Especificações” (alterado em 2001).
18 - A Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral editou, no ano de 2000, uma publicação subordinada ao título “Queijo Serra da Estrela. Processos Tradicionais e Inovações Tecnológicas”.
19 - Se deslocarmos um rebanho de ovelhas bordaleiras e churramondegueira para o Algarve, o leite produzido não terá o mesmo sabor, aroma e textura daquele que é produzido na Serra da Estrela.
20 - A requerida insere-se numa zona geográfica interior do País, sendo a sua imagem de marca o “Queijo da Serra”.
21 - A requerida foi fundada em 1991.
22 - Desde sempre que, como forma de contenção económica, dada a forma sempre economicamente carente das sua finanças, que as assembleias gerais foram convocadas por correio simples, não tendo havido, da parte de qualquer dos cooperantes, qualquer censura.
23 - Na reunião da Assembleia Geral da requerida, no dia 23/07/2002, um dos cooperadores sugeriu que se limitasse a produção de leite para o fabrico de queijo Serra da Estrela a 50.000 litros/ano, por produtor.
24 - A requerente “Sociedade Agro-Pecuária do Vale do Seia, Ldª”, em 15/10/2001, pela Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior, obteve licença de laboração para funcionamento de um estabelecimento industrial classe D (fabrico de queijo curado e requeijão).
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É sabido que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de questões nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Questão prévia.
Os recorrentes juntaram, com a alegação, três documentos, sendo o primeiro deles destinado a comprovar que o facto assente sob o nº 13 não corresponde à verdade, em virtude de a 1ª requerente só ser associada da requerida desde 30/05/2000, data em que procedeu ao pagamento da jóia de inscrição.
Não alegaram qualquer justificação para a apresentação, apenas nesta altura, de tais documentos.
Depois do encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância - cfr. artºs 524º, nº 1, e 706º, nº 1, do Código de Processo Civil .
Com a junção do doc. nº 1 pretendem os recorrentes impugnar os factos constantes do nº 13 dados como provados na sentença.
Tais factos haviam sido alegados pela requerida na oposição que deduziu ao requerimento inicial.
A apresentação da oposição foi notificada, em devido tempo, aos requerentes, pelo que, se pretendessem impugnar tais factos, poderiam e deveriam ter junto o documento nº 1 antes de ter sido proferida a decisão sobre a matéria de facto, sendo certo que, como se viu, nenhuma justificação deram para a não apresentação atempada de tal documento.
Por isso, não pode o mesmo ser admitido, pelo que será desentranhado e entregue aos recorrentes.
O documento nº 2 é um pedido de um parecer técnico e o nº 3 é o parecer técnico pedido no nº 2 e foram apresentados atempadamente (cfr. artº 706º, nº 2-2ª parte, do Cód. Proc. Civil), pelo que permanecem nos autos.
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Do Agravo.
I – Começam os recorrentes por invocar a nulidade da convocatória da assembleia geral onde foi aprovada a deliberação em causa, visto ter sido efectuada por via postal simples, com violação do previsto no nº 4 do artº 47º do Código Cooperativo.
Na sentença recorrida decidiu-se que, face ao disposto nos artºs 25º, nº 2 dos Estatutos da requerida e 15º, nº 2, al. d), e 47º, nº 4, do Código Cooperativo, a matéria da convocação das assembleias gerais se encontra no domínio da livre disposição dos cooperantes, tendo a respectiva regulamentação exigido, tão só, a convocação por via postal.
O nº 4 do artº 47º do Código Cooperativo dispõe que, na convocatória da assembleia geral, as publicações em diários ou semanários são facultativas se a convocatória for enviada a todos os cooperadores por via postal registada ou entregue pessoalmente por protocolo, envio ou entrega, que são obrigatórios nas cooperativas com menos de 100 membros.
Por sua vez, o artº 15º, nº 2, al. d), do mesmo Código estabelece que os estatutos das cooperativas podem incluir as normas de convocação e funcionamento da assembleia geral.
Estes dois normativos levam-nos a concluir que o primeiro (artº 47º, nº 4) é supletivo.
Há que ver, em primeiro lugar, se os respectivos estatutos incluem normas de convocação da assembleia geral.
Em caso afirmativo, há que observar o que vem disposto nos estatutos.
Caso estes não incluam tais normas, então é que é de aplicar o que vem estatuído no aludido nº 4 do artº 47º.
Outra conclusão a tirar da conjugação destas duas normas é que se os estatutos incluírem normas de convocação da assembleia geral, pode tal convocação ser regulada de forma diferente da prevista no artº 47º, pois só assim se justifica a existência da referida al. d) do nº 2 do artº 15º.
Com efeito, esta norma não teria qualquer razão de existir se os estatutos tivessem que regular a convocatória nos mesmos termos em que vem regulada no artº 47º.
Ora, os estatutos da requerida Estrelacoop incluem uma norma de convocação da assembleia geral, o seu artº 25º, em cujo nº 4 se dispõe que a convocatória será enviada a todos os membros por via postal ou entregue em mão, neste caso, contra recibo.
Como se vê, esta norma fala apenas em via postal, não exigindo, por isso, a via postal registada.
Pode, assim, a convocatória ser enviada por via postal simples.
E compreende-se que assim seja, se considerarmos que a finalidade da convocatória - dar a conhecer aos interessados a ordem de trabalhos da assembleia e o dia, hora e local da mesma - pode perfeitamente ser obtida através de envio por correio simples, dado que, hoje em dia, o envio de correspondência por tipo de correio é bastante seguro, face, nomeadamente, à utilização das mais modernas técnicas no seu processamento, sendo raros os casos de extravio de correspondência.
No presente caso, os requerentes receberam, atempadamente, a convocatória por via postal simples e estiveram presentes na assembleia geral em causa, nela participando e defendendo os seus direitos, não se tendo provado (já que nem, sequer, foi alegado) que o fariam de forma diferente se tivessem sido convocados por via postal registada.
Conclui-se, por isso, que não merece censura a sentença recorrida, por não padecer de nulidade a referida convocatória.
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II - Afirmam, depois, os recorrentes que a deliberação social em causa não constava da ordem de trabalhos da convocatória, pelo que a mesma é nula nos termos do artº 50º do Código Cooperativo e nos termos do artº 29º dos Estatutos da requerida, uma vez que não estiveram presentes ou representados na reunião todos os membros da requerida no pleno gozo dos seus direitos, e, por isso, não podia deliberar sobre questões que não constavam da ordem de trabalhos.
Não há dúvida que são nulas as deliberações tomadas sobre matéria que não constem da ordem de trabalhos fixada na convocatória, salvo se, estando presentes ou representados todos os membros da cooperativa no pleno gozo dos seus direitos, concordarem, por unanimidade, com a respectiva inclusão (cfr. artºs 29º dos Estatutos da requerida e 50º do Código Cooperativo).
A dúvida aqui consiste apenas em saber se houve alteração da ordem de trabalhos no que diz respeito ao ponto nº 2 da convocatória, decidindo a sentença pela negativa, enquanto os recorrentes entendem que se verificou tal alteração.
A referida convocatória tinha como ponto 2 da ordem de trabalhos o seguinte: “Alteração das regras de produção do Queijo Serra da Estrela”.
Na assembleia geral de 23/07/2002 foi aprovada, por maioria e ao abrigo do ponto 2 do aviso convocatório, uma deliberação que impõe aos produtores de Queijo Serra da Estrela um limite máximo de laboração de leite (com vista à produção de queijo Serra da Estrela) de 50.000 litros por ano.
Importa, por isso, ver se esta deliberação encaixa no referido ponto 2 da ordem de trabalhos ou se, pelo contrário, nada tem a ver com esta, traduzindo-se numa alteração da mesma.
Antes, porém, convém referir que a lei exige que a ordem de trabalhos conste da convocatória para que os interessados saibam, de antemão, o que vai ser discutido na assembleia geral e possam, assim, preparar atempadamente a sua intervenção e tomada de posição quanto à defesa dos seus direitos, sem serem confrontados no decurso da assembleia com a discussão de assuntos que não estavam agendados para essa ocasião.
A lei é tão exigente a esse respeito que, como vimos, são punidas com a nulidade as deliberações sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos.
Isso só não sucede se, como é compreensível, estando presentes ou representados todos os membros da cooperativa no pleno gozo dos seus direitos, concordarem, por unanimidade, com a respectiva inclusão.

Voltando à deliberação cuja suspensão é requerida nos presentes autos, dir-se-á que nos parece, efectivamente, que a mesma se traduz numa verdadeira alteração da ordem de trabalhos.
Com efeito, analisando a deliberação em causa, verifica-se que a mesma visou apenas impor aos produtores de Queijo Serra da Estrela um limite máximo de laboração do leite, com vista à produção desse tipo de queijo, nada mais decidindo quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos.
Ora, como se refere no ponto 6 da matéria de facto dada como provada, o ponto 2 da ordem de trabalhos consistia na aprovação de alteração das regras de produção do Queijo Serra da Estrela, de acordo com a proposta de alterações preparada pela Direcção e colocada à disposição dos cooperantes na sede da requerida, de que se encontra cópia a fls. 23/32.
Da leitura desta proposta extrai-se, no entanto, que em lado algum se faz referência ao limite máximo de laboração de leite (de 50.000 litros) por ano, nem à necessidade e aos motivos de tal medida, versando, essencialmente, sobre aspectos técnicos relativos à recolha do leite e produção do queijo, bem como às condições de utilização da Denominação de Origem Protegida, tendo apenas que ver com a qualidade e não com a quantidade.
Parece-nos ser, pois, de concluir que, nada tendo a deliberação que ver com as regras de produção, nem com a proposta da própria Direcção da requerida, foi aquela tomada sobre uma matéria que não constava da ordem de trabalhos, padecendo, por isso, de nulidade.
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III - Sendo nula a deliberação, há que ver se deve ser decretada a suspensão da sua execução, tal como vem requerido nos presentes autos.
De acordo com o nº 1 do artº 396º do Código de Processo Civil, são dois os requisitos para ser decretada a providência de suspensão de deliberações sociais:
a) Que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato; e
b) Que o requerente mostre que a execução dessa deliberação pode causar dano apreciável.
Quanto ao primeiro requisito, há que ver que a lei adoptou um conceito amplo de ilegalidade, susceptível de englobar tanto os casos de deliberações sociais anuláveis ou afectadas de nulidade – podendo esta última ser de natureza formal, assente em vícios do processo, ou substancial, ligada ao conteúdo da própria deliberação -, como ainda os de deliberações ineficazes ou afectadas por inexistência jurídica (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da reforma do Processo Civil, IV Vol., págs. 72/73 e 87).
No que diz respeito ao segundo requisito, é necessário que o requerente alegue e comprove factos de onde se possa concluir que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante (cfr. autor e obra cit., pág. 88).
No caso sub iudice, pelo que se disse em II, não há dúvida que se verifica a existência do primeiro requisito, uma vez que a deliberação em causa é nula por ter sido tomada sobre uma matéria que não constava da ordem de trabalhos da convocatória.
Já no que diz respeito ao segundo requisito, é de concluir pela sua não verificação, visto que, embora os requerentes tenham alegado que a execução da deliberação aprovada lhes causa dano apreciável, o que é facto é que, como se vê da matéria dada como assente, não lograram eles comprovar que aquela lhes cause quaisquer danos e, muito menos, apreciáveis.
Assim, embora se verifique a existência do primeiro requisito, a falta do segundo determina a impossibilidade de decretar a requerida providência, uma vez que a lei exige a ocorrência cumulativa dos dois requisitos.
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Pelo exposto, embora por diferentes fundamentos (no que diz respeito à verificação do primeiro requisito), nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.