Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3973/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
REGIME ESPECIAL PARA JOVENS
PENA CONJUNTA
Data do Acordão: 01/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART.º 18.º N.º 2 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 40.º, 71.º E 77.º DO CÓDIGO PENAL E 4.º DO D.L. 401/82 DE 23.09
Sumário:

I – A atenuação especial da pena resultante da aplicação do regime penal especial para jovens só pode e deve ser aplicada quando o tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do condenado, tal qual textua o artigo 4.º da respectiva lei, bem como quando não colida com a adequada defesa da comunidade e a prevenção da criminalidade;
II – A partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena;
III – A pena adequada à culpa – máximo inultrapassável das pena - correspondente À sanção que o agente do crime merece, sendo aquela que é aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral.
IV – A pena conjunta deve ser encontrada de acordo com o critério geral de determinação da medida das penas, bem como do critério especial previsto no art.º 77.º n.º 1 do CP.
Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 3973/03

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo comum colectivo n.º 34/01, do 1º Juízo Criminal de Viseu, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou os arguidos:
- A, como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo art.25º, al.a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 18 meses de prisão com execução suspensa;
- B, como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo art.25º, a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 18 meses de prisão, como co-autor de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art.143º, n.º1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art.275º, n.º 3, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, e como co-autor material de um crime de lenocínio agravado, previsto e punível pelo art.170º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 5 anos e 9 meses de prisão;
- C, como co-autora de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art.143º, n.º1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, como co-autora de material de um crime de lenocínio agravado, previsto e punível pelo art.170º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, como autora material de um crime de injúria, previsto e punível pelos arts.181º e 184º, do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 4 anos e 6 meses de prisão;
- D, como co-autor de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo art.143º, n.º1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5.
Interpuseram recurso os arguidos B e C, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da motivação apresentada:
1. Há contradição insanável da fundamentação, isto é, num lado (n.ºs 14 e 15), afirma-se que os arguidos disponibilizaram a sua casa em data anterior a Fevereiro de 2002 à F e que a partir do mês de Fevereiro obrigaram-na a prostituir-se por sua conta, e noutro afirma-se que não está provado que estes se disponibilizassem a recebê-la em Janeiro e que se prostituísse por sua conta a partir de 15 de Fevereiro.
2. É manifesta e insanável a contradição entre os factos descritos nesta parte da fundamentação do douto acórdão.
3. Que incorreu, assim, no vício previsto na al.b), do n.º 2, do art.410º, cognoscível por este Supremo Tribunal de Justiça ( - Certo é que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão prolatado em 9 de Outubro, julgou-se incompetente para o conhecimento do recurso, atribuindo a competência a esta Relação.) (art.434º) e cominado com o reenvio do processo para novo julgamento (art.426º).
4. Esta contradição não é indiferente para a justa apreciação do objecto do processo, uma vez que, se proceder, tal facto deverá considerar-se como não provado, restringindo a matéria de facto quanto ao crime de lenocínio agravado à matéria apurada quanto à testemunha E.
5. Os critérios que presidem à medida concreta da pena são os indicados nos arts.40º e 70º, do Código Penal.
6. Terá ainda o julgador na determinação da medida da pena, que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art.71º, n.º 2, do Código Penal).
Citando Rodrigues Devesa, poder-se-á dizer “a ilicitude e a culpa são susceptíveis de variação consoante as circunstâncias que concorram no caso concreto no crime cometido, quer dizer que, são capazes de uma graduação maior ou menor que repercute sobre a gravidade”.
7. Haveria que atender quanto ao crime de tráfico de menor gravidade, à quantidade e tipo de produtos estupefacientes apreendidos ao recorrente, 5,588 gramas de haxixe. Não se ter apurado, quantas e em que quantidade, foram efectuadas as vendas de heroína, à E, e aos factos de as circunstâncias em que ocorreu essa venda ter sido já levada em consideração na pena aplicada quanto ao crime de lenocínio.
8. Se se pudesse ter como definitivamente fixa a matéria de facto que o tribunal deu como apurada tal matéria seria subsumível à previsão do art.25º, do DL 15/93, de 22.01. mas atento aos critérios do art.70º e 71º, do CP, deveria ao recorrente ser aplicada uma pena não superior a 12 meses de prisão.
9. A decisão recorrida violou nesta parte os arts.70º e 71º, do CP.
10. Quanto ao crime de Lenocínio agravado, o tribunal atento ao exposto no ponto A do recurso não deveria ter dado como apurados os factos referentes à F, desde logo porque a mesma não compareceu em audiência de julgamento, não podendo pois confirmar tais factos, os arguidos não prestaram quanto a estes factos declarações e a convicção do Tribunal assenta toda ela em depoimento indirecto, é a testemunha E que diz, são os agentes da PSP que relatam com base no depoimento que lhes é dito por estas, é o técnico de IRS que diz com base naquilo que a testemunha lhe referiu. Acresce ainda que, esse mesmo técnico veio dizer ao Tribunal que a referida F tinha um carácter fantasioso e problemático, não descartando a hipótese de aquela F fantasiar o que dizia, dada a sua personalidade, fls.26 e 27 do douto acórdão. Ora, salvo o devido respeito, esta possibilidade de fantasia aliada ao facto da convicção do Tribunal ter sido baseada em depoimento indirecto, deveria m obediência ao princípio in dubio pro reo beneficiar os arguidos.
11. O Tribunal quanto a este crime também não atendeu ao facto de o arguido Joaquim, não fazer deste crime modo de vida, tanto mais que apurou, no ponto 54 do douto acórdão, que o referido arguido auxiliava os pais na feira, e o facto da testemunha E, pese embora os arguidos tenham sido detidos, tenha continuado a desenvolver a mesma conduta, isto é, a prostituir-se. É aliás sintomático o seu depoimento, quando por exemplo, a dado passo diz “não quer dizer mais nada quer ir embora”. Que se prostituía mais pelo facto de obter com isso a droga, do que pelo facto dos arguidos a isso a obrigarem. E prova disso é a sua actual situação.
12. Quanto aos restantes crimes que são imputados ao arguido e pelos quais o mesmo foi condenado, designadamente quanto aos crimes de detenção de arma proibida e ofensa à integridade física simples, não se atendeu à confissão integral e sem reservas por parte deste arguido.
13. Pelo que, o mesmo não deveria ser punido, quanto ao crime de detenção de arma proibida, em pena superior a 8 meses de prisão, quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 7 meses e meio de prisão e quanto ao crime de lenocínio na pena de 3 anos de prisão.
14. Face aos critérios legais (arts.40º, 70º e 71º, do CP), o recorrente deveria ser punido pelos crimes pelos quais foi condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão.
15. Quanto à arguida C, atenta a sua situação pessoal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.
16. Violou-se o disposto nos arts.40º, 70º e 71º, do CP.
17. Pelo que deve ser revogada, nos termos sobreditos
18. No caso dos autos, e embora os crimes cometidos mereçam especial censura da sociedade, uma vez que à uma forte componente respeitante à prevenção do tráfico de droga e de protecção de terceiros, que impele a que a pena escolhida deva reflectir essa especial censura, devendo no caso concreto ser aplicada uma medida de prisão efectiva. Todavia, essa forte censura já está reflectida na moldura abstracta das penas previstas para o arguido nesses tipos de crime. Por isso, o arguido não pode ser penalizado duas vezes, com a consideração de que os crimes são socialmente tão reprováveis que, por princípio, os seus autores não devem beneficiar do regime especial para jovens delinquentes.
19. O facto de o arguido não ter prestado declarações e de, consequentemente, não estar arrependido, não significa que tal atenuação não se lhe aplique, uma vez que não estamos perante circunstâncias excepcionais ou ligadas à gravidade objectiva dos factos ou à má formação da personalidade.
20. Pelo contrário. O arguido B não tem antecedentes criminais de relevo. Trabalhava com os pais nas feiras. No período da prática dos factos tinha 19 anos; o arguido é proveniente de um agregado familiar carenciado, tem bom comportamento no EP e apoio incondicional por parte dos progenitores, irmãos e companheiros (vide relatório social junto aos autos). Confessou integralmente e sem reservas alguns dos factos que lhe eram imputados.
21. Parece estarmos perante circunstâncias que, não só aconselham uma atenuação especial da pena ao abrigo do disposto no DL 401/82, de 23.09, como o impõem.
22. A atenuação especial da pena está prevista nos arts.72º e 73º.
23. Dada a gravidade dos factos apurados, modo de execução e demais circunstâncias ponderadas no douto acórdão, mostra-se adequada a pena de 3 anos de prisão.
24. A decisão recorrida violou o disposto nos arts.72º e 73º, do CP e o DL 401/82, de 23.09.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o Digno Magistrado do Ministério Público pugna pela confirmação do acórdão recorrido, alegando que o mesmo não enferma de qualquer um dos vícios arguidos e que as penas cominadas se mostram ajustadas à medida da culpa e às exigências de prevenção, sendo certo que o arguido B não deve beneficiar do regime especial para jovens delinquentes, uma vez que nada permite concluir que da atenuação especial da pena ali estabelecida resulte um efeito de responsabilização e de ressocialização do arguido, efeito essencial para que o mesmo não volte a delinquir.
Igual posição tomou o Exm.º Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
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Começando por delimitar o âmbito e o objecto do recurso, os quais nos são dados pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, verifica-se que aqueles discordam, quer da decisão de facto proferida quer da decisão de direito. A primeira vem impugnada sob a alegação de que a prova foi incorrectamente valorada e apreciada no que concerne ao crime de lenocínio em que figura como ofendida F e sob a invocação de que aquela decisão enferma de contradição insanável. A segunda com o fundamento de que as penas cominadas não foram correctamente determinadas.
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É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados):
«1. No dia 17.07.01, cerca das 16.30 horas, os agentes da PSP de Viseu G, H e I, em missão normal de vigilância ao consumo e tráfico de estupefacientes no Parque Aquilino Ribeiro nesta cidade, foram alertados para o facto de junto ao ringue desportivo se encontrar um grupo de pessoas que pelos movimentos que efectuaram se tornaram suspeitas.
2. Aproximaram-se e, de imediato, um dos indivíduos que veio a ser identificado como sendo o arguido A, meteu algo ao bolso que se apurou ser uma navalha e um produto de cor acastanhada que os agentes suspeitaram ser haxixe, enquanto que outro, o arguido B, procurava esconder no meio da folhagem vários pedaços de um produto de tonalidade acastanhada e, no bolso das calças, uma caixa própria para rolos fotográficos que continha no interior vários pedaços do mesmo produto e duas notas de 5.000$00.
3. Conduzidos às instalações da PSP e efectuados testes rápidos aos produtos em causa, revelaram os mesmos tratar-se de “haxixe”, divididos em nove porções o encontrado na posse do arguido A e em cinco porções o encontrado na posse do arguido B.
4. Em poder do arguido A encontraram, ainda, os mencionados agentes uma factura da firma C… e R… relativa à compra de um telemóvel, quatro talões de venda da firma C… & L… relativa à compra de objecto em ouro, três talões de depósito do Banco P…, um telemóvel, objectos apreendidos e examinados a fls.39 e ainda 2.500$00 em notas do Banco de …l, sendo duas de 1.000$00 e uma de 500$00.
5. Na busca domiciliária que o arguido A consentiu à sua residência, sita no Bairro 1º de Maio, bloco …, foram encontradas duas facas examinadas a fls.39, uma pistola de pressão de ar examinada a fls.78 e 30.000$00 em notas do Banco de Portugal, sendo 25 dessas notas de 1.000$00 e uma de 5.000$00.
6. Na posse do B foi ainda encontrado, além dos 10.000$00 e da caixa de rolos fotográficos, um telemóvel examinado a fls.39.
7. Submetidos os produtos apreendidos referidos em 3, a exame laboratorial revelaram os mesmos tratar-se de canabis “resina” com o peso líquido de 5,88 gramas o apreendido na posse do arguido B, e de 10.150 gramas o apreendido na posse do arguido A.
8. O arguido A procedera à divisão da referida droga em doses mais pequenas com a navalha e facas referidas em 2 e 5, doses essas parte das quais destinava à venda e/ou cedência e as restantes ao seu próprio consumo.
9. O arguido B utilizava a caixa do rolo fotográfico para o transporte do “haxixe” que já trazia dividido em doses individuais, parte das quais destinava à venda e/ou cedência e as restantes ao seu próprio consumo.
10. A partir de data não concretamente apurada mas, pelo menos, a partir do mês de Fevereiro de 2002 e até, pelo menos, 27.06.2002, data em que o arguido José Joaquim foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos, o mesmo cedeu algumas vezes heroína a E.
11. O dinheiro que os arguidos A e B possuíam, referido em 2, 4 e 5 era produto das vendas de haxixe pelos mesmos efectuadas.
12. Os arguidos conheciam as características dos referidos produtos e sabiam que a sua detenção, compra, venda cessão e consumo não são permitidas.
13. Em data não concretamente apurada, mas anterior a Fevereiro de 2002, os arguidos B, conhecido pela alcunha de “Quinzinho ou Quim Cigano” e C, conhecida pela alcunha de “Graciete”, que viviam maritalmente um com o outro, decidiram recrutar mulheres que se dedicassem à prática de actos sexuais remunerados, actividade que vieram a pôr em prática, pelo menos, a partir do mês de Fevereiro de 2002 e até, pelo menos, 27.06.2002, recorrendo à agressão física e à ameaça de forma a obrigá-las a irem exercer essa actividade por sua conta.
14. Na execução de tal plano, os mesmos arguidos disponibilizaram-se em data anterior à referida a receber em sua casa F, a pedido da mãe desta.
15. A partir de, pelo menos, Fevereiro de 2002 e até, pelo menos, 27.06.2002 os mesmos arguidos obrigaram aquela F, à data com 18 anos de idade, a prostituir-se, transportando-a à força no seu veículo Alfa Romeu matrícula XX até à Avenida 25 de Abril nesta cidade onde a deixavam para se prostituir, ficando os arguidos dentro do veículo a vigiá-la, circulando com o mesmo nas proximidades.
16. Por cada cliente recebia o casal constituído por tais arguidos importância não concretamente apurada, previamente fixada pelos mesmos, devendo a F manter relações sexuais com clientes em número não concretamente apurado por dia.
17. A mencionada F entregava aos arguidos B e C o dinheiro que recebia dos clientes, em quantia diária não concretamente apurada.
18. Os arguidos não obstante terem conhecimento que durante tal período a mencionada F se encontrava grávida, forçavam-se contra a sua vontade a prostituir-se.
19. No mesmo período de tempo referido em 15, o arguido B travou conhecimento com E aliciando-a para se prostituir por sua conta.
20. Como aquela E não estivesse disposta a prostituir-se, o mesmo arguido recorrendo à agressão física, nomeadamente, murros e bofetadas, ameaçou-a de que não a deixaria enquanto não trabalhasse para si na prostituição.
21. Dessa forma, conseguiu em dia indeterminado, mas compreendido no referido período de tempo, e após a haver mandado chamar à sua residência em Vila Chã de Sá, metê-la no seu veículo e transportá-la à Avenida 25 de Abril aí a deixando para se prostituir, ficando o arguido dentro do veículo a observá-la.
22. O arguido fixava-lhe como preço das relações sexuais a importância de € 20 cada, sendo que diariamente aquela E totalizava a quantia de € 120 que entregava a tal arguido, entregando-lhe este, em contrapartida, a heroína referida em 10.
23. O arguido a maior parte das vezes era acompanhado pela C ficando os dois, nas imediações, a observar os movimentos da E.
24. Em data não concretamente apurada mas compreendida no referido período de tempo, como não quisesse continuar na referida actividade, aquela E conseguiu afastar-se dos arguidos B e C.
25. Até que, após isso e também em data não concretamente apurada mas compreendida no referido período de tempo, se abeiraram da mesma os arguidos B, D, irmão do primeiro, e C, os quais lhe desferiram vários socos e pontapés, sem que contudo lhe tenham produzido ferimentos que pudessem ser examinados médico-legalmente.
26. A partir desta altura, aquela E temendo ser vítima de mais agressões acedeu a continuar a dedicar-se à prostituição por conta dos arguidos B e C.
27. Durante o referido período de tempo os arguidos B e C viveram do dinheiro auferido pelas referidas mulheres que por conta de ambos se prostituíam através da violência que sobre elas exerciam de modo a fazerem suas as quantias por elas auferidas com contrapartida das relações de sexo que mantivesse com os homens que o pretendessem.
28. Na residência do arguido B foram encontrados, aquando da busca domiciliária realizada na residência do mesmo que aí teve lugar no dia 26.06.2002, 121 preservativos, acondicionados 108 dos mesmos numa caixa que continha nove embalagens, cada uma destas embalagens contendo 12 preservativos e os restantes 13 preservativos à parte, preservativos esses que aquele arguido destinava à actividade de prostituição que vinha exercendo.
29. Estando pendentes na PSP os mandados de busca domiciliária à residência do B referida em 28, na sequência das várias informações que àquelas autoridades chegavam sobre as actividades que o mesmo desenvolvia, no dia 26.06.2002 cerca das 15h15m, o agente daquela corporação, J, ao vê-lo nas bombas de gasolina da GALP, sitas na Estrada da Circunvalação, entre a Rotunda do Coval e a Rotunda do Viriato, dirigiu-se-lhe.
30. E, após se haver identificado e dado conhecimento dos motivos da sua intervenção pediu-lhe para o acompanhar, a fim de proceder à referida busca.
31. De imediato, tal arguido pôs-se em fuga e dizendo ao agente “que o fosse agarrar”, encaminhando-se rapidamente para uma roloute na Rua do Coval, junto da qual se encontravam na altura os arguidos D e C.
32. O arguido preparava-se então para entrar numa viatura e pôr-se em fuga, pelo que o mencionado agente o agarrou a fim de impedir que concretizasse os seus intentos.
33. Logo os arguidos C e D vieram em auxílio do arguido B, e todos os três conjuntamente, desferiram murros em pontapés no agente J, atingindo-o em várias partes do corpo, tendo-lhe ainda a C mordido um braço e a mão e tentado retirar-lhe a arma, ao mesmo tempo que se lhe dirigia e proferia as seguintes expressões “filho da puta, hei-de te matar”.
34. Ao aperceber-se de tal situação, alguém que passava no local telefonou para a esquadra da PSP desta cidade, donde vieram a ser enviados rapidamente reforços, na sequência do que veio a ser possível dominar e deter os arguidos.
35. O arguido B já depois de dominado pelos agentes policiais dirigindo-se ao agente J disse-lhe: “se aqui tivesse uma arma comigo dava-te um iro na boca”.
36. Em consequência da actuação dos arguidos resultaram na pessoa daquele J as lesões descritas no auto de exame de fls.437, cujo teor se dá inteiramente por reproduzido, que demandaram para se curar o período de 12 dias de doença sem incapacidade para o trabalho.
37. O mencionado J é agente principal da PSP de Viseu e, aquando dos factos, encontrava-se no exercício da sua função policial.
38. Os arguidos sabiam igualmente que as suas condutas eram aptas a impedir a acção do agente policial, como aliás queriam, embora o não tenham conseguido.
39. A arguida C ao proferir tais expressões teve a intenção de ofender como ofendeu o agente na honra e consideração que lhe são devidas, pois quer tinha perfeito conhecimento de que era um agente da autoridade e se encontrava no exercício das suas funções.
40. Na referida busca realizada à residência do arguido B, sita na Avenida Carlos Machado n.º …, nesta cidade, foram encontrados e apreendidos, para além dos preservativos referidos em 28, os seguintes objectos:
- uma pistola originalmente a gás e adaptada a arma de fogo calibre 6,35 mm com a inscrição Browning, com platinas em plasticina de cor preta, em bom estado de conservação e funcionamento com carregador com capacidade para 7 munições;
- uma pistola originalmente a gás e adaptada a arma de fogo de calibre 6,35 mm com a inscrição Cal, com as platinas em plasticina de cor preta em bom estado de conservação e funcionamento;
- um revólver de defesa sem marca e número, com 4 cm de cano calibre 6,35 mm, sem funcionamento;
- duas caixas plásticas contendo cada uma 100 munições calibre 22 ou seja 5,6 mm todas elas próprias para revólver do mesmo calibre. Tais caixas estão intactas e as referidas munições novas;
- quarenta e nove munições, calibre 22 ou 5,6 mm próprias para pistola de defesa do mesmo calibre, metidas em pente próprio em perfeito estado;
- dezanove munições de alarme calibre 8 mm próprias para pistolas de alarme todas em bom estado;
- uma navalha de ponta e mola inox com 27 cm de comprimento e 13 de lâmina bem como uma bainha metálica com dispositivo para fixar ao cinto e meter a mesma navalha;
- dezassete munições de salva para espingarda automática G3 calibre 7,62;
- um carregador para pistola metralhadora calibre 9 mm sem funcionamento;
41. Na mesma busca, foram, ainda, encontrados os seguintes objectos cuja proveniência não foi possível em concreto apurar:
- um rádio portátil marca Orion, em bom estado de conservação;
- um rádio leitor de marca Philips, modelo AZ 1010 em mau estado de conservação;
- um auto rádio marca Targa modelo Q-845, com gaveta incorporada em mau estado de conservação;
- um auto rádio Sony modelo XR-C7220R em mau estado de conservação;
- dois telemóveis com carregadores ambos de marca AEG sem funcionamento;
- sete telemóveis, sendo um de marcas Ericsson A1018S; 1 Alcatel Easy; 1 Panasonic de cor azul; 1 Siemens c35; 1 Nokia 3310; 1 Panasonic de cor prateada e 1 Nokia 3210;
- seis carregadores próprios para telemóvel;
- um carregador de isqueiro;
- um bilhete de identidade em nome de Manuel Domingos Tomé;
- um telefone móvel de marca Philips com suporte e carregador;
- um detector eléctrico Complies With B.S. 4533;
- uma máquina fotográfica marca Fujifilm, modelo Instax 100;
- um vídeo marca Sony modelo SLV-SE10 e cabo de ligação;
- uma máquina fotográfica marca Menokta modelo MK4040 com flash e estojo de protecção;
- bem como a importância de 90 euros, sendo uma nota de 20 euros, seis de 10 e duas de 5 euros.
42. O arguido detinha em seu poder as referidas armas de calibre 6,35 mm as quais não se encontravam devidamente manifestadas e registadas sendo também certo que o mesmo não possuía licença de uso e porte.
43. O arguido não deu qualquer justificação para ter na sua posse a navalha do tipo vulgarmente designado por “ponta e mola” com cerca de 13 cm de lâmina e 27 de comprimento que foi encontrada na sua residência, navalha essa que o mesmo utilizava pois, para fins agressivos.
44. O arguido conhecia as características de tal arma bem sabendo que a não podia ter em seu poder.
45. Em todas as circunstâncias descritas os arguidos agiram voluntária e conscientemente com conhecimento da ilicitude das suas condutas.
46. O arguido A encontra-se integrado em programa agonista (Metadona) desde 24 de Março de 2000.
47. Desempenha a actividade de trabalhador de limpeza, contrato de trabalho que iniciou em 09.06.2003 e com a duração de 6 meses, actividade da qual retira proventos na ordem dos € 402/mês.
48. Vive com a sua companheira que não trabalha e com um filho de 4 meses em casa da sua mãe, da qual cuida.
49. Tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.
50. Consta do seu CRC junto aos autos uma condenação por detenção e consumo de estupefacientes na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 300$00, por decisão proferida em 13.01.2000 no âmbito do Proc. Sumaríssimo n.º 19/00, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, repostada a factos ocorridos em 07.05.99.
51. O arguido B é consumidor de produtos estupefacientes, encontrando-se em programa de substituição opiácea desde 17.10.00.
52. É portador do vírus da Hepatite C.
53. Antes de preso vivia com a sua mencionada companheira e uma filha de 4 anos de idade numa casa arrendada pela qual pagavam € 75/mês.
54. Auxiliava os pais na venda ambulante por estes praticada em feiras.
55. O agregado familiar vive actualmente numa roulote nos arredores desta cidade de Viseu, encontrando-se a sua companheira a ser apoiada pelo programa do rendimento mínimo garantido.
56. Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.
57. Consta do seu CRC junto aos autos uma condenação por crime de condução ilegal de veículo automóvel, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 500$00, por decisão proferida em 08.08.2000 no âmbito do Proc. Sumário n.º 415/00, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, reportada a factos ocorridos em 08.08.2000.
58. Encontra-se preso preventivamente à ordem dos presentes autos desde 27.06.2002.
59. O arguido D auxilia os seus pais na venda ambulante por estes praticada em feiras.
60. Vive numa roulote com uma companheira e um filho de 14 meses.
61. A sua companheira encontra-se a ser apoiada pelo programa do rendimento mínimo garantido, no montante mensal de € 150.
62. Não tem quaisquer habilitações literárias.
63. Consta do seu CRC junto aos autos uma condenação por crime de consumo de estupefacientes, na pena de 20 dias de multa à taxa diária de 500$00, por decisão proferida em 09.02.99, no âmbito do Proc. Comum Colectivo n.º 636/98, do 1º Juízo Criminal de Viseu, reportada a factos ocorridos em 29.05.98, crime esse que, por decisão de 17.07.99, veio a ser declarado amnistiado.
64. Consta do CRC da arguida C uma condenação por crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 12 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de 2 anos, por decisão proferida em 18.05.2000, no âmbito do Proc. Comum Singular n.º 246/99, do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra, reportada a factos ocorridos em 10.02.99.
65. Devido à agressão por si sofrida referida em 33, o demandante Carlos Pais sente-se vexado e psicologicamente afectado, por ver a sua dignidade de pessoa e de profissional de polícia por via dela posta em causa.
66. O demandante goza de boa reputação no meio familiar, profissional e social.
67. Sofreu psicologicamente com as expressões proferidas em lugar público pela arguida C por serem as mesmas lesivas da sua honra e consideração.
68. O Hospital de S. Teotónio de Viseu prestou assistência médica a José Filipe Jesus Conceição Soares, em 24.06.2002, cujos encargos importaram em € 27,93.
69. Hospital de S. Teotónio de Viseu prestou assistência médica a J, em 27.06.2002, cujos encargos importaram em € 27,93».
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Relativamente aos factos não provados, face ao seu elevado número, apenas se irão consignar aqueles que os recorrentes entendem encontrar-se em contradição com os factos provados, quais sejam:
- os arguidos B e C disponibilizaram-se a receber em sua casa F em Janeiro de 2002;
- os arguidos B e C obrigaram a mencionada F a prostituir-se por conta deles a partir de 15 de Fevereiro de 2002.
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Contradição Insanável da Fundamentação.
De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais – art.660º, do Código de Processo Civil ex vi art.4º, do Código de Processo Penal – há que conhecer em primeiro lugar o arguido vício da contradição insanável da fundamentação, o que se passa a fazer.
Alegam os recorrentes que se deve ter por verificado o vício referido sempre que se afirme e se negue ao mesmo tempo uma coisa ou se emitam duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na qualidade ou na qualidade, situação que ocorre no caso do acórdão recorrido ao dar-se como provado que “Em data não concretamente apurada, mas anterior a Fevereiro de 2002, os arguidos B, conhecido pela alcunha de “Quinzinho ou Quim cigano” e C, conhecida pela alcunha de “Graciete”, que viviam maritalmente um com o outro, decidiram recrutar mulheres que se dedicassem à prática de actos sexuais remunerados, actividade que vieram a pôr em prática, pelo menos, a partir do mês de Fevereiro de 2002 e até, pelo menos, 27.06.2002, recorrendo à agressão física e à ameaça de forma a obrigá-las a irem exercer essa actividade por sua conta. Na execução de tal plano, os mesmos arguidos disponibilizaram-se em data anterior à referida a receber em sua casa a F, a pedido da mãe desta. A partir de, pelo menos, Fevereiro de 2002 e até, pelo menos, 27.06.2002, os mesmos arguidos obrigaram aquela F, à data com 18 anos de idade, a prostituir-se…” e, simultaneamente, dar-se como não provado que “Os arguidos B e C disponibilizaram-se a receber em sua casa F em Janeiro de 2002 e obrigaram a mencionada F a prostituir-se por conta deles a partir de 15 de Fevereiro de 2002”.
O vício em apreço, como resulta da letra do art.410º, n.º 2, al.b), do Código de Processo Penal, só se deve e pode ter por verificado quando ocorre uma contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, isto é, um conflito inultrapassável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, o que significa que nem toda a contradição é susceptível de o integrar, mas apenas a que se mostre insanável.
Ora, ao contrário do alegado pelos recorrentes, não ocorre contradição ao dar-se como provado que os arguidos disponibilizaram a sua casa em data anterior a Fevereiro de 2002 à F e que a partir do mês de Fevereiro obrigaram-na a prostituir-se por sua conta e ao dar-se como não provado que os arguidos disponibilizaram-se a receber a F Silva em Janeiro de 2002 e que esta se prostituísse por sua conta (deles) a partir de 15 de Fevereiro de 2002. A contradição é meramente aparente.
Com efeito, daqueles factos resulta haver ficado provado que os arguidos se disponibilizaram a receber a F Silva, em sua casa, em data não concretamente apurada, mas anterior a Fevereiro de 2002 (isto é, sem que se saiba se foi em Janeiro de 2002, Dezembro de 2001, Novembro de 2001…), e que, pelo menos, a partir de Fevereiro daquele ano (isto é, sem que se saiba se foi no dia 1, 2, 3… 10,11,12… 26,27,28) os arguidos obrigaram aquela a prostituir-se por conta deles, sendo que dos factos não provados decorre não se ter apurado que a disponibilidade dos arguidos para receber a F em sua casa tenha ocorrido no mês de Janeiro de 2002 e que aqueles tenham obrigado esta a prostituir-se a partir de 15 de Fevereiro de 2002.
Não se verificando pois, a invocada contradição, improcede o recurso nesta parte.
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Incorrecta Valoração e Apreciação da Prova
Entendem os recorrentes que o tribunal recorrido incorreu em erro de valoração e de apreciação da prova ao dar como provados os factos integrantes do crime de lenocínio, posto que a ofendida F não esteve presente no contraditório, os arguidos não prestaram declarações relativamente àqueles factos e os depoimentos prestados sobre a actividade desenvolvida por aquela ofendida são indirectos, para além de que não se levou em consideração que após a detenção dos recorrentes a ofendida E continuou a prostituir-se, nem se tomou na devida conta que o recorrente B não fez deste crime modo de vida, o que resulta do facto provado sob o número 54, segundo o qual o recorrente auxiliava os pais na sua actividade de feirantes.
Como é sabido, a lei processual penal impõe em matéria de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, que o recorrente especifique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, sendo que, no caso de as provas haverem sido gravadas, estabelece, ainda, que as especificações atinentes às provas que impõem decisão diversa da recorrida e às provas que devem ser renovadas sejam feitas por referência aos suportes técnicos (art.412º, n.ºs 3 e 4).
O incumprimento daquelas imposições, como temos vindo a decidir, acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto ex vi art.431º, al.b), do Código de Processo Penal ( - Cf. entre outros o ac. desta Relação de 00.05.31, publicado na CJ, XXV, III, 43.), sem convite à correcção ou aperfeiçoamento da motivação ( - No sentido da constitucionalidade deste entendimento ou interpretação dos textos legais, veja-se o ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, publicado no DR – II, de 13 de Dezembro de 2002.).
Do exame da motivação apresentada (corpo e conclusões) verifica-se que os recorrentes não observaram integralmente as imposições a que vimos de aludir, pois que, tendo sido gravadas as declarações prestadas oralmente na audiência, em parte alguma da motivação especificaram, por referência aos suportes técnicos, as provas que impõem decisão diversa da impugnada, isto é, não indicaram a localização (início e termo) da gravação das declarações através das quais fundamentam a sua discordância relativamente aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, pontos de facto que, verdadeiramente, nem sequer vêm indicados, consabido que os recorrentes se limitaram a impugnar a decisão quanto ao crime de lenocínio agravado e factos referentes à F – número 5 do corpo da motivação e número 11 das conclusões.
Em todo o caso e tendo em atenção que o Tribunal Constitucional, mais recentemente, parece querer assumir nova orientação nesta concreta matéria, designadamente nos casos em que o recorrente é o arguido ( - Acórdão n.º 529/2003, de 03.10.31, publicado no DR-II, de 17 de Dezembro de 2003, decisão que nos parece postergar completamente o princípio constitucional insistentemente defendido pelo próprio Tribunal Constitucional da igualdade de armas.), sempre se dirá que do exame e análise da transcrição das declarações prestadas oralmente na audiência resulta que a prova foi correctamente valorada, apreciada e interpretada, não nos merecendo qualquer censura ou reparo a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente na parte em que vem impugnada, decisão que por isso se confirma.
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Desajustada Dosimetria das Penas
Entendem os recorrentes que o tribunal a quo não ponderou devidamente as circunstâncias ocorrentes nem atendeu aos critérios legais na determinação da medida das penas aplicadas.
Para tanto, invocam no que concerne ao recorrente B que não foi considerada a idade do mesmo (19 anos à data dos factos), o comportamento que tem mantido em clausura, o facto de o mesmo auxiliar os pais na sua actividade de feirantes, bem como a confissão dos factos, com excepção dos relativos ao crime de lenocínio, para além das suas condições pessoais, designadamente a sua proveniência humilde e a circunstância de a família, companheira e filha, viver do rendimento mínimo garantido, circunstâncias que a seu ver justificam a aplicação do regime especial do DL n.º 401/82, de 23.08, mediante a atenuação especial das penas, penas que devem ser fixadas em 12 meses de prisão para o crime de tráfico de menor gravidade, 8 meses de prisão para o crime de detenção de arma, 7 meses de prisão para o crime de ofensa à integridade física simples e 3 anos de prisão para o crime de lenocínio, sendo que em cúmulo jurídico deve ser condenado na pena conjunta de 3 anos de prisão ( - No número 15 das conclusões vem sugerida a pena de 3 anos e 8 meses de prisão, o que se atribui a manifesto lapso de escrita.).
Relativamente à recorrente C, certo é que apenas vem alegada a sua situação pessoal, defendendo-se como adequada a pena conjunta de 2 anos e 9 meses de prisão.
Começando por debruçarmo-nos sobre a questão atinente à eventual aplicação ao recorrente B do regime penal especial para jovens – DL n.º 401/82, de 23.09 – dir-se-á que este regime de favor, conforme consta da parte preambular do respectivo diploma, tem em vista a instituição de um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de quem assim, se facilitará aquela reinserção.
Por outro lado, do preâmbulo do diploma em apreço também consta que as medidas no mesmo propostas devem ceder quando isso se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade.
Daqui decorre que a atenuação especial da pena só pode e deve ser aplicada quando o tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do condenado, tal qual textua o art.4º da lei em questão, bem como quando não colida com a adequada defesa da comunidade e a prevenção da criminalidade.
No caso sub judicio, conquanto estejamos perante delinquente jovem, concretamente com 19 anos de idade à data dos factos, a verdade é que o grau de ilicitude daqueles factos, a pluralidade dos mesmos, a intensidade do dolo e a personalidade revelada, traduzida no facto de uma das vítimas, a F, se encontrar grávida, o que era do conhecimento dos recorrentes, e ter sido confiada a ambos pela própria mãe, apontam no sentido de uma acrescida necessidade de prevenção, geral e especial.
Ora, tal necessidade mostra-se incompatível com a utilização do instituto da atenuação especial da pena, a significar que bem andou o tribunal a quo ao afastar a aplicação do regime especial do DL n.º 401/82.
Decidida esta questão, vejamos se as penas parcelares cominadas aos recorrentes foram ou não correctamente determinadas, tendo-se por certo que, relativamente aos crimes puníveis, em alternativa, com pena privativa e pena não privativa da liberdade, atentas as necessidades de prevenção, geral e especial, a preferência legal constante do art.70º, do Código Penal, foi bem afastada.
A determinação da medida da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no art.71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades próprias das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.40º, n.º 1 –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – art.40º, n.º 2.
Com efeito, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – art.18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 ( - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal (2001), 104/111.
).
Como refere Anabela Rodrigues ( - Vide Revista Portuguesa de Ciência Criminal, “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Ano 12, n.º 2 Abril-Junho de 2002, 147/182.), o art.40º, do Código Penal, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal – a de que o direito penal é um direito de protecção dos bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa ( - O mínimo da pena, como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179.), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o art.18º, n.º 2, da CRP, consagra ( - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.).
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.
Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral ( - Vide Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevencion En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.).
Do quadro fáctico apurado em sede de contraditório, verifica-se estarmos perante uma pluralidade de factos delituosos, um deles de gravidade acentuada – lenocínio agravado.
Todos aqueles factos foram perpetrados com dolo directo.
Por outro lado, o seu efeito externo é significativo.
Os recorrentes já foram objecto de censura jurídico-penal, o B pelo crime de condução ilegal de veículo e a C pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário.
No sector atenuativo não se verifica qualquer circunstância susceptível de mitigar a responsabilidade dos recorrentes.
Ponderando tais circunstâncias e tendo em atenção as condições pessoais dos recorrentes, não nos merecem qualquer censura as penas parcelares aplicadas, uma vez que, situando-se dentro da medida da culpa, satisfazem as exigências de prevenção geral, mostrando-se consentâneas com as necessidades de prevenção especial
Quanto à pena conjunta cominada a cada um dos recorrentes, a qual tem por limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e por limite mínimo a mais elevada das penas parcelares fixada – art.77º, n.º 2, do Código Penal –, deve ser encontrada em função do critério geral atrás consignado e do critério especial previsto no art.77º, n.º1, ou seja, segundo os ensinamentos de Figueiredo Dias ( - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 290/292.), «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique», relevando, na avaliação da personalidade – unitária – do agente, «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluralidade de crimes efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.
Tendo em vista as considerações feitas é evidente que as penas conjuntas cominadas pelo tribunal a quo – 5 anos e 9 meses de prisão ao B e 4 anos e 6 meses de prisão à C – não merecem qualquer reparo.
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Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes – cada um pagará 3 UCs de taxa de justiça.