Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1565/17.3T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
INEPTIDÃO
CORRECÇÃO
RECONVENÇÃO
RECURSO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DOS ACTOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
MEIOS DE DEFESA
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.6, 130, 186, 278, 573, 644 Nº1 B) E Nº3, /31 CPC
Sumário: I - Nos termos do n.º 3 do artigo 278.º e n.º 2 do artigo 6.º, ambos do CPC, sendo a petição inepta, o autor pode no final dos articulados eliminar sem o acordo do réu a parte da petição inicial geradora da ineptidão.

II - Nos termos do artigo 644.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CPC, a decisão proferida em sede de despacho saneador que absolver a autora da instância reconvencional é passível de recurso imediato, sob pena de perda desse direito.

III – O Tribunal da Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução das questões colocadas pelo recurso.

IV - Nos termos do artigo 731.º e n.º 1 do artigo 573.º, ambos do CPC, o executado pode opor ao exequente, em embargos, os meios de defesa que podia invocar no processo de declaração, mas se não o fizer fica-lhe precludida a possibilidade de o fazer em futura ação declarativa entre as partes, na qual o autor/exequente invoque como causa de pedir o mesmo crédito que invocou na execução.

Decisão Texto Integral:





I. Relatório

a) A recorrida instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra os ora recorrentes pedindo a condenação dos réus no seguinte:

- Reconhecer o crédito da autora sobre o primeiro réu no montante de dez mil e quinhentos euros acrescido de juros moratórios vencidos desde 01 de Setembro de 2011, custas e demais encargos com o Agente de Execução e a pagarem esse crédito;

- A reconhecerem o direito da autora aceitar a herança repudiada pelo primeiro réu ficando sub-rogada na posição deste, nos termos do disposto nos artigos 2067.º e 606.º do Código Civil e 1041.º do Código de Processo Civil;

- A reconhecerem o direito da autora, como credora do primeiro réu, indicar à penhora e executar os bens que couberem ao primeiro réu na partilha assim como praticar todos os atos derivados da sua aceitação da herança, tudo na medida do valor do interesse da autora.

Alegou ser credora do réu A (…) pela quantia de €10.500,00 de capital, a que acrescem juros de mora, custas e encargos com o processo executivo que identificou e que neste processo não foram penhorados bens insuficientes para pagamento da dívida. Mais tarde, nomeado à penhora o quinhão hereditário pertencente ao executado A (…) na herança aberta por óbito de seu pai, verificou-se que o mesmo havia repudiado à herança impossibilitando assim a satisfação do crédito da autora e daí o pedido no sentido da exequente ser colocada no lugar do repudiante.

Os réus apresentaram contestação/reconvenção defendendo-se por exceção e por impugnação.

Argumentaram com a caducidade do direito da autora, por já terem decorrido mais de seis meses após a data em que o Serviço de Finanças teve conhecimento do repúdio e consideram que a petição inicial era inepta, dado que a autora pretende prevalecer-se o repúdio que concomitantemente considera ser nulo.

Por impugnação negam a existência de qualquer crédito relacionado com a empreitada celebrada entre o réu e a autora tanto mais que a autora incumpriu o acordo e, e por outro lado, não se verificam os pressupostos da sub-rogação devendo a ação ser julgada improcedente.

Em reconvenção pedem a condenação da autora no pagamento ao réu A (…) da quantia de vinte e sete mil e quinhentos euros pelos prejuízos sofridos em consequencial do incumprimento do contrato de empreitadas por parte da autora.

A autora replicou reiterando, e no essencial, que só teve conhecimento do repúdio na data mencionada na petição inicial na sequência da tentativa de penhora em sede executiva; que a petição inicial não é inepta, sendo falso o alegado pelos réus.

Por despacho proferido no processo o pedido reconvencional não foi admitido, cfr. fls. 43 e ss.

Em sede de audiência prévia a autora requereu que se considerassem como não escritas as considerações atinentes à nulidade do repúdio, concretamente o artigo 28º da petição inicial, razão pela qual se considerou estar prejudicada a apreciação da exceção de ineptidão da petição inicial que tem por fundamento a nulidade do repúdio suscitada pelos réus na sua contestação.

Procedeu-se à realização de audiência final, tendo sido observadas todas as formalidade legais.

Seguidamente foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo.
«Por todo o exposto, atentos os fundamentos expendidos, o Tribunal decide julgar procedente, por provada, a presente ação e em consequência:

i) Condenar os réus a reconhecer o crédito da autora sobre o primeiro réu, A (…) no montante de dez mil e quinhentos euros acrescido de juros moratórios vencidos desde 01 de Setembro de 2011, custas e demais encargos com o Agente de Execução e a pagarem tal crédito à ora autora, “M (…) Lda.” à custa dos bens que receberam ou vierem a receber por óbito de F (…);

ii) Declarar aceite pela autora, “M (…), Lda., em nome do réu A (…)a herança aberta por óbito de F (…), considerando-se a autora sub-rogada nos direitos do repudiante;

iii) Condenar os réus a reconhecer o direito da autora, como credora do primeiro réu, A (…), indicar à penhora e executar os bens que couberem ao primeiro réu na partilha assim como praticar todos os atos derivados da sua aceitação da herança, tudo na medida do valor do interesse da autora.

Custas da ação: A cargo dos réus (artigo 527º do Código de Processo Civil).».

b) É desta decisão que vem interposto o recurso por parte dos Réus, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objeto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão a considerar respeita à nulidade da sentença, porquanto, segundo os recorrentes os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão ou sempre ocorrerá ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.

Com efeito, diz-se na decisão que o Tribunal “a quo” deu como provado que foi penhorado ao réu A (…) o prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo (....) º e, por outro, considerou-se a «inexistência de outros bens conhecidos no património do devedor para além do direito e ação à herança, que o devedor repudiou».

Alegam ainda como fundamento de nulidade a omissão de pronúncia, porquanto em sede de contestação requereram a realização de prova pericial, mas o tribunal não apreciou a sua admissibilidade, pelo que importa que o tribunal a quo aprecie e determine a realização da prova pericial requerida pelos Réus.

2 – Em segundo lugar, cumpre conhecer da questão da alegada caducidade da ação, porquanto o réu A (....) repudiou a herança por escritura lavrada em 3 de Junho de 2015, mais de dois anos antes de instaurada a presente ação e tal escritura pública foi comunicado ao Serviço de Finanças da (....) , facto que implica que se considere a data da escritura pública como a data do conhecimento por parte do Autor.

3 – Em terceiro lugar, coloca-se a questão de saber se se deve admitir a retirada dos autos, por parte do autor, quanto ao por si alegado no artigo 28º da petição inicial, relativamente à nulidade do repúdio, caso em que cumprirá então apreciar a ineptidão da petição inicial suscitada pelos réus na sua contestação, por existir incompatibilidade entre o pedido de declaração de ineficácia do repúdio da herança e o de declaração de aceitação desta pela Autora.

4 – Em quarto lugar, os recorrentes pretendem que seja declarado admissível o pedido reconvencional deduzido pelos réus/reconvintes, porquanto a causa de pedir que serve de suporte ao pedido da ação é a mesma – o contrato de empreitada, celebrado entre as partes e também emerge do ato ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

5 – Em quinto lugar, os recorrentes pretendem a alteração da matéria de facto.

a) Pretendem que seja alterada de «provada» para «não provada», quanto aos seguintes factos provados:

• «No decurso dos trabalhos as partes acordaram substituir a estrutura em paredes e lajes de betão armado por vigota e tijoleiras».

• «A alteração aludida no artigo 4º foi contemplada no acordo de valores, com data 18 de Maio de 2011, constante de fls. 28».

• «A autora teve conhecimento do repúdio com a notificação supra aludida em 11º».

• «Não são conhecidos bens imóveis ou móveis ao réu A (…) suscetíveis de penhora, para além do direito e ação deste sobre a herança de seu pai, F (…)

b) Pretendem que sejam declarados «provados» os seguintes factos «não provados»:

• «A autora tenha tido conhecimento do repúdio da herança por parte do réu A (…) em data anterior a 18 de Maio de 2017».

• «A não colocação da estrutura em paredes e lajes de betão armado impede o uso do prédio».

• «A autora não aplicou a laje inferior em betonilha sobre base de brita compactada, reforçada com malhasol».

• «A autora não retocou e pintou as três paredes».

• «A autora não procedeu à abertura da janela, com assentamento de pedra e fornecimento».

• «A autora não aplicou os caleiros».

• «A autora não aplicou telheiro da porta da entrada».

• «A autora não subiu o muro em betão até à cota do muro».

• «A autora não acabou as floreiras».

6 - Por fim, coloca-se a questão da improcedência da ação, fruto da alteração da matéria de facto preconizada. Os recorrentes argumentam que a ação tem de ser julgada improcedente, porquanto caducou o direito de ação e, além disso, ficou provado o incumprimento contratual por parte da autora.

A) Nulidades de sentença

1 – Os recorrentes argumentam que a sentença padece de nulidade porque os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão ou sempre ocorrerá ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.

Com efeito, diz-se na decisão que o Tribunal “a quo” deu como provado que foi penhorado ao réu A (....) o prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo (....) .º e, por outro, considerou-se a «inexistência de outros bens conhecidos no património do devedor para além do direito e ação à herança, que o devedor repudiou».

Não ocorre qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade.

Consta do facto provado n.º 8 que «8. No âmbito da ação executiva n.º 802/12.5TBCVL, (…) foi penhorado o prédio rústico, (…) pertencente ao réu A (…)»

E consta do facto provado 13 que «Não são conhecidos bens imóveis ou móveis ao réu A (…), suscetíveis de penhora, para além do direito e ação deste sobre a herança de seu pai, F (…)».

Estes dois factos convivem em harmonia porque no primeiro diz-se que foi penhorado um prédio ao executado e no outro afirma-se que não são conhecidos imóveis ou móveis suscetíveis de penhora além do mencionado direito à herança.

Ou seja, há um prédio penhorado ao executado e como tal, estando já penhorado já não é suscetível de penhora e não são conhecidos outros bens suscetíveis de vir a ser penhorados além do indicado direito à herança.

Não há pois qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade, que a existir sempre deveria ser objeto de sanação através da impugnação da matéria de facto e não em sede de nulidade de sentença.

2 – Alegam ainda como fundamento de nulidade a omissão de pronúncia, porquanto em sede de contestação requereram a realização de prova pericial, mas o tribunal não apreciou a sua admissibilidade, pelo que importa que o tribunal a quo aprecie e determine a realização da prova pericial requerida pelos Réus.

Esta questão não se enquadra nos casos de nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

Nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Cumpre ter em consideração que a nulidade em causa respeita à sentença, às questões a analisar e decidir na sentença colocadas pelo pedido, pela causa de pedir e pelas variadas exceções de direito processual ou de direito material.

Se a parte requere a produção de um meio de prova, no caso uma peritagem, e o tribunal nada diz, esta omissão não respeita à omissão de uma questão suscitada pelas partes e que o tribunal devia resolver na sentença.

Trata-se sim da omissão de um ato que devia ter sido realizado o mais tardar durante a audiência de julgamento e não foi realizado.

Devia a parte ter arguido a falta da sua realização no tempo e lugar próprios.

Mas é seguro que não estamos perante a omissão de resposta a uma questão suscitada pelas partes e que o tribunal devia ter resolvido na sentença.

Improcedem, pelo exposto, as invocadas nulidades de sentença.

B) Retirada dos autos, por parte do autor, o por si alegado no artigo 28.º da petição inicial

Cumpre agora a analisar a questão de saber se é/foi admissível a retirada dos autos, por parte do autor, do por si alegado no artigo 28.º da petição inicial, relativo à nulidade do repúdio, caso em que cumprirá então apreciar a ineptidão da petição inicial suscitada pelos réus na sua contestação, por existir incompatibilidade entre o pedido de declaração de ineficácia do repúdio da herança e o de declaração de aceitação desta pela Autora.

Não assiste razão aos recorrentes, pelas seguintes razões:

(I) A ineptidão da petição é um vício que gera a nulidade de todo o processo, como resulta do disposto no artigo 186.º, n.º 1, do CPC, onde se determina que «É nulo todo o processado quando for inepta a petição inicial».

A nulidade de todo o processo constitui exceção dilatória, como expressamente se prevê na al. b) do artigo 577.º do CPC.

Nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do CPC, «As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;…».

O n.º 2 do artigo 6.º diz que «O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo».

Face a estas diretrizes processuais, mostra-se processualmente adequado salvar uma petição presumivelmente inepta eliminando uma parte da petição por vontade do próprio autor.

Ou seja, existindo uma exceção dilatória, como é o caso, e podendo ser eliminada, como foi, a lei processual promove a sua eliminação.

Por conseguinte, o ato praticado teve cobertura processual.

Aliás, se a petição fosse inepta e os Réus fossem absolvidos da instância, o Autor sempre podia vir de seguida instaurar outra ação, agora amputada da parte geradora da ineptidão, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 279.º do CPC.

Por conseguinte, o legislador dispôs de modo a resolver quanto antes este tipo de situações que não têm a ver com a substância dos direitos, mas apenas com as formas processuais.

Improcede, por isso, este argumento recursivo.

C) Admissibilidade da reconvenção

Os recorrentes pretendem que seja declarado admissível o pedido reconvencional deduzido pelos réus/reconvintes, porquanto a causa de pedir que serve de suporte ao pedido da ação é a mesma – o contrato de empreitada, celebrado entre as partes e também emerge do ato ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Não assiste razão aos recorrentes.

A questão da admissibilidade do pedido reconvencional não pode ser já tratada porque a sua análise e conhecimento se encontram precludidos.

Com efeito, foi decidido em sede de despacho saneador que a reconvenção não era admissível.

Tal decisão era passível então de recurso de apelação autónomo, nos termos do disposto no n.º 1 al. b) do artigo 644.º do CPC.

Este artigo tem esta redação:

«1 - Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) De decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão».

Como refere Abrantes Geraldes, «…o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a nulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato» - Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição. Almedina, 2014, pág. 158-159.

A decisão em causa, proferida em sede de despacho saneador, absolveu a Autora da instância reconvencional sem que com isso tivesse posto termo ao processo, que seguiu para apreciação dos pedidos da ação, pelo que era passível de recurso imediato.

Não tendo sido interposto recurso no respetivo prazo, ficou precludida a possibilidade de o ser mais tarde.

Improcede, por isso, esta pretensão recursiva dos réus.

D) Impugnação da matéria de facto

1 - Não há necessidade de analisar a matéria de facto impugnada na parte em que se refere à obra que terá estado na base do crédito que a aqui Autora pede na ação executiva n.º 802/12.5TBCVL, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, como refere Abrantes Geraldes[1], o juiz deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.

Em segundo lugar, verifica-se que os factos impugnados relativos à obra que não terá sido executada ou foi executada mas com defeitos, que serviriam para mostrar que o réu A (....) tem um crédito sobre a Autora, inclusive superior ao que ela executa na ação n.º 802/12.5TBCVL, não podem ser conhecidos na presente ação declarativa.

Com efeito, nos termos do artigo 731.º (Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título) do Código de Processo Civil, «Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração».

Por conseguinte, se o réu A (…) tinha aquela defesa, por exceção, a apresentar contra o crédito alegado na referida ação executiva, pela ora Autora, devia tê-la apresentado no prazo dos embargos que lhe foram facultados no âmbito dessa ação, que não deduziu, como resulta do facto provado «7. Nessa execução proposta em 16 de Junho de 2012 o executado, A (…), ora réu, citado em 02 de Outubro de 2012, não deduziu embargos de executado nem oposição à penhora».

Não o tendo feito, ficou precludida para o futuro a possibilidade de o poder fazer, por força do disposto no n.º 1 do artigo 573.º (Oportunidade de dedução da defesa) do Código de Processo Civil, onde se determina que «Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado» ([2]).

Por conseguinte, ficou definitivamente fixada a existência entre autora e réu A (....) , salvo factos extintivos supervenientes, daquele crédito ali invocado pelo exequente, ora autor, e nesta ação também invocado como fundamento da sub-rogação.

Por conseguinte, não se analisa, por inutilidade a impugnação da matéria de facto quanto aos seguintes itens:

Quanto a factos «provados»:

«No decurso dos trabalhos as partes acordaram substituir a estrutura em paredes e lajes de betão armado por vigota e tijoleiras».

«A alteração aludida no artigo 4º foi contemplada no acordo de valores, com data 18 de Maio de 2011, constante de fls. 28».

Quanto a factos «não provados»:

«A não colocação da estrutura em paredes e lajes de betão armado impede o uso do prédio».

«A autora não aplicou a laje inferior em betonilha sobre base de brita compactada, reforçada com malha sol».

«A autora não retocou e pintou as três paredes».

«A autora não procedeu à abertura da janela, com assentamento de pedra e fornecimento».

«A autora não aplicou os caleiros».

«A autora não aplicou telheiro da porta da entrada».

«A autora não subiu o muro em betão até à cota do muro».

«A autora não acabou as floreiras».

2 – Vejamos a impugnação relativamente aos restantes factos.

(I) Os recorrentes pretendem que seja alterada de «provada» para «não provada», que a «A autora teve conhecimento do repúdio com a notificação supra aludida em 11º» e de «não provado» para provado que «A autora tenha tido conhecimento do repúdio da herança por parte do réu A (....) em data anterior a 18 de Maio de 2017».

Não assiste razão aos recorrentes.

Com efeito, não há prova produzida nos autos que mostrem que a autora teve conhecimento da existência da escritura pública de repúdio antes de ter recebido o e-mail remetido pelo agente de execução datado 18 de Maio de 2017.

Apenas é possível afirmar que nesta data teve conhecimento, se teve antes, não é possível afirmá-lo.

A testemunha (…) (trabalhador da Autora) referiu que o seu patrão só soube do repúdio da herança pelo e-mail enviado pelo solicitador, foi o que percebeu da conversa tida com ele.

Porém, as circunstâncias factuais que servem de cenário aos factos em análise não são favoráveis a esse conhecimento.

Com efeito, as escrituras públicas são celebradas em regra apenas na presença dos que nelas participam porque é indispensável a sua presença; as restantes pessoas não têm conhecimento desses atos, porque não têm de estar presentes.

Assim, muito embora qualquer pessoa tenha acesso a esses documentos é necessário saber que eles existem.

Improcede, pelo exposto, este segmento da impugnação.

(II) Os recorrentes pretendem que seja declarado não provado o facto declarado provado «Não são conhecidos bens imóveis ou móveis ao réu A (…)suscetíveis de penhora, para além do direito e ação deste sobre a herança de seu pai F (…)».

Também não tem razão.

Efetivamente não se mostrou nos autos que o réu A (…) possua bens que lhe possam ser penhorados.

Se porventura o réu A (…) possuísse bens penhoráveis ter-lhe-ia sido fácil mostrar que possuía tais bens, mas não o mostrou, sendo certo que era ele a pessoa detentora de mais informações e mais qualificadas para conseguir fazer tal demostração.

Por isso, o tribunal só podia concluir como concluiu.

Improcede também este segmento da impugnação da matéria de facto.

E) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, a ora autora ali exequente, reclamou do réu A (…), ali executado, as seguintes quantias:

- €10.500,00, a título de capital, e €685,88 a título de juros de mora à taxa supletiva legal vencidos desde a data de entrada da execução e €25,50 de taxa de justiça autoliquidada com o requerimento executivo.

2. Consta do requerimento executivo que: “Por documento particular que constitui título executivo na presente execução, o executado confessou-se devedor da quantia total de €33.000,00, a pagar em prestações. Tendo o executado efetuado o pagamento das primeiras três prestações de €7.500,00 cada uma, no total de €22.500,00. No entanto, o executado não efetuou o pagamento das duas últimas prestações, uma no montante de €7.500,00, vencida em 30 de agosto de 2011, e outra, de €3.000,00, vencida em 30 de Setembro de 2011.

Até à presente data o executado não efetuou o pagamento do valor ainda em divida, apesar de extrajudicialmente interpelado para pagamento, pelo que se impõe o recurso à presente via.”

3. A quantia peticionada na execução identificada no artigo 2.º teve origem na celebração entre a autora o terceiro réu de um contrato de empreitada cujo orçamento inicial ascendia a €88.018,28.

4. No decurso dos trabalhos as partes acordaram substituir a estrutura em paredes e lajes de betão armado por vigota e tijoleiras.

5. A alteração aludida no artigo 4º foi contemplada no acordo de valores, com data 18 de Maio de 2011, constante de fls. 28.

6. Por email datado de 20 de Agosto de 2011 o réu A (…) comunicou à autora o seguinte: «(…) Por incumprimento do orçamento (....) suspendemos acordo celebrado entre M (…) e A (…). Logo que corrigido o incumprimento pagaremos as duas prestações em falta respetivamente de €7.500,00 e 3.000,00».

7. Nessa execução proposta em 16 de Junho de 2012 o executado, A (…) ora réu, citado em 02 de Outubro de 2012, não deduziu embargos de executado nem oposição à penhora.

8. No âmbito da ação executiva n.º 802/12.5TBCVL, a correr termos no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Covilhã – J1, foi penhorado o prédio rústico, sito no (....) , freguesia do (....) , concelho da (....) , composto de cultura arvense e regadio, com a área de 2285 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo (....) º e descrito na Conservatória do Registo Predial da (....) sob o nº (....) /20110120, pela Ap. (....) de 2012/09/10, pertencente ao réu A (…)

9. Da certidão da Conservatória do Registo Predial da (....) respeitante ao prédio supra mencionado em 8) estão registadas duas penhoras anteriores a favor da Fazenda Nacional sob a Ap. nºs 3154 de 2011/01/20 e 2856 de 2012/03/26.

10. Na sequência da pesquisa de bens pertencentes a A (…) feita no âmbito da ação executiva nº 802/12.5TBCVL, a correr termos no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Covilhã – J1, a ora autora requereu a penhora do quinhão hereditário do executado na herança aberta por óbito de seu pai, F (…)

11. Por e-mail do Agente de Execução datado 18 de Maio de 2017 a exequente foi notificada da informação prestada pela Direção de Finanças de (....) , nos termos: «(…) A (…), (…), não consta como beneficiário da herança por óbito de seu pai, por ter repudiado à mesma, através de escritura lavrada no Cartório da (....) , a cargo de I (....) aos 03/06/2015».

12. A autora teve conhecimento do repúdio com a notificação supra aludida em 11º.

13. Não são conhecidos bens imóveis ou móveis ao réu A (…) suscetíveis de penhora, para além do direito e ação deste sobre a herança de seu pai, F (…)

14. Por escritura denominada “partilha em vida” celebrada em 21 de fevereiro de2003 e aditamento de 14 de abril de 2003F (…) e M (…) declararam doar a alguns dos seus filhos a raiz dos bens imóveis, que aí identificam, com reserva de usufruto simultâneo, a extinguir por morte do último que sobreviver, nos termos exarados na escritura junta a fls. 79 a 84 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual consta o seguinte: «(…) Que os efeitos decorrentes da partilha, embora nela outorguem ambos os doadores, apenas se produzem em relação ao que falecer em último lugar, como se fosse o progenitor certo que outorgasse com os donatários.

Que o acervo dos bens doados se eleva à quantia de cento e oitenta e cinco mil seiscentos e setenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos, sendo de noventa e dois mil oitocentos e trinta e cinco euros e setenta e dois cêntimos os valor da meação de cada um dos doadores».

15. O acervo hereditário da herança aberta por óbito de F (…) é, para além do mais, constituído com o usufruto dos bens imóveis identificados a fls. 59 a 60 e €840,00 e €30,86 depositadas em contas bancárias.

16. Por declaração lavrada a 03 de Junho de 2015, no Cartório Notarial sito (....) , da Notária (…), A (…)  declarou «repudiar a herança aberta por óbito de seu pai, F (…), falecido no estado de casado em primeiras núpcias de ambos no regime da comunhão geral com M (…) a vinte e quatro de Novembro de dois mil e catorze (…)».

17. A presente ação deu entrada em Juízo a 17 de Novembro de 2017.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a. A autora tenha tido conhecimento do repúdio da herança por parte do réu A (…) em data anterior a 18 de Maio de 2017.

b. A não colocação da estrutura em paredes e lajes de betão armado impede o uso do prédio.

c. A autora não aplicou a laje inferior em betonilha sobre base de brita compactada, reforçada com malha-sol.

d. A autora não retocou e pintou as três paredes.

e. A autora não procedeu à abertura da janela, com assentamento de pedra e fornecimento.

f. A autora não aplicou os caleiros.

g. A autora não aplicou telheiro da porta da entrada.

h. A autora não subiu o muro em betão até à cota do muro.

i. A autora não acabou as floreiras.

F) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 - Caducidade da ação

Não assiste razão aos recorrentes como bem se ponderou na sentença.

Como já se disse, a comunicação da realização da escritura pública de repúdio da herança ao Serviço de Finanças da (....) só releva para efeitos de conhecimento de tal repúdio por parte do Estado português, mas não tem qualquer relevo em relação a qualquer cidadão, pois não se trata de um meio de publicitação de atos legalmente estabelecido.

Provou-se que a autora só teve conhecimento do repúdio através do e-mail do Agente de Execução datado 18 de Maio de 2017, através do qual este lhe comunicou a informação prestada pela Direção de Finanças de (....) , que foi a seguinte: «(…) A (…), (…), não consta como beneficiário da herança por óbito de seu pai, por ter repudiado à mesma, através de escritura lavrada no Cartório da (....) , a cargo de I (…) aos 03/06/2015» - factos provados 11 e 12.

Como a ação foi instaurada no dia 17 de novembro, foi-o no dia anterior ao da consumação do prazo de prescrição de 6 meses estabelecido no artigo 2067.º do Código Civil.

Improcede, por conseguinte, a invocação desta exceção.

2 - Por fim, coloca-se a questão da improcedência da ação, com fundamento no incumprimento contratual por parte da autora.

A reanálise do aspeto jurídico da sentença sob a perspetiva do alegado incumprimento contratual por parte da autora estava dependente da procedência do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Como a matéria de facto não sofreu alteração o recurso também improcede nesta parte, cumprindo manter a sentença recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


*

Coimbra, 20 de fevereiro de 2019

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Recursos em Processo Civil, Novo Regime. Almedina, 2.ª edição, pág. 298.

Cfr. acórdão do  Supremo Tribunal de Justiça, de  17 de maio de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: «…III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo.
IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir».

[2] Neste sentido, embora com causas de pedir e pedidos diversos, er o acórdão do STJ de 06-12-2016 (Fonseca Ramos), no processo 1129/09.5TBVRL-H.G1.S «(…)V. O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº1, do Código de Processo Civil.
VI. A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre “obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por sido realizadas em 2005, tendo invocado nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas “obras e inovações” que, agora invoca a fundamentar os segundos embargos, já existiam.
VII. A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado, (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado».
Acórdão desta Relação proferido no processo 5072/17.6T8LRA (Fonte Ramos), «Desde que o apelante não suscitou, na mencionada 1ª acção, como era seu ónus, a questão ora trazida aos presentes autos, deixou irremediavelmente precludir a alegação desse pretenso direito em processo posterior (cf. os art.ºs 564º, alínea c) e 573º, n.º 1 do CPC)».