Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1963/06.8PBAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO
Data do Acordão: 02/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 297º CC 5º A) DA LEI 48/2007 DE 29/8, 14º DECRETO 12487, DE 14/10/26
Sumário: A revogação do Decreto 12487, de 14/10/26, contida no artº 5º a) da Lei 48/2007 de 29/8, não impede a sua aplicação numa situação em que, à data da entrada em vigor do diploma revogatório, já havia decorrido o prazo previsto naquele decreto, nada tendo sido requerido pelo interessado e faltando apenas o respectivo despacho.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO

Em autos de inquérito a correr termos nos Serviços do Ministério Público de Aveiro, o Ministério Público promoveu o seguinte:

“ Por despacho de fls. 42, foram os presentes autos arquivados. Não obstante ter sido notificada para o efeito, em 09.05.2007, sob cominação do disposto no artº 14º § 1º, do Decreto nº 12487, de 14 de Outubro de 1926, e decorridos mais de três meses sobre tal notificação, a respectiva proprietária não veio reclamar os objectos apreendidos nos autos a fls. 27.

Assim sendo, promove-se sejam tais objectos declarados prescritos a favor da Fazenda Pública, nos termos do artigo 14º, § 1º, do Decreto nº 12487, de 14 de Outubro de 1926.”

Sobre tal promoção, proferiu o Mmº juiz o seguinte despacho:

“ Atendendo a que o Dec. Lei 12487, de 14-10-26 foi revogado pelo artº 5º da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, indefere-se a promovida perda de objectos nos termos consignados a fls. 52”.

Inconformada com tal decisão, interpôs o MP requerente recurso, findando a sua motivação com as seguintes conclusões:

“ 1° Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 53 dos autos em epígrafe, no qual o Mº Juiz "a quo" indeferiu o promovido pelo Ministério Público a fls. 52 dos mesmos autos - no sentido de que fossem declarados prescritos a favor da Fazenda Pública os objectos apreendidos a fls. 27 do inquérito, por aplicação do disposto no artigo 14°, # 1°, do Decreto n° 12487, de 14 de Outubro de 1926 - por ter o citado Decreto n° 12487 sido revogado pelo artigo 5° da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto.

2° O despacho recorrido fez uma errada aplicação do referido artigo 5° da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto, tendo subjacente uma errada interpretação e aplicação quer do artigo 5° o Código de Processo Penal, quer do artigo 297° do Código Civil.
3° Tendo ocorrido integralmente no respectivo período de vigência legal os pressupostos de que depende o efeito estatuído no artigo 14°, # 1°, do Decreto n° 12487, de 14 de Outubro de 1926, nomeadamente o prazo de três meses ali previsto, tal efeito aquisitivo produziu-se no decurso de tal vigência.
4° Estando em causa uma norma de direito material, que regula uma das formas de aquisição (por constituição) do direito de propriedade a favor do Estado, tratando-se de um, entre os vários possíveis, dos modos de aquisição da propriedade (cfr. artigo 1316° do Código Civil), a revogação do Decreto nº 12487, de 14 de Outubro de 1926, pelo artigo 5° da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto de 2007, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, nenhum efeito tem sobre tal aquisição.
5° Considerando a natureza da matéria cuja apreciação lhe foi suscitada, o despacho recorrido não poderia fazer aplicação ao caso em apreço das regras de aplicação da lei processual penal no tempo consagradas no artigo 5° do Código de Processo Penal, como parece estar-lhe subjacente.
6° Ao invés, deveria o despacho recorrido ter-se valido do disposto no artigo 297° do Código Civil, que vale como regra geral de direito e de cujas disposições decorre, no que ao presente caso interessa, que, tendo decorrido integralmente ao abrigo da lei anteriormente vigente um prazo a que a lei atribui determinado efeito sobre determinadas situações jurídicas, a lei nova nenhum efeito tem sobre o mesmo.
7° Face a todo o exposto, no caso dos autos, entende-se terem os objectos apreendidos no processo prescrito a favor do Estado, por força do disposto no artigo 14°, # 1°, do Decreto n° 12487, de 14 de Outubro de 1926, em 03/09/2007, o que deveria ter sido declarado pelo despacho recorrido.
Não foi apresentada resposta.
Nesta instância a Exmª Procuradora Geral Adjunto é de parecer que o recurso deve proceder.

Foi dado cumprimento ao Artº 417º nº 2 CPP.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO


A questão suscitada no presente recurso consiste em saber se a revogação do Decreto 12487, de 14/10/26, contida no artº 5º a) da Lei 48/2007 de 29/8, impede a sua aplicação numa situação em que, à data da entrada em vigor do diploma revogatório, já havia decorrido o prazo previsto naquele decreto, nada tendo sido requerido pelo interessado e faltando apenas o respectivo despacho.
Vejamos.
De relevante para essa apreciação, temos:
1) Em 26/10/2006, M ….. apresentou queixa contra P……… Figueira, na qual imputava a esta, além, do mais, factos susceptíveis de integrar o crime de dano, p. e p. pelo artigo 212°, n° 1, do Código de Processo Penal ( fls. 12), tendo sido entregues as peças de roupa alegadamente danificadas pela arguida, as quais ficaram apreendidas;
2) Entretanto veio a queixosa desistir da queixa apresentada, em consequência do que foram os autos arquivado ( fls. 16 e 17), não tendo sido requerida a entrega daqueles bens;
3) Em 07.05.04, foi a queixosa notificada, para em três meses vir aos autos levantar os objectos referidos, sob cominação de que, não o fazendo, seriam os mesmos declarados prescritos a favor do Estado, nos termos do artigo 14°,§ 1°, do Decreto n° 12487, de 14 de Outubro de 1926 ( fls. 19 a 21);
4) O termo de tal prazo ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto de 2007, que, para além do mais, procedeu à revogação do Decreto 12487.
Pois bem estabelecia o artº 14º do Decreto nº 12487, que os objectos e quantias apreendidos que os seus proprietários não reclamem no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da decisão final prescrevem a favor da Fazenda Nacional.
Por força de tal diploma, os bens prescreviam a favor do Estado, quando não fossem reclamados pelo seu dono no aludido prazo, havendo, como que uma espécie de desinteresse ou abandono dos mesmos pela sua parte.
Consubstanciava-se desse modo uma forma de aquisição de propriedade de tais bens por parte do Estado, a qual estava dependente do decurso do prazo de 3 meses, sobre a data da notificação feita para esse efeito.
Significa isto que num caso como este, de clara prescrição aquisitiva de propriedade, a norma tem um nítido carácter material e não processual.
Daí que não tenha aqui aplicação o artº 5º CPP, que rege sobre a aplicação da lei processual no tempo.
Por isso a questão terá de ser resolvida de acordo com as regras do Código Civil, pois estamos perante uma situação jurídica toda ela criada no domínio da vigência do Decreto 12487, em que os factos e o efeito deles emanado surge no seu domínio.
Assim, atento o disposto no artº 297º CC, que rege sobre alteração de prazos, se o prazo de três meses estava completado à data da entrada em vigor da Lei 48/2007, é evidente que lhe será aplicável o Decreto 12487.
Deste modo terá o despacho recorrido que ser revogado.

DECISÃO

Nestes termos, sem necessidade de mais considerandos, acordam os Juizes deste Tribunal da Relação, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, verificados os demais pressupostos legais, se pronuncie no sentido promovido pelo Ministério Público.

Sem tributação

Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP)
Coimbra, 20 de Fevereiro de 2008.