Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
938/09.0TXCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 11/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 44º, 62º DO CP,193.º, N.º 2, 197.º, N.º2, 205.º, 213.º, N.º 1, 217.º, N.º 2, 215.º, N.º 8, 218.º, N.º 3, 276.º, N.º 1, E 306.º, N.º 1 DO CPP
Sumário: 1. A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.
2. O regime de permanência na habitação prevista no art.º 44º do CP é uma pena substitutiva da prisão.
3. O regime de permanência na habitação previsto no artigo 62º do CP é apenas uma forma de se chegar à liberdade condicional;
4. Não se pode aplicar a liberdade condicional, só pensada para as reais situações
de reclusão prisional, ao regime de permanência na habitação do artigo 44º.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 938/09.0TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza, datado de 15 de Julho de 2009, que decidiu negar a apreciação da concessão da liberdade condicional ao arguido O,,,, porque, tendo o mesmo sido colocado, por despacho de 30/6/2009, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, é legalmente inadmissível e impossível de cumprimento, em tal situação, a dita liberdade condicional.

            2. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição):
            «1. Antes da última revisão do CP apenas a prisão carcerária podia ultrapassar os seis meses.
2. O regime de semi-detenção ou prisão por dias livres não podia ter duração superior a seis meses.
3. Não existia a pena de prisão domiciliária, cuja duração máxima pode ser superior a seis meses.
4. A todas as formas de cumprimento de pena de prisão com uma duração superior a seis meses, tem de se aplicar o instituto da liberdade condicional.
5. Não se vê a razão de ser de distinguir as diversas formas de cumprimento da pena de prisão para se concluir que apenas à prisão carcerária se aplica o instituto da liberdade condicional.
6. Não existe qualquer norma que limite o direito de um qualquer preso condenado a mais de 6 meses de cadeia, a ver apreciada a sua libertação condicional.
7. Não pode ser discriminado um preso condenado a pena de prisão superior a 6 meses por se encontrar em regime de prisão domiciliária.
8. Não é licito restringir direitos individuais senão perante norma expressa que claramente os restrinja.
9. Havendo dúvidas interpretativas nunca se deve deixar prevalecer uma interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias individuais.
10. Aquilo que no espírito da lei releva é a privação drástica do bem jurídico que é a liberdade, não apenas que esta privação resulte da cadeia.
11. Foram violadas as normas dos artigos 61° do Código Penal e 484° do Código do Processo Penal e bem assim a norma do n° 2 do artigo 18° da Constituição Politica.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se a apreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!»

           

2. O Juiz auxiliar do TEP de Coimbra sustentou, a fls 65 a 68, o despacho proferido, entendendo que não estão reunidos os pressupostos elencados no artigo 61º do Código Penal para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP.

            3. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância, concluindo (em transcrição):
«1. Acompanhamos, integralmente, a bem fundamentada posição do Ministério Público na 1ª instância na sua motivação de recurso, pelo que entendemos que o recurso merece provimento;
2. Assim, e para não repetirmos argumentos, apenas se aditará o seguinte:
3. O instituto da liberdade condicional constitui um incidente de execução da pena de prisão, “(...) que se justifica político-criminalmente à luz de finalidades preventivo-especiais de reintegração do agente na sociedade e do princípio da tutela de bens jurídicos”;
4. Os pressupostos — formais e materiais — de que depende a liberdade condicional são, para além do consentimento do condenado, que se encontre cumprido metade da pena e no mínimo seis meses (artigo 61°, corpo do n° 2), que seja fundamentadamente de esperar, atenta as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e evolução durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes [alínea a)] e que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social [alínea b), ambas do mesmo art° 61º n°2 do C.P.];
5. Uma vez verificados esses pressupostos -- formais e materiais — de que a mesma depende, o tribunal tem o poder-dever de conceder a liberdade condicional.
6. Ora, o regime de permanência na habitação, prevista pelo art° 44° do C.P, na redacção também introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, quer se considere como uma verdadeira pena de substituição, seja como uma forma de execução da pena de prisão, o que realmente releva é que se trata, tal como a pena de prisão, de uma medida detentiva, privativa da liberdade;
7. Com a única diferença, assim, a de que, enquanto esta é cumprida em estabelecimento prisional, a obrigação de permanência na habitação consiste na permanência na habitação do arguido ou de terceiro, mediante vigilância electrónica;
8. De todo o modo — como se disse — ambas as medidas são restritivas da liberdade do indivíduo, na manifestação do seu jus ambulandi, de modo que a obrigação de permanência na habitação se configura como uma verdadeira prisão domiciliária;
9. Tanto assim que, quando aplicadas como medida processual cautelar (art°s 198° e 202° do C.P.P.), ambas são descontadas por inteiro no cumprimento da pena (art° 80, n.° 1 do C.P.);
10. E estão sujeitas ao mesmo regime de reexame dos seus pressupostos (art° 213° do C.P.P.) e aos prazos máximos da sua duração (art°s 215° e 218° n° 3, do mesmo C.P.P.), sendo-lhe, igualmente, aplicável o regime de suspensão, em caso de doença e de libertação, por extinção da medida ou esgotamento dos respectivos prazos (art°s 216°, 217°, aplicáveis à obrigação de permanência na habitação, por força do art°218°, n.º 3 do C.P.P.);
11. E assim que, como bem refere a Digna magistrada recorrente, ubi lex non distinguit. nec nos distinguere debemus;
12. Pelo que não vislumbramos, por isso, qualquer razão para afastar do regime da concessão da liberdade condicional os condenados que, nos termos do art° 44° do C.P, se encontrem a cumprir pena no regime de obrigação de permanência na habitação;
13. Posto, que se verifiquem os demais pressupostos acima referidos, designadamente quando se formule um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade;
14. Acresce que, quando o condenado é sujeito ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, por efeitos da concessão da adaptação à liberdade condicional (art° 62° do C.P.), findo o período respectivo, sem que a mesma tenha sido revogada, o Juiz do TEP, após parecer do Ministério Público, tem, também, de avaliar as necessidades preventivas do caso com vista á concessão da liberdade condicional, seguindo os critérios gerais do art° 61º n°2 do C.P.;
15. Não sendo de convocar o Conselho Técnico do EP, desde logo porque o condenado já não se encontra submetido ao regime prisional;
16. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo admissível a concessão da liberdade condicional a condenado que se encontra sujeito ao regime de permanência na habitação, nos termos do art° 44º, n° 1 do C.P., não se vêem, igualmente, que dificuldades práticas possam impedir a aplicação aos mesmos da liberdade condicional, verificados que sejam os seus pressupostos;
17. Dificuldades, todavia, que nunca poderiam fazer postergar a aplicação do regime da liberdade condicional, com restrição do direito à liberdade, protegido pelo art° 27° n° 1 da CRP;
18. E daí que, a interpretação do disposto no artigo 61° do Código Penal, conjugado com o artigo 484° do Código de Processo Penal, no sentido de a concessão da liberdade condicional não abranger os condenados sujeitos ao regime de obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica, aplicada nos termos do art° 44°, n.° 1 do Código Penal, é inconstitucional, por violação do artigo 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
19. Inconstitucionalidade que foi, expressamente arguida pelo Ministério Público na instância, em conclusão da sua motivação de recurso (conclusão 11), e que, aqui, se reitera.
Termos em que se entende, assim, que o recurso interposto pelo Ministério Público merece integral provimento».

            4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se é aplicável o instituto da liberdade condicional ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, aplicado nos termos do artigo 44º do Código Penal.

            2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
            «Conforme resulta dos autos, o arguido, encontra-se desde 03 do corrente mês, em cumprimento de pena, em regime de Obrigação de Permanência na Habitação, fiscalizada por Vigilância Electrónica, aplicado este, pelo Tribunal da Condenação, nos termos do disposto no artigo 44° do Código Penal.
Nesta matéria sufragávamos posição de não ser aplicável a liberdade condicional e referíamos o seguinte:
Parece-nos, salvo melhor opinião, que o Instituto da Liberdade Condicional, não terá aqui, aplicação, para além de, e ainda que assim não fosse, sempre também se levantar, problema de sobreposição de decisões, lá que o acompanhamento de tal medida, quando decretada, logo na condenação e/ou mesmo após, mas pelo Tribunal da condenação, é ali acompanhada, em termos da sua execução. (vd. artigos 44° nos 3 e 4 do c e 487° do CPP).
Por outro lado, assim parece também indicar, a letra da lei, já que, e conforme dispõe o artigo 61°, n° 2, do CP “O tribunal (no caso o TEP), coloca o condenado a prisão, em liberdade condicional, quando… “.
Ora, forçoso se torna concluir que, no caso de não se encontrar o arguido condenado a prisão efectiva, entendida esta, como a prisão em estabelecimento prisional, não cabe aplicar o Instituto da Liberdade Condicional.
Parece-nos que, quer o espírito, quer mesmo a letra da lei, afastam a aplicação do Instituto da Liberdade Condicional, a estes casos.
Contudo, em 14/10/2008, foi proferido em processo idêntico a este, acórdão da Relação de Coimbra, no processo n.° 740/08.6TXCBR.C1, que determinou «que se desse inicio ao processo tendente à apreciação da Liberdade Condicional...».
Como é sabido, o aludido acórdão do Venerando Tribunal da Relação, apenas se impunha no respectivo processo em que foi proferido.
Não obstante, e como sempre nos motivam razões de absoluto respeito pelos destinatários da Justiça e sendo embora certo que continuámos a entender que a situação do artigo 44º do Código Penal, não é igual à do 62° do mesmo diploma e bem assim não se nos afigurava que, o Instituto da Liberdade Condicional, tal como foi pensado e se encontra regulado nos respectivos diplomas legais, tivesse plena acuidade, nestas situações, não nos repugnou aceitar e passar a aplicar, para além do caso em que assim foi determinado e até melhor esclarecimento legal de tal matéria, a posição sufragada, no único acórdão que havia a respeito.
Porém, os normativos atinentes à Liberdade Condicional têm uma série de diligências e procedimentos, impossíveis de aplicar nestes casos, como o sejam o cabal cumprimento do artigo 484° do CPP e os artigos 90° e seguintes do Decreto-lei n°783/76, de 29/10, (o necessário relatório dos Serviços de Educação e Ensino, do Estabelecimento Prisional, o Parecer do Sr. Director, a realização do Conselho Técnico, no qual se obtém o consentimento do arguido e até a própria audição do arguido, - em casa dele? no TEP? por deprecada? Está preso. Quem autoriza a saída? o tribunal da condenação? que é quem está a executar tal regime? O TEP, sobrepondo-se àquele? Deve vir preso? ou livre na sua própria pessoa? a expensas dele próprio? ou do TEP? ou da Condenação? etc.), isto é, um sem número de questões, que não se mostram previstas nem consagradas em legislação alguma.
Tais questões e dúvidas sequer foram abordadas e/ou clarificadas no aludido acórdão.
Assim e com vista a maiores e melhores esclarecimentos, tentámos socorrer-nos da opinião e experiência dos colegas dos outros TEP (s), mas nada adiantámos, pois em nenhum outro TEP, se aplica a estes casos, o regime da Liberdade Condicional, sendo que nalguns deles, o respectivo expediente, sequer é autuado, sendo, de imediato, arquivado.
Na Jurisprudência e na doutrina também nada mais havia a respeito, que eu conhecesse, sendo que não conseguimos obter as actas da comissão revisora.
Apesar disso, e num único propósito de melhor servir a Justiça, tentámos ultrapassar as dificuldades que nos foram surgindo, e, “atropelando” as normas do Instituto da Liberdade Condicional, fomos aplicando o mesmo, nestas situações, sempre com a sensação de nelas, não ter qualquer cabimento.
Entretanto, e com data de 28/01/09, foi já proferido 2° acórdão, no âmbito desta matéria, desta feita, pelo Tribunal da Relação do Porto, (vd. acórdão da Relação do Porto, processo 0817119, com o n° convencional JTRP00042101, onde, mais em profundidade se analisa a matéria em causa e se conclui que o regime da liberdade condicional, não é aplicável a estas situações).
Ali se diz” A liberdade condicional não tem aplicação no caso de pena de prisão a ser cumprida em regime de permanência na habitação”.
Assim retomamos a posição que já sufragávamos, sustentada agora também, em decisão da 2ª instância, com a qual concordamos em absoluto e se nos afigura de acordo com o sistema legal vigente.
Pelo exposto, dou sem efeito o determinado a folhas 44, por inadmissibilidade legal, da sua aplicação ao regime em que o arguido agora se encontra e bem assim, por impossibilidade de cumprimento nos seus precisos termos.
Notifique, comunique e D.N.».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Vem o Ministério Público recorrer do despacho judicial que negou a concessão da liberdade condicional à situação de um arguido que se encontra em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.

Para a rigorosa compreensão do objecto do recurso, impõe-se considerar os elementos de facto relevantes, decorrentes do processo:

a)- O arguido O,,, foi condenado, por acórdão de 20 de Maio de 2008, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, no Pº Comum Colectivo n.º 277/06.8PBCTB, «na pena de 110 dias de multa à razão diária de € 5, e na pena de multa de 170 dias substitutiva de um ano de prisão, à mesma taxa diária, ou seja, na multa substitutiva de um ano de prisão no valor de € 850».

b)- Por despacho de 15/12/2008, foi convertida a multa de € 550 não paga no correspondente tempo de prisão subsidiária, num total de 73 dias (artigo 49º/1 do CP).

c)- Esse mesmo despacho decidiu, face ao não pagamento da multa de € 850, que o arguido cumpriria de forma efectiva a pena de prisão de um ano (artigo 43º/2 do CP).

d)- Consta de fls 34 e 35 a liquidação da pena de prisão aplicada ao arguido – dai deriva que o arguido tinha 1 ano e 73 dias de prisão a cumprir.

e)- O arguido deu entrada no EP de Castelo Branco em 20/3/2009.

f)- Em 2/7/2009, o arguido foi colocado em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, a fim de cumprir o remanescente da pena de prisão em que havia sido condenado, assim se encontrando desde 3 de Julho de 2009.

g)- A liquidação da pena referida em d) tem o seguinte teor:

· Pena: 1 ano de 73 dias de prisão

· Início da pena: 20/3/2009

· ½ da pena: 26/10/2009

· 2/3 da pena: 7/1/2010

· Termo da pena: 1/6/2010.

3.2. A questão a resolver prende-se com a natureza do instituto da liberdade condicional[1].
Tal instituto foi pensado pelo nosso ordenamento jurídico, corria o ano de 1893 (Decreto de 6 de Junho e Regulamento de 16 de Novembro), então com natureza graciosa, com o intuito de benefício ou prémio aos condenados, a título de estímulo e recompensa pela boa conduta na prisão, desta forma permanecendo até ao Código Penal de 1982 (sempre visto como incidente de execução da pena de prisão).
Passou então a fazer do plano global da função de ressocialização da intervenção penal, como claramente emerge do preâmbulo de tal Código: «Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
O artigo 61.º do CP estipula:
«1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se:
a)- For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b)- A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de 5 anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».
O art. 61º do Código Penal prevê, para a concessão da liberdade condicional, duas modalidades distintas: a obrigatória e a facultativa.
É obrigatório conceder a liberdade condicional ao recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos logo que tenha cumprido cinco sextos da pena (n.º 4 do citado art. 61º).
Todos os demais casos previstos na lei contemplam situações de concessão facultativa de liberdade condicional.
Nestas situações, para além da verificação dos requisitos formais – cumprimento de metade ou dois terços da pena, no mínimo seis meses – tem o Juiz de se certificar de que estão reunidos os denominados requisitos materiais, ou seja, tem de poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, adoptará uma conduta de homem fiel ao direito.
Analisando o texto do art. 61.º, n.º 2 do Código Penal, tem-se entendido, de facto,  que a única interpretação consonante com o pensamento legislativo manifestado na norma (cf. art. 9.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil) é a de considerar, como requisito da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenha cumprido metade da pena e no mínimo seis meses, independentemente do tempo de prisão que lhe tenha sido imposto.
A chamada liberdade condicional é aplicável sempre que o condenado tiver cumprido metade da pena e no mínimo 6 meses, uma vez verificados os pressupostos materiais das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 61.º do Código Penal, ou dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se mostre preenchido tão só o requisito constante da al. a) do referido artigo, sendo irrelevante, em ambas as situações, o tempo de prisão (necessariamente superior a 6 meses) imposto ao recluso.
O fim visado pelo legislador ao fixar, na forma descrita, os pressupostos de concessão da liberdade condicional “facultativa” é o de atingir um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade de o condenado se readaptar à vida social, sempre que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, assente que menos de seis meses de prisão efectiva não é considerado tempo bastante para se poder a ela atribuir seriamente uma clara e desejada finalidade socializadora, não sendo até então admissível emitir qualquer juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do delinquente.
A intenção político-criminal que preside à liberdade condicional dita «automática», porque dependente apenas de pressupostos formais, é distinta daquela dependente ainda de pressupostos materiais, como ensina Figueiredo Dias: «não se trata, na liberdade condicional chamada «obrigatória», da assunção comunitária do risco de libertação em virtude de um juízo de prognose favorável, antes sim, perante o já próximo final do cumprimento da pena, de facilitar ao agente o reingresso na vida livre, qualquer que seja o juízo que possa fazer-se (e nenhum se faz!) sobre a manutenção, a diminuição ou até o agravamento da perigosidade. Com efeito, ainda quando as expectativas sobre a socialização após o cumprimento dos 5/6 da pena sejam péssimas, ainda aí a liberdade condicional é automaticamente atribuída» (citado no Acórdão da Relação de Coimbra de 21/1/2009, no Pº 3027/07.8TXCBR).

Trata-se, em Portugal, de um incidente da execução da pena de prisão (não devendo ser encarada como uma medida coactiva de socialização).

Em suma:

A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.

A aplicação da liberdade condicional presume, ou tem como objectivos fundamentais, a segurança dos cidadãos - verificando-se a sua aplicabilidade -, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social.

Implica, pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena.

Ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de futuros crimes.

Nesse sentido e orientação aponta o preceituado no art. 42º do Código Penal, ou seja, que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de futuros crimes, deve, simultaneamente, orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Assim, e para a prossecução das referidas finalidades, haverá, necessariamente, que ter em conta a verificação dos requisitos formais e de fundo, de que depende a aplicação da liberdade condicional, seja ela na modalidade de facultativa ou obrigatória - a primeira, regulada nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 61º do Código Penal, e a segunda consagrada no n.º 4 do mesmo preceito e diploma.

E tal apreciação haverá que ter em conta a verificação de vários factores, de onde se destacam:

· a conclusão de que a pena já sofrida desempenhou o seu efeito inibidor da comissão de novos crimes;

· as possibilidades de reintegração no meio social;

· o próprio alarme social;

· que a libertação possa acentuar um arrependimento, já potencializado numa interiorização evidente das finalidades da execução da pena.

Verificados que se encontram tais requisitos, é poder-dever do tribunal, no fundo, um poder vinculado, colocar o condenado em liberdade condicional, tornando-se assim tal liberdade, de certo modo, obrigatória, para além dos casos em que tal instituto assume um carácter de funcionamento “ope legis” - preenchimento das condições previstas nos n.ºs 1 e 4 do art. 61º do Código Penal.

Tudo isto para o alcance da finalidade comum em relação a ambas as finalidades: a satisfação dos objectivos de prevenção especial, permitindo-se, assim, com a factualização do período de transição, satisfazer-se a dupla finalidade de defesa da colectividade e da reintegração social dos delinquentes; no fundo, a consagração efectiva do corolário a que alude o preceituado no art. 40º/1 do Código Penal, de epígrafe relativa à finalidade das penas.

3.4. Que dizer, agora, do regime de permanência na habitação, previsto, em termos pioneiros, pela letra do artigo 44º do CP (na revisão de 2007, levada a cabo pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro)?
Este preceito estatui que:

“ 1- Se o condenado o consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância[2], sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:    

a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;

b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação de liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.

2- O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:

a) Gravidez;

b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65;

c) Doença ou deficiência graves;

d) Existência de menor a seu cargo;

e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

3 - (…)

a)- (…)

b) – (…)

4 - (…) » .

A filosofia do preceito assenta numa evidente reacção contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efectiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela ruptura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral.

Mais do que um modo pelo qual pode ser executada a pena de prisão (na palavra aparentemente expressa do artigo 44.º, n.º 1 do CP), entendemos que estamos perante uma pena substitutiva da prisão[3] (pelo menos em sentido impróprio), na linha aliás do expressamente declarado na Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na base da revisão de 2007 do CP.

Aí se deixou escrito que:

5. «No Título III, que versa sobre as consequências jurídicas do crime, para tornar as sanções mais eficazes e promover a reintegração social dos condenados, prevêem-se novas penas substitutivas da pena de prisão e alarga-se o âmbito de aplicação das já existentes. Assim, a prisão passa a poder ser executada em regime de permanência na habitação quando não exceder um ano e, em casos excepcionais (gravidez, idade, doença, deficiência, menor a cargo ou familiar ao cuidado), dois anos (…)».

A propósito da natureza assumida pelo regime assim instituído, tomaram já posição Maria João Antunes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como o Exmº Desembargador Jorge Gonçalves, em comunicações realizadas nas Jornadas de Direito Penal, organizadas pelo CEJ, em Novembro de 2007, na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.

Maria João Antunes opina que

«No artigo 44.º prevê-se agora o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, (…) à qual são correspondentemente aplicáveis regras da Lei que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal (artigo 9.º da Lei n.º 59/2007). Substitui a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano; e o remanescente não superior a 1 ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ou, excepcionalmente, o remanescente não superior a 2 anos, quando se verifiquem circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente gravidez, idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos, doença ou deficiência graves, existência de menor a seu cargo, existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

O enquadramento do regime de permanência na habitação nas penas de substituição (…) é para nós inequívoco, quando substitui – à semelhança da prisão por dias livres e do regime de semidetenção – pena de prisão em medida não superior a um ano e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.º 1, alínea a)].

Quando substitui o remanescente não superior a um ano – ou, excepcionalmente, dois – da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em cumprimento de medida de natureza processual e é de concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 44.º, n.ºs 1, alínea a), e 2], já não estamos, verdadeiramente, perante uma pena de substituição, mas antes perante uma regra de execução da pena de prisão, semelhante à agora introduzida no artigo 62.º (Adaptação à liberdade condicional)».

Jorge Gonçalves adianta que:

«O novo artigo 44.º, com a epígrafe Regime de permanência na habitação, veio estabelecer uma forma de execução domiciliária da prisão, podendo ser entendida como uma nova pena de substituição (pelo menos em sentido impróprio), a aplicar-se como alternativa ao cumprimento da prisão nos estabelecimentos prisionais, em condenações até um ano, ou quando estejam em causa condenações superiores, mas em que o remanescente a cumprir não exceda um ano, descontado o tempo de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Excepcionalmente, pode ser uma alternativa em penas até dois anos.

Esta nova pena de substituição/modo de execução, dependente do consentimento do condenado (o que também se exige no regime de semi-detenção e na prestação de trabalho a favor da comunidade), tem a particularidade de associar ao cumprimento domiciliário a vigilância electrónica que, até ao momento, estava prevista apenas como mecanismo de fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Mecanismo este que também passa a estar associado à adaptação à liberdade condicional, nos termos do artigo 62.º, na nova redacção.

A proposta de revisão do Código Penal colocava algumas dúvidas: seria ou não aplicável, ao regime de permanência na habitação, a legislação relativa à vigilância electrónica, designadamente a Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, pensada para a medida de coacção?

O artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, soluciona a dúvida, estabelecendo que o disposto no n.º 1 do artigo 1.º, no artigo 2.º, n.º 2 a 5 do artigo 3.º, nos artigos 4.º a 6.º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º e no artigo 9.º do mencionado diploma, é aplicável ao regime de permanência na habitação.

Que disposições são essas?

- As que dispõem sobre o consentimento (do arguido e de outros);

- As que dispõem sobre o conteúdo da decisão (que admite o estabelecimento de autorizações de ausência) e a solicitação de prévia informação aos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido (a unidade de monitorização local colocada na habitação depende da existência de energia eléctrica – condições técnicas);

- As relativas à execução, entidade encarregada da execução, deveres do condenado, causas de revogação e ao equipamento a utilizar na vigilância electrónica.

Parece-me que, como pena de substituição, pelo menos em sentido impróprio, o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, tal como ocorre com a prisão por dias livres e o regime de semidetenção».

Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331, escreve que «à pena privativa da liberdade o tribunal deve preferir «uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».

O artigo em causa, repete-se, inscreve-se numa cruzada de combate às penas curtas de prisão, lançando mão de circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional.

No artigo 13º da Lei n.º 51/07 de 31/8 (objectivos, prioridades e orientações de política criminal) prevê-se a possibilidade do Ministério Público promover a aplicação de penas não privativas de liberdade aos crimes referidos no artigo 11º da mesma Lei, mencionando na alínea e) o regime de permanência na habitação, a par de outras penas, como a prisão por dias livres, o regime de semidetenção, a suspensão da execução de pena de prisão subordinada a regras de conduta e a prestação de trabalho a favor da comunidade.

É, no fundo, a lei a dar a nota de que a sanção penal se caracteriza como não privativa da liberdade.

Nas chamadas penas de substituição detentivas (penas de substituição em sentido impróprio) temos agora, além da prisão por dias livres (art. 45º do CP) e do regime de semi-detenção (art. 46º do CP), que já existiam e cujo âmbito foi alargado na revisão de 2007, o regime de permanência na habitação previsto no art. 44º do CP.

As duas primeiras (dependendo o regime de semidetenção do consentimento do condenado) são cumpridas intramuros na prisão (parte-se da ideia de que o inconveniente do “efeito criminógeno da prisão vale para a pena de prisão contínua mas já não, ou de forma muito atenuada, para a prisão por dias livres ou para o regime de semi-detenção”, mesmo quando substituem penas de prisão até 1 ano), enquanto a terceira é cumprida extramuros (é uma alternativa à prisão no EP).

De facto, «o CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção).

Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida.

Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins.

A aplicação do regime do artigo 44º do CP não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional» (Acórdão da Relação do Porto de 23/9/2009, Pº n.º 42/06.2TAOVR-B.P1/JTRP00042926).

O expressivo e completo Acórdão da Relação do Porto em 28/5/2008 (Pº 0812167 – JTRP00041428), adianta o seguinte, com interesse para a decisão desta causa:

«Todos sabemos que qualquer reforma penal não pode prescindir da protecção dos direitos fundamentais que são assegurados a qualquer pessoa em sociedades democráticas, liberais, tolerantes e solidárias.

A prisão deve ser reservada aos crimes mais graves e a situações em que já não é possível, por outros meios, dissuadir o agente da prática de novos crimes.

Claro que é preciso saber como é que se vai conseguir, com êxito, prevenir a prática de novos crimes pelo mesmo agente.

Sabemos que um delinquente (e não me refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro.

É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permita criar uma “identidade não criminal”.

Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade.

O Estado tem de contribuir eficazmente, como é sua obrigação, para a socialização do condenado e, portanto, tem de criar essas condições que permitirão afastar o delinquente da prática de novos crimes.

É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade, que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando.

Repare-se que o regime de permanência na habitação é extremamente exigente para o condenado. É preciso que não seja encarada (mesmo por parte dos operadores judiciários) como um “favor” ou “falta de pena”.

O regime de permanência na habitação é, como diz Germano Marques da Silva, “um desafio permanente à vontade do condenado” (…) “que não tem grades em casa…”.
Deverá até (como defende o mesmo Autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social: só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.

Ora, é precisamente tendo em vista a ideia de prevenção especial (finalidade de socialização), aliado à expectativa razoável de que esta pena de substituição (art. 44 n.º 1-a) do CP) ainda pode ser eficaz relativamente ao comportamento futuro do arguido, que se justifica a sua escolha, uma vez que a mesma ainda se mostra suficiente não só para evitar que o arguido reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), como também para satisfazer aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
Em conclusão: tendo presente o caso dos autos (as circunstâncias acima analisadas) e os critérios apontados no art. 44 n.º 1-a) do CP na versão actual, determina-se que a pena única de 1 (um) ano de prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação (por este regime ser, neste caso, o adequado e preferível dentro do leque das penas de “substituição” detentivas disponíveis, sendo essa pena “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela de bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”)»
.

Note-se que é o próprio Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a entrar em vigor proximamente, a não regular no âmbito do seu texto (246 artigos) a pena prevista no artigo 44º do CP, apenas a ela se referindo no artigo 2º da Lei (e não do Código por ela aprovada) – para fazer as correspondências entre esta pena e o regime da vigilância electrónica da Lei n.º 122/99 de 20/8 -, no artigo 120º/1 b) do seu texto (ao falar da possibilidade de modificação da execução da pena de prisão, transformando-a no regime de permanência de habitação[4] e no artigo 188º (adaptação à liberdade condicional, que se refere ao já previsto no artigo 62º do CP).

O novo Código é claro – fala apenas da execução das penas privativas de liberdade e das medidas de segurança privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais ou em estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.

Fala sempre em recluso, o que não é a situação do condenado em regime de permanência na habitação que, fora de qualquer dúvida, tem alguma liberdade – exactamente aquela que não tem o recluso que foi condenado em prisão efectiva.

Como tal, estamos parente uma pena de substituição, claramente não privativa da liberdade (sob o ponto de vista jurídico-criminal) no sentido que a distingue da efectiva reclusão em meio prisional.

3.5. Será de aplicar o regime da liberdade condicional a tal pena?

Lança agora algumas achas para a fogueira da resposta afirmativa à questão.

· no domínio das medidas cautelares a lei estabelece um estreito paralelismo entre a privação da liberdade em estabelecimento prisional e na habitação (arts. 193.º, n.º 2, 197.º, n.º2, 205.º, 213.º, n.º 1, 217.º, n.º 2, 215.º, n.º 8, 218.º, n.º 3, 276.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 do CPP);

· já no domínio do cumprimento da pena de prisão, quer a prisão preventiva, quer a obrigação de permanência na habitação, são descontadas por inteiro e de igual forma, equivalendo ambas ao cumprimento efectivo da pena de prisão – artigo 80.º do Código Penal;

· se é possível a liberdade condicional quando o condenado está privado da liberdade tendo por horizonte as paredes de uma prisão, por que razão não lhe é lícito beneficiar desta medida quando está preso entre as paredes de sua casa, aí estando igualmente privado da liberdade?

· por que razão se há-de possibilitar a alguém que cumpre a prisão em estabelecimento prisional um período de adaptação em que pode estar em regime de permanência na habitação (artigo 62.º), a que se segue um outro período, compreendido ainda no tempo de prisão em que foi condenado, de efectiva liberdade e, simultaneamente, impor-se a quem está desde o início privado da liberdade em sua casa (porque o tribunal concluiu que esta forma de cumprimento da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - artigo 44.º, n.º 1) o cumprimento efectivo da totalidade do tempo de prisão fixado na sentença?

· por que razão o caminho para a liberdade de um e de outro é diferente, em prejuízo do segundo?

Por aqui, poder-se-ia pensar que a liberdade condicional pode ser aplicada à «pena» do artigo 44º do CP (tese do Ministério Público recorrente).

Situando-se na tese contrária, lê-se no Acórdão amplamente mencionado nas motivações de recurso e no despacho recorrido e que até terá estado na base da mudança de posição jurídica da Exmª Juíza do TEP (Acórdão da Relação do Porto de 28/1/2009, Pº 0817119 (JTRP00042101), depois de transcrever o teor dos artigos 44º/1, 43º/1 e 61º/2 do CP:

«Disciplinando processualmente a execução destes institutos, dispõe o art. 484.º do CodProcPenal:

«Início do processo da liberdade condicional:

1- Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas: a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso; b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director de estabelecimento.

2- Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução das Penas solicita aos serviços de reinserção social: a) Plano individual de readaptação; b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional» (...).

E o art. 487.º prescreve, agora quanto à prisão a ser cumprida na habitação:

«1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes» (...).

Embora os dois normativos citados por último estejam, como é natural, contidos no mesmo Título I do Livro X do CodProcPenal, aparecem contudo em Capítulos diferentes e sucessivos (no Capítulo II e III, respectivamente).

Ora, esta arrumação sistemática logo aponta no sentido de que o legislador quis dissociar os dois regimes de execução de pena.

Aliás, se o legislador quisesse estender a aplicação da liberdade condicional ao cumprimento da pena de prisão em habitação, sem dúvida que o teria feito de forma clara.

Isto por um lado.

Por outro lado, e decisivamente, os dois regimes são fundamentalmente diferentes e obedecem a pressupostos bem diversos, como se vê da simples leitura daquelas normas do CodProcPenal.

De onde também resulta que são diferentes as entidades a quem cabe controlar a execução de cada uma das apontadas penas: o cumprimento da pena de prisão efectiva é controlada pelo Tribunal de Execução de Penas, a prisão a ser cumprida na habitação deve naturalmente ser acompanhada pelo tribunal da condenação.

O que significa, como bem refere o despacho recorrido, que a partir do momento em que o condenado em cumprimento de pena de prisão num Estabelecimento Prisional passa ao regime de prisão com permanência na habitação, o TEP respectivo deixa de ter competência e meios para acompanhar e controlar a execução desta pena mais favorável.

E, por fim, como diz acertadamente o Exmº PGA no seu parecer de fls 37 ss, «(...) tendo o legislador previsto o regime de permanência na habitação para cumprimento de penas de prisão de curta duração, criou um regime incompatível com a aplicação, ao mesmo tempo, do regime de liberdade condicional pois que, por sua vez, este não é aplicável a penas curtas de prisão, uma vez que o condenado tem de cumprir em regime contínuo pelo menos 6 meses de prisão (art. 61.º-2 do CodPenal)»

Assim, o recurso é improcedente».

QUID IURIS, então?

3.6 Temos como certo que não é de aplicar o regime da liberdade condicional às penas cumpridas de forma não contínua, mormente à pena de prisão por dias livres (cf. Acórdão desta Relação de 20/7/2009, no Pº 1731/08.2TXCBR.C1, visitável em www.dgsi.pt).

De facto, entende-se aí que não existe igualdade de situações, vistas à luz da teleologia da liberdade condicional – estar preso numa prisão de forma contínua e aí estar de forma descontínua é claramente diverso, para estes efeitos.

Também é diferente a situação do recluso e do condenado a estar fechado em casa, com vigilância electrónica, em cumprimento de pena – o segundo não está completamente privado do contacto familiar, apenas do regular e público contacto social (e note-se que pode ser visitado em casa, não podendo é visitar pessoas).

No caso vertente, foi alterado o modo de execução da pena aplicada, afigurando-se que a mesma, no presente, não integra o conceito de prisão a que alude o artigo 61.°, n.° 2, do Código Penal.

Com efeito, não se encontrando o condenado em estabelecimento prisional, não se torna possível recolher os elementos previstos no artigo 484.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, os quais se revelam essenciais em ordem à tomada de decisão sobre o instituto da liberdade condicional.
Aliás, a lei não se serve da expressão pena de prisão, o que também indicia pressupor que o condenado se encontra, de facto, em estabelecimento prisional no momento em que o TEP decide sobre a aplicação das medidas previstas nos artigos 61.° e 62.°, ambos do Código Penal – note-se a forma como se redigiu a alínea a) do n.º 2 do artigo 61º: «(…)  a)- for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (…).

O legislador não vê como prisão o regime de permanência na habitação, de facto. Deixar de estar preso é estar em liberdade para estes efeitos, mesmo que a liberdade seja vigiada ou coarctada de alguma forma em termos de movimentos.

A liberdade condicional não quer ser aplicada a alguém que tenha alguma liberdade mas apenas a quem não a tenha de todo em todo.

Vejam-se até os termos da Recomendação (2003) 22 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em 24 de Setembro de 2003 – aí se determina que a liberdade condicional deve estar disponível para todos os reclusos, mesmo que condenados em prisão perpétua.

Não é essa, realmente, a teleologia da génese da liberdade condicional – e repare-se que não podemos argumentar que é caso omisso na medida em que quando foi pensado o instituto da Liberdade Condicional não existia esta pena do artigo 44º do CP, não sendo CASO OMISSO, a integrar juridicamente, pois o nosso legislador teve já bastantes oportunidades para corrigir esse erro, fazendo as correspondências entre os dois institutos, não o tendo feito até agora, podendo tê-lo feito na própria revisão de 2007 que criou o novo artigo 44º ou no novo Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas de Liberdade, tal como já atrás o demonstrámos): mas a verdade é que o não fez!

 Repete-se: nos termos do art.° 61° do CP a concessão de liberdade condicional — e por inerência o campo de intervenção e competência do TEP — tem, como pressupostos formais, para além do consentimento do condenado, o cumprimento de 6 meses de pena de prisão e o decurso de, pelo menos, metade do tempo da prisão, dependendo, sempre, do tempo de encarceramento efectivamente sofrido.
Nessa linha, a concessão terá sempre como base a avaliação da personalidade do condenado durante a medida de institucionalização para, a partir daí, se formular um juízo de prognose favorável quanto ao sucesso do reingresso na sociedade (logo, a aferição da LC tem por referência a prisão efectivamente sofrida na pele e sempre em meio carcerário).
Nessa actividade, como bem se acentua no despacho de sustentação, é o Tribunal coadjuvado pelos pareceres do Ministério Público, dos Serviços de Educação, da DGRS e do Director do Estabelecimento Prisional, avaliados em Conselho Técnico (cf. artigos 484° do CPP e 24°, 900, 93° n.° 1 e 94° do D.L. n.° 783/76, de 29.10), sendo os mecanismos de acompanhamento do regime do artigo 44º  - a processar pelo tribunal de condenação e já não pelo TEP - diversos daqueles que a lei prevê para o accionamento da liberdade condicional[5].
Aqui chegados, torna-se óbvia a conclusão, sem que nos sintamos a distinguir situações semelhantes porque a semelhança, para estes específicos efeitos, não ficou demonstrada, que no caso específico do regime de permanência da habitação, previsto no art° 44° do CP, não estão reunidos os pressupostos elencados para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP (que apenas tem competência para a execução das penas de prisão em Estabelecimento Prisional[6]).
 A distinta inserção sistemática, quer no CP, quer essencialmente no CPP (art.°s 484° e 487°) que indiciará a vontade do legislador em dissociar os dois regimes de execução da pena, também é argumento decisivo para a nossa tese.
Por outro e como vector distintivo, encontra a diversidade de pressupostos e a divergência quanto às entidades de acompanhamento reservando a competência do TEP apenas para a execução das penas de prisão em Estabelecimento Prisional.
Em sustento desta tese, refira-se a posição de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal — à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 184), em anotação ao art.° 44º, quando refere que «a liberdade condicional se reporta sempre à prisão efectivamente sofrida, razão pela qual o instituto da liberdade condicional não será aplicável à pena cumprida em regime de permanência na habitação».
Na realidade, a liberdade condicional pressupõe a necessidade de ressocialização, afectada pela privação da liberdade em meio carcerário e o cumprimento de um período mínimo de reclusão, o que não sucede na pena que está hoje em execução na vida do arguido O,,,.

3.7. Veja-se que a adaptação da liberdade condicional, nos termos do art.° 62° do CP, com vigilância electrónica, inculca desde logo a ideia que a permanência na habitação é distinta da prisão e permite o início do percurso de ressocialização e a transição para a liberdade – apenas se prevê a vigilância electrónica em regime de permanência em casa como MEIO de se chegar à real e efectiva liberdade condicional (e por isso se fala em “antecipação à liberdade condicional”), não sendo possível daí retirar-se a conclusão que o legislador quis que fosse aplicável a LC a quem nesse regime está (pelo artigo 44º do CP).

Tal preceito tem a seguinte redacção (artigo 62º):

«Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no art. anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

A adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 62º do CP é também uma medida recente, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, que consubstancia uma regra de execução da pena de prisão.

Como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X (quanto às alterações do CP) “(…) foram ponderadas as recomendações constantes do Relatório concluído em 12-2-2004 pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional. (…) É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”.

E, ainda como se salienta na Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004 (Resolução que aprova o Programa de acção para o desenvolvimento da vigilância electrónica no sistema pena, de 30-9-2004) “é sobretudo no contexto da execução de penas que a vigilância electrónica tem vindo a afirmar-se no panorama internacional, ao longo dos últimos anos, como alternativa ao sistema prisional, face ao qual apresenta um inquestionável conjunto de vantagens. Ao permitir evitar a execução de penas efectivas de curta duração e flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas, o Governo antevê que a vigilância electrónica poderá constituir um meio eficaz ao serviço da redução da elevada taxa de encarceramento que Portugal regista, o que constitui um objectivo central de política criminal”, e daí que então tenha resolvido estabelecer que o Governo adoptasse medidas legislativas adequadas à definição do regime jurídico da vigilância electrónica no âmbito da execução de sanções privativas de liberdade, designadamente como alternativa de execução de penas de prisão efectivas de curta duração e como condição de antecipação da liberdade condicional.
Um arguido está preso. Como caminho possível para a liberdade condicional, pode colocar-se o mesmo numa etapa intermédia (o tal regime de adaptação à LC).
A Liberdade Condicional é o principal. A Permanência na Habitação deve estar apenas ao seu serviço.
Agora querer que a este arguido possa ser aplicada a LC é ir longe demais e dar dois prémios ao arguido. No caso do artigo 62º do CP, a LC não deixa de ser aplicada à prisão efectiva de alguém.
Assim sendo:
- o regime de permanência na habitação previsto no artigo 62º é apenas uma forma de se chegar à liberdade condicional;
- não se pode aplicar a LC ao regime de permanência na habitação do artigo 44º.
Como tal, o tribunal recorrido não feriu as garantias do arguido, não incorrendo desse modo em inconstitucionalidade, porque aplicou efectivamente uma interpretação do art. 61 do CPP que nos parece correcta, na medida em que entendeu não haver lugar à organização de processo com vista à eventual concessão de liberdade condicional, instituto não pensado ou pensável para o regime do artigo 44º do CP.

3.8. Como tal, concluímos no sentido de considerar que o instituto da liberdade condicional não é aplicável à situação em que um tribunal aplica o regime do artigo 44º do CP, estando só pensado para as reais situações de reclusão prisional.

Por tal motivo, não nos merece censura a decisão recorrida.

            III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

            Sem tributação.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Barreto do Carmo)


[1] Sendo da competência dos Tribunais de Execução de Penas o processo de concessão da liberdade condicional, encontrando-se regulado nos artigos 484º a 486º do CPP, revogados logo que entre em vigor o novo Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade (aprovado pela Lei n.º 115/2009 de 12/10)
[2] A vigilância electrónica é meio técnico de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação permitido no País a partir da introdução do n.º 2 do art. 201º do CPP pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, regulado pela Lei 122/99, de 20 de Agosto (medida de coacção que não se confunde, como é bem de ver, com o regime do artigo 44º do CP).
A Lei n.º 59/2007 de 4.9 prevê que o disposto no n.º 1 do artigo 1º, no artigo 2º, nos n.ºs 2 a 5 do artº3º, nos artigos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 8º e no artº9º da Lei n.º122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal.
Isso mesmo agora também resulta do texto do artigo 2º do Código da Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovada pela Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro, a entrar em vigor proximamente.
[3] Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação: substituição da pena de prisão por: 1º - multa (artigo 43º); 2º - suspensão da pena (artigo 50º); 3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º); 4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º); 5º - prisão por dias livres (artigo 45º); 6º - regime de semi-detenção (artigo 46º).
Uma vez determinada a pena concreta, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista legalmente.
Tais penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição) - Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, p. 91.


[4] Regime este que nem sequer consta de qualquer Capítulo autónomo do novo Código (já o capítulo II do Título XVI incide sobre a prisão por dias livres e em regime de detenção).
[5] Vejam-se as variadas questões e dúvidas colocadas no despacho recorrido - «em casa dele? no TEP? por deprecada? Está preso. Quem autoriza a saída? o tribunal da condenação? que é quem está a executar tal regime? O TEP, sobrepondo-se àquele? Deve vir preso? ou livre na sua própria pessoa? a expensas dele próprio? ou do TEP? ou da Condenação? etc.), isto é, um sem número de questões, que não se mostram previstas nem consagradas em legislação alguma».
[6] Veja-se o artigo 124º da Lei 52/2008 de 28/8 (LOFTJ), também alterada pela letra da Lei 115/2009 de 12/10, a entrarem vigor proximamente) – aí se definem as competências do TEP, não se falando nunca na pena do artigo 44º como possível caminho para a liberdade condicional