Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3996/08.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
FACTURA COMERCIAL
ASSINATURA
DEVEDOR
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 46º, AL. C), DO CPC
Sumário: I – A actual redacção do artº 46º do CPC, proveniente do D. L. nº 329-A/95, veio ampliar o conceito de título executivo, conferindo força executiva a qualquer documento particular assinado pelo devedor, que importe a constituição ou reconhecimento da dívida exacta, tendo tornado dispensável a anterior necessidade de reconhecimento dessa assinatura (anterior artº 51º, nºs 1 e 2, do CPC).
II - Uma factura não é mais do que uma relação pormenorizada de mercadorias vendidas a alguém ou de serviços prestados, com indicação das quantidades e preços respectivos, indicando a esse alguém o valor que deve pagar ao fornecedor e, normalmente, o prazo para o efeito, cujo efectivo pagamento deverá ser posteriormente documentado ou comprovado por meio de “recibo” emitido pelo credor.

III - Este tipo de documento particular – factura -, estava já previsto no artº 46º, al. c), do CPC, antes da referida reforma do CPC, onde se atribuía força executiva ás “facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas…”.

IV - A assinatura de uma factura pelo seu destinatário não é outra coisa senão o expresso reconhecimento da conferência de uma factura e uma forma de declaração da aceitação da obrigação do seu pagamento, pelo que deve entender-se tratar-se de um título executivo, nos termos do artº 46º, al. c), do CPC.

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca de Tondela corre seus termos a presente acção executiva, para pagamento de quantia certa, como processo comum, que a sociedade “A... ”, com sede em ..., intentou contra B... , residente em ..., com a qual a Exequente pretende conseguir do Executado o pagamento da quantia de € 14.063,69.

            Como título dado à execução a Exequente apresentou cópia de uma factura sua, datada de 18/11/2008, em nome do Executado e por este alegadamente assinada.


II

            No Tribunal Judicial de Tondela foi proferido despacho liminar no qual foi considerado que o documento junto pela Exequente não constitui título executivo, em consequência do que foi decidido indeferir liminarmente a presente execução.


III

            Desta decisão foi interposto recurso pela Exequente, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Nas alegações apresentadas pela Apelante foram apresentadas as seguintes conclusões:

            1ª – A Recorrente apresentou à execução um documento particular subscrito pelo Executado, constituído por uma factura que juntou ao seu requerimento.

            2ª – No seu requerimento a Recorrente enunciou os elementos relevantes subjacentes ao título que apresentou.

            3ª – Não obstante tal alegação, os referidos elementos do negócio constam do próprio documento apresentado.

            4ª – Assim, parecem suficientemente preenchidos os requisitos exigidos na al. c) do nº 1 do artº 46º do CPC para o título executivo.

            5ª – Ou seja, é um documento particular e está assinado pelo devedor o que, atento ao disposto nos artºs 374º e 376º do C. Civ., importa a presunção do reconhecimento das obrigações nele contidas.

            6ª – E a obrigação constante de tal documento é de natureza pecuniária e de montante determinado.

            7ª – Assim, ao decidir-se pela inexistência de título executivo foi feita uma interpretação do disposto na al. c) do nº 1 do artº 46º do CPC que carece de ser rectificada.

            8ª – Termos em que deve ser provido o recurso e revogada a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento da instância executiva.


IV

            No Tribunal Recorrido foi sustentada a decisão sob recurso, mantendo-se a dita.


V

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se resume à (re)apreciação da existência ou da inexistência de título executivo na presente acção.

            Para tal apreciação há que ter em conta que a Exequente, no seu requerimento executivo, alegou que “se dedica à actividade de aterros, desaterros, saneamento e aberturas de poços, tendo o Requerido solicitado a realização de trabalhos de movimentos de terra numa propriedade sua sita em Molelinhos, Tondela, o que a Exequente cumpriu, tendo gasto 280 horas, pelo que cobrou o preço total de                 € 14.000,00 (€ 50,00/hora), tendo emitido a factura com o nº 027, de 18/11/2008, que entregou ao Executado e na qual este apôs a sua assinatura, aceitando, assim, o referido preço, obrigando-se ao seu pagamento imediato; que, porém, o Executado ainda não pagou esse valor, razão de ser da execução”.

            E pela Exequente foi junto o doc. de fls. 4 como título executivo, do qual é dito ser uma cópia da referida factura e no qual consta uma assinatura com o nome do Executado, que é dito ser sua.

            Apreciando, dúvidas não são suscitadas sobre a necessidade de haver um título executivo para se poder lançar mão de uma acção executiva, como resulta do artº 45º, nº 1, do CPC.

            O que apenas cumpre saber, neste recurso, é se a Exequente apresentou ou não um título executivo, afigurando-se-nos que assim sucedeu.

            Com efeito, entre as espécies de títulos executivos previstas no artº 46º, nº 1, do CPC, figuram os chamados “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético…” - al. c).

            Esta redacção, proveniente do D. L. nº 329-A/95, veio ampliar o conceito de título executivo, conferindo força executiva a qualquer documento particular assinado pelo devedor, que importe a constituição ou reconhecimento da dívida exacta, tendo tornado dispensável a anterior necessidade de reconhecimento dessa assinatura (anterior artº 51º, nºs 1 e 2, do CPC).

            Apenas se vem entendendo que nos casos em que esse escrito é genérico ou abstracto (sem mencionar a razão de ser desse crédito documentado) o credor, para dele se poder servir, deve referir, no requerimento executivo, o negócio subjacente à execução e que a assinatura do devedor possa valer, nos termos do artº 458º do C. Civ., como acto de reconhecimento da dívida.

            É a posição jurisprudencial que vem predominando em relação aos títulos cambiários irregulares em geral.

            No caso presente temos, como título executivo, uma factura emitida pela Exequente, em nome do Executado (e com indicação do seu nº de contribuinte), datada de 18/11/2008, no montante de € 14.000,00, dela constando que tal valor corresponde a “280 horas de serviço prestado na surriba da quinta em Molelinhos”.

            Ora, uma factura não é mais do que uma relação pormenorizada de mercadorias vendidas a alguém ou de serviços prestados, com indicação das quantidades e preços respectivos, indicando a esse alguém o valor que deve pagar ao fornecedor e, normalmente, o prazo para o efeito – ver “Moderno Dicionário da Língua Portuguesa”, Lexicoteca, pg.1041 -, cujo efectivo pagamento deverá  ser posteriormente documentado ou comprovado por meio de “recibo” emitido pelo credor.

            Este tipo de documento particular – factura -, estava já previsto no artº 46º, al. c), do CPC, antes da referida reforma do CPC, onde se atribuía força executiva ás “facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas…”.

            Ora, a assinatura de uma factura pelo seu destinatário não é outra coisa senão o expresso reconhecimento da conferência de uma factura e uma forma de declaração da aceitação da obrigação do seu pagamento.

            Assim, a fotocópia junta pela Exequente, cujo original é dito ter sido entregue ao Executado, corresponde ao expresso reconhecimento, por este, da obrigação de pagamento do valor dessa factura e na data que da dita consta.

            Logo, não pode deixar de se entender que estamos perante um documento particular com força executiva, nos termos do actual artº 46º, nº 1, al. c), do CPC.

            Nos termos supra expostos pode ver-se o Ac. desta mesma Relação de 15/05/2001, proferido no Proc.º nº 159/2001, relatado pelo sr. Des. Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu: “A recente reforma processual não restringiu, pelo contrário, ampliou o elenco dos títulos executivos particulares, passando a conferir força executiva a qualquer documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, de montante determinado ou determinável em face do título.

            Sendo as facturas conferidas um documento recognitivo de uma obrigação pecuniária, enquadram-se na previsão da al. c) do actual artº 46º do CPC e, consequentemente, são títulos executivos”.

            No apontado sentido também se pronuncia José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. 1º, pgs. 89 e segs., designadamente quando aí se escreve: “A alínea c) (do artº 46º) sofreu também alterações formais (entre as quais a explicitação de que a obrigação que conste do título pode nele ser objecto de constituição ou reconhecimento), mas sobretudo importante alteração substancial, na linha duma evolução progressiva que vem alargando s exequibilidade do documento particular a um maior leque de obrigações por ele constituídas ou reconhecidas: obrigação de pagamento de quantia determinada (obrigação pecuniária líquida), no Código de 1939; obrigação de pagamento de quantia determinada ou de entrega de coisa fungível, desde 1961; obrigação pecuniária de montante determinado ou determinável nos termos do artº 805º (obrigação pecuniária líquida ou liquidável por simples cálculo aritmético), de entrega de coisa móvel (fungível ou infungível) ou de prestação de facto, pelo DL nº 329-A/95.

… A alínea c) confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor, entre os quais as letras, as livranças, os cheques, os extractos de factura, os vales e as facturas conferidas, que, na redacção anterior, eram objecto de referência expressa, agora suprimida porque desnecessária”.

            Mais se escreve aí que “É sempre possível, porém, a utilização de cópia como título executivo da obrigação subjacente”, questão que não é sequer objecto do presente recurso.

            Pode ainda ver-se, neste sentido, entre outros, António Santos Abrantes Geraldes in “Títulos Executivos”, separata Themis da Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, pg. 39.

            Assim sendo, não vemos razão para o indeferimento liminar decidido em 1ª instância, impondo-se, por isso, a revogação de tal despacho, nos termos requeridos.


VI

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro a ordenar o regular prosseguimento da execução.

            Sem custas (artºs 2º, nº 1, al. g), do CCJ, e 4º, nº 1, al. a), do D. L. nº 303/2007, de 24/08)


***

                Nos termos do artº 713º, nº 7, do CPC, elabora-se o seguinte sumário:

I - A actual redacção do artº 46º do CPC, proveniente do D. L. nº 329-A/95, veio ampliar o conceito de título executivo, conferindo força executiva a qualquer documento particular assinado pelo devedor, que importe a constituição ou reconhecimento da dívida exacta, tendo tornado dispensável a anterior necessidade de reconhecimento dessa assinatura (anterior artº 51º, nºs 1 e 2, do CPC).

II - Uma factura não é mais do que uma relação pormenorizada de mercadorias vendidas a alguém ou de serviços prestados, com indicação das quantidades e preços respectivos, indicando a esse alguém o valor que deve pagar ao fornecedor e, normalmente, o prazo para o efeito, cujo efectivo pagamento deverá  ser posteriormente documentado ou comprovado por meio de “recibo” emitido pelo credor.

III - Este tipo de documento particular – factura -, estava já previsto no artº 46º, al. c), do CPC, antes da referida reforma do CPC, onde se atribuía força executiva ás “facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas…”.

IV - A assinatura de uma factura pelo seu destinatário não é outra coisa senão o expresso reconhecimento da conferência de uma factura e uma forma de declaração da aceitação da obrigação do seu pagamento.