Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
642/05.8TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
CABEÇA DE CASAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 10/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 37º Nº1 E 49º DO C. R. PREDIAL, 1024º Nº1, 2079º E 2080º Nº1 C) E Nº2 DO CC
Sumário: No âmbito do exercício dos seus poderes de administração da herança, a cabeça-de-casal possui legitimidade para instaurar acções de despejo, sem necessidade de estar acompanhada dos demais herdeiros.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
A..., com os sinais dos autos, intentou – invocando a qualidade de cabeça de casal das heranças de B... e de C..., seus pais – acção declarativa (de despejo), com processo ordinário, contra a D....
Citada a R., apresentou contestação, suscitando, entre outras, a questão/excepção da ilegitimidade da A., dizendo que esta não articula factos nem oferece prova sobra a sua qualidade de cabeça de casal das heranças; e acrescentando que, na hipótese de as heranças já terem sido aceites, as suas representações caberão a todos os comproprietários em conjunto. Conclui pois que deverá ser absolvida da instância.
A propósito de tal questão/excepção, a A., na resposta, juntou as habilitações de herdeiros das sucessões ocorridas; acrescentando que, tendo as heranças sido aceites pelos respectivos herdeiros, lhe assiste, por se tratar de um acto de administração ordinária, legitimidade para instaurar a presente acção de despejo.

Após prévio despacho a convidar a A. a fazer intervir, ao seu lado, todos os “comproprietários” – convite a que a A. não correspondeu – foi proferido despacho em que se julgou procedente a invocada excepção de ilegitimidade, absolvendo-se a R. da instância.

Despacho este de que a A. interpôs o presente recurso, admitido como sendo de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Apenas a agravante apresentou alegação; que finalizou do seguinte modo:
a) O direito de propriedade do prédio identificado nos autos encontra-se inscrito, sem determinação de parte ou direito e por sucessão de B... e mulher C... a favor da A. e de outros 2 herdeiros;
b) Tal significa que os mesmos não são seus comproprietários mas tão somente interessados na comunhão hereditária dos referidos de cujus;
c) A A. é a cabeça-de-casal das respectivas heranças, funções que se manterão até à respectiva liquidação e partilha;
d) A presente acção não foi instaurada pela herança, mas sim pela ora recorrente, com invocação da sua qualidade de cabeça-de-casal;
e) A propositura da acção de despejo é uma acto de administração ordinária que cabe nos poderes da cabeça-de-casal.
f) Assim sendo, a A. é parte ilegítima para instaurar esta acção, sem necessidade de estar acompanhada dos demais herdeiros.

O Mmº Juiz a quo proferiu despacho sustentando o agravo.
Foram obtidos os vistos legais, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
*


II – Fundamentação de facto
É o seguinte o facto com relevo para a apreciação do recurso:
A) Na sequência da excepção suscitada, a A. fez juntar aos autos certidão da Conservatória do Registo Predial de Aveiro, demonstrando a seguinte inscrição sobre o prédio locado:
“Aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de A... (a aqui A), c. c E... na comunhão geral (…); de F..., viúva (…) e de G..., divorciado (…), em sucessão por morte de B... e mulher C... …”.
*

III – Fundamentação de Direito

Indo directos ao cerne do assunto, que é extremamente simples, podemos dizer, sem correr o risco de simplificar, que o presente agravo se circunscreve – face à argumentação que alicerça a decisão recorrida e atentas as conclusões da alegação da agravante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – à questão de saber se a A. e os seus sobrinhos são titulares (em conjunto) do direito de propriedade sobre o prédio locado; ou se a A. e os seus sobrinhos são meros titulares de um direito às heranças (de pais e avós) – sem prejuízo de, de tais heranças, fazer parte o prédio locado.

Questão que, face ao teor da inscrição de propriedade, incidente sobre o prédio locado, impõe que se considere que o mesmo faz parte das heranças – duma comunhão hereditária – e não duma situação de compropriedade.
Como a agravante alega, o registo de aquisição, que a certidão da C. R. Predial documenta, corresponde e decorre do disposto no art. 49.º do Código do Registo Predial, no qual se dispõe – sob a elucidativa epígrafe de “Aquisição em comunhão hereditária” – que “o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e em declaração que identifique os bens a registar como fazendo parte da herança
Por outras palavras, a inscrição que a certidão da C. R. Predial documenta é justamente aquela que, em termos de registo predial, traduz e revela uma comunhão hereditária.
Registo de bens este – de bens que fazem parte duma comunhão hereditária – cuja possibilidade e legitimidade foram expressamente previstos no art. 37.º, n.º 1, do C. Registo Predial.
Registo que, caso estivéssemos perante uma real e efectiva situação de compropriedade (consecutiva e decorrente da inicial situação de comunhão hereditária), mencionaria como causa da aquisição – o que se salienta para explicar que a interpretação dos registos não é equívoca – não a sucessão por morte (como consta do registo junto aos autos), mas sim a partilha das heranças; partilha que, em tal hipótese, teria posto fim à comunhão hereditária em tal bem, passando a existir uma propriedade em comum sobre o mesmo bem.
Enfim, a decisão recorrida parte dum pressuposto que, sendo incorrecto, prejudica o raciocínio expendido e afecta a conclusão final.
Efectivamente, o pressuposto correcto está, como acabámos de explicar, em dizer que o locado, em face da certidão da CRP de Aveiro, pertence às heranças indivisas dos mencionados B... e mulher C....
Neste contexto, tem toda a relevância a figura da cabeça de casal.
Cabeçalato que, em face das escrituras de justificação juntas, cabe à A., por ser a única filha viva de ambos os de cujus (cfr. art. 2080.º, n.º 1, c) e n.º 2, do CC).
Pelo que, competindo à A. – enquanto cabeça de casal das heranças abertas por morte dos seus pais – administrar as respectivas heranças (cfr. art. 2079° do C. Civil), possui legitimidade para intentar a presente acção de despejo.
De facto, cabendo no exercício dos poderes de administração do cabeça de casal a celebração de contratos de arrendamento (cfr. art. 1024.º, n.º 1, do CC), também lhe cabe, em tais poderes de administração, intentar acções de despejo[ Cfr., v. g., Ac. RP de 07/01/86, in CJ 1986, 1.º, pág. 155; e Ac RE de 19/06/97, in CJ 1997, 3.º, pág. 276.].
Em conclusão, a A. possui legitimidade para intentar a presente acção de despejo – impondo-se, todavia, esclarecer e salientar que a A actua em juízo, não por si, mas na exclusiva qualidade de cabeça de casal das heranças de seus pais[ Circunstância e qualidade que, para evitar equívocos, devia ter feito sobressair no cabeçalho da PI.] – pelo que, por idênticas razões às invocadas na alegação recursiva, procede o agravo.


IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o agravo, revogando-se a decisão recorrido que se substitui por outra a julgar improcedente a excepção da ilegitimidade e a declarar a A., na qualidade de cabeça de casal das heranças de seus pais, parte legítima para a presente acção de despejo.
Sem custas.