Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
269/16.9PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCURSO APARENTE DE CRIMES
GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
DEVASSA DA VIDA PRIVADA
EXTORSÃO
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 163.º, 370.º E 412.º DO CPP; ARTS. 192.º, 199.º E 223.º DO CP
Sumário: I - A realização de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, como é entendimento maioritário, não é uma diligência obrigatória, apenas devendo ser determinada quando se torne necessária para a correcta determinação da pena ou da medida de segurança a aplicar.

II - Quando a realização do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social seja relevante para a boa decisão da causa, a sua omissão constitui uma irregularidade, sujeita ao apertado regime de arguição previsto no art. 123.º, n.º 1, do CPP.

III - Para a procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, não basta que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, não basta contrapor à convicção do juiz outra convicção diversa.

IV - Ressalvados os casos de prova tarifada, o tribunal decide de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes], sendo por isso necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida isto é, sendo necessária a demonstração de que a convicção expressa na motivação de facto da sentença quanto aos pontos de facto impugnados, é impossível e/ou desrazoável.

V- A demonstração desta imposição de decisão diversa, recai também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.

VI - No julgamento da matéria de facto vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

VII - A valoração da prova não é mero arbítrio, antes exige do juiz uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos declarantes e depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.

VIII - Na sentença em crise entendeu-se existir um concurso aparente entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada agravado, e um concurso efectivo entre o crime de extorsão na forma tentada e o crime de devassa da vida privada agravado.

IX - Se em regra, deve ser considerada a existência de um concurso de normas, quando a filmagem ilícita é feita para permitir a devassa da intimidade, os crimes estão numa relação de concurso aparente.

X - Quando, como acontece nos autos, a filmagem ilícita é efectuada, não para devassar a intimidade da ofendida, mas para lhe extorquir dinheiro, e só porque esta não fez o pagamento pretendido, frustrando a extorsão, é que o filme é, posteriormente, publicitado numa rede social, devassando a sua intimidade, deve entender-se, a existência de um concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada.

XI - Porque o enriquecimento [ilegítimo] integra o tipo do crime de extorsão, usar o mesmo enriquecimento para preencher a agravação do crime de devassa da vida privada significaria uma dupla valoração da mesma circunstância.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A... e B... , ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em autoria material e concurso real, de um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos arts. 21º e 223º, nºs 1 e 2, de dois crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelos arts. 192º, nº 1, b) e d) e 197º, a), e de um crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo art. 199º, nºs 1 e 2 b), todos do C. Penal.   

            Por sentença de 30 de Março de 2017, foram os arguidos condenados, pela prática do imputado crime de extorsão, na forma tentada e de um crime de devassa da vida privada agravada – e de um só, por se ter entendido ser esta a qualificação da apurada conduta – em concurso aparente com o imputado crime de um crime de gravações e fotografias ilícitas, o arguido, nas penas parcelares de 16 meses de prisão e 6 meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão, e a arguida, nas penas parcelares de 12 meses de prisão e 120 dias de multa à taxa diária de € 5 e, em cúmulo, na pena única de 12 meses de prisão suspensa na respectiva execução por igual período, e 120 dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 600.


*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

A. Através da decisão recorrida, foi o Recorrente condenado, pela prática em coautoria material e em concurso efetivo de (i) um crime de extorsão simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º, n.º 1, a) e b), todos do C.P. e de (ii) um crime de devassa da vida privada agravado, p. e p. pelos artigos 192.º, n.º 1, b), e 197.º, a), todos do C.P. Com efeito, o Recorrente não se conforma com esta decisão e recorre quer quanto ao julgamento que aí se faz da matéria de facto, requerendo a reapreciação da prova gravada, quer por lhe parecer, salvo o devido respeito, que muito é, ter o Meritíssimo Juiz a quo feito uma menos correta interpretação e aplicação do direito aos factos.

B. Desde logo, o Mm. Juiz proferiu despacho no qual solicitou «à autoridade policial competente o habitual relatório sobre elementos pessoais dos arguidos, designadamente, a situação profissional, rendimento líquido mensal auferido com quem vivem, despesas com habitação e habilitações literárias, que deverá ser enviado aos presentes autos até ao dia 29/03/2017». Todavia, tal não sucedeu. E, em conformidade com Alberto Pinto Nogueira e José A. Barreto Nunes, em Código de Processo Penal – Comentários e Notas (2009), pag. 940, “A falta de relatório social configura uma mera irregularidade. No entanto, nos casos em que se verifique insuficiência de matéria de facto para a decisão em que essa matéria deva constar do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social, já poderá verificar-se nulidade – 379.º, al. a), e 374.º, n.º 2”.

C. No caso em apreço, o Tribunal solicitou o relatório social. Com efeito, fê-lo por considerar que o mesmo era necessário à correta determinação da sanção que eventualmente viesse a ser aplicada. Tendo, assim, como objetivo auxiliar o Tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, objetivo que não foi cumprido. Porém, não tendo o relatório, que foi solicitado, não deveria o tribunal assim, sem mais, e tendo por base elementos indiciários, decidir, sob pena de violar o princípio “in dubio pro reo”. Pelo que, diante o exposto se percebe que in casu o mesmo era imprescindível.

D. Além disso, mais se impunha porque se não fosse o oficioso não teria chegado ao processo o Relatório Geral de informação clínica do Recorrente – que configura um parecer técnico – em que se observa que o mesmo tem Alteração de Personalidade Boirder-Line, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica e de Medicação. (cfr. doc. 1).

E. Assim, este parecer comprova a necessidade acrescida do relatório social, supra mencionado, visto que apresenta questões novas, com relevância para a prova produzida. Posto isto deve agora este parecer ser junto aos autos.

F. De facto, tal junção é atempada pois «os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos, poderão ser juntos até ao encerramento da audiência, o que na hipótese de recurso, faz com que tais pareceres se possam juntar até à audiência no tribunal superior (n°3-165)». Sendo que, o próprio «art. 165.º, n.º 3 do CPP refere que podem ser juntos até à audiência, não limitando à audiência de 1ª Instância. Por isso, dúvida não existe que poderá ser até à audiência recurso já que têm índole teórica e intelectual não revestindo natureza de meio de prova.». Destarte, atendendo aos poderes de investigação autónoma o tribunal deveria admitir a junção porque o documento é relevante pois, tal como Germano Marques da Silva refere, se o tribunal «considerar que o documento é essencial para a descoberta da verdade deve ordenar sempre a sua junção.»

SEM PRESCINDIR,

G. Na douta sentença recorrida foram dados como provados os factos 2, 3, 4, 6, 9 e 10, com o que, salvo o devido respeito, o Recorrente não pode conformar-se. PORQUANTO:

H. Em primeiro lugar, em erro de julgamento da matéria de facto incorreu a sentença recorrida ao dar por provado o facto 3 quando devia ter sido dado, como deve agora ser – em remédio da sentença recorrida –, como não provado, na medida em que, o Recorrente não convenceu a Recorrida C... a “subir consigo a sua casa”, pois esta chegou a casa do Recorrente sozinha. Com efeito, para tal basta atentar ao depoimento da testemunha C... a minutos 12:12 a 13:04, gravados na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui se transcreve:

«Magistrada do M.P.: Olhe, e diga-me uma coisa, e esse filme que a senhora visionou no telemóvel da tal dona B... , ele… a situação começava logo imediatamente ou há algum lapso de tempo em que aquilo está a ser gravado sem que haja imagens de relevo dessa natureza?

Testemunha: A filmagem, eu vejo na filmagem… eu vejo que ele faz uma chamada, que ele faz uma chamada, esta a falar ao telefone, estaria a falar comigo certamente, na altura eu nesse momento ainda não estaria lá e depois quando eu cheguei lá a casa então…

Magistrada do M.P.: Portanto, a senhora viu isso tudo, viu ele a falar consigo e depois vê a senhora a chegar lá…

Testemunha: Sim

Magistrada do M.P.: A senhora vê-se a chegar lá nessa mensage… nessa filmagem e depois o desenrolar da situação…

Testemunha: Todo o desenrolar da situação…»

I. Em segundo lugar, em erro de julgamento da matéria de facto incorreu ainda a sentença recorrida ao dar como provado que o Recorrente (em coautoria com a arguida B... ) tinha um plano e que instalou em sua casa um gravador de imagens, estrategicamente virado para a cama, tendo acionado o mecanismo de gravação de imagem, constante do facto 4 dos provados.

J. Efetivamente, o depoimento da testemunha C... – gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, não faz prova bastante de tal e não permite assim concluir, na medida em que a minutos 12:12 a 13:04, se consegue esclarecer que o mecanismo de gravação de imagem já estava acionado quando o R. convida C... a ir lá a casa, pelo que o mesmo nem saberia com certeza se a mesma iria ou não a sua casa e, como tal, não faria sentido acioná-lo muito tempo antes da sua chegada.

K. Além disso, na convicção do tribunal, pode-se ler: «(…) (fotos retiradas da gravação de vídeo, onde se vislumbra o arguido a olhar directamente para a câmara que filma, antes do acto, prática do acto, e o local estratégico de colocação do gravador de imagem), que não nos deixam qualquer dúvida sobre a participação do arguido (em conluio com a arguida) em toda a artimanha – que começou com o convite “inocente” do mesmo para a visada ir lá tomar café, para daí passar ao acto sexual (se o arguido não fizesse parte do estratagema porque razão estava o aparelho a gravar imagens precisamente direcionado para o local onde convidou a visada para o acto sexual?) (…)». Todavia, “olhar” para a câmara, principalmente nas circunstâncias em que tudo aconteceu, não significa absolutamente nada.

L. Depois, o Recorrente pode não ter reparado na câmara, tal como a Recorrida afirma não a ter visto, sendo que para tal basta atentar no depoimento da mesma, nos minutos 13:10 a 14:13, gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui se transcreve:

«Magistrada do M.P.: Olhe e diga me uma coisa, em frente à cama onde os senhores estiveram havia algum móvel, havia alguma…?

Testemunha: Tinha a televisão.

Magistrada do M.P.: Tinha a televisão…

Testemunha: Tinha o móvel com a televisão.

Magistrada do M.P.: E o móvel é alto ou é como?

Testemunha: Está assim… como é que eu hei-de dizer, no mesmo plano que a cama, pronto como se estivesse assim…

Magistrada do M.P.: Sim, a mesma altura?

Testemunha: Sim, sim.

Magistrada do M.P.: Mas a senhora conseguia ver tudo o que estava em cima desse móvel?

Testemunha: Nem reparei, nem estive a observar… se eu tivesse olhado, se fosse uma pessoa que fosse de reparar no que está ou deixa de estar, talvez me tivesse dado conta que estaria ali um telemóvel ou assim.

Magistrada do M.P.: Tinha de estar numa certa posição o telemóvel, não é? Deitado só não serviria, não sei, a senhora é que sabe o tipo de móvel que tinha à sua frente.

Testemunha: Sim, eu pronto… não reparei, não olhei para o móvel onde estava a televisão…»

M. Relativamente ao local estrategicamente virado para a cama, qualquer pessoa que desconfiasse que o Recorrente e a Recorrida se poderiam envolver (por estes continuarem a relacionar-se) e quisesse tirar proveito disso, não teria outro lugar mais óbvio para colocar o aparelho de gravação de imagem, que não direcionado para a cama.

N. Relevante, outrossim, é o facto de que quando questionada a respeito de se ter ou não apercebido de alguma preocupação do Senhor A... no sentido de a recorrida estar em determinadas posições que pudessem facilitar a gravação, a mesma afirmou que não se apercebeu de nada. Com efeito, o mesmo se confirma a minutos 18:18 a 18:43 do depoimento da recorrida, gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui se transcreve:

«Advogado do Recorrente: Olhe e durante a situação em que se envolveram, em que estiveram lá em casa e se envolveram, havia por parte do Senhor A... alguma preocupação no sentido de a senhora, se é que se recorda, no sentido de a senhora estar em determinadas posições, que pudessem, agora que sabemos, que pudessem ser… facilitar a gravação ou foi… correu tudo, não se apercebeu disso?

Testemunha: Não me apercebi disso.»

O. Em terceiro lugar, também os factos 2, 6, 7, 9 e 10 foram erradamente dados como provados pois, nada nos autos permite afirmar que o arguido fez parte de um qualquer plano de extorsão e consequente devassa da vida privada.

P. Aliás, tal resulta do depoimento prestado pela C... – considerado “pormenorizado e esclarecedor” –, na sessão de julgamento de 20/03/2017 – na medida em que a mesma refere que foi a atual companheira do R. ( B... ) que a contactou e utilizou as imagens para através do anúncio da sua divulgação a levar a entregar-lhe 40 €, o que apenas não conseguiu porque a mesma não cedeu aos seus intentos, e por isso mesmo acabou por divulgar essas imagens no seu Facebook – que aqui se transcreve:

«Advogada da Recorrida: Sim. Mas a senhora dava-se bem com um e com outro?

Testemunha: Sim, falava com os dois. Entretanto ele convidou-me que eu fosse lá a casa e entretanto surgiu nós termos tido relações afetivas. Só que, no dia seguinte, a B... contactou-me que fosse lá a casa e então deu-me conhecimento…

Advogada da Recorrida: Contactou-a como? Peço desculpa.

Testemunha: Por via telefone.

Advogada da Recorrida: Por mensagem ou por... Por mensagem de voz ou por mensagem escrita?

Testemunha: Primeiro telefonou e disse que eu lá fosse e posteriormente trocou mensagens, não é? Cheguei lá e tomei conhecimento então que ele tinha filmado o nosso ato sexual sem o meu consentimento. Entretanto…

Advogada da Recorrida: Mas ela é que lhe disse?

Testemunha: Sim, ela mostrou-me.

Advogada da Recorrida: Mostrou-lhe como?

Testemunha: Ela mostrou-me no telemóvel dela, ela mostrou-me a filmagem que foi feita. E então exigia para que… houvesse o meu silêncio que eu desse dinheiro, pediu-me 40 euros.

Advogada da Recorrida: Mas silêncio como?

Testemunha: Que eu não falasse a ninguém… para que ela ficasse em silêncio… para que ela não divulgasse esse vídeo, para que ela não tivesse…

Advogada da Recorrida: Então ela disse-lhe que iria divulgar o vídeo, é isso?

Testemunha: Sim, sim, se eu não lhe desse 40 €. Eu como não cedi à chantagem dela, inclusive ela disse que ia não somente publicar no facebook como dar conhecimento ao meu filho para o pôr contra mim. Eu como não cedi à chantagem dela, ela logo de seguida publica no facebook.

Advogada da Recorrida: Publica esse filme?

Testemunha: Esse vídeo.» (faixa: 20170320111922_2683611_2870727; minutos 1:46 a 3:44)

Q. O mesmo resulta de minutos 06:52 a 08:03 do mesmo depoimento, em que a Recorrida confirma que as mensagens de telemóvel que recebeu foram enviadas pela arguida B... , que aqui se transcreve:

«Advogada da recorrida: e outra coisa, há aqui no processo umas folhas com suporte fotográfico de umas mensagens de telemóvel.

Testemunha: Sim, sim, sim.

Advogada da recorrida: A senhora ainda tem presente qual é o telemóvel dessa dona B... ?

Testemunha: olhe, o número… o número sei que termina em qualquer coisa 34 salvo erro, agora não tenho em memória o número completo do número de telefone. Sei que termina em qualquer coisa 34.

Advogada da recorrida: Ou será 24?

Testemunha: Ou 24, sei que termina em 4, ou 24 ou 34, não fixei o número completo.

Advogada da recorrida: Olhe eu pedia à senhora que visse se as mensagens que recebeu são as que estão no processo a fls. 11 e seguintes, embora eu presumo que a senhora tirou fotografia ao monitor do telemóvel.

Testemunha: Foi a PSP que tirou.

Advogada da recorrida: Que tirou.

Testemunha: Foi a PSP que fotografou o telemóvel.

Advogada da recorrida: Daqui há uma mensagem que diz «daqui e a B... », deverá querer dizer que «daqui é a B... »?

Testemunha: Certamente.»

E ainda, nos minutos 09:03 a 09:20 do supra referido depoimento, em que a Recorrida reconhece que o Recorrente nunca lhe pediu dinheiro, que aqui, mais uma vez se transcreve:

«Advogada da recorrida: Quanto é que lhe pediu essa dona B... ?

Testemunha: 40 euros

Advogada da recorrida: E o seu ex-companheiro ou seu ex-marido pediu-lhe alguma coisa?

Testemunha: Não, ele nunca me pediu dinheiro, ela foi a única pessoa que pediu dinheiro.»

R. Do mesmo modo, a minutos 17:33 a 18:17 do depoimento já em cima mencionado, a Recorrida afirma que tanto as exigências sobre valores como as mensagens que recebeu foram obra da Arguida B... que, por ser oportuno, aqui se passam a transcrever:

«Advogado do Recorrente: Portanto, exigências sobre valores, não recebeu nada do Senhor A... ?

Testemunha: Não, ele nunca me fez qualquer exigência.

Advogado do Recorrente: Não.

Testemunha: Ela sim.

Advogado do Recorrente: Olhe, e as tais mensagens que a senhora doutora do Ministério Publico, a senhora doutora procuradora lhe falou, eram do número que conhecia como sendo do senhor A... , a senhora tinha o número do senhor A... ?

Testemunha: Sim, mas o número… as mensagens que eu recebi eram do telemóvel dela e não do dele.

Advogado do Recorrente: Portanto, não eram de um número que associava a ele.

Testemunha: Não. Ela pressupostamente através do telemóvel dele obteve o meu número de telemóvel e então enviava as mensagens para mim.»

S. Além disso, acresce o facto de a própria testemunha (aqui Recorrida), a minutos 10:03 a 10:34 do seu depoimento, apenas supor que o Recorrente conhecesse a situação, como se pode confirmar na seguinte transcrição:

«Advogada da Recorrida: A senhora entretanto falou com o seu ex-marido relativamente à situação e ele mostrou-lhe conhecer a situação… ou como?

Testemunha: Quando eu perguntei o que é que se passava pelo facto de ela me estar a chamar ele disse apenas que eu lá fosse que ela não me iria fazer mal, não me disse mais nada.

Advogada da Recorrida: Então ele saberia porque é que ela o chamou.

Testemunha: Pressuponho.

Advogada da Recorrida: A senhora supõe isso não é? E depois ele estava lá quando a senhora lá chegou a casa?

Testemunha: Não.»

T. Da mesma forma, e relativamente ao crime de devassa da vida privada, mais uma vez, o Recorrente foi injustamente condenado pelo Meritíssimo Juiz a quo, na medida em que, e de novo, a própria queixosa e aqui Recorrida afirma que quem publicou o vídeo foi a Senhora B... , na sua conta, sendo que, para tal basta atentar a minutos 20:01 – 20:15 do depoimento da Recorrida, gravado na sessão de julgamento de 20/03/2017, que aqui, por último, se transcreve:

«Advogado do Recorrente: Outra coisa que eu lhe queria perguntar, quanto à publicação no facebook, foi no facebook de quem? Por intermédio da conta de quem? E no facebook de quem?

Testemunha: Ela é que publicou no facebook dela.

Advogado do Recorrente: Na conta dela?

Testemunha: Na conta dela.»

U. Posto isto, entende o Recorrente que, de toda a prova produzida no âmbito dos presentes autos e valorada em sede de Sentença recorrida, não se vislumbraram factos probatórios suficientes e concretos que permitissem dar como provada a factualidade apurada que fundamentou a sentença ora recorrida no que concerne aos crimes que lhe são imputados.

V. Por tudo quanto ficou escrito, terá a decisão recorrida, no que toca à factualidade provada sobre que supra nos debruçamos, ser alterada, passando os factos dados como provados 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 a constar da matéria de facto dada como não provada.

W. Caso V. Exas. considerem procedente a impugnação da matéria de facto efetuada, como consequência, terão de determinar a absolvição do Recorrente.

X. Mesmo que este Venerando Tribunal ad quem considere que a matéria de facto dada como provada em 1ª instância não merece reparo, o que só se admite por mera necessidade de raciocínio, ainda assim se dirá que a pena é demasiado severa e desproporcional atenta a factualidade considerada pelo que, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal.

Y. Ademais, a pena que lhe foi imposta mostra-se desajustada por não haver sido considerada a sua imputabilidade diminuída, por critérios de diagnóstico de Alteração de Personalidade Boirder-Line, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica e de Medicação (cfr. doc. 1), reduzindo a sua culpa (sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – art. 40.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.), circunstância que justifica o uso do instituto da atenuação especial da pena.

Z. No sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pode ler-se o seguinte: «O crime de devassa da vida privada não consome o de gravação ilícita de imagens, na medida em que este foi praticado num momento muito anterior, com vista à extorsão, sendo que a divulgação surgiu apenas na sequência do malogro da extorsão, ou seja, o registo das imagens não foi efectuado visando a devassa.» Pelo que, a sentença erra, porquanto o crime de gravações e fotografias ilícitas se encontra em relação de concurso aparente com o crime de extorsão e não com o crime de devassa da vida privada.

SEM PRESCINDIR,

AA. No seguimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07P1231, de 17/05/2007, refere-se que, «no que diz respeito ao crime de devassa da vida privada (…) No que concerne à qualificativa a mesma encontra-se consumida pelo crime de extorsão na forma tentada.» Ora, esta situação é semelhante ao caso em apreço pois, é mesmo referido na sentença que os arguidos, apenas publicaram o vídeo no facebook porque a queixosa não cedeu aos seus intentos (de entregar o dinheiro). Pelo que errou a sentença ao condenar o Recorrente em concurso efetivo de um crime de extorsão simples, na forma tentada e de um crime de devassa da vida privada agravada, quando deveria ter sido em concurso aparente, pois o segundo crime encontra-se consumido pelo primeiro.

Termos em que,

Deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar- se a sentença recorrida.

Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada JUSTIÇA.


*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1º – Inexiste qualquer nulidade;

            2º – Inexiste qualquer erro de julgamento na apreciação da prova produzida em julgamento;

            3º – Nunca ficou o tribunal em estado de dúvida razoável que pudesse fazer funcionar o princípio «in dubio pro reo»;

            4º – Inexistem vícios do artigo 410º/2 do CPP;

5º – Foi ajustada a tese do concurso efectivo entre os dois crimes em causa;

6º – Foi justa e adequadamente condenado – sem apelo à figura da atenuação especial – o arguido pela prática dos crimes constantes da douta acusação pública.


III

Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada JUSTIÇA!

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a resposta do Ministério Público, expressando o entendimento de não ser obrigatória a realização de relatório social, de não existir erro na apreciação da prova, de ser correcta a qualificação jurídica efectuada na sentença, de ser adequada a pena fixada, e concluiu pela improcedência do recurso.

*

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A irregularidade / nulidade decorrente de não ter sido junto aos autos o relatório social solicitado à autoridade policial;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- A errada qualificação jurídica;

- A atenuação especial da pena;

- A excessiva medida da pena.


*

Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. O arguido foi casado com C... , tendo o casamento findado e vivendo o arguido à data dos factos com a arguida, B... .

2. Conceberam os arguidos um plano para obterem proventos ilícitos à custa da C... , para tanto obtendo e anunciando à mesma divulgar imagens suas em actos sexuais explícitos.

3. Em execução de tal plano, o arguido, a 5 de Fevereiro de 2016, pelas 22:00 horas, encontrou C... e convenceu-a a subir consigo a sua casa, no (...) , a pretexto de irem tomar café.

4. Haviam os arguidos instalado, em sua casa, um gravador de imagem, colocado em local estrategicamente virado para uma cama, tendo accionado o mecanismo de gravação de imagem.

5. Em casa dos arguidos, o arguido A... e a C... mantiveram uma relação sexual, na cama, que foi, assim, totalmente gravada pelo aparelho colocado no local pelos arguidos, nela aparecendo a C... em diversas poses e despida ou parcialmente despida, sendo visível a sua cara e o que estava a fazer.

6. Na posse de tal gravação, começaram os arguidos a contactar a C... , dizendo-lhe que colocariam o vídeo no “Facebook” caso a mesma não lhes desse € 40 ou ameaçando que revelariam o conteúdo do vídeo ao filho da mesma, D... .

7. Como a C... não acedeu aos intentos dos arguidos, estes, a 24 de Fevereiro de 2016, pelas 15:58 horas, colocaram o vídeo gravado a 5 de Fevereiro na rede social “Facebook”, na página da arguida B... , com a legenda “traída pela mãe do meu afilhado D... ”.

8. Tal vídeo apenas foi retirado da rede social por acção da C... , que o denunciou aos administradores do “Facebook”.

9. Os arguidos actuaram, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, em execução de plano previamente delineado entre ambos (de obterem imagens da C... em actos sexuais sem o seu consentimento, de depois as utilizarem para através do anúncio da sua divulgação levarem a C... a entregar-lhes dinheiro, o que apenas não conseguiram porque a mesma não cedeu aos seus intentos e de, finalmente, divulgarem tais imagens, da intimidade da visada e seriamente prejudiciais para a sua dignidade, honra e imagem, em meio facilmente conhecido por múltiplas pessoas, suas conhecidas e desconhecidas);

10. Bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

[Elementos pessoais dos arguidos:]

11. O arguido encontrava-se a 23.06.2016 desempregado, auferindo € 180,99 mensais a título de RSI; vivia com a companheira, em casa arrendada;

12. Foi condenado,

a 29.11.1984, pela prática de um crime de roubo, em 3 anos de prisão efectiva – perdoado um ano de prisão;

a 15.05.1984, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, em 30 dias de multa, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos – extinta;

a 05.06.1989, pela prática, a 15.12.1982, de um crime de roubo, em 1 ano de prisão efectiva – perdoada;

a 05.11.1990, pela prática, a 21.04.1983, de um crime de furto simples, em 14 meses de prisão efectiva (cúmulo englobando a anterior pena) – perdoado um ano de prisão;

a 24.06.1991, pela prática, a 27.06.1988, de um crime de deserção, em 2 anos de presídio militar – parcialmente perdoada;

a 01.12.1993, pela prática, a 01.12.1993, de um crime de condução sem carta, em 20 dias de multa – extinta;

a 12.07.1994, pela prática, a 22.01.1992, de um crime de deserção, em 1 ano de prisão – perdoada;

a 29.01.2003, pela prática, a 09.12.2000, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, em 13 meses de prisão – extinta pelo cumprimento;

a 21.01.2005, pela prática, a 08.03.2002, de um crime de receptação, em 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com sujeição a deveres, prorrogada por um ano – revogada a suspensão e determinado o cumprimento da pena de prisão efectiva;

a 04.03.2005, pela prática, a 08.09.2003, de um crime de subtracção de menor, em 140 dias de multa;

a 04.12.2009, pela prática, a 07.10.2008, de crime de roubo, a 11.10.2008, de um crime de roubo, e a 24.10.2008, de dois crimes de roubo, em 6 anos de prisão (pena única).

13. A arguida encontrava-se a 23.06.2016 desempregada e a viver com o arguido, auferindo € 180,99 de RSI;

14. Foi condenada, a 01.06.2016, pela prática, a 29.11.2015, de crime de ameaça agravado, em 90 dias de multa;

a 19.07.2016, pela prática, a 06.07.2016, de crime de furto simples, em 100 dias de multa.

(…)”.

B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

Convicção do tribunal:

Foram determinantes para a fundamentar:

Factos 1.º a 8.º: O depoimento preciso, pormenorizado e esclarecedor, da testemunha, C... , visada/lesada – que confirmou todo esse circunstancialismo, precisando que as mensagens que recebeu foram do telemóvel da arguida mas esta obteve o seu número através do arguido, que estava conivente e a par de toda a situação, porque quando a arguida a chamou a casa para lhe exibir o vídeo ele lhe disse que podia ir, que não lhe ia fazer mal –, complementado pelo teor incontornável dos docs. de fls. 10 a 14 (fotos tiradas ao telemóvel da visada com as mensagens enviadas pela arguida, de onde resulta a chamada a sua casa e a imposição da entrega de dinheiro com a chantagem de mostrar o vídeo ao filho), 15 (a publicação do vídeo na página de Facebook da arguida) e 17 e 18 (fotos retiradas da gravação de vídeo, onde se vislumbra o arguido a olhar directamente para a câmara que filma, antes do acto, prática do acto, e o local estratégico de colocação do gravador de imagem), que não nos deixam qualquer dúvida sobre a participação do arguido (em conluio com a arguida) em toda a artimanha – que começou com o convite “inocente” do mesmo para a visada ir lá tomar café, para daí passar ao acto sexual (se o arguido não fizesse parte do estratagema por que razão estava o aparelho a gravar imagens precisamente direccionado para o local onde convidou a visada para o acto sexual?) e posterior menção dirigida à lesada de que podia ir lá a casa (para lhe exibirem o vídeo), que não lhe iam fazer mal –, nos termos dados por assentes, prova essa que não foi objecto de qualquer refutação, nem por parte dos arguidos (que nem se dignaram comparecer em audiência);

9.º e 10.º: Presunção natural – atenta a idade dos arguidos, experiência vivencial e criminal respectiva e experiência de vida e da normalidade das coisas;

11.º e 13.º: O teor dos docs. de fls. 23 e 25, 27 e 29 (TIR dos arguidos e declaração sobre a respectiva situação económica, subscrita por cada um) que, na ausência de outros elementos mais consistentes, se consideraram atendíveis;

12.º e 14.º: O teor dos docs. de fls. 78/9 e 82 a 90 (CRC dos arguidos, de onde resultam os elementos referenciados).

            (…)”.


*

Da irregularidade/nulidade decorrente de não ter sido junto aos autos o relatório social solicitado à autoridade policial

1. Alega o recorrente – conclusões B a F – que tendo o Mmo. Juiz solicitado à autoridade policial a realização de relatório sobre a situação profissional, rendimento líquido mensal, agregado familiar e respectivas despesas, dos arguidos, tal relatório não se mostra junto o que, configurando mera irregularidade, pode no entanto, existindo insuficiência de matéria de facto para a decisão quanto a tal matéria, dar origem a nulidade da sentença por falta de fundamentação, acrescendo que o relatório geral de informação clínica ora junto e que configura um parecer técnico, refere a sua [do recorrente] personalidade borderline, associada a síndrome de dependência alcoólica e de medicação, comprovando a necessidade acrescida do relatório social.

Vejamos.

Como consta da acta da audiência de julgamento de 20 de Março de 2017 [fls. 94 a 95], os arguidos não compareceram à referida diligência, apesar de regularmente notificados para o efeito, tendo então sido decidido iniciá-la por não se considerar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início e, produzida a prova – que se resumiu ao depoimento da ofendida – e feitas as alegações orais, foi proferido o seguinte despacho:

Solicite-se à autoridade policial competente o habitual relatório sobre elementos pessoais dos arguidos, designadamente, a situação profissional, rendimento líquido mensal auferido, com quem vivem, despesas com habitação e habilitações literárias, que deverá ser enviado aos presentes autos até ao dia 29/03/2017.

Para a publicação da sentença designa-se o dia 30 de Março de 2017, pelas 16 horas.    

Condenam-se os arguidos A... e B... , em 2 (duas) UC, cada, pela falta injustificada (artigo 116º, nº 1 do CPP).

No dia 30 de Março de 2017 a Polícia de Segurança Pública informou [fls. 98 a 99] que os arguidos não moram na morada indicada há mais de seis meses, sendo desconhecido o seu paradeiro, não tendo sido elaborado o solicitado relatório nem a solicitada notificação.

A alínea g) do art. 1º do C. Processo Penal define Relatório social como a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei, e a alínea h) do mesmo artigo define Informação dos serviços de reinserção social como a resposta a solicitações concretas sobre a situação pessoal, familiar, escolar, laboral ou social do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com vista ao objectivo referido na alínea anterior, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei.

Por sua vez, dispõe o nº 1 do art. 370º do C. Processo Penal que, o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.

Começamos por notar que o relatório solicitado no despacho proferido na audiência de julgamento 20 de Março de 2017, supra, transcrito, não é subsumível às categorias definidas nas alíneas g) e h) do art. 1º do C. Processo Penal, porque a Polícia de Segurança Pública é um órgão de polícia criminal e não, um serviço de reinserção social. 

Em todo o caso, a realização de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, como é entendimento maioritário, não é uma diligência obrigatória, apenas devendo ser determinada quando se torne necessária para a correcta determinação da pena ou da medida de segurança a aplicar (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1151 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 913).

Quando a realização do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social seja relevante para a boa decisão da causa, a sua omissão constitui uma irregularidade, sujeita ao apertado regime de arguição previsto no art. 123º, nº 1 do C. Processo Penal.

Não obstante, se na decorrência desta omissão, se verificar um vazio na matéria de facto, determinante do vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, a irregularidade acaba por, indirectamente, poder determinar o reenvio do processo.

Dito isto.

O Mmo. Juiz a quo pretendia, através do solicitado relatório, obter informação sobre a inserção social, laboral e familiar dos arguidos de forma a fazê-la constar da matéria de facto provada da sentença, por ser relevante para a escolha e determinação da medida concreta da pena a aplicar. O relatório não foi elaborado porque os arguidos estavam, então, com paradeiro desconhecido.

No entanto, consta dos pontos 11 e 13 dos factos provados da sentença a matéria que, através do dito relatório, se pretendia averiguar. Na motivação de facto o Mmo. Juiz a quo explicou as razões da formação da sua convicção quanto a tal matéria. E foi também com base nesta matéria de facto, que foram escolhidas e concretamente determinadas as penas decretadas.

Assim, a sentença recorrida não enferma, quanto a este concreto aspecto, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. E por outro lado, o recorrente, na impugnação ampla da matéria de facto que deduziu, não impugnou o ponto 11 dos factos provados.

Aliás, através da invocada irregularidade/nulidade, o recorrente introduziu o, por si denominado, Relatório geral de informação clínica, que qualificou como parecer técnico, para justificar a tempestividade da sua junção na fase de recurso, a fim de suscitar a questão da imputabilidade diminuída.   

Acontece que o Relatório Geral junto a fls. 141, do CHUC, E.P.E, Hospital (...) – Consulta, datado de 24 de Abril de 2017, subscrito por um médico psiquiatra, e relativo ao recorrente, não é, evidentemente, um parecer técnico, mas uma mera Informação Clínica [como dele, expressamente, consta], onde se afirma, para o que agora releva, que o recorrente «(…) tem observação nesta unidade, por critérios de diagnóstico de Alteração de Personalidade Border-Line, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica (em remissão actual, segundo refere), e de Medicação (Benzodiazepinas), tendo sido inicialmente observado em 08/06/2015 e em 23/09/2015, e de novo nesta presente data, estando actualmente medicado com Lorazepam 2,5 mg com abuso da dosagem, e com Diplexil 500 2id. bem tendo falta de cumprimento regular do seu seguimento, e tendo factores de stress psicossociais associados, como situação de desemprego, pelo que vai ser remarcada data de próxima consulta para 28/06/2017, nesta unidade, sendo pedido Exame Complementar de esclarecimento. (…)». 

Enquanto informação clínica, trata-se de um mero documento, de um meio de prova. Sucede que o art. 165º, nº 1 do C. Processo Penal fixa como derradeiro momento para a junção de documentos em processo penal, o encerramento da audiência em 1ª instância (cfr. neste sentido, entre muitos, Ac. do STJ de 20/02/2008, processo nº 07P4838 in, www.dgsi.pt). E isto porque os recursos visam exclusivamente o reexame e eventual modificação das questões conhecidas na decisão impugnada e não, criar decisões sobre questões novas, tendo tal reexame que ser efectuado à luz dos meios de que dispôs o tribunal a quo para decidir.

Quando a 1ª instância decidiu a matéria de facto, fê-lo com base nos meios de prova que imediou na audiência ou pôde analisar, por constarem já do processo. Entre esses meios de prova não se contava, até porque foi emitido em data posterior à da publicitação da sentença recorrida, a referida informação clínica [argumento que tão-pouco é invocável, in casu, porque a informação foi emitida no preciso dia em que o recorrente retomou as consultas no Hospital (...) , depois de aí ter sido consultado, pela última vez, em 23 de Setembro de 2015, pelo que lhe era perfeitamente possível obter atempadamente informação idêntica] a qual não pode, pelas sobreditas razões, ser considerada no recurso.

Em conclusão do que fica dito, improcede a invocada irregularidade/nulidade, por falta de relatório social.


*

Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

2. Alega o recorrente – conclusões G a V – que foram incorrectamente julgados os pontos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, por erro de julgamento, face ao teor do depoimento da ofendida, nos segmentos transcritos, devendo, em consequência, passarem a factos não provados. No corpo da motivação o recorrente avançou argumentação visando demonstrar as razões pelas quais os segmentos do depoimento transcritos demonstram a incorrecção do julgado.

Vejamos.

A lei atribui ao recorrente exclusiva competência para a fixação do objecto e limites do recurso, sujeitando-o, para tanto – art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal –, à observância do ónus de uma tripla especificação: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio]. A este ónus acresce uma outra exigência legal quando as concretas provas especificadas sejam prova por declarações gravadas. Quando tal sucede, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, com a concreta indicação das passagens em que o recorrente funda a impugnação.

Em termos formais, todas estas especificações devem constar ou poder ser deduzidas das conclusões apresentadas no recurso (cfr. art. 417º, nº 3 do C. Processo Penal).

Porém, para a procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, não basta que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, não basta contrapor à convicção do juiz outra convicção diversa. É que o tribunal decide, ressalvados os casos de prova tarifada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes], sendo por isso necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida isto é, sendo necessária a demonstração de que a convicção expressa na motivação de facto da sentença quanto aos pontos de facto impugnados, é impossível e/ou desrazoável. E, como não podia deixar de ser, a demonstração desta imposição de decisão diversa, recaí também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 1135).

O recorrente identificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, identificou o meio de prova que considera impor decisão diversa, o depoimento da ofendida e relacionou o seu conteúdo específico, transcrevendo o respectivo segmento e deduzindo argumentação demonstrativa do seu ponto de vista, relativamente a cada ponto ou conjunto de pontos, impugnados, pelo que, mostrando-se satisfatoriamente cumprido o ónus referido, nada obsta ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida, com o objecto e limites que lhes assinalou, acabados de sintetizar.

Dito isto.

2.1. O recorrente impugna o ponto 3 dos factos provados [Em execução de tal plano, o arguido, a 5 de Fevereiro de 2016, pelas 22:00 horas, encontrou C... e convenceu-a a subir consigo a sua casa, no (...) , a pretexto de irem tomar café.] alegando resultar do depoimento da ofendida que a não convenceu a subir consigo a casa, uma vez que esta aí chegou sozinha.

A Relação ouviu o registo gravado do depoimento da testemunha C... , ofendida nos autos que afirmou ter sido convidada pelo recorrente para ir a casa deste onde, depois, tiveram relacionamento sexual e, de forma coincidente com o segmento transcrito no corpo da motivação, descreveu o sucedido por referência ao filme que depois visionou, dizendo que viu o recorrente a telefonar para si, que depois se vê a si própria chegar a casa do recorrente, e depois se vê o desenrolar da situação, sendo pois inquestionável que, na versão da testemunha, única nos autos – e não existe versão de qualquer dos arguidos porque não compareceram na audiência de julgamento – a convite telefónico do recorrente, foi sozinha, encontrar-se com este na sua, dele, residência, mas não sendo feita qualquer referência ao pretexto do café.

Significa isto que, sem prejuízo do que adiante de dirá quanto à execução do plano conjunto, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o ponto de facto sindicado não deve passar a ponto de facto não provado, mas deve sofrer um ajustamento, se bem que irrelevante, na respectiva redacção.

Assim, o ponto 3 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- Em execução de tal plano, o arguido, a 5 de Fevereiro de 2016, pelas 22:00 horas, convenceu a C... a ir ter consigo a sua casa, no (...) , (...) .       

2.2. O recorrente impugna o ponto 4 dos factos provados [Haviam os arguidos instalado, em sua casa, um gravador de imagem, colocado em local estrategicamente virado para uma cama, tendo accionado o mecanismo de gravação de imagem.] sem, contudo, impugnar o ponto 5 dos mesmos factos, alegando ter sido erradamente considerado provado que, mancomunado com a arguida, instalou no quarto um gravador de imagens e accionou o seu funcionamento, quer porque tal não permite o depoimento da ofendida, quer porque o seu ‘olhar’ para a câmara, referido pelo Mmo. Juiz a quo na motivação de facto, não pode, nas descritas circunstâncias, ter o sentido que lhe foi atribuído, tanto mais que a ofendida declarou não se ter apercebido da câmara, nem ter reparado em alguma preocupação especial do recorrente para que, durante o acto sexual gravado, se colocasse em determinadas posições, facilitadoras da gravação. 

Aqui, como se vê, o recorrente não aponta já a existência de um erro na apreciação da prova [v.g., a testemunha disse efectivamente uma coisa e o tribunal considerou provada outra coisa], mas atribui uma distinta interpretação à dada pelo tribunal recorrido a determinados factos indiciários ou seja, pretende substituir a convicção alcançada pelo julgador pela sua própria convicção e por esta via, modificar a decisão da matéria de facto. Impõe-se, pois, ter presente o que segue.

No julgamento da matéria de facto vigora o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art. 127º do C. Processo Penal). A lei dispõe diferentemente, nos casos de prova legal designadamente, a prova pericial (cfr. art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal). Já as regras da experiência, na lição de Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, II, pág. 30), são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade ou, dito de outra forma, são as regras que exprimem aquilo que sucede na maior parte dos casos semelhantes (cfr. Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Julgar, 17, Maio – Agosto de 2012, pág. 24).

A apreciação da prova compete exclusivamente à entidade que julga. Mas a livre convicção que constitui o seu elemento nuclear, não significa que o julgador a possa valorar orientado por um convencimento exclusivamente subjectivo. A valoração da prova não é mero arbítrio, antes exige do juiz uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos declarantes e depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.

Na execução desta tarefa, para além da actividade meramente cognitiva, concorrem elementos subjectivos, v.g., intuição do julgador (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, 2004, Coimbra Editora, pág. 205), devendo resultar da sua conjugação uma convicção, ainda assim, objectivável e motivável, únicas características que permitem que a decisão se imponha, dentro e fora do processo. A convicção probatória será então o fruto da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida perante o tribunal [relevando quanto a ela, designadamente, a razão de ciência de declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, os sinais e reacções comportamentais revelados, e a coerência do seu raciocínio].

A conjugação dos meios de prova, especialmente, dos meios de prova por declarações, só pode ser realizada, no grau desejável, através da imediação e da oralidade da prova. Somente o contacto directo do julgador com a prova, o coloca nas condições ideais para proceder, primeiro, à sua avaliação individual, e depois, à sua avaliação global e daí retirar a sua convicção.

Vigorando o princípio da livre apreciação da prova vigora em todas as instâncias que conhecem de facto, na fase do recurso a sua aplicação depara com dificuldades acrescidas, causadas pela substancial diferença entre a valoração da prova por declarações que pode ser feita pela 1ª instância e a apreciação que sobre ela pode ser feita pelo tribunal ad quem, limitado que está à audição – mais raramente, à visualização – das passagens concretamente indicadas pelos intervenientes processuais e de outras que, eventualmente, considere relevantes.

Por ser este o procedimento a observar – audição dos registos gravados –, as limitações que dele decorrem determinam que o tribunal de recurso não possa apreender parte substancial dos elementos enunciados, impossíveis de captar, ao menos na sua plenitude, no registo áudio, elementos que, no entanto, foram, ou podiam ter sido, apreendidos, interiorizados e valorados, na sua globalidade, por quem os presenciou ou seja, pelo juiz do julgamento. E é esta a razão fundamental para que, como vem sendo entendido, quando a 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova por declarações, fundando a opção tomada na imediação, a Relação só a deva censurar, quando seja feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade ou viola as regras da experiência comum.

Dito isto.

É verdade, como afirma o recorrente, que a ofendida, a perguntas da Digna Magistrada do Ministério Público disse que não se apercebeu se no móvel onde se encontrava a televisão se encontrava algum telemóvel e também não percebeu se, durante o acto sexual, o recorrente se preocupava com a posição da testemunha. Porém, tendo a testemunha afirmado, repetidamente, que nunca consentiu na filmagem feita, e não havendo qualquer razão objectiva para não aceitar esta afirmação, muito estranho seria que, nas descritas circunstâncias, tivesse reparado na existência de um telemóvel ou de qualquer outro aparelho, apto a fazer o filme. É que, para além de o recorrente e a testemunha se proporem, no início, e depois, levarem a efeito, trato sexual, quando eram ex-cônjuges e o recorrente vivia já com a arguida o que, dada a aparente clandestinidade da relação, não tornaria expectável que a testemunha pudesse, pelo menos, suspeitar, de que iria ser filmada, certamente que o equipamento usado para fazer o filme estava escondido, de forma a não ser facilmente detectado por aquela.

Acresce que, dado o posicionamento do equipamento e o ângulo da cama [ou peça de mobiliário equivalente] que abarcava [toda a ‘cabeceira’, como resulta dos fotogramas de fls. 17 e 18], o que não terá deixado de ser previamente testado, é evidente que nenhuma preocupação de maior poderia ter o recorrente quanto à posição da testemunha na prática dos actos sexuais, uma vez que era seguro que os dois ficariam reconhecíveis no filme.

Por outro lado, a ofendida, no depoimento prestada, de novo a perguntas da Digna Magistrada do Ministério Público, começou por dizer que no dia seguinte ao do relacionamento sexual a arguida lhe telefonou a dizer para ir lá a casa e depois, insistiu por mensagens e, tendo lá ido, tomou conhecimento de que ele tinha filmado o acto sem o seu conhecimento quando aquela lhe mostrou o filme, para mais adiante acrescentar que quando a arguida a chamou a casa, falou primeiro com o arguido que lhe disse para ir que ela não lhe faria mal. Perante isto, sem esquecer que os arguidos eram, então, companheiros, e que o recorrente e a testemunha são ex-cônjuges, é mais do que razoável concluir que, mostrando os fotogramas de fls. 17 o recorrente, em dois distintos momentos, a fixar com o olhar o ponto onde se encontra o equipamento de filmagem, o recorrente sabia que ali se encontrava tal equipamento, que por si ou pela arguida, de comum acordo com o outro, ou por ambos, ali havia sido instalado e colocado em funcionamento, aguardando a chegada da ofendida.

Na verdade, a versão levada aos factos provados mostra-se suportada pela prova produzida e valorada pelo Mmo. Juiz a quo, não se mostra carecida de razoabilidade nem violadora de qualquer regra de normalidade, nem foi minimamente beliscada por qualquer outra versão do sucedido, na medida em que, nem o recorrente, nem a co-arguida, trouxeram aos autos qualquer outra explicação para o sucedido.

Em suma, mantém-se o ponto 4 dos factos provados nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

2.3. O recorrente impugna os pontos 2, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados [relativos ao plano de extorsão, ao seu fracasso pela resistência da ofendida e à publicação da gravação do acto sexual na conta do facebook da arguida] alegando que nada permite afirmar a sua participação num plano de extorsão e na sequente devassa da vida privada da ofendida, quer porque esta, no seu depoimento, afirmou que foi a arguida que a contactou, lhe exigiu dinheiro para não divulgar o filme, e como lho recusou, colocou as imagens na sua conta do facebook, quer porque a ofendida afirmou que as mensagens enviadas para o seu telemóvel o foram pelo telemóvel da arguida, quer porque a ofendida afirmou que o recorrente nunca lhe exigiu dinheiro, quer porque a ofendida apenas supôs que o recorrente tivesse conhecimento da situação.  

Mais uma vez não está em causa a existência de um erro na apreciação da prova, em função do que a testemunha disse e o tribunal recorrido considerou provado, mas a pretensão do recorrente modificar a decisão de facto, substituindo a valoração probatória feita pelo tribunal recorrido pela sua própria valoração, o que torna integralmente aplicáveis as considerações feitas em 2.2., que antecede, e aqui se dão por integralmente reproduzidas, evitando desnecessárias repetições.

Assim, resta dizer que a ofendida efectivamente referiu que apenas a arguida lhe exigiu dinheiro para que não fosse divulgado o filme realizado, que apenas a arguida lhe enviou mensagens para o telemóvel, exigindo o dinheiro e que o filme foi divulgado na conta de facebook da arguida e de lá retirado, após queixa apresentada pela própria ofendida, mas daí não resulta a subjectiva convicção do recorrente. Com efeito, a ofendida também disse, correndo o risco de nos repetirmos, que quando foi a casa dos arguidos, convocada pela arguida, tomou então conhecimento de que o arguido tinha filmado o acto sexual, e que antes de aí ir, falou com o arguido dando-lhe conhecimento da convocatória da arguida, tendo-lhe o arguido dito que poderia ir porque ela não lhe faria mal, o que significa que a ‘suposição’ da ofendida não o era, de facto.

Ora, se o recorrente se dispôs, intencionalmente e em comunhão de esforços com a arguida, de quem era, então, companheiro, a efectuar a filmagem da relação sexual em que participou com a ofendida, embora seja esta quem, depois, surge a exigir dinheiro à ofendida e depois, a publicitar o filme realizado na sua conta do facebook, não deixa de ser razoável e conforme as regras de normalidade, que a actuação em comunhão de esforços dos membros do casal se prolongasse à exigência do dinheiro e à publicação do filme, para além do que, também aqui nenhum dos arguidos apresentou outra versão dos acontecimentos.

Em suma, mantêm-se os pontos 2, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados dos factos provados nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.


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            Da errada qualificação jurídica

            3. Alega o recorrente – conclusões Z e AA – que a sentença errou porque o crime de gravações e fotografias ilícitas está em concurso aparente com o crime de extorsão e não, com o crime de devassa da vida privada, invocando em abono da alegação o acórdão da R. de Lisboa de 31 de Janeiro de 2007 [apenas sumariado em www.dgsi.pt], e que este está em concurso aparente com o crime de extorsão, pelo que, novamente errou a sentença ao condená-lo, em concurso efectivo, por estes dois crimes, invocando em abono da alegação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2007, proferido no processo nº 07P1231, in www.dgsi.pt, que negou provimento ao recurso interposto do identificado acórdão da relação.

            Na sentença em crise, como dissemos, entendeu-se existir um concurso aparente entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada agravado, e um concurso efectivo entre o crime de extorsão na forma tentada e o crime de devassa da vida privada agravado. 

            Cumpre desde já referir que o sumário do acórdão da R. de Lisboa e o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, identificados, permitem a inequívoca conclusão de que a 1ª instância, a 2ª instância e o nosso mais Alto Tribunal entenderam qualificar os factos que constituíam o objecto do processo como um concurso efectivo dos crimes de extorsão na forma tentada, de devassa da vida privada e de gravações e fotografias ilícitas [integrando ainda no concurso, um crime de burla qualificada].

            O crime de devassa da vida privada, previsto no art. 192º do C. Penal, tutela o bem jurídico privacidade em sentido material, enquanto o crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto no art. 199º do mesmo código, tutela os bens jurídicos direito à palavra e direito à imagem.

            Não obstante a autonomia dos bens jurídicos tutelados por cada uma destas incriminações, entende Costa Andrade que, em princípio, deverá considerar-se a existência de um concurso aparente (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 1066). Já Paulo Pinto de Albuquerque entende que o crime de gravações e fotografias ilícitas é subsidiário em relação ao crime de devassa da vida privada (cfr. Comentário do Código Penal, 3ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 757).

            Cremos que, se em regra, deve ser considerada a existência de um concurso de normas, quando a filmagem ilícita é feita para permitir a devassa da intimidade, os crimes estão numa relação de concurso aparente. Porém, quando, como acontece nos autos, a filmagem ilícita é efectuada, não para devassar a intimidade da ofendida, mas para lhe extorquir dinheiro, e só porque esta não fez o pagamento pretendido, frustrando a extorsão, é que o filme é, posteriormente, publicitado numa rede social, devassando a sua intimidade, deve entender-se, como o fizeram os acórdãos em referência, a existência de um concurso real entre o crime de gravações e fotografias ilícitas e o crime de devassa da vida privada.     

            Outro foi, porém, o entendimento do tribunal a quo, e como apenas o recorrente impugnou a sentença em crise – apesar de não se perceber a razão da crítica ao entendimento seguido na decisão, posto que só o beneficia – mantem-se, quanto a este aspecto, inalterado o decidido.

            Contudo, cremos que já assiste razão ao recorrente quando pretende que não devia ter sido considerada, relativamente ao crime de devassa da vida privada a circunstância prevista na alínea a) do art. 197º do C. Penal. Explicando.

            Tutelando os bens jurídicos património e liberdade de decisão, a extorsão é um crime comum, de dano, de execução vinculada e de resultado, que tem como elementos constitutivos do respectivo tipo (art. 223º, nº 1 do C. Penal):

[Tipo objectivo]

- O emprego pelo agente de violência ou de ameaça com mal importante;

- O constrangimento, através da violência ou da ameaça, à disposição patrimonial ou seja, o nexo de causalidade ou de adequação entre estas [violência ou ameaça] e a disposição patrimonial; 

- Que a disposição patrimonial constitua um enriquecimento ilegítimo ou um prejuízo;

[Tipo subjectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade;

- O dolo específico, a intenção de o agente conseguir, para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo.

O enriquecimento ilegítimo, através da disposição patrimonial, entendido como aquele que não corresponde a qualquer direito, é portanto, um elemento constitutivo do tipo do crime.

Por seu turno, a alínea a) do art. 197º do C. Penal agrava a moldura penal aplicável ao crime de devassa da vida privada, quando tenha sido praticado para obter recompensa ou enriquecimento. Como se vê, na agravação, não é feita a distinção entre enriquecimento legítimo e enriquecimento ilegítimo.   

Deste modo, porque o enriquecimento [ilegítimo] integra o tipo do crime de extorsão, usar o mesmo enriquecimento para preencher a agravação do crime de devassa da vida privada significaria uma dupla valoração da mesma circunstância. 

Em conclusão do que fica dito, o recorrente e a co-arguida – esta, nos termos do art. 402º, nº 2, a) do C. Processo Penal – deverão ser condenados pela prática, em concurso real, de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, a) e b) e 223º, nº 1 do C. Penal e de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192º, nº 1, b) do mesmo código.


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            Da atenuação especial da pena

            4. Alega o recorrente – conclusão Y – que a pena decretada se mostra desajustada por não ter sido considerada a sua imputabilidade diminuída por critérios de diagnóstico de Alteração de Personalidade Boirder-Line, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica e de Medicação, reduzindo a sua culpa. No corpo da motivação, invocando o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2012 (processo nº 525/11.2PBFAR.S1), faz equivaler os pressupostos da imputabilidade diminuída aos que o art. 20º do C. Penal prevê para a inimputabilidade mas, considerando que a imputabilidade diminuída corresponde a uma diminuição da capacidade de avaliação da ilicitude do facto e de determinação de acordo com essa avaliação, conclui que ela deverá, em princípio, reflectir um menor grau de culpa.

A conclusão a que chega o recorrente é, obviamente, correcta mas parte de uma premissa errada qual seja a de não se encontrar provada a sua imputabilidade diminuída uma vez que ela, embora se traduza, verdadeiramente, numa conclusão de facto, não consta da matéria de facto provada da sentença recorrida.

No ponto 1 que antecede já nos referimos à extemporaneidade da junção pelo recorrente do documento de fls. 141 ou seja, do Relatório Geral do CHUC, E.P.E, Hospital (...) – Consulta, datado de 24 de Abril de 2017, subscrito por um médico psiquiatra, e do seu conteúdo.

Por ser extemporânea a junção, o documento não pode ser atendido. Mas ainda que assim não fosse, também não assistiria razão ao recorrente.

Em primeiro lugar cumpre notar que o recorrente foi ouvido no inquérito e nunca referiu a existência de qualquer problema de saúde ou de adição. Foi notificado da acusação e não suscitou a questão como meio de defesa pois, nem sequer apresentou contestação. Foi notificado da data designada para julgamento e a este não compareceu. Proferida a sentença condenatória em 30 de Março de 2017, ocorreu-lhe então retomar a consulta de Adições do Hospital Sobral Sid em 24 de Abril de 2017, consulta onde tinha estado pela última vez em 23 de Setembro de 2015, e solicitar a declaração que constitui o referido Relatório Geral.

Depois, e o que é mais relevante, contrariamente ao que o recorrente pressupõe, o diagnóstico de Alteração de Personalidade Borderline, associada a Síndrome de Dependência Alcoólica e de Medicação não significa uma necessária imputabilidade diminuída, mas apenas um distúrbio de personalidade associado a frequentes e repentinas alterações de humor, passando de um estado de angústia, irritação e apatia a um estado de energia e euforia, associado a dependência de álcool e de calmantes.  

Em conclusão, o recorrente não tem imputabilidade diminuída e não se mostram provadas circunstâncias que possam diminuir acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena e, desse modo, atenuar especialmente a pena, nos termos previstos no art. 72º do C. Penal.


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            Da excessiva medida da pena

            5. Alega o recorrente – conclusão X – que a pena decretada é severa e desproporcional, face à factualidade provada, tendo sido violado o art. 71º do C. Penal.

            A alegação do recorrente é, com ressalva do respeito devido, equívoca, uma vez que não esclarece se afirmada severidade e desproporcionalidade da pena se referem a alguma das penas parcelares ou a ambas, se à pena única ou se, a umas e a outra.

Por isso, analisaremos, na apontada perspectiva, primeiro, as penas parcelares e depois, a pena única, tendo como horizonte as molduras penais aplicáveis isto é:

- para o crime de extorsão tentado, prisão de um mês a três anos e quatro meses;

            - para o crime de devassa da vida privada, prisão até um ano ou multa até 240 dias.

5.1. Como é sabido, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo). Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do mesmo diploma que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

São pois, tópicos da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente portanto, fins de prevenção – geral e especial – e a sua limitação pela medida da culpa do agente.

Prevenção e culpa são, assim, os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). Daí que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

Sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, como acontece com o crime de devassa da vida privada, o tribunal deve dar preferência a esta última, sempre que ela satisfaça, adequada e suficientemente, as exigências de prevenção (art. 70º do C. Penal).

O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no já referido art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, tal determinação, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável, é feita ponderando as exigências de prevenção geral e especial, a medida da culpa do arguido e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor (sendo meramente exemplificativa a lista constante do citado nº 2).

Dito isto.

5.2. Não vem questionado no recurso a opção por pena privativa da liberdade no que respeita ao crime de devassa da vida privada. Sempre diremos, no entanto que, tal como consta da sentença recorrida, o passado criminal do recorrente, revelador da insusceptibilidade de ser motivado pela aplicação de penas não privativas da liberdade, revela o acerto da opção.

Quanto ao mais.

O tribunal a quo ponderou na determinação da medida concreta das penas, a relativa da gravidade das suas consequências, a elevada intensidade do dolo que foi directo, o elevado grau de culpa face às razões determinantes da conduta, a mediana condição social e a precária condição económica, as elevadas exigências de prevenção especial reveladas pelos variados antecedentes criminais do recorrente e as reduzidas exigências de prevenção geral por corresponderem a práticas pouco comuns na comarca. A tudo isto acresce que o recorrente não revelou reconhecer o desvalor dos actos praticados e a necessidade comunitária da sua censura.

Sendo claro que as circunstâncias agravantes se sobrepõem às circunstâncias atenuantes e atentas as exigências de prevenção especial, a pena de dezasseis meses de prisão, fixada para o crime de extorsão, na forma tentada, porque situada sensivelmente, a meio caminho entre o primeiro quarto e o meio da moldura abstracta aplicável, não deixando de ser relativamente benévola, mostra-se equilibrada, adequada e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, pelo que, é de manter.

Mantendo-se os mesmos pressupostos circunstanciais, quanto ao crime de devassa da vida privada, mas havendo agora que considerar o crime na forma simples, a pena de seis meses de prisão – ainda que decretada pela 1ª instância, para a moldura penal agravada – porque situada ainda abaixo do ponto médio da moldura abstracta aplicável, não sendo benévola, é proporcional e adequada e mostra-se também plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, sendo, por isso, de manter.

5.3. Atentemos agora na pena única.

A punição do concurso de crimes, conforme art. 77º. nºs 1 e 2 do C. Penal, é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (nº 2), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (nº 1).

Dito isto, temos que a moldura abstracta a considerar para efeitos de cúmulo é a de prisão de dezasseis meses a vinte e dois meses.

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única, é a personalidade do agente. Para este efeito, impõe-se a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). 

Pois bem.

É uma evidência a complementaridade dos crimes de extorsão e de devassa da vida privada posto que o filme que se torna objecto da devassa foi usado como ameaça para a tentativa de extorsão. Por outro lado, a conduta global do recorrente e a ausência de assunção da culpa revela, no recorrente, uma personalidade avessa ao direito.

Cremos, ainda, que não estamos perante uma tendência criminosa pelo que, a acumulação de infracções não deve funcionar como agravante na determinação da pena única.

Assim, situando-se a pena única fixada pela 1ª instância precisamente no ponto médio da moldura aplicável ao concurso, considerando que entre o limite mínimo e o limite máximo medeiam apenas seis meses, entendemos que tal pena é adequada, proporcionada e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, sendo, por isso, de manter.

6. Finalmente, face ao disposto no art. 402º, nº 2, a) do C. Processo Civil, e dado o afastamento da agravação da alínea a) do art. 197º do C. Penal, quanto ao crime de devassa da vida privada, por cuja prática foi condenada a co-arguida, há que verificar se a pena de 120 dias de multa decretada pela 1ª instância, é ou não, de manter.

O art. 192º, nº 1 do C. Penal, pune o crime de devassa da vida privada, em alternativa, com pena de multa até 240 dias. 

Ponderando as circunstâncias agravantes e atenuantes descritas no ponto que antecede, que valem igualmente para a co-arguida, ponderando que os seus antecedentes criminais não revelam, ainda, especiais razões de prevenção especial, ainda que não tenha, por qualquer forma, revelado assumir o desvalor dos actos por si praticados, situando-se a pena de multa decretada ainda abaixo do ponto médio da moldura aplicável, mostra-se a mesma proporcionada e adequada e suportada pela medida da culpa da co-arguida, pelo que é de manter.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Em consequência decidem:

A) Modificar a redacção do ponto 3 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:

- Em execução de tal plano, o arguido, a 5 de Fevereiro de 2016, pelas 22:00 horas, convenceu a C... a ir ter consigo a sua casa, no (...) , (...) .    

            B) Absolver os arguidos da agravação prevista na alínea a) do art. 197º do C. Penal – com referência ao crime de devassa da vida privada, por cuja prática foram ambos condenados nos autos.

            C) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

            D) Recurso sem tributação atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).


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Coimbra, 13 de Dezembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)