Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BRÍZIDA MARTINS | ||
Descritores: | SEGREDO PROFISSIONAL DE ADVOGADO PEDIDO DE ESCUSA | ||
Data do Acordão: | 12/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DEFERIDA A QUEBRA DE SEGRDO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 87º DO EOA, 135ºDO CPP | ||
Sumário: | 1.A audição do organismo representativo da profissão deve ter lugar antes da decisão sobre a legitimidade do pedido de escusa, como resulta claramente da remissão do n.º 4 para o n.º 2 do artigo 135.ºdo CPP. 2.Nada obsta, contudo, a que também o tribunal superior oiça, sendo necessário, o organismo representativo da profissão, como resulta igualmente da remissão do n.º 4 para o n.º 3 do artigo 135.ºdo CPP. 3. O incidente de quebra de sigilo profissional está dividido em duas fases: a questão da legitimidade da escusa é tratada no n.º 2 do artigo 135.ºdo CPP; a questão da justificação da escusa é tratada no n.º 3 do artigo 135.ºdo CPP. 4.A resolução destas questões foi intencionalmente separada pelo legislador, conferindo competência para decidir a questão da legitimidade da escusa ao tribunal de primeira instância e competência para decidir a questão da justificação da escusa apenas ao tribunal superior. 5.A decisão sobre a quebra do sigilo profissional é uma decisão de ponderação de diversos valores constitucionais em conflito e, portanto, tem natureza constitucional, por isso deve estar reservada aos tribunais. 6.A vinculação dos tribunais a uma decisão prévia dos organismos representativos da profissão em matéria de natureza constitucional não se compadece com a independência dos tribunais, nem com o princípio da prossecução da verdade material e encurta de forma inadmissível as garantias da defesa. 7.O julgador deve desaplicar aquelas normas com a interpretação referida, devendo aplicá-las no sentido de considerar a “audição” da decisão do organismo representativo da profissão como não vinculativa. 8.A quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal. 9.Tal ponderação deve partir do circunstancialismo em causa, designadamente dos factos concretos cuja revelação se pretende, de modo a garantir que, no quadro de uma crise de valores conflituantes, prevaleçam aqueles a que Constituição e a Lei reconheçam prioridade. 10. Esta em causa a apreciação de um caso de violência doméstica e de homicídio qualificado, sendo que a malograda vítima contactara o Ex.mo Advogado recusante no sentido em que a patrocinasse no processo litigioso de dissolução do casamento que mantinha com o ora arguido. 11. Feito o balanço entre os interesses prosseguidos com o estabelecimento do apontado dever de sigilo – de tutela da confiança do cliente no mandato outorgado ao seu advogado e da própria dimensão social que a profissão tem imanente –, e os interesses que com ele conflituam nos autos, os primeiros devem ceder aos últimos. 12. No caso justifica-se que cesse o dever de sigilo profissional do Sr. Advogado, e, antes, se abra caminho a uma colaboração na descoberta da verdade material, única forma de se fazer a justiça que o caso impõe. | ||
Decisão Texto Integral: | 14 I – Relatório. 1.1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, correm termos os aludidos autos n.º …./08.7 JAGRD, em virtude de se mostrar indiciada a prática pelo arguido M., em autoria material consumada e concurso real de infracções, de um crime de violência doméstica e de um outro de homicídio qualificado, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 6 [o primeiro], e, 131.º; 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), i) e j) [o segundo], ambos do Código Penal. Na peça acusatória, entre outra demais prova testemunhal, arrolou o Ministério Público para depor como tal no decurso da audiência, A., advogado, com domicílio profissional na cidade …. Chamado a depor, dando o M.mo Juiz Presidente acatamento ao estatuído pelo artigo 348.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, retorquiu a testemunha recusar-se a fazê-lo em virtude da obediência devida ao dever de sigilo profissional resultante do Estatuto da Ordem dos Advogados. Acto contínuo, seguiu-se pedido formulado pelo Ministério Público, no sentido em que este Tribunal Superior decrete a quebra do invocado dever de sigilo, tudo atentando-se no regime consignado pelo artigo 135.º do Código de Processo Penal. Após respostas dos sujeitos processuais visados (assistente e defensor do arguido), foi proferido despacho considerando da legitimidade da escusa invocada [fls. 137], donde que a remessa dos autos, devidamente instruídos, para esta instância. 2. Cumpridas as formalidades legais, determinou-se o prosseguimento do recurso, com submissão á presente conferência. Urge então ponderar e decidir. * II – Fundamentação.2.1. As incidências processuais relevantes à decisão reclamada, são como vindas de descrever-se e mostram-se devidamente certificadas. 2.2. De acordo com o artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro Sucedendo ao Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março., [Artigo 87.º 1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:Segredo profissional a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo. 2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço. 3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo. 4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento. 5 – Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo. 6 – Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional. 7 – O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5. 8 – O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.] os advogados estão obrigados a guardar segredo profissional relativamente a factos conhecidos pelo exercício da sua profissão. Como corolário, podem pedir escusa a depor sobre factos abrangidos por tal segredo. Porém, tal reserva não se mostra absoluta, pois que podendo ser alvo de quebra através da tramitação de incidente específico. Desiderato prosseguido nestes autos. Descurando a evolução sofrida pelo artigo 135.º do Código de Processo Penal, que o disciplina, e que, quiçá, coadjuvaria a dilucidar dúvidas suscitadas a seu respeito, vejamos, sumariamente, do novel regime imposto através deste normativo Cfr. artigos 1.º e 7.º da Lei n.º 48/2007, de 29/8 epigrafada “15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro”.. Artigo 135.º 1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.Segredo profissional 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável. 5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso. Equacionando analiticamente o quadro legal de tutela / quebra dos segredos profissionais em geral e de Advogado em especial, Paulo Pinto de Albuquerque In Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Maio 2008, págs. 361-363 e 366-368., sintetiza que: “1. O incidente escusa de segredo profissional rege-se pelos seguintes princípios: a. O incidente está dividido em duas fases, uma referente à questão da legitimidade da escusa, outra referente à questão da justificação da escusa. b. Só o tribunal de primeira instância é competente para decidir sobre a legitimidade da escusa. c. Só o tribunal superior é competente para decidir sobre a justificação da escusa. d. A intervenção do tribunal superior é oficiosa e tem lugar sempre que o juiz de primeira instância tenha decidido que a escusa é legítima. 2. Assim, em termos esquemáticos, o incidente estrutura-se do seguinte modo: a. Pedido de escusa. b. Averiguações necessárias da autoridade judiciária competente, consoante a fase processual, sobre a questão da legitimidade da escusa, incluindo a audição do organismo representativo da profissão. c. Decisão do juiz: i. O juiz declara a ilegitimidade da escusa e ordena a prestação de depoimento (despacho recorrível pelo requerente da escusa) ou, ii. O juiz declara a legitimidade da escusa e ordena oficiosamente a subida ao tribunal de recurso para decisão sobre a questão da justificação da escusa (despacho irrecorrível). d. Decisão do tribunal superior (recorrível): i. Injustificada a escusa: o tribunal declara injustificada a escusa e ordena a prestação do depoimento. ii. Justificação da escusa: o tribunal declara justificada a escusa.” Ou seja: o incidente de quebra de sigilo profissional está dividido em duas fases: a questão da legitimidade da escusa é tratada no n.º 2 do artigo 135.º; a questão da justificação da escusa é tratada no n.º 3 do artigo 135.º. A resolução destas questões foi intencionalmente separada pelo legislador, conferindo competência para decidir a questão da legitimidade da escusa ao tribunal de primeira instância e competência para decidir a questão da justificação da escusa apenas ao tribunal superior. Esta separação funcional foi considerada, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, como essencial para afirmar a constitucionalidade do sistema legal. A jurisprudência constitucional foi reiterada no acórdão do mesmo Tribunal n.º 589/2005, que afirmou claramente que o tribunal superior conhece em primeira instância da questão da justificação da escusa. Portanto, contraria a letra da lei e a própria CRP a interpretação nos termos da qual se reconhece ao tribunal de primeira instância o poder de apreciar a “legitimidade substantiva” (isto é, a justificação) da escusa (acórdão do TRL, de 5.11.1997, in CJ, XXII, 5, 133, e, de novo, acórdão do TRL, de 24.9.2003, in CJ, XXVIII, 4, 130, mas contra, com inteira razão, acórdão do TRL, de 6.2.2007, in CJ, XXXII, 1, 136), como também contraria a letra da lei e a própria CRP o poder do juiz determinar a realização imediata de uma busca nas instalações do titular do dever de segredo para obtenção da informação pretendida em face da invocação do segredo por este (acórdão do TRP, de 5.6.2006, in CJ, XXXI, 3, 224, e acórdão do TRL, de 28.3.2007, in CJ, XXXII, 2, 128, reiterando já jurisprudência do acórdão do TRE, de 28.3.1995, in CJ, XX, 2, 277). A polémica na jurisprudência foi, aliás, resolvida no sentido correcto pelo acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 2/2008, nos termos do qual, requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário. Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º. A audição do organismo representativo da profissão deve ter lugar antes da decisão sobre a legitimidade do pedido de escusa, como resulta claramente da remissão do n.º 4 para o n.º 2 do artigo 135.º. A razão é esta: o organismo profissional está em condições objectivas para se pronunciar sobre a legitimidade da escusa em face das regras estatutárias profissionais, por exemplo, em face de dúvidas que se possam colocar sobre a inscrição na ordem profissional do requerente da escusa. Nada obsta, contudo, a que também o tribunal superior oiça, sendo necessário, o organismo representativo da profissão, como resulta igualmente da remissão do n.º 4 para o n.º 3 do artigo 135.º. O n.º 4 do artigo 135.º consagra a preponderância da legislação especial relativa aos organismos representativos das profissões quer quanto aos “termos” da audição desses organismos quer quanto aos “efeitos” da mesma e, portanto, vincula o tribunal à decisão do organismo representativo da profissão sobre o pedido de escusa, nos termos da legislação especial pertinente António Barreiros, 1989: 170; Rodrigo Santiago, 1992: 266, e Germano Marques da Silva, 2002: 152.. É certo que o ponto 33 do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 43/86, de 26.9, previa apenas a “prévia audição” dos ditos organismos, mas a Lei n.º 90-B/95, de 1.9, reviu o artigo 135.º, mantendo a dita disposição nos precisos termos em que ela estava anteriormente redigida, sanando qualquer questão relativa à inconstitucionalidade orgânica da norma. Pese embora tal circunstância, certo é que a questão da constitucionalidade do artigo 135.º, n.º 4, não ficou resolvida. Nos termos da legislação especial, a quebra de segredo pode estar dependente de requisitos específicos fixados nos estatutos, como por exemplo uma autorização prévia do organismo representativo da profissão nesse sentido. A interpretação conjugada do artigo 135.º, n.º 4, com a legislação especial nele referida no sentido de que é atribuída ao organismo de representação profissional a competência para decidir em definitivo sobre a legitimidade e a justificação do pedido de escusa, ficando o tribunal vinculado à decisão do organismo de representação profissional, é inconstitucional, por violar o princípio da independência dos tribunais e o princípio da prossecução da verdade material, próprios de um Estado de Direito, e constituir um encurtamento inadmissível das garantias de defesa (artigos 2.º, 32.º, n.º 1, e 203.º, da CRP). Com efeito, a decisão sobre a quebra do sigilo profissional é uma decisão de ponderação de diversos valores constitucionais em conflito e, portanto, tem natureza constitucional. Por isso, esta decisão deve estar reservada aos tribunais. Por isso também, a vinculação dos tribunais a uma decisão prévia dos organismos representativos da profissão em matéria de natureza constitucional não se compadece com a independência dos tribunais, nem com o princípio da prossecução da verdade material e encurta de forma inadmissível as garantias da defesa. O julgador deve, pois, desaplicar aquelas normas com a interpretação referida, devendo aplicá-las no sentido de considerar a “audição” da decisão do organismo representativo da profissão como não vinculativa. Aliás, é neste exacto sentido que a lei tem sido desde sempre aplicada, como resulta, por exemplo, da jurisprudência sobre o segredo profissional do advogado e do solicitador Acórdão do STJ, de 21.4.2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, 2, 186.. Por outro lado, a quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do sigilo profissional deve ou não ceder perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal. Tal ponderação deve partir do circunstancialismo em causa, designadamente dos factos concretos cuja revelação se pretende, de modo a garantir que, no quadro de uma crise de valores conflituantes, prevaleçam aqueles a que Constituição e a Lei reconheçam prioridade. Para o efeito e como se aludiu no citado Ac. do STJ de 21 de Abril de 2005, a resolução de tal conflito passa “pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como impõe o n.º 2 do art. 18.º, da Constituição, e tendo em consideração do caso concreto.” 2.3. No caso, como já dito, a questão da legitimidade da escusa, foi, como mister, abordada na 1.ª instância em termos definitivos. Impõe-se apenas agora aquilatarmos, concretamente, e descurando a facultativa audição da O.A. porquanto despicienda, se ocorre fundamento que justifique a quebra do dever de sigilo profissional invocado. Critério norteador será, vimos, o do princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. Ora, a propósito, o que pode afoitamente dizer-se é que este é daqueles casos em que feito o balanço entre os interesses prosseguidos com o estabelecimento do apontado dever de sigilo – de tutela da confiança do cliente no mandato outorgado ao seu advogado e da própria dimensão social que a profissão tem imanente –, e os interesses que com ele conflituam nos autos, os primeiros devem ceder aos últimos. Com efeito, relembra-se, está em causa a apreciação de um caso de violência doméstica e de homicídio qualificado, sendo que a malograda vítima contactara o Ex.mo Advogado recusante no sentido em que a patrocinasse no processo litigioso de dissolução do casamento que mantinha com o ora arguido. As vicissitudes dessa união foram a causa, ao menos pelo que por enquanto perpassa pelos autos, da dita violência e do questionar da vida da cônjuge mulher. Os factos que suportavam tal relação mostram-se assim sobremaneira relevantes para a exacta definição dos contornos que assumiu a conduta do arguido, quer agravando-a, quer, concede-se mesmo, minorando-a. Por outro lado, não se olvide, estamos perante um crime contra o bem supremo da vida, isto é, cuja gravidade é manifesta. Também de realçar a necessidade de protecção de bens jurídicos que se almeja alcançar com a exacta dilucidação dos factos em julgamento, quer punindo adequadamente o seu agente, caso se comprove o gravame da conduta, quer minorando ou excluindo a respectiva gravidade, sendo esse o caso. Por fim, de anotarmos, que mostrando-se imprescindível para o apuramento da verdade o depoimento da pessoa que foi advogado da ofendida, não se descortina que outra diligência possa substituí-lo. Nesta dimensão, justifica-se, concluímos, que excepcionalíssimamente cesse o dever de sigilo profissional do Sr. Advogado, e, antes, se abra caminho a uma colaboração na descoberta da verdade material, única forma de se fazer a justiça que o caso impõe. Em síntese: deve determinar-se a quebra do sigilo oposto. * III – Decisão.São termos em que pelos fundamentos expostos, se decide considerar como injustificada a escusa apresentada pelo Sr. Advogado A. com domicílio profissional na cidade …, e, por via disso, se ordena a prestação de depoimento como testemunha no âmbito do processo comum (Tribunal de Júri) n.º …./08.7 JAGRD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda. Sem tributação. Notifique e comunique de imediato. * Coimbra, 16 de Dezembro de 2009 |