Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1754/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
INOVAÇÃO
PARTE COMUM
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 07/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA COMARCA DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO, 1425º, 1431º, 1432º E 334º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A aprovação de obra inovadora em parte comum do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal deve preceder a realização da obra.
2. A aprovação de obra inovadora apenas pode ser dada através de deliberação tomada em assembleia de condóminos, não sendo válida a aprovação obtida fora da assembleia, designadamente através de voto constante de documento escrito.

3. A demolição é a sanção correspondente à realização de obras ofensivas das regras da propriedade horizontal.

4. A simples inacção ou abstenção, mais ou menos longa, desacompanhada de actos geradores de confiança na contraparte, não é de molde a justificar a paralisação do exercício do direito com base no seu exercício abusivo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO

A... e esposa B... intentaram, no Tribunal Judicial de Seia, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra C...e esposa D... pedindo a condenação dos RR. a:
-reconhecerem os AA. como donos e legítimos possuidores da fracção autónoma identificada na petição;
-a reconhecerem que o terraço, indicado na petição, constitui uma parte comum do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal do qual faz parte integrante a fracção pertencente aos AA.;
-reconhecerem que a ocupação que os RR. estão a fazer do dito terraço é ilegal, insubsistente e de má fé;
-absterem-se de devassar por qualquer forma o mesmo terraço, nomeadamente a retirarem a construção aí edificada;
-absterem-se, ainda, de futuro, a procederem a qualquer ocupação no mesmo terraço.

Como causa petendi, os AA. articularam, em síntese, a seguinte factualidade:
-São donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma, designada pela letra K, integrante de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, sito na cidade de Seia e constituído por 17 fracções;
-Os RR. são, também, donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma, designada pela letra F, correspondente à cave retaguarda esquerda, situada no mesmo prédio, sendo a fracção servida por um terraço a que apenas aqueles acedem;
-Tal terraço serve de cobertura a parte de certas fracções autónomas que se situam num plano inferior àquele terraço, sendo, por isso, parte comum do prédio;
-Há cerca de 7 anos, os RR. procederam à cobertura de parte do referido terraço, colocando uma estrutura amovível em alumínio, constituída por vidros e por uma cobertura em zinco;
-Os RR. não pediram autorização aos demais condóminos para efectuar tal obra, sendo certo que qualquer pessoa que aceda ao terraço pode penetrar na fracção dos AA., uma vez que da cobertura dessa obra até à fracção dos AA., que fica imediatamente no piso superior, dista cerca de meio metro;
-Apesar de intimados pelos AA. e outros condóminos a retirarem tal construção, os RR. persistem na manutenção de tal obra.

Regularmente citados, os RR. contestaram concluindo pela improcedência da acção. Fundamentalmente, alegaram ter, na verdade, erigido no terraço tal estrutura há mais de 12 anos com autorização do então Administrador, sem oposição dos condóminos e obtendo mesmo a autorização expressa de condóminos representando uma maioria de mais de 2/3 do valor total do prédio, e não causando tal estrutura qualquer prejuízo aos demais condóminos.

Os AA. responderam, mantendo a posição de ilegalidade da implantação da referida estrutura no terraço que integra parte comum do prédio.

Seguidamente foi proferido saneador sentença a julgar a acção parcialmente procedente, sendo os RR. condenados a reconhecer a titularidade da fracção autónoma invocada pelos AA., e, ainda, a reconhecer que o terraço adjacente à fracção dos RR. é parte comum do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal e a retirar a construção que edificaram nesse terraço.

Os RR. não se conformaram com o segmento decisório que os obrigou a retirar a construção que erigiram no terraço, e insistindo na sua tese, extraem da sua alegação de recurso as seguintes conclusões:
1ª- O terraço do edifício em propriedade horizontal de que são condóminos os Apelantes e Apelados, embora constitua parte comum do prédio, só pode ser utilizado pelos ora Apelantes cujo acesso se processa exclusivamente através de duas portas existentes na fracção pertencente aos Apelantes;
2ª-Esta fracção, bem como o terraço, situam-se na cave retaguarda do edifício;
3ª-A estrutura de alumínio e vidro é amovível e encontra-se implantada há pelo menos mais de 7 anos (à data da instauração da acção);
4ª-Os Apelados pediram na acção instaurada que os RR. fossem condenados a abster-se de devassar o terraço e retirarem a estrutura de alumínio com o fundamento de que não é permitido aos RR. utilizá-lo, não tendo invocado quaisquer factos relacionados com a alteração da linha arquitectónica do edifício ou do seu arranjo estético;
5ª-O Tribunal a quo ao fundamentar a decisão baseando-se em factos (inexistentes e nem sequer alegados) de natureza arquitectónica ou estética do edifício atribuídos à estrutura colocada no terraço situado numa cave e na retaguarda, fê-lo impropriamente porquanto foi além do âmbito do processo e dos factos trazidos à demanda;
6ª-A estrutura amovível dos Apelantes constitui uma obra implantada no terraço que não prejudica a utilização por parte de quem quer que seja, tanto das coisas próprias como das comuns;
7ª-Nos termos do art. 1425º do CC, as inovações dependem da aprovação de uma maioria qualificada de 2/3 do valor do prédio, não sendo exigido pela mesma disposição legal nem a autorização prévia nem uma Assembleia de Condóminos;
8ª-A estrutura dos Apelantes quando construída, não teve oposição da Assembleia reunida em 1992 e posteriormente foi autorizada por condóminos que representam uma maioria qualificada superior a 2/3 do valor do prédio;
9ª-Não constitui prejuízo (que não foi alegado nem está provado) quanto à linha arquitectónica ou quanto ao arranjo estético do prédio;
10ª-A construção dos Apelantes é lícita por ter cumprido as determinações legais previstas no art. 1425º do CC.;
11ª- A sentença que condenou os Apelantes a retirarem a estrutura infringiu os artigos 1423º e 1425º, ambos do CC.

Não foi apresentada contra-alegação.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS

Na sentença impugnada foi dada por assente a seguinte factualidade:
1-Os AA. são donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma, designada pela letra K, correspondente ao r/c, retaguarda esquerda, destinada a habitação, do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito à Av. da Liberdade, em Seia, inscrito na respectiva matriz sob o artº 2565, a confrontar de Nascente com Rua Dr. Melo Mota Veiga, do Poente com Av. da Liberdade, de Norte com herdeiros de Dª Alice Ferreira da Fonseca e do Sul com o Posto da Guarda Nacional Republicana.
2-Os RR. são donos e legítimos possuidores de uma fracção autónoma situada no mesmo prédio que corresponde à cave retaguarda esquerda e que se destina a habitação, identificada pela letra F., e situando-se num plano inferior à fracção dos AA.
3-O imóvel pertencente aos RR. é composto de um amplo terraço, o qual se situa na parte dianteira, num plano inferior ao da fracção autónoma dos AA, que confronta com a via pública.
4-Só têm acesso a tal terraço os RR., e nenhum outro condómino, já que existem duas portas do interior da sua fracção autónoma, que dão acesso ao referido terraço.
5-Tal terraço serve de cobertura a parte de certas fracções autónomas que se situam num plano inferior, designadamente as lojas existentes na sub-cave do prédio.
6-Os RR. utilizam o dito terraço, designadamente aí permanecendo, colocando mesas e cadeiras e estendendo roupas.
7-Há pelo menos sete anos que os RR. procederam à cobertura de parte do referido terraço, colocando para o efeito uma estrutura amovível em alumínio, aí inserindo vidros, com a cobertura de zinco (cfr. reprodução fotográfica constante do doc. nº 4 de fls. 18, que aqui se dá por reproduzida).
8-Não obstante as várias insistências dos AA. para esse efeito, os RR. recusam-se a retirar a estrutura dita no número anterior, bem como a desocuparem o referido terraço.
9-A fracção dos RR. corresponde à permilagem 38.
10-Às restantes fracções, A, B, C, D, E, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, correspondem, respectivamente, as permilagens de 22, 82, 68, 27, 29, 39, 32, 26, 43, 45, 81, 78, 103, 82, 103, 82 e 20.
11-Em assembleia de condomínio do prédio, realizada em 24 de Junho de 1993, o A. colocou o problema da segurança da placa sobre as sub-caves, atento o peso de algumas pequenas construções colocadas sobre a mesma.
12- Os proprietários das fracções B, C, D, F, G, L, M, N, P, Q e R aprovam a colocação da estrutura dita em G.


III)- O DIREITO

Como é sabido e decorre dos arts. 690º, n.º1 e 684º, n.º3, ambos do CPC, as conclusões delimitam, em princípio, o objecto do recurso. E compulsando as conclusões extraídas da alegação de recurso, verifica-se que os RR./Apelantes submetem a julgamento deste Tribunal a questão de saber se a estrutura amovível que erigiram no terraço comum adjacente à sua fracção autónoma está ou não de acordo com as regras da propriedade horizontal ou, num âmbito mais restrito, dilucidar se a obra inovadora foi validamente aprovada pela maioria dos condóminos mencionada no n.º1 do art. 1425º do CC.

Não se controverte, na presente demanda, que o terraço em causa, por força do preceituado na alínea b) do n.º1 do art. 1421º do CC, constitui parte imperativamente comum do prédio em regime de propriedade horizontal, porque a sua finalidade é a cobertura. Como se provou, sob o n.º 5 supra, tal terraço serve de cobertura a parte de certas fracções autónomas que se situam num plano inferior, designadamente as lojas existentes na sub-cave do prédio. E tal terraço, situado na parte dianteira da fracção autónoma dos RR., é destinado a uso exclusivo dos RR., porque só estes a ele têm acesso a partir de duas portas existentes na fracção autónoma que corresponde à cave retaguarda esquerda (cfr. n.ºs 2, 3 e 4). Como resulta do preceito acima citado, o terraço de cobertura não deixa de ser imperativamente comum pelo facto de ser destinado ao uso exclusivo de uma qualquer fracção.
Os AA. que são titulares da fracção correspondente ao r/c, rectaguarda esquerda, ficando imediatamente por cima da fracção dos RR., pediram, com êxito, como se relatou, a condenação dos RR. a retirar uma obra amovível com estrutura de alumínio e envidraçada, e cobertura em zinco, que erigiram no sobredito terraço, contígua à sua fracção, distando a cobertura em zinco cerca de meio metro da janela da fracção dos AA. que se encontra no piso imediatamente superior. As fotografias juntas aos autos, a fls. 18 e 19 e não impugnadas, são elucidativas sobre as características dessa estrutura amovível.
Ora, não sofre a mínima dúvida, nem a divergência dos Apelantes radica nesse aspecto, que tal obra constitui inovação em parte comum do prédio em regime de propriedade horizontal, porque traduz o prolongamento da fracção dos RR. sobre o terraço comum. A obra inovadora tanto pode consistir em modificação material como alteração do destino económico da parte comum. Sendo assim, a implantação de tal estrutura amovível só é legal, se for aprovada pela maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio. Nesse sentido prescreve o n.º 1 do art. 1425º do CC. no tocante a inovações em parte comum, podendo consistir em obras quer da iniciativa do administrador, quer da iniciativa de qualquer condómino. E se não for atingida tal maioria, as inovações não poderão realizar-se, visto não preencherem os requisitos legais, devendo a aprovação preceder a realização da obra inovadora. Mas, como ressalva o n.º 2, é sempre proibida a inovação em parte comum capaz de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

Porém, no caso ajuizado, pode considerar-se que tal obra foi aprovada pela maioria dos condóminos, maioria a que alude o n.º1 do art. 1425º do CC?
Os RR. alegaram que a implantação da dita obra foi autorizada por condóminos que totalizam uma maioria superior a 2/3 do valor do prédio, ou seja 721 de permilagem, tendo juntado o documento de fls. 51, datado de 03.10.2003, posterior, pois, à data da instauração da acção (12.05.2003), onde tais condóminos exaram a sua autorização à manutenção da estrutura de alumínio amovível, mais referindo que essa estrutura aí se encontra desde 1990 sem a sua oposição.

Mas a aprovação dos condóminos para a realização de obras que constituam inovação nas partes comuns pode ser dada pela referida forma escrita?
Na sentença impugnada defendeu-se que tal aprovação dos condóminos consignada em documento escrito é irrelevante, chamando em abono de tal tese a jurisprudência desta Relação expressa no acórdão publicado na CJ 1989, 2º, p. 49, bem como nos acórdãos sumariados nos BMJ n.ºs 389º, p. 663 e 435º, p. 915. Nesses arestos, na verdade, é perfilhado o entendimento que vai no sentido de a aprovação a obter dos condóminos, nos termos do n.º1 do art. 1425º do CC, apenas poder ser dada através de deliberação em assembleia de condóminos, não bastando, pois, qualquer aprovação obtida fora da assembleia, ainda que por documento escrito e devidamente assinado. Essa mesma orientação é acolhida no acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 450º, p. 498, onde claramente se escreve que “aprovação de tal obra inovadora por parte dos condóminos não pode ser feita por qualquer modo. Aquela aprovação constitui uma deliberação social que só pode ser tomada colegialmente pelo órgão próprio, que é a assembleia de condóminos, nos termos do disposto nos artigos 1430º e seguintes do Código Civil”.

No seu recurso, os Apelantes são de opinião que a aprovação de obra inovadora em parte comum não carece de deliberação em assembleia de condóminos, ou seja, a obra em causa é legal porque autorizada por escrito assinado por condóminos donos de fracções cujo somatório da permilagem perfaz 721, portanto, mais de 2/3 do valor total do prédio.
Salvo o devido respeito, não é de sufragar a tese perfilhada pelos Apelantes, sendo antes de seguir a jurisprudência citada. Com efeito, no regime da propriedade horizontal a vontade dos condóminos há-de resultar de deliberação aprovada em assembleia, que é um órgão colegial constituído por todos os condóminos, com carácter deliberativo, com poderes de controle, de aprovação e decisão final sobre todos os actos de administração, mas restringindo os seus poderes a matérias que respeitem às partes comuns do prédio. A vontade do condomínio há-de resultar da vontade dos condóminos reunidos em assembleia, sendo aquela vontade ou a deliberação executada pelo administrador (alínea h) do art. 1436º do CC). A assembleia de condóminos e o administrador, enquanto órgãos administrativos, são, pois, um instrumento para a emissão de declarações de vontade comum e para a execução desta mesma vontade, de modo a tornar possível a actividade da colectividade Cfr. “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, p. 179, de Sandra Passinhas..
Não se prevendo no regime atinente à propriedade horizontal que a vontade colectiva resulte de simples deliberação por escrito ou voto por escrito dos condóminos Idem, ibidem, p. 184, como acontece no regime das sociedades comerciais (arts. 54º e 247º do Código das Sociedades Comerciais) Cfr., a este respeito, “Propriedade Horizontal”, p. 174 e 175, de Aragão Seia. E o direito civil é direito subsidiário do direito comercial (art. 3º do Código Comercial). Só ocorrendo deliberação tomada em assembleia de condóminos, com a possibilidade de discussão oral, seguida de votação, é que fica aberta a possibilidade de o condómino impugnar as deliberações contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, nos termos do art. 1433º do CC. Como, também, escrevem Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, na obra “Da Propriedade Horizontal”, 2ª edição, p. 210, “à face da nossa lei (arts. 1431º a 1433º) as deliberações têm de ser realizadas colegialmente, isto é, numa reunião em que intervenham ou possam intervir os diversos condóminos, não se podendo eliminar uma discussão oral tão útil e necessária a uma ponderada deliberação. Por outro lado é sempre necessária a elaboração de uma acta, para se poder fazer a prova da deliberação e para o administrador proceder à sua execução e a comunicação aos condóminos ausentes”. A entender-se o contrário, poderia acontecer que alguns condóminos fossem surpreendidos com aprovação de obras inovadoras ou até de outros assuntos relativos ao condomínio sobre os quais nem sequer foram convidados a pronunciar-se ou a que foram completamente alheios, quando até toda e qualquer deliberação da assembleia deve ser comunicada aos condóminos ausentes, ou condóminos que convocados para a assembleia a ela não compareceram (art. 1432º, n.º 6 do CC). O voto ou a vontade de cada condómino há-de, pois, apenas expressar-se em assembleia de condóminos, como única forma legalmente admissível, mediante assembleia convocada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 1432º, sendo, desde logo, impugnável a deliberação precedida de irregularidade na convocação.
Pode, assim, concluir-se que a obra inovadora levada a cabo pelos RR. sobre o terraço adjacente à sua fracção autónoma não foi validamente aprovada pela maioria dos condóminos, não obstante a mencionada declaração escrita por parte dos condóminos do prédio, como se vê do documento junto a fls. 51. Apesar de a obra não ter sido precedida de prévia autorização da assembleia de condóminos, nada obstava a que, posteriormente, fosse aprovada a sua manutenção em assembleia, constando da ordem do dia tal aprovação.
E, também, não releva, como é evidente, no sentido da indispensável aprovação pela maioria dos condóminos, a circunstância apurada de o Autor, na assembleia de condóminos, realizada em 24.06.1993, ter colocado o problema da segurança da placa sobre as subcaves, atento o peso de algumas pequenas construções colocadas sobre a mesma, como se vê da acta fotocopiada e junta a fls. 50.

E apenas com base nessa circunstância deve a obra em apreço ser qualificada de ilícita ou ilegal, uma vez que não integra a causa de pedir do presente demanda o facto de tal obra acarretar prejuízo à linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício, porque não alegado pelos AA. Aliás, a proibição a que alude a alínea a) do n.º2 do art. 1422º refere-se a obras novas realizadas nas fracções autónomas. A obra inovadora em parte comum é lícita, desde que aprovada nos termos do n.º1 do art. 1425º, sendo indiferente que cause ou não prejuízo à linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício, obviamente sem prejuízo da observância das normas reguladoras da construção de edifícios. Exorbita, pois, a sentença impugnada da causa de pedir, ao fundamentar a ilicitude da obra, também, no prejuízo da linha arquitectónica ou do arranjo estético do edifício, ao arrepio do preceituado no art. 664º do CPC.

Diga-se, por fim, que os RR. invocaram o abuso de direito na sua contestação, e sobre essa matéria emitiu pronúncia a sentença recorrida, sem divergência dos Apelantes, como se vê da sua alegação de recurso. Sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, pressupondo a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo, apenas se dirá que a fundamentação exarada na sentença é correcta, porque ao exercitarem o direito os AA. não entram em contradição com uma sua conduta anterior que levasse os RR. a fundadamente confiar que o direito não seria exercido. A circunstância de o Autor ter suscitado na assembleia de condóminos, realizada em Junho de 1993, o problema da segurança da placa por virtude do peso de algumas pequenas construções, em conjugação com o tempo decorrido, não constitui indício manifesto de não vir a exercer esse direito porque concordavam com tal obra. A simples inacção ou abstenção, mais ou menos longa, desacompanhada de actos concretos geradores de confiança na contraparte, não é de molde a justificar a paralisação do exercício do direito com base no seu exercício abusivo. E a demolição é a “sanção” correspondente à realização de obras ofensivas das regras da propriedade horizontal.

Em suma, salvaguardado sempre o devido respeito, a argumentação dos Apelantes não procede, enquanto visa a revogação da sentença sob exame na parte em que decretou a demolição da estrutura amovível, uma vez que foi feita correcta interpretação e aplicação do regime jurídico da propriedade horizontal, não se mostrando, pois, violados os citados arts. 1423º e 1425º do CC.


IV)- DECISÃO

No termos e pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Negar provimento ao recurso.
2- Confirmar a sentença impugnada.
3-Condenar os Apelantes nas custas do recurso.
COIMBRA, 05/07/2005