Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2592/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: VENDA DE OBJECTOS DECLARADOS PERDIDOS A FAVOR DO EXTADO
INTERESSE EM AGIR DO M.º P.º
Data do Acordão: 11/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: REC. AGRAVO
Decisão: REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO
Área Temática: DEC. LEI N.º 31/85 DE 25/01
Legislação Nacional: DEC. N° 12.487, DE 14/10/1926; PORTARIA N° 10.725, DE 12/08/1944; E D.L. N° 31/85, DE 25/01
Sumário:
I- Tendo em conta o disposto nos art. s 14°, n.2, do D. L. n° 12.487, de 14/10/1926; na Portaria nº 10. 725, de 12/08/44; e art. 10°, nº 2 e 4 do D. L. n° 31/85, de 25/01, diplomas que se encontram em vigor, cabe ao M.º P.º requerer (promover) a instauração de processo judicial especial para venda de bens declarados perdidos a favor do Estado, venda essa que segue a forma processual prevista nos art. s 886º a 911° do C.P.C.
II - Para tal tem o M.º P.º o interesse em agir, não podendo ser indeferido liminarmente um requerimento com esse objectivo, nem há razões hodiernas para que se possam considerar revogados os citados preceitos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, O Digno Agente do Ministério Público, em representação do Estado, instaurou processo especial venda judicial de veículos declarados judicialmente perdidos a favor do Estado, considerados sem interesse para o parque de veículos do Estado de acordo com os artºs 10º, nºs 2 e 5, e 15º, nº 1, do Dec. Lei nº 31/85, de 25/01, na redacção do Dec. Lei nº 26/97, de 23/1, destinando-se os ditos a sucata .
Em despacho liminar foi tal pretensão indeferida, com o fundamento de ocorrer falta do pressuposto processual inominado de interesse em agir por parte do Requerente.
II
Desse despacho recorreu o Digno Agente do MºPº, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo .
Nas alegações oportunamente apresentadas, foram pelo Recorrente formuladas as seguintes conclusões :
1ª - A legitimidade e o interesse em agir do Ministério Público, em representação do estado, para intentar a presente acção advém-lhe dos comandos normativos do D.L. 31/85, de 25/01, do Dec. nº 12.487, de 14/10/26, e da Portaria nº 10.725, de 12/08/44, que se encontram em vigor .
2ª - Diplomas que conferem legitimidade ao Ministério Público apenas para promover a venda judicial dos objectos declarados perdidos a favor do Estado e prescritos a favor da Fazenda Nacional e não para ordenar ou efectivar .
3ª - Bem como lhe conferem interesse em agir, em representação do Estado, que se traduz em, a final, na obtenção do produto resultante da venda segundo as regras próprias aplicáveis à venda judicial, cujos trâmites processuais podem ser eventualmente questionados por potenciais interessados na aquisição dos objectos declarados perdidos a favor do Estado .
4ª - Litígios que a existirem deverão ser dirimidos decididos no âmbito de um processo judicial autónomo .
5ª - Ao indeferir liminarmente a petição inicial, a M.mª Juiz violou o disposto no artº 10º do Dec. Lei nº 31/85, de 25/01, no artº 14º do Dec. nº 12.487, de 14/10/26, na Portaria nº 10.725, de 12/08/44, e no artº 99º da Lei nº 3/99, de 13/01 .
6ª - Pelo que deve revogar-se o despacho agravado e substituí-lo por outro que declare o Tribunal Judicial recorrido como competente para admitir a petição inicial apresentada e ordenar a efectivação da referida venda judicial .
III
No Tribunal Recorrido ainda foi proferido despacho de sustentação, com remição para os termos do despacho agravado .
Neste Tribunal foi aceite o recurso tal como fora admitido e procedeu-se à recolha de “ vistos “, pelo que nada obsta à apreciação do seu objecto, o qual se resume à apreciação da questão da eventual falta de interesse em agir por parte do Recorrente para prover a venda em questão , pressuposto processual que foi considerado como inexistente no despacho recorrido .
Apreciando, afigura-se-nos de alguma impertinência o despacho recorrido, dado que desde 1926, ano da publicação do Dec. nº 12.487, só agora , parece-nos, um Tribunal “ entendeu “ que o M.º P.º não tem interesse em agir para propor o tipo de acções em questão, tese que foi defendida pelo Ac. desta Relação de 17/12/2002, in C. J. ano XXVII, tomo V, pg. 33, e bem assim pelo Tribunal recorrido, pese embora o facto de na mesma Colectânea, a fls. 18, ter sido publicado um outro Acórdão da mesma Relação em que se atribui a competência material aos Tribunais Cíveis para proceder-se à venda de objectos declarados perdidos a favor do Estado em processos crime, donde resulta o implícito reconhecimento do referido pressuposto processual .
Sem que com esta observação se pretenda fazer “ crítica “ a tal tese, afigura-se que quer do Dec. nº 12.487, de 14/10/1926, quer da Portaria nº 10.725, de 12/8/44, quer ainda do Dec. Lei nº 31/85, de 25/01, diplomas que regem sobre o modo de se dar destino a bens e veículos declarados perdidos a favor do Estado, resulta que a venda desse tipo de bens é uma venda com carácter judicial, nos termos regidos pelo CPC – artºs 886º a 911º .
É que se afigura que resulta do nº 2 do artº 14º daquele primeiro diploma ( os juízes respectivos farão proceder à venda dos objectos que forem prescrevendo ... ), bem como da citada Portaria ( os delegados ... , nas respectivas comarcas devem promover a venda em hasta pública, ... , lavrando-se os competentes autos de venda nas secretarias judiciais ) , e mais claramente do artº 10º, nºs 2 a 4 , do último diploma referido, onde se alude expressamente a “tribunais “ para efeitos de venda de veículos automóveis declarados perdidos a favor do Estado .
Depois, todo o formalismo de venda previsto no CPC, pressupõe a intervenção de um juiz, designadamente para efeitos de adjudicação dos bens, de eventuais recursos e de juizos ou decisões judiciais sobre invalidade da venda .
Depois, a terminologia usada nos citados diplomas não deixa margem para dúvidas de que o MºPº deve apenas “ promover a venda “, o que significa que lhe cabe apenas levar a efeito o acto de promoção ou seja a apresentação de requerimento para que se proceda à venda judicial – veja-se o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora - , assim dando impulso, requerendo ou propondo a execução de certos actos, que no caso se relacionam com uma venda de carácter judicial .
Por isso, quer em 1926 quer hoje, a lei que rege este tipo de diligências é a mesma, não se vendo razões hodiernas para que aquilo que sempre foi entendido como uma prática judicial necessária deva deixar de o ser, com base nas mesmas leis, pelo que tem todo o interesse em agir o Mº Pº ao promover a venda em questão .
Veja-se, neste sentido, Salvador da Costa, in “ C.C.J. anotado e comentado, 2ª ed., pg. 430, onde expressamente escreve : « O Ministério Público deve formular, na acção de processo especial, o pedido de declaração de perda dos referidos objectos a favor do Estado, se for caso disso, bem como a sua venda, ... » .
Também o Ac. desta Relação de 13/07/01, in Rec. Agravo nº 1337 / 01, citado nas alegações produzidas, afirma : “ impondo a lei, todavia, como princípio dominante, a supervisão, na venda, do magistrado judicial, ... , não poderá deixar de considerar-se ... como regulada nas suas linhas fundamentais, hoje em dia, como sempre, por disposições precisas do CPC ... “ .
Consequentemente há que revogar o despacho recorrido, para que seja substituído por outro a diligenciar no cumprimento dos actos judiciais de venda que foram requeridos, em conformidade com as regras do processo civil que são aplicáveis e sem descurar-se o disposto no artº 15º do Dec. Lei nº 31/85, por os citados veículos serem destinados à sucata ..
IV
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em revogar o despacho recorrido, para que o mesmo seja substituído, no Tribunal Recorrido, por outro a diligenciar no cumprimento dos actos judiciais de venda que foram requeridos, em conformidade com as regras do processo civil e demais que são aplicáveis .
Sem custas .