Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4015/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CEDÊNCIA DE TRABALHADOR
Data do Acordão: 03/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 10º E 26º DO DL Nº 358/89, DE 17/10 .
Sumário: I – Trabalhando o autor nas instalações do hipermercado da Ré na sequência de contratos de trabalho a termo certo que celebrou com empresas de trabalho temporário, as quais, por sua vez, o cediam para ser utilizado por algumas empresas fornecedoras da Ré, na sequência de contratos celebrados entre estas empresas e a Ré, denominados de “acordos gerais de fornecimento”, deve entender-se as tarefas levadas a cabo pelo dito trabalhador de fazer expositores e de colocar produtos nas prateleiras dessas empresas fornecedoras no hipermercado estão compreendidas no seu contrato de trabalho temporário e não existir qualquer relação de trabalho com a empresa proprietária do hipermercado.
II – Tendo-se feito prova de que esse trabalhador nunca foi remunerado pela empresa proprietária do hipermercado, recebendo apenas da empresa que com ele contratou o trabalho temporário, não se pode aceitar que exista, em tal situação, um esquema contratual encapotado em que sob a aparência de contratos ou de acordos gerais de fornecimento, os fornecedores do hipermercado aparentam prestar um serviço a este quando, na realidade, não o prestam .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A... instaurou contra B... a presente acção declarativa sob a forma de processo comum [Proc. nº 8/05.0TTFIG da Secção Única do Tribunal de Trabalho de Figueira da Foz] pedindo que seja declarada a nulidade dos contratos com terceiras empresas e consequente vinculação directa, mediante um contrato sem termo, entre o Autor e a Ré e declarado que o despedimento do Autor é nulo, por inexistir justa causa e por não ter sido precedido de processo disciplinar. Mais pede a condenação da Ré: a reintegrar o Autor como seu trabalhador, com a categoria de repositor, as funções e a remuneração de € 892,02 mensais; a pagar ao Autor todo o trabalho suplementar e em período nocturno prestado e não pago, com os acréscimos percentuais inerentes, num total de € 19 101,67; e) a pagar ao Autor o montante de € 5 352,12, relativo ao triplo da retribuição correspondente aos períodos de férias não gozadas em 2002 e 2003; a pagar ao Autor a importância correspondente às retribuições que o Autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente acção até à data da sentença; a pagar ao Autor juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações em falta e até efectivo embolso.
Alega, em resumo, que a R. vem recorrendo a complexas e encapotadas formas de recrutamento de pessoal em alguns sectores da sua laboração, mediante o recurso a empresas de cedência de pessoal ou empresas de trabalho temporário, ao serviço das quais os trabalhadores se vinculam formalmente, sendo porém a R. a verdadeira utilizadora do trabalho. Foi desta forma que o A começou a trabalhar para a R. em Março de 2002, o que fez até 15.10.2003, dia em que foi despedido por uma chefe de secção da R, nunca tendo gozado férias nesse período, por as chefias da R. não lho permitirem, assim como não lhe foram pagas as horas extraordinárias que realizou, algumas delas em período nocturno.
Conclui assim que os sucessivos contratos de trabalho temporário e contratos de trabalho a termo certo que foi levado a assinar com “entidades empregadoras ficticias” são nulos, por representarem uma tentativa de defraudar a lei, já que sempre trabalhou sob as ordens, autoridade, direcção e fiscalização da R., sua verdadeira entidade patronal, existindo uma única e continuada prestação de trabalho do A à R. Tendo sido despedido sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, o despedimento é nulo, conferindo-lhe tal nulidade direito à reintegração no posto e função respectivos, a receber as retribuições que reclama e, ainda, a indemnização pelo impedimento do efectivo gozo de férias e pagamento do trabalho suplementar e nocturno.
Contestou a R. deduzindo as excepções de ilegitimidade, prescrição, abuso de direito e caducidade, bem como impugnando, terminando por pedir a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Estriba a impugnação, em resumo, negando que o A tenha exercido qualquer actividade profissional para si, ao qual aliás nunca lhe pagou salário, nem o A esteve submetido ao seu poder de direcção e autoridade, nem sujeito ao seu poder disclinar. O A era antes um trabalhador apresentado por um fornecedor da R., eventualmente vinculado a uma empresa de trabalho temporário. Igualmente nega ter procedido ao despedimento do A.
Conclui que nunca houve contrato de trabalho entre o A e a R.
Na réplica o A. pugnou pela improcedência das excepcões deduzidas.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos formulados.
3. É desta decisão que, inconformado, o A. vem apelar, pretendendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a integral procedência da acção.
Alegando, conclui:
A) Não houve coincidência entre o objecto dos acordos gerais de fornecimento entre a R. e cada uma das suas fornecedoras, por um lado, e as funções reais e efectivas desempenhadas pelo A., por outro lado;
B) O A sempre recebeu ordens da R – e não dessas empresas -, por ela eram definidas as tarefas concretas a realizar em cada momento, (designadamente as de como atender os clientes, de fazer desta ou daquela maneira, de desfazer e refazer “topos” ou “ilhas”, de ir buscar e colocar cartazes de promoções ou pôr preços de produtos, de colaborar nos inventários, ao lado dos demais trabalhadores da R., apurando as existências dos produtos, independentemente da marca e fornecedor, etc.), por ela eram fornecidos ao A. impressos de formulários das necessidades, que este preenchia e entregava aos chefes de secção da R., por ela era controlada a sua assiduidade e o número de horas realizadas em cada dia;
C) há, assim, que concluir que todo o desempenho funcional do A. se processava à margem de qualquer intervenção das ETT e das fornecedoras da R. e, portanto, fora do âmbito de execução dos designados “acordos gerais de fornecimento” que a R. celebrou com essas fornecedoras;
D) como tal, sempre o autor foi trabalhador da R., sendo a sua actividade ficticiamente concretizada, ou enquadrada, através de contratos de trabalho temporário com as ETT, para suposta utilização por fornecedores, que, de facto, o cediam à verdadeira utilizadora, a R.;
E) sendo de natureza excepcional as normas que permitem a intermediação de terceiras empresas entre o trabalhador e o utilizador da prestação, torna-se evidente que ficou indemonstrada qualquer razão válida, legítima e legal para
essa interposição;
F) o ónus da alegação e prova de que a intermediação dessas empresas era uma intermediação lícita cabia à R., ónus que, manifestamente, não cumpriu;
G) da directa subordinação do A. à R., resulta a sua cedência ilegal à R. e consequente conversão em contrato de trabalho sem termo, directamente com a mesma, desde 13.03.2002, de todos os contratos-documento assinados pelo A. com terceiras empresas;
H) em consequência do exposto, foi ilícito o despedimento do A., sem justa causa, precedência de processo disciplinar nem mínimo direito de defesa;
I) ao entender de modo diverso, violou o Tribunal, entre outras, as normas do art. 342° do Código Civil, artºs. 3º, 12° e 13° do D.L. 64-A/89, de 27.2, artºs. 10° e 26° do D.L. 358/89, de 17.10;
J) e ao admitir a intermediação ou interposição fictícia de terceiras empresas, definindo a natureza dos contratos em função do objecto formal dos acordos da R. com as empresas interpostas e não do seu real conteúdo e objectivo, fez uma interpretação das leis de trabalho, designadamente dos artºs. 10º e 26° do D.L. 358/89, de 17.10, que viola o princípio constitucional da segurança no emprego, expressamente consagrado no art. 53º da Constituição.
4. Nas contra-alegações a R. concluiu que deve ser negado provimento ao pedido e confirmada integralmente a sentença recorrida.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador Geral Adjunto no sentido de que o recurso é merecedor de provimento.
A R. respondeu mantendo que deve ser negado provimento à apelação.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho de fls. 683/714, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
(…)
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil [Adiante designado abreviadamente de CPC.].
Decorre do exposto que as questões fulcrais que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) O A realizou a sua prestação laboral, em causa nos autos, em termos de se poder qualificá-la como integrando um contrato de trabalho subordinado entre o A e a R. ?
b) O despedimento do A foi ilícito, por ter sido levado a cabo sem justa causa nem precedência de processo disciplinar ?
Vejamos pois.
a) Qualificação da prestação laboral levada a cabo pelo A como integradora ou não de contrato de trabalho subordinado entre o A e a R.
Na tese do A, ao longo do tempo em que trabalhou no hipermercado da R., a sua força de trabalho não estava ao serviço dos fornecedores desta, dos quais não recebia indicações ou ordens, antes estava ao serviço da R., recebendo ordens e indicações dos seus chefes de secção e de departamento, desta forma sendo a R. que conformava e dirigia a sua prestação laboral.
Nestas circunstâncias, o esquema contratual encontrado, em que os fornecedores da R. aparentam prestar um serviço a esta, sob a capa de “acordos gerais de fornecimento” e, por sua vez, pessoas como o A são contratados por empresas de trabalho temporário para serem utilizadas, formalmente, pelos fornecedores da R., mas estando antes a realizar um trabalho para a R., não deve prevalecer sobre a realidade. Ou seja, nas palavras do A., deve prevalecer o “contrato-relação de trabalho” sobre o “contrato-documento”.
Considerando que estamos perante uma relação factual que decorreu de 13.03.2002 a 15.10.2003, a legislação aplicável e que abaixo se analisará é o regime do contrato individual de trabalho, aprovado pelo art. 1º do DL 49 408 de 24.11.69 [Designado abreviadamente por LCT e diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.] e o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, aprovado pelo art. 1º do DL 64-A/89 de 27.02.
Com efeito, considerando a entrada em vigor do Código de Trabalho apenas em 01.12.2003, por força do disposto no art. 3º nº 1 da Lei nº 99/2003 de 27.08, não é tal diploma aplicável ao caso sub-judice.
Assim, temos que o contrato de trabalho é definido, pelo art. 1º da LCT como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
Como contrato sinalagmático que é, resultam de tal contrato para a entidade patronal determinados poderes, nomeadamente o poder determinativo da função (v. art. 43º), o poder conformativo da prestação (v. art. 39º nº 1), o poder regulamentar (v. art. 39º nº 2) e o poder disciplinar, em alguns casos verdadeiro dever disciplinar (v. artºs 26º e 40º nº 2). Por sua vez, correspondem-lhe também alguns deveres, entre eles o de pagar pontualmente a retribuição acordada.
Vejamos pois se a realidade surpreendida pelo conjunto de factos provados nos autos – e que não vindo colocados em causa pelo recurso interposto são de acatar, até porque não se vislumbra razão para fazer uso dos poderes/deveres conferidos a este Tribunal pelo art. 712º do Código de Processo Civil – nos pode levar a concluir que, independentemente da sua não formalização por acordo, nomeadamente escrito, e até contra outras formalizações dessa natureza, se estabeleceu entre o A e a R. uma relação que se possa qualificar como de contrato de trabalho.
Há alguns elementos que poderão indiciar que estamos perante uma relação deste tipo, ou seja, com subordinação jurídica, caracterizadora do trabalho subordinado. Alguns desses indícios são hoje configurados pelo art. 12º do Código de Trabalho como presunções. Porém, como já atrás se justificou, este diploma legal não é aplicável ao cabo sub-judice e, por isso, não há que raciocinar com base no seu enquadramento legal. Antes há que ter presente, face ao quadro legal vigente à data dos factos e nomeadamente o disposto no art. 342º nº 1 do Código Civil, que incumbia ao A o ónus de prova dos factos constitutivos do seu direito. In casu, e em concreto, cabia ao A alegar e provar que se estabeleceu entre ele e a R. uma relação, de qualificar como de contrato de trabalho.
Entre os elementos que acima referíamos como indícios de subordinação jurídica, caracterizadores de um contrato de trabalho, está o facto de, durante o tempo em que trabalhou no hipermercado da R., o A ter a seu cargo determinadas tarefas (v. II-A.13 e 14 supra), realizar algumas outras, lado a lado com repositores internos, ou seja, trabalhadores da R. (v. II-A.11 e 20), receber algumas vezes indicações dos Chefes da R. sobre a forma de colocar os produtos nas prateleiras e mesmo ordens para desfazer o que fizera e dispor os produtos de forma diferente, bem como colocar preços por indicação de chefes da R. e, ainda por indicação destes, colocar cartazes junto a produtos em promoção (v. II-A.10, 15 a 17 supra). Ainda é de ponderar que a sua hora de entrada e saída da loja eram autorizadas e registadas pelo segurança de serviço (v. II-A.21) e até manobrava uma empilhadora eléctrica retirando produtos de outras marcas, que não só as de empresas com quem as empresas de trabalho temporário tinham contratos. Curiosamente não é de olvidar que a manobra daquela máquina lhe era proibida (v. II-A.12 e 57).
Cremos, porém, que bem se decidiu na sentença recorrida ao concluir que estes elementos, nas circunstâncias concretas, são insuficientes para afirmar que entre o A e a R. se estabeleceu uma relação, a caracterizar e qualificar como de contrato de trabalho.
Com efeito, não é de olvidar que o A apenas trabalhava nas instalações do hipermercado da R. na sequência de contratos de trabalho a termo certo que celebrou com empresas de trabalho temporário (v. II-A.3 a 8), as quais, por sua vez, o cediam para ser utilizado por algumas empresas fornecedoras da R., na sequência de contratos celebrados entre estas empresas e a R., denominados de “acordos gerais de fornecimento”. Estes acordos implicavam para as empresas fornecedoras da R. o compromisso de terem os seus produtos sempre na quantidade contratada, devidamente expostos nas prateleiras e/ou em outros locais acordados, assegurando o fornecimento de trabalhadores, pagos por cada uma, que garantissem esta tarefa ao longo do período de execução do contrato (v. II-A.48 a 51 e 53).
Nestas circunstâncias, aquelas tarefas levadas a cabo pelo A, fazer expositores no topo dos corredores ou isolados entre corredores, bem como colocar produtos nas prateleiras e trabalhar na inventariação de produtos, não podem deixar de ser vistas como uma forma que as empresas fornecedoras da R. tinham de cumprir com esta os contratos celebrados, denominados “acordos gerais de fornecimento”. E não escapa a essa forma de cumprir o contrato, por parte dos fornecedores da R., as indicações que ao A foram dadas pelos chefes da R. sobre a forma de colocar os produtos nas prateleiras e até desfazer o que fizera e dispor de forma diferente. Tudo se enquadra no cumprimento do compromisso referido em 51 dos factos provados: “ter os seus produtos … devidamente expostos nas prateleiras e/ou em outros locais acordados …”.
De tudo isto resulta que a interligação entre a prestação laboral do A e a R. era uma interligação funcional, que não uma relação de exercício do poder de direcção e autoridade. Visava, em última análise, dar cumprimento ou execução aos acordos celebrados entre a R. e as empresas fornecedoras, nos moldes acordados entre elas e com determinadas regras de comportamento a observar, nomeadamente quanto aos objectivos dos contratos, consequências do seu não cumprimento e disciplina do espaço comercial em causa (v.II-A. 50 a 52 e 55).
Eventualmente sairão fora daquele âmbito, de cumprimento dos “acordos gerais de fornecimento”, a colocação de preços por parte do A, por indicação dos chefes de secção e a inventariação dos produtos, independentemente das marcas ou dos produtores (v. II-A.16 e 20). E dizemos eventualmente porque, na medida em que a execução dos contratos de fornecimento comportava variações e cambiantes, ajustados verbalmente ao longo dos períodos de execução dos contratos (v.II-A.50), não é certo que não estejamos, quanto àquelas atitudes, perante uma dessas variações ou cambiantes. E o A não fez a prova de que assim não era, pelo que não tem razão na conclusão A) das suas alegações, quando invoca a não coincidência entre o objecto dos acordos gerais de fornecimento e as funções reais e efectivas desempenhadas pelo A.
Mesmo admitindo, por mero raciocínio, que assim não seja, o que não nos repugna quanto à inventariação de produtos, independentemente das marcas ou dos produtores, este elemento é insuficiente para caracterizar como de contrato de trabalho a relação estabelecida entre o A e a R. É pouco para afirmarmos que a R. detinha em relação à prestação laboral do A os poderes típicos da relação subordinada que se estabelece entre entidade patronal e trabalhador, nomeadamente os referidos poderes, determinativo da função e conformativo da prestação.
E menos é quando é de ter presente que o A, enquanto repositor externo, até não cumpria com uma das instruções afixada em cartaz/aviso no armazém, ou seja, não manobrar as empilhadoras (v. II-A.57). Assim sendo, é de questionar se a inventariação de produtos, feita naqueles termos (independentemente das marcas ou dos produtos), foi por indicação da R. ou por opção do A. E se é verdade que não se provou a versão da R (que assim era porque facilitava a tarefa dos repositores fazerem a inventariação por sector e não andarem a percorrer a loja toda e foi uma opção deles – v. despacho de fls. 683/714 que decidiu a matéria de facto), também não resulta da matéria de facto provada (v. II.A.20 supra) que a inventariação feita naqueles termos resultou de ordens ou instruções expressas da R.
Por outro lado, o facto de serem autorizadas e registadas, pelo segurança de serviço, as horas de entrada e saída da loja, em relação ao A, tal não é sinónimo do cumprimento de um horário de trabalho e, muito menos, que esse horário de trabalho resultasse de indicações da R. Aquelas autorizações e registos têm a sua explicação natural no facto de haver um sistema de controlo de entradas e saídas, que procede ao registo daquelas, na sequência de estarem estabelecidas regras de segurança (v.II-A.55) e independentemente do cumprimento dum horário.
Igualmente não nos impressiona o argumento do Exmº Magistrado do Mº Pº nesta instância quando no seu parecer refere que é significativo “o modo como a apelada pôs termo à prestação laboral do autor, consubstanciador dum comportamento típico de despedimento”.
Salvo melhor opinião, há nesta afirmação ilações que a matéria factual não comporta.
Como matéria factual, o que temos é que a R. após constatar a existência de produtos fora de prazo, cuja verificação dos prazos de validade era tarefa do A, contactou o fornecedor daquele produto, comunicou-lhe a situação e providenciou internamente para que não fosse permitida a entrada do A no seu estabelecimento, enquanto repositor, como era a sua prática habitual quando os repositores externos de empresas de trabalho temporário eram incapazes de cumprir os condicionalismos impostos (v. II-A.60 a 62 e 56). É neste contexto que tem de ser interpretada a afirmação provada sob o nº 23 dos factos provados - “ele, Autor, no Jumbo não trabalhava mais” – ou seja, enquanto repositor externo não lhe seria permitida a entrada no Jumbo, e não como qualquer despedimento.
Aliás, quanto a este aspecto, não deixa de ser curioso que o A omite em absoluto a forma como se desenvolveu ou não, a partir da data em causa (15.10.2003), o contrato a termo certo que estava em execução há pouco mais de um mês e que tinha uma duração de dezasseis meses (v. II-A.7,22,23 e 62). Nomeadamente se o A se dispôs a continuar a cumprir tal contrato com a UPA-Serviços, Publicidade e Marketing, Lda e qual a atitude desta entidade enquanto seu empregador. E era importante saber deste desenvolvimento, pois ele seria um sintoma relevante do modo como a R podia ser encarada como a efectiva entidade patronal do A ou apenas uma mera utilizadora da prestação laboral deste, na sequência de o fornecedor de produtos da R. ter de cumprir com ela o acordo de fornecimento de produtos celebrado.
Acresce que há todo um conjunto de outros elementos que não podem deixar de ser considerados e sopesados. E esses vão precisamente em sentido inverso, ou seja, vão no sentido de que a relação laboral do A não era com a R. mas com as empresas de trabalho temporário, com as quais celebrou os contratos descritos em II-A.3 a 7 supra.
Atente-se que se fez prova de que a R nunca pagou qualquer salário ao A (v.II-A.45), recebendo este das empresas com quem celebrara os contratos, como o próprio alegou. Também a R nunca teve o A arrolado no seu quadro de pessoal nem descontou em seu benefício para o Fisco ou a Segurança Social, além de que a R nunca determinou horário de trabalho ao A (v.II-A.46 e 47). Mesmo em termos da forma como o A era encarado pela R., no dia a dia do exercício das suas funções, existe uma diferença significativa em relação aos seus trabalhadores. Os repositores externos andavam no hipermercado envergando uma bata branca e ostentando um “crachat” específico, por contraste com os trabalhadores da R., que se apresentam fardados (ou vestidos com indumentária própria no caso das chefias) e com um cartão identificador, com fotografia e indicação da categoria/função (v.II-A.55).
O tribunal não desconhece que a realidade da vida nem sempre é a que se encontra formalmente documentada. Por isso não tem dúvidas em acompanhar a jurisprudência [Acórdão do STJ de 04.05.2005, in www.dgsi.pt, Proc. 04S1505] citada pela recorrente nas suas alegações. E no mesmo sentido citamos nós o Ac. do STJ de 21.02.2001 [Publicado na C.J.-Ac. STJ, Ano IX, tomo I, pág. 294 e segs.] .
Ponto é que a matéria de facto do caso permitisse esse acompanhamento.
O que não é, segundo cremos, a situação dos autos.
Na verdade, ao contrário da perspectiva da recorrente, não foi feita prova suficiente de que houvesse um esquema contratual encapotado em que, sob a aparência de contratos ou “acordos gerais de fornecimento”, os fornecedores da R. aparentavam prestar um serviço à esta quando, na realidade, não o prestavam. Daí resultaria que trabalhadores como o A, formalmente contratados por empresas de trabalho temporário, para serem utilizados por aqueles fornecedores, na realidade eram utilizados pela R.
Pelo contrário, da análise dos contratos celebrados entre a R. e os fornecedores – v. II-A.3 a 7 – e de toda a realidade subjacente à dinâmica de contratos desta natureza, nomeadamente considerando a cada vez maior agressividade no comércio e a capacidade de as grandes superfícies conseguirem negociar com os fornecedores em posição de supremacia (facto senão notório pelo menos de conhecimento resultante das regras de experiência comum), não se vislumbra minimamente que tais contratos não tenham qualquer correspondência com a realidade social e laboral do A e que não sejam efectivos contratos celebrados entre a R. e cada um dos aludidos fornecedores.
Por outro lado, não logrou o A demonstrar que a R. tinha em relação às empresas de trabalho temporário que contrataram o A, ou em relação às empresas utilizadoras, alguma relação de domínio ou de outra natureza que permitisse levar-nos a concluir que as mesmas funcionavam como uma forma encapotada de a R. contratar através delas e que estas funcionavam como “entidades empregadoras fictícias”.
E salvo melhor opinião em contrário existe erro de perspectiva quando o A aponta à sentença recorrida a violação do art. 342º do Código Civil.
Com efeito, como já atrás se procurou justificar, nos termos do nº 1 daquele preceito, cumpria ao A fazer a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogava.
Assim competia ao A fazer prova de que entre ele e a R. se tinha estabelecido uma relação que era de qualificar como contrato de trabalho e que os contratos celebrados com as empresas de trabalho temporário eram nulos por fraude à lei, ou por qualquer outra razão não tinham validade, nomeadamente por não se verificarem os pressupostos da cedência ocasional de trabalhadores (art. 26º do DL 358/89) ou ter decorrido o prazo de dez dias após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário e o A ter continuado ao serviço do utilizador sem ter ocorrido a celebração de contrato que o legitime (v. art. 10º do DL 358/89).
Ora, como decorre da factualidade provada e acima se procurou justificar, o A não logrou fazer a prova daqueles factos. Aliás, como também se fundamenta na decisão recorrida, nem as empresas de trabalho temporário, nem as referidas empresas utilizadoras foram demandadas. Ora, sendo as mesmas partes naqueles contratos e sem a possibilidade de usarem do princípio do contraditório, não seria aqui possível concluir por aqueles vícios, pelo menos de forma a vinculá-las.
Por outro lado, não competia à R. fazer a prova de que a intermediação das empresas de trabalho temporário era lícita. Nenhuma norma específica lhe impunha tal ónus de prova, até porque a R. não é parte contratante naqueles contratos de trabalho temporário, nem tal ónus decorre das regras gerais sobre o ónus da prova, máxime do citado art. 342º.
Conclui-se, assim, em resposta à questão inicialmente colocada, que a prestação laboral levada a cabo pelo A., no estabelecimento da R., tal como configurada pelos factos provados, não é de qualificar como um contrato de trabalho subordinado entre o A e a R.
Não merece pois censura a decisão recorrida.
São assim de considerar improcedentes as conclusões das alegações do A, não tendo o Tribunal a quo violado as disposições legais indicadas naquelas conclusões, nem feito qualquer interpretação das referidas normas que seja violadora do principio constitucional da segurança no emprego.
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b) Ilicitude do despedimento do A
Daquela conclusão de improcedência das conclusões das alegações do A e do facto de não se poder afirmar que entre o A e a R. tenha existido uma relação de qualificar como contrato de trabalho, resulta que o conhecimento da segunda questão supra equacionada pela apelante, a ilicitude do seu despedimento, carece de qualquer utilidade. Ela tinha aquele pressuposto, a existência de um contrato de trabalho, estando prejudicada pela solução dada àquela problemática.
Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tal questão, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. artºs 660 nº 2, 713º nº 2 e 137º, todos do CPC.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo do apelante.
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Coimbra,
(António F. Martins)

(Bordalo Lema)

(Fernandes da Silva)