Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
605/08.1TBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO BRANDÃO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
MÚTUO
COMUNICABILIDADE
CÔNJUGE
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA- VARAS MISTAS - 2ª S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 825º, Nº 2, E 662º, Nº 2, B), DO CPC, E ARTº 805º, Nº 1, DO CC
Sumário: 1. Com as alterações introduzidas pelo DL nº 38/03, de 08.03, é agora possível, que na execução movida contra o único cônjuge que figura como devedor no título executivo, se possa formar também idêntico título contra ambos, no próprio processo de execução, portanto também contra o cônjuge que não tenha intervindo no título executivo, por forma a aproximar os regimes substantivo e processual da responsabilidade de ambos, com a consequente incidência sobre o respectivo acervo patrimonial.

2. Beneficiando o exequente de presunção quanto à existência da relação fundamental por força do artº 458º, nº 1, do CC, cabe à oponente a prova dos factos relativos à nulidade do mútuo de onde emerge a declaração de dívida que configura o título executivo.

3. No entanto, ainda que declarado nulo o mútuo por inobservância de forma, sempre valeria a declaração de dívida como título executivo por conter a obrigação de restituição que decorre dos artºs 281º e 289º do CC, por ser esta a obrigação exequenda contida no título executivo e que constitui a causa de pedir da presente acção executiva.

4. A citação, por força dos seus efeitos substantivos, provoca nos termos do artº 805º, nº 1, do CC e do artº 662º, nº 2, b), do CPC, a exigibilidade de obrigação pura.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

A... , intentou contra B... , execução para pagamento de quantia certa no montante de 120.468,82 €, alegando que no âmbito da relação de amizade existente entre ambos, emprestou por diversas vezes determinadas quantias ao segundo, no montante total de 120.000,00 €, tendo aquele segundo assinado uma declaração de dívida em 16.03.08, sobre a qual incidem juros de mora e acrescem ainda 48,00 € a título de taxa de justiça, tudo perfazendo a quantia reclamada.

Mais alegou o exequente, que a quantia titulada pela confissão em causa, resulta de empréstimos que reverteram em benefício comum do executado e do seu cônjuge, C... , cuja notificação requereu para efeitos do disposto no artº 825º, nº 2, do CPC.

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A C... deduziu a presente oposição, invocando a exequibilidade do título executivo, a aludida declaração confessória de dívida, que no seu entender não passa de uma promessa unilateral de cumprimento e reconhecimento de dívida, subscrita apenas pelo executado, pelo que não há título que legitime a execução contra a oponente, que em 16.03.08 já estava separada daquele, vindo a divorciar-se em 26.03.08, para além de que no mencionado documento não foi estabelecido qualquer prazo para cumprimento da obrigação, donde a necessidade da fixação prévia de um prazo para que isso acontecesse, e não tendo satisfeito as exigências de forma, pois que deveria ser celebrado por escritura pública, é nulo mútuo celebrado.

Impugnou igualmente a matéria invocada pelo exequente.

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Foi proferido despacho saneador, onde, depois de apreciar-se a argumentação da oponente acima mencionada, declarou-se desde logo improcedente o invocado em sede de "excepção", organizando-se de seguida a matéria de facto dada como provada e a base instrutória.

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Não se conformando, dela interpôs a oponente o presente recurso de apelação, e, após as respectivas alegações, finalizou com as seguintes conclusões:

1ª. A presente execução foi intentada tendo por base uma declaração confessória de dívida, datada de 16.03.2008 e assinada unicamente pelo executado, B....

2ª. Essa declaração constitui, nos termos do art. 458º, nº1, do CC, uma promessa unilateral de cumprimento e reconhecimento de dívida, e que, além de ter sido assinada pelo executado, foi também assinada pelo exequente. Assim,

3ª. O título executivo que sustenta a execução não foi assinado pela recorrente, pelo não existe um título que legitime a execução intentada contra si, violando, deste modo, o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, o disposto nos arts. 45º, nºs 1 e 2 e 46º, nº1, alínea c) do CPC.

Sem prescindir:

4ª. O exequente e o executado não fixaram na referida confissão de dívida o prazo de pagamento da mesma, ou seja para o cumprimento da obrigação.

5ª. E não tendo sido estabelecido qualquer prazo, o documento não poderia ter sido dado à execução sem a fixação judicial de um prazo para o cumprimento de um dever, conforme dispõe o artº 1456º, nº1 do CPC.

6ª. Isto porque, são aplicáveis à promessa unilateral ou confissão de dívida, artºs 457º e 458º do CC, as regras dos artºs 411º e 777º, nº 2 deste diploma, pelo que se torna necessária a fixação de um prazo pelo Tribunal.

7ª. Por outro lado, a recorrente invocou expressamente esta questão concreta nos artºs 10º e 11º da oposição, não se tendo o Tribunal pronunciado sobre a mesma, pelo que há omissão de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº1, alínea d), do CPC.

Sem prescindir ainda:

8ª. Os actos mencionados no artº 458º, nº1 do CC não constituem fonte autónoma de uma obrigação, mas antes uma mera presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial.
9ª. O regime específico previsto naquele artigo circunscreve-se, portanto, ao reconhecimento e à promessa que não mencionem a relação fundamental.
10ª. Ora, tendo o exequente invocado a relação causal, impunha-se-lhe que a provasse nos termos do que dispõe o artº 342º, nº1 do CC, para, assim, poder proceder o seu pedido.
11ª. E uma vez que é assente que a origem da obrigação inserida na declaração confessória reside em mútuos que, no seu total, perfazem o valor de 120.000,00€, estes têm de ser provados pelo exequente.
12ª. Porém, atento o disposto no artº 1143º do CC, o contrato de mútuo de valor superior a 20.000,00 € só é válido se for celebrado por escritura pública.
13ª. É certo que não existe só um único empréstimo, mas sim vários, todavia também é certo que, utilizando a expressão do exequente, este emprestou avultadas quantias.
14ª. Ora, tendo em conta uma tão grande quantia (120.000,00 €), as mencionadas “avultadas quantias” que foram adiantadas terão sido, certamente, iguais ou superiores a 20.000,00 €.
15ª. Assim, não tendo sido, em nenhuma dessas ocasiões, formalizado o contrato de mútuo, mediante a celebração da correspondente escritura pública, o mútuo – contratado naquelas diversas vezes –  é nulo, por falta de forma, nos termos do art. 286º do CC.
16ª. E assim, não podem, inseridos na confissão de dívida, constituir título executivo, nos termos dos arts. 45º e 46º, nº1, al. c) do CPC; e isto porque
17ª. O título apresentado à execução não tem exequibilidade extrínseca – exequibilidade da pretensão materializada no título – e nem exequibilidade intrínseca – validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado.
Finalmente,
18ª. O acto jurídico do reconhecimento de uma dívida de valor superior a 20.000,00 € está sujeito, por força da remissão constante do artº 295º do CC, a escritura pública, sob pena de nulidade.
19ª. O que é confirmado pelo artº 358º, nº2 do CC, já que a confissão extrajudicial constante de documento particular só se considera provada na medida em que o documento particular seja ele próprio válido, o que, como vimos, não é o caso.   
20ª. O douto despacho recorrido violou, salvo melhor opinião, as normas constantes dos artºs 286º, 295º, 342º, nº1, 358º, nº2, 411º, 457º, 458º, 777º, nº2 e 1143º do CC e 45º, 46º, nº1, al. c), 668º, nº1, al. d) e 1456º, nº1 do CPC, pelo que deverá ser revogado, e, em consequência, julgar-se procedente a oposição da recorrente e absolver-se a mesma do pedido executivo.

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O exequente contra-alegou, pedindo a improcedência do presente recurso e consequente manutenção do decidido, apresentando também ele as conclusões a seguir mencionadas, conformes a tal pretensão.

1. O despacho recorrido, encontra-se bem elaborado, sabiamente pensado, de acordo com o direito e não deve merecer qualquer reparo.

2. Lavra a executada em erro ao querer confundir o tribunal tentando comparar contrato de mútuo com Confissão de dívida.

3. O título executivo, dado à execução é uma confissão de dívida, cujo valor não foi emprestado de uma só vez.

4. Porém, o executado foi recebendo do exequente vários cheques, não tendo pago nenhum, constituiu-se devedor da quantia que todos pela presente confissão de dívida.

5. O certo é que as quantias entregues ao executado o foram na constância do matrimónio de ambos; como a seu tempo aquele provará.

6. Para aquisição de bens comuns, nomeadamente uma vivenda que detinham em Ançã.

7. Tendo tais quantias revertido para proveito comum do casal.

8. Pelo que, sempre deverão os executados restituírem ao exequente o que receberam sob pena de enriquecimento sem causa.

9. Do referido contrato resulta para os mutuários a obrigação de restituírem ao mutuante a quantia mutuada.

10. Atendendo nos pressupostos do enriquecimento sem causa.

11. Assim, devem os executados restituírem o que receberam do exequente.

12. Quando os executados se divorciaram em Março já as quantias tinham sido entregues aos executados há muito tempo. Como se provará com a micro filmagem dos cheques já solicitados ao banco.

13. Ambos os executados moravam juntos, e ambos alegaram que a quantia exequenda e outras que estão igualmente em execução era para pagamento da casa de Ançã até que realizassem um negócio que tinham em vista e depois pagariam.

14. À data do empréstimo, ambos os executados eram casados, o exequente apesar do título ser só assinado pelo cônjuge marido, alegou a comunicabilidade da dívida.

15. Nos termos do nº 4 do artigo 825 do CPC

". 4. Tendo o cônjuge recusado a comunicabilidade, mas não tendo requerido a separação de bens, nem apresentado certidão de acção pendente, a execução prossegue sobre os bens comuns"

16. Assim, uma vez que a executada D.., não requereu a separação de bens nem juntou certidão da pendência da mesma.

17. Alicerça a recorrente as sua alegações em conclusões por aquela retiradas, sem que tenha ainda tido lugar o julgamento para que o exequente faça prova dos factos que alega.

18. O que o Executado fez foi declarar-se devedor, por confissão de uma dívida que detinha para com o exequente.

19. Dívida essa, que foi contraída por diversas vezes pelo casal ora executados.

20. Pelo que, o despacho recorrido não violou qualquer norma legal.

21. Devendo por isso ser mantido nos seus precisos termos.

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Recebidos os autos, foi ordenado que voltassem ao tribunal “a quo”, para que se pronunciasse quanto à invocação da inexistência de data para o cumprimento da obrigação assumida pelo executado e da necessidade de fixação prévia de um prazo, tendo sido proferido o despacho de fls 52 e junta a aludida declaração.

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Os factos considerar serão aqueles resultantes do circunstancialismo invocado pelo exequente no requerimento inicial de execução, especialmente da declaração de dívida datada de 16.03.08, que o acompanhou, tal como é ali referido, documento que não foi posto em causa pela oponente e cuja cópia consta agora dos presentes autos a fls 54, sem esquecer naturalmente a impugnação feita por esta última quanto à comunicabilidade da dívida.

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Corridos os vistos legais, cumpre-nos então apreciar e decidir, tendo em atenção que seremos balizados pelas respectivas conclusões das alegações, sem prejuízo naturalmente daquelas outras cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no disposto nos artºs 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, e 690º, todos do Código de Processo Civil, diploma de que serão os demais preceitos mencionados sem indicação de origem.

Iniciemos pois a análise do presente recurso, debruçando-nos desde logo sobre a primeira razão invocada pela apelante, a ausência de qualquer documento com força executiva relativamente a ela, posto que a declaração confessória de dívida, datada de 16.03.2008, foi assinada unicamente pelo executado, pelo que constituiria a presente execução, no que a ela diz respeito, uma violação do disposto nos arts. 45º, nºs 1 e 2 e 46º, nº1, alínea c).

Conforme consta do relatório, a presente execução foi deduzida contra o executado, com base num determinado documento particular, cuja cópia encontra-se a fls 54, que configura uma declaração de dívida subscrita apenas por aquele mesmo executada, mas, invocando-se a comunicabilidade dessa mesma dívida, foi também requerida a consequente notificação do cônjuge, a oponente, nos termos do artº 825º, nº 2, preceito que tem o seguinte teor:

“Quando o exequente tenha fundamentalmente alegado que a dívida constante do título diverso de sentença, é comum, é ainda o cônjuge do executado citado para, em alternativa e no mesmo prazo, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela se deduza”.

Tal redacção, que resultou das alterações introduzidas pelo DL nº 38/03, de 08.03, permite desde então que na execução movida contra o único cônjuge que figura como devedor no título executivo, se possa formar também idêntico título contra ambos, no próprio processo de execução, portanto contra o cônjuge que não tenha intervindo no título executivo[1].

Destina-se tal mecanismo a aproximar os regimes substantivo e processual da responsabilidade dos bens do casal, e, de forma incidental, permitir a ampliação do âmbito subjectivo do título executivo, contornando assim a “presunção” de incomunicabilidade da dívida relativamente ao cônjuge que alí figure como único devedor, desde que se trate de título executivo extrajudicial, pois que tendo havido sentença tal questão deveria ter sido suscitada na acção declarativa[2]

Sendo efectivamente a oponente alheia ao título executivo, nele figurando apenas como devedor o executado, o que se trata aqui e pretende o exequente, é pois a extensão da execução àquela com base na comunicabilidade da dívida, matéria que por ser controvertida foi considerada na base instrutória.

Não há pois qualquer violação do disposto arts. 45º, nºs 1 e 2 e 46º, nº1, alínea c).

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Uma outra questão suscitada pela apelante, ainda que não em segundo lugar, mas que passaremos abordar por razões de precedência lógica, tem a ver, segundo ela, com a necessidade por parte do exequente, de alegar e provar a relação causal nos termos do artº 342º, nº 1, do CC, posto que os actos mencionados no artº 458º deste diploma, não constituem fonte autónoma de uma obrigação, mas antes uma mera presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial.

Vejamos então,

Estabelece o legislador através do artº 457º do CC, a tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais enquanto fonte das obrigações, o que significa dizer que, salvo nos casos previstos na lei, a emissão de uma simples declaração negocial não é vinculante para o seu autor no sentido de ter de cumprir uma determinada obrigação, tornando-se necessária a celebração de um contrato para que possa surgir essa vinculação[3].

Uma dessas excepções seria a prevista no artº 458º, nº 1, do CC, a declaração unilateral de reconhecimento de dívida, a qual não se reveste das características de negócio jurídico abstracto, posto que embora não seja necessário demonstrar a fonte da obrigação, que a lei presume, pode no entanto ser elidida essa mesma presunção por parte do devedor, de acordo com o disposto no artº 350º, nº 2, também do CC.

Porém, o preceito mencionado imediatamente acima, não consagra um desvio ao princípio do contrato, porquanto a declaração de reconhecimento de dívida não é uma fonte autónoma de uma determinada obrigação, mas cria apenas uma presunção de existência de uma determinada relação negocial ou extranegocial, esta sim a verdadeira fonte da obrigação, incidindo.

Em princípio, beneficia pois o exequente de uma presunção nos termos do artº 350º, nº 1, do CC, quanto aos factos referentes à relação fundamental ou negocial que o liga ao executado e da qual resultou a declaração de dívida, incidindo sobre a oponente, ao contrário do que entende, a alegação e prova dos factos tendentes a configurar a nulidade dos mútuos ou de alguns deles, por falta de satisfação das exigências de forma feitas pelo artº 1143º ainda do CC e tendo em atenção o disposto nos artºs 217º e 218º, e que é de conhecimento oficioso nos termos do artº 286º, todos eles do mesmo diploma[4].

Ora, alegou o exequente no requerimento inicial de execução que, “no âmbito das relações de amizade do exequente e executado … emprestou por diversas vezes, avultadas quantias aos executados, totalizando a quantia de € 120.000”, ao que a oponente respondeu no articulado inicial da presente oposição, que sendo o valor do mútuo superior a 20.000,00 €, só seria válido se celebrado por escritura pública, o que não sucedeu, razão porque é nulo esse mesmo contrato.

Importaria pois saber se a quantia exequenda foi entregue numa única parcela, ou em várias, sempre de valor superior a 20.000,00 €, situação que efectivamente obrigaria a celebração do contrato de mútuo através de escritura pública, ou de documento particular se de valor superior a 2.000,00 € mas inferior a 20.000,00 €, o que não foi feito em concreto, nem isso seria possível, perante a alegação conclusiva a que se remeteram um e outra nos respectivos articulados.

No entanto, e como referido acima, beneficiando o exequente da presunção a que alude o artº 458º, nº 1, do CC, quanto à existência da relação fundamental, cabia à oponente a prova dos factos impeditivos, extintivos ou modificativos dessa relação, que têm a ver com a validade intrínseca do título, de acordo com o ónus da prova que sobre ela incidia, por força do artº 342º, nº 2, ainda do CC, extraindo-se em caso de insucesso as consequências a que alude o artº 516º do CPC.  

Porém, ainda que viesse a considerar-se que os mútuos realizados eram efectivamente nulos por inobservância da forma devida, sempre estaria fadada ao insucesso a argumentação da apelante, porquanto ainda assim sempre estaria o executado obrigado à devolução do capital que lhe havia sido entregue nos termos do artº 289º, nº 1, do CC, pelo que a declaração expressa no documento, a exequibilidade intrínseca, corresponde á exequibilidade extrínseca, sendo portanto ele dotado de força executiva de acordo com os artºs 45º, nºs 1 e 2, e 46º, nº 1, d) quanto ao pedido formulado[5].

No que diz respeito aos juros não há porém título que titule tal obrigação, quer perante o documento em causa, que nada diz quanto a eles nem fixa data para o cumprimento da obrigação, quer se considerássemos a nulidade do contrato de mútuo, sendo que relativamente á taxa de justiça deverá ser satisfeita em regra de custas.

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Entende a ainda oponente que não tendo sido fixado prazo de pagamento da dívida que o executado reconheceu, não poderia tal documento ter sido dado à execução sem a fixação judicial prévia de um prazo para o seu cumprimento, conforme dispõe o artº 1456º, nº1, porquanto são aplicáveis à promessa unilateral ou confissão de dívida, a que aludem os artºs 457º e 458º do Código Civil, CC, as regras dos artºs 411º e 777º, nº 2 deste diploma.

Não é porém assim.

Dispõe o nº 1 do mencionado artº 777º do CC, que “na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.”

Refere-se aí o princípio geral das obrigações puras, que são aquelas em que se deixa na dependência da vontade das partes a determinação do respectivo vencimento, pois que a qualquer momento pode o credor exigi-la e o devedor oferecê-la, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o acto pelo qual dão conhecimento recíproco dessa manifestação de vontade, exigindo o cumprimento[6]

O nº 2 desse aludido preceito diz respeito a excepções a tal princípio, atribuindo-se então ao tribunal a tarefa de fixar o prazo de cumprimento quando assim o exija a própria natureza da prestação ou do contrato, as circunstâncias que a determinaram[7], o que não ocorre no caso vertente, bem pelo contrário, não havendo portanto lugar à aplicação do artº 1456º, nº 1.

Configurando uma obrigação pecuniária aquela que resulta da declaração de dívida, sendo embora pura como dissemos, e por isso ainda não vencida mas exigível a qualquer tempo, decorre tal exigência dos efeitos substantivos da citação, por força do artº 805º, nº 1, do CC e do artº 662º, nº 2, b), do CPC[8], com plena aplicação no caso vertente, ainda que tratando-se de uma execução e perante o teor do 3º ponto da declaração, onde ser refere que “os outorgantes acordam em atribuir força executiva ao presente documento particular”. 

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Resta ainda um última questão, a relativa à não fixação prévia de prazo para cumprimento da obrigação por parte do exequente, o que também retiraria força executiva ao documento em causa, a qual por não ter sido apreciada anteriormente inquinaria a sentença lavrada com a nulidade prevista no artº 668º, nº 1, d), que ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar.

Conforme vem referido na apreciação dessa nulidade, englobou-se no julgamento de improcedência das excepções suscitadas pela ora apelante, nelas incluindo-se a relativa à falta de data para o cumprimento da obrigação expressa na confissão de dívida, a qual foi agora abordada e decidida nos termos aludidos, pelo que não podemos deixar de a considerar ultrapassada nos termos do artº 670º, nº 1, com a redacção dada pelo DL 303/07, de 24.08.   

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Podemos assim concluir com as seguintes proposições:

1. Com as alterações introduzidas pelo DL nº 38/03, de 08.03, é agora possível, que na execução movida contra o único cônjuge que figura como devedor no título executivo, se possa formar também idêntico título contra ambos, no próprio processo de execução, portanto também contra o cônjuge que não tenha intervindo no título executivo, por forma a aproximar os regimes substantivo e processual da responsabilidade de ambos, com a consequente incidência sobre o respectivo acervo patrimonial.

2. Beneficiando o exequente de presunção quanto à existência da relação fundamental por força do artº 458º, nº 1, do CC, cabe à oponente a prova dos factos relativos à nulidade do mútuo de onde emerge a declaração de dívida que configura o título executivo.  

3. No entanto, ainda que declarado nulo o mútuo por inobservância de forma, sempre valeria a declaração de dívida como título executivo por conter a obrigação de restituição que decorre dos artºs 281º e 289º do CC, por ser esta a obrigação exequenda contida no título executivo e que constitui a causa de pedir da presente acção executiva.

4. A citação, por força dos seus efeitos substantivos, provoca nos termos do artº 805º, nº 1, do CC e do artº 662º, nº 2, b), do CPC, a exigibilidade de obrigação pura.

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Face a tudo quanto fica exposto, acordam pois os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar parcialmente procedente a presente apelação, restringindo a quantia exequenda a 120.000,00 € (cento e vinte mil euros) acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação.

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Custas pela apelante e apelado na proporção de 9/10 para a primeira e 1/10 para o segundo.

[1] José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, 3º Vol. pgs 363 e 368/370

[2] Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2ª ed., pg 53.

[3] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 5ª ed., pg 276; Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., pg 461 e sgs

[4] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., pgs 412/413; Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., pgs 465/466

[5] Acs. STJ de 10.07.2008, Procº nº 08A1582, e de 19.02.09, Procº nº 07B4427, disponíveis em www.itij.pt

[6] Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pgs 1007/1011

[7] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 2ª ed., pg 21

[8] José lebre de Freitas, ob. cit., 2º Vol., anotação 3 ao artº 481º, pg 262