Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
497/04.0TBVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ARRENDAMENTO
OBRAS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 564º, Nº 2, 1036º, NºS 1 E 2 E 817º ; 1275º, Nº 2 DO CC, E 661º, Nº 2, DL N°168/97 DE 4 DE JULHO, ALTERADO PELO DL N°139/99, DE 24 DE ABRIL, DL N°38/97, 25 DE SETEMBRO, E DL N°57/2002, DE 11 DE MARÇO. ARTIGO 11° DO DL 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO
Sumário: 1. Faltando a autorização expressa do senhorio quanto à realização, pelo inquilino, de obras de adaptação do locado para o exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, apesar da sua execução lhe ter sido ordenada pela Câmara Municipal competente, substituindo-se este na feitura de algumas dessas obras, não goza do direito à indemnização pelo respectivo valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, pelas despesas que com as mesmas desembolsou.
2. E, não podendo o inquilino realizar as obras de adaptação do locado, sem o consentimento expresso e escrito do senhorio, nem as tendo este executado, resta concluir pela culpa exclusiva do locador no encerramento do estabelecimento.
3. Demonstrando-se que o inquilino não pode, contratualmente, fazer obras no locado, sem autorização escrita do senhorio, ficando as mesmas a fazer parte integrante do arrendado, sem que possa exigir do locador qualquer indemnização, apenas goza da faculdade de reclamar, em sede de danos patrimoniais emergentes, o pagamento do quantitativo relativo aos lucros cessantes derivados da privação do rendimento auferido no estabelecimento, em consequência do seu encerramento.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A....propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B....e C...., todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia global de €101.019,91, sendo €86.019,91, a título de danos patrimoniais, correspondente ao valor das rendas que pagou pela ocupação do imóvel, ao valor que pagou pelo trespasse do estabelecimento, uma vez que deveriam tê-lo avisado que este não se encontrava licenciado, à diferença entre o que receberia se o estabelecimento se encontrasse em perfeitas condições para o poder trespassar, ao pagamento do custo das obras que efectuou, e €15.000,00, a título de danos morais, e ainda a quantia que se vier a liquidar, em execução de sentença, a título de lucros cessantes decorrentes da redução do horário de funcionamento e da antecipação do encerramento do estabelecimento, em qualquer dos casos, com o acréscimo de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.
Alega, para tanto, que adquiriu, por contrato de trespasse, celebrado em 12 de Março de 1996, um estabelecimento de café e snack-bar, altura em que lhe foi transmitido, igualmente, o direito ao arrendamento do imóvel, onde o mesmo estabelecimento se encontrava a funcionar, e que pertencia aos réus.
            Sucede que estes, movidos, unicamente, pelo propósito de expulsarem o autor, solicitaram a concessão de uma licença de utilização para estabelecimento de restauração e bebidas, bem sabendo que não lhes podia ser concedida, na medida em que os próprios réus tinham efectuado obras não licenciadas, acabando, assim, com esse pedido de vistoria, realizado em 18 de Julho de 2000, por despoletar o conhecimento, por parte da Câmara Municipal, de várias irregularidades.
Notificado do teor do auto camarário, o autor solicitou aos réus a realização das obras pretendidas, alegando que as não podia executar, por falta de legitimidade para o efeito, mas que estes não efectuaram, tendo, então, o autor procedido as obras necessárias para o isolamento acústico.
Por outro lado, os réus apresentaram várias queixas com o propósito fecharem o estabelecimento, acabando o autor por ser compelido ao seu encerramento, pelas 22h, o que lhe provocou diminuição dos ganhos.
Posteriormente, em virtude das irregularidades que se mantinham e que só o senhorio podia sanar, foi o autor obrigado a encerrar e a desocupar o estabelecimento.
Na contestação, os réus sustentam que, quando arrendaram o local para o exercício da restauração, este possuía todas as condições para o efeito, não tendo qualquer intervenção no negócio do trespasse que foi celebrado, apenas sucedendo que, por força das alterações legislativas posteriores à celebração do contrato de arrendamento, o locado passou a ter que dispor de outras condições, que antes não lhe eram exigidas, obras essas cuja realização não era da responsabilidade dos réus.
            Por outro lado, e, ao contrário do que tinha sucedido com os anteriores arrendatários, o autor deu um uso ao locado que pôs em risco a segurança e a saúde da clientela do estabelecimento e dos próprios réus, que habitavam no primeiro andar.
 A isto acresce que o autor efectuava uma utilização muito ruidosa, que impedia o descanso e repouso dos réus e que esteve na origem das queixas apresentadas.
            Na réplica, o autor conclui como na petição inicial.

            A sentença julgou a acção, parcialmente procedente, por, parcialmente provada, e, em consequência, condenou os réus B....e C.... a pagar ao autor A....a quantia de €20.000 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.

Desta sentença, o autor e os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

                                            O AUTOR:

1ª - Os quesitos 22° a 24°, 25°, 27° e 28° a 30° deveriam ter sido dados por não provados por nenhuma prova ter sido feita no sentido positivo, nos termos supra expostos, tendo a douta sentença sob recurso feito uma errónea apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente e desde logo em face do distanciamento que demonstram em face dos factos, já que relatavam conhecimento de há cinco e seis anos atrás, os quais não podiam, não podem e não tiveram qualquer influência da decisão administrativa de encerrar o estabelecimento.

2ª - Encontra-se gravada a prova produzida sobre esta matéria, e há documentos suficientes juntos aos autos que vão ao encontro desta pretensão do recorrente, razão pela qual a resposta a tal matéria deve ser alterada, dando-se como não provada.

3ª - Entende o recorrente que, da prova produzida, designadamente dos autos de vistoria, não resulta demonstrado que o recorrente tenha contribuído para a deliberação de encerramento do estabelecimento, isto mesmo a darem-se por assentes os factos dos quesitos 22 a 24, 25 a 27 e 28 a 30, o que não se concede.

4ª - Todos os factos se reportam a períodos muito anteriores que nada têm a ver com as vistorias realizadas para a concessão da licença de utilização, sendo que esta só não foi concedida porque os recorridos não realizaram as obras ordenadas pela autoridade administrativa.

5ª - O recorrente discorda do valor indemnizatório que lhe foi arbitrado, tendo em conta a matéria que foi dada por provada. Discordando não só da divisão de responsabilidades, como do próprio valor, já que a douta sentença sob recurso o valor parece-nos meramente arbitrário. Na verdade, atendendo ao valor de um trespasse, tendo por referência o valor pago pelo recorrente em 1996, ao valor das obras executadas e pagas pelo recorrente, muito pouco tempo antes do encerramento, ao valor pago pela medição acústica e ainda os comprovados danos morais, a indemnização nunca poderia ser inferior ao valor reclamado de €101.019,91. Pois não há de modo algum concorrência de culpa do recorrente para o encerramento.

6ª - Mas, mesmo que houvesse, o que não se concede, sempre o valor poderia eventualmente ser reduzido a metade, que levaria o valor a pagar pelos recorridos aos recorrentes para a quantia de €50.509,95 e nunca os € 20.000,00 arbitrados.

7ª - No mais, concorda-se com a fundamentação jurídica. Normas violadas: artigos 564° e 570° do Código Civil.

8ª - A douta sentença sob recurso deve ser modificada, no que respeita ao valor arbitrado, devendo o mesmo ser corrigido, de harmonia com a fundamentação ora apresentada, para o valor peticionado de €101.019,91, que é aquele que se entende por justo e equitativo, atentos os factos que dos autos constam e os prejuízos efectivamente sofridos pelo recorrente. Quando assim se não entenda e este Venerando Tribunal penda para a concorrência de culpas, o que não se concede, sempre a indemnização a atribuir seria de, pelo menos, metade do valor peticionado, ou seja, €50.509,95, e nunca os €20.000,00 atribuídos.

                                               OS RÉUS:

1ª – Em 14 de Março de 1995, data em que os apelantes arrendaram o local a que os autos se referem, para restauração, aquele possuía todas as condições legalmente exigíveis para o exercício desta actividade.

2ª – E encontrava-se devidamente licenciado, pelas autoridades administrativas competentes, para aquele fim, como consta da escritura de arrendamento.

3ª - Posteriormente, com a entrada em vigor dos DL n°168/97 de 4 de Julho, alterado pelo DL n°139/99, de 24 de Abril, DL n°38/97, 25 de Setembro, e DL n°57/2002, de 11 de Março, os locais para o exercício da restauração passaram a ter de dispor de condições que o local em causa nestes autos não reúne.

4ª - A Câmara Municipal de Vagos só poderia conceder licença de utilização, para o exercício da restauração, ao prédio em causa nestes autos se, designadamente, nele fossem construídas casas de banho para o pessoal e espaços para arrumos.

5ª - Contrariamente ao que a douta sentença recorrida decide, as
obras necessárias à criação destes espaços, não eram da
responsabilidade dos apelantes.

6ª - Uma vez que tais obras sempre teriam carácter inovador.

7ª - Não cabendo, por isso - ao contrário do que sustenta a sentença recorrida - nas hipóteses previstas nos números 1, 2 e 3 do artigo 11° do DL 321-B/90, de 15 de Outubro.

8ª - As citadas normas prevêem apenas obras de conservação, ordinária ou extraordinária, que visam manter o prédio nas condições em que se encontrava quando foi arrendado, ou quando foi emitida a respectiva licença de utilização.

9ª - No caso dos autos, do que se trata é de obras capazes de adaptar
o local arrendado a exigências legais supervenientes.

10ª - Situação que qualifica tais obras como de beneficiação.

11ª - Sucede que a Câmara Municipal de Vagos nunca ordenou aos
apelantes que realizassem tais obras, nem teria legitimidade para o fazer,
atenta a natureza inovadora das mesmas.

12ª - De resto, os apelados nem sequer alegaram que a Câmara Municipal de Vagos tivesse ordenado aos apelantes a realização das ditas obras.

13ª - Acresce que o prédio em causa se encontra em zona de Reserva Agrícola Nacional e em zona de Reserva Ecológica Nacional.

14ª - E que, atenta essa natureza do solo onde o prédio está implantado, só com licença da Comissão Regional do Ambiente do Centro, aquelas obras poderiam ser realizadas.

15ª - Sendo certo que os apelantes foram informados por uma Técnica Superior da Câmara Municipal de Vagos de que aquela entidade não autorizaria tais obras.

Assim,

16ª - Os apelantes não só não eram obrigados a realizar as obras em questão, como até estavam informados de que lhes não seria dada licença para as realizarem.

17ª – Não lhes cabendo, por isso, qualquer responsabilidade pela falta de condições legais para o exercício da actividade de restauração, no local arrendado.

Acresce que

18ª - O estabelecimento em causa nestes autos foi encerrado por não cumprir as mais elementares normas de higiene e segurança, pondo em risco os seus donos, os seus utentes e até a vizinhança (dejectos humanos a transbordar da fossa, tripas de galináceos e peixes podres atirados pelo chão do pátio, cabos eléctricos soltos em eminência de provocarem curto-circuitos e incêndios, instalação de gás em risco de provocar explosões, etc, etc, etc.)

19ª Semelhante situação sempre justificaria, por si só, o encerramento do estabelecimento em questão, mesmo que ele estivesse
dotado das tais casas de banho para pessoal e dos arrumos.

20ª – O que sempre excluiria qualquer responsabilidade dos apelantes decorrente do facto de não terem executado as obras de construção de tais casas de banho e arrumos - ainda que aos apelantes coubesse a obrigação de realizar tais obras, o que não se concede.

21ª -     Não havendo lugar à concorrência de responsabilidades que a
sentença recorrida preconiza.

De resto,

22ª - As condições infra-humanas de vida que os apelantes, residindo
no andar por cima do restaurante, foram obrigados a suportar, ao longo de anos, resultantes da utilização dada pelos apelados ao local arrendado, que constituía grosseiro incumprimento do contrato de arrendamento, sempre justificaria que os apelantes se abstivessem de realizar as obras atrás mencionadas e, bem assim, que apresentassem as suas legítimas queixas às diversas entidade administrativas competentes.

23ª - Pelas razões expostas a sentença recorrida viola o disposto no
n°4 do artigo 11
o e no artigo 13° do DL 321-B/90 de 15 de Outubro.

24ª - De todo o modo - e de novo sem conceder - ponderando-se as
diversas    circunstâncias     que    determinaram     o     encerramento    do estabelecimento e a respectiva gravidade, por razões de equidade, sempre o valor da indemnização arbitrada terá de se considerar excessivo.

25ª – Revogando-se a sentença e proferindo-se acórdão que inteiramente absolva os réus, ora apelantes.
Nas contra-alegações, que apenas os réus apresentaram, estes entendem que deve ser julgada improcedente a apelação interposta pelo autor.

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, em ambas as apelações, em função das quais se fixa o objecto dos recursos, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da responsabilidade pela realização das obras exigidas pelo estabelecimento.
III – A questão do montante indemnizatório arbitrado.

               I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O autor sustenta que devem conhecer resposta negativa os pontos nºs 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29 e 30, da base instrutória, relativamente aos quais o Tribunal «a quo» proferiu respostas de conteúdo restritivo ou explicativo.

Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com os pontos da matéria de facto em que o autor suscitou a respectiva alteração, que a testemunha Maria de Fátima Plácido, cliente do restaurante explorado pelo autor, disse que “nunca viu qualquer fossa a transbordar ou sentiu cheiro delas proveniente, nem fumos ou assadores” e que “o estabelecimento estava limpo”.

A testemunha ….., também cliente do restaurante, disse que “era um restaurante limpo, de cozinha aberta, com asseio”, “nunca tendo visto grelhador de frangos à frente do estabelecimento”.

A testemunha …….., igualmente, cliente do restaurante, disse que “conhecia a fossa das traseiras mas que nunca deu por que cheirasse mal”, que “nunca viu tripas de frango nas traseiras”, que “ o restaurante teve um assador, desde 1996 até princípios de 2001, altura em que foi retirado” e que “ajudava a assar frangos, normalmente, ao meio dia”.

A testemunha ….., que foi cliente do restaurante, disse que “não cheirava mal no restaurante” e que “esteve um assador à frente, a trabalhar, mas que não dava maus cheiros”.

A testemunha ……, que conhece o local, em virtude das vistorias que realizou ao mesmo, na qualidade de engenheira civil e funcionária da Câmara Municipal de Vagos, disse que “não se recorda de ter havido problemas na fossa quando lá esteve” e que “depois foi feita uma outra fossa, à frente”.

A testemunha ……, que conhece o local, em virtude das vistorias que fez ao restaurante, na qualidade de fiscal municipal de obras da Câmara Municipal de Vagos, disse que “não sabe se a fossa estava a transbordar”.

A testemunha ….., que conhece o local, em virtude das vistorias que fez ao restaurante, na qualidade de médica municipal, disse que “de uma das quatro vezes que foi ao local havia vestígios de derramamento recente da fossa, mas que o problema depois foi resolvido”.

A testemunha ….., que é amiga da ré e visita da sua casa, há mais de vinte anos, e que foi cozinheira do restaurante quando este, anteriormente, foi explorado pelo genro, disse que “viu a fossa a transbordar no quintal”, que “várias vezes cheirava e atraía moscas”, que “se viam penas e tripas” e que “havia um assador, do lado Norte, depois de ter sido mudado do lado Sul”.

A testemunha ……, que viveu em casa dos réus, após o que continuou a frequentar a mesma, disse que “as lixeiras existentes nas traseiras do pátio eram visíveis e cheiravam mal”, que “havia restos de comida, penas, lixos, insectos e moscas”, que “não era possível comer na varanda do 1º andar”, que “na frente da casa havia cheiros, tipo churrasco, e um assador de frangos” e que “os fumos do assador vinham para cima e incorporavam-se no vestuário, cabelo e no interior da casa”.

A testemunha ……, que trabalhou no restaurante, por conta do autor, disse que “no chão do pátio faziam-se as preparações das refeições, depois varriam os restos e deitavam-nos nas fossas”, que “nas traseiras cheirava mal quando vinha a porcaria da fossa ao de cima, o que acontecia, todos os dias”, que “havia um assador de frangos de churrasco, quase encostado às paredes da casa, onde se assavam frangos, todos os dias, indo o fumo ter à parte de cima”.

A testemunha ……, que é visita da casa dos réus, disse que “saía muita porcaria da tampa da fossa, penas, pescoços, cabeças de galinha”, que “havia mau cheiro com moscas e mosquitos” e que “à frente, havia um assador de frangos que deitava muito fumo que punha a parede escura e não permitia estar na varanda”.

A testemunha ……, que é visita da casa da ré quando esta está em Portugal, disse que “havia penas, cabeças de galinha, tripas de peixe, cascas de batatas e hortaliças como um depósito do restaurante, um cheiro insuportável, um mosquedo insuportável, vendo-se a porcaria das fossas a transbordar” e que “na frente da casa, era o mau cheiro dos frangos de um assador grande”.

Com efeito, perguntando-se se “a fossa enchia, transbordava e inundava o logradouro do imóvel com dejectos humanos e toda a sorte de imundícies”? (ponto nº 22), “exalando cheiros nauseabundos?” (ponto nº 23) “e atraindo nuvens de insectos?” (ponto nº 24), o Tribunal «a quo» respondeu “provado apenas que a fossa séptica para onde drenam as casas de banho e as cozinhas do estabelecimento, quando enchia transbordava no logradouro onde se situava, emitindo os respectivos cheiros que lhe são inerentes e provocando a presença de insectos”.

Neste particular, resulta da prova produzida, na versão apresentada pelas testemunhas cujos depoimentos, no seu essencial, se deixaram extractados, que a fossa transbordava no quintal, saindo porcaria, através da respectiva tampa, exalando, por vezes, cheiros e atraindo moscas e mosquitos, mas este problema, entretanto, depois de uma das vistorias realizadas, foi resolvido.

Assim sendo, o teor das respostas em questão manter-se-á, conforme consta do respectivo despacho, esclarecendo-se, porém, que tal foi resolvido, após a realização de uma das vistorias camarárias efectuadas.

Por outro lado, questionando-se se “o autor atirava para as traseiras do imóvel, mesmo por baixo das janelas dos RR., peixes apodrecidos, tripas de peixe, tripas de frango e outros detritos, em grandes quantidades?” (ponto nº 25), “que ali deixavam a apodrecer?” (ponto nº 26) “que exalavam cheiros pestilenciais e atraíam insectos e roedores?” (ponto nº 27), o Tribunal «a quo» respondeu que “nas traseiras do imóvel, por baixo das janelas dos réus, eram colocados detritos resultantes da confecção das refeições, que provocavam maus cheiros”.

Efectivamente, neste particular, as respostas em questão respeitam, integralmente, a factualidade que ficou demonstrada e que, oportunamente, foi sintetizada.

Finalmente, perguntando-se se “na frente da casa, o A. colocou um enorme assador de frangos, mesmo por baixo das janelas dos RR.?” (ponto nº 28), “ali assavam, diariamente, sobretudo na época de Verão, dezenas de frangos de churrasco?” (ponto nº 29), “produzindo fumos que invadiam a casa dos RR.?” (ponto nº 30), o Tribunal «a quo» respondeu que “na frente da casa o autor colocou um assador de frangos, onde no Verão assava diariamente frangos, produzindo fumos que entravam na casa dos réus”.

De igual modo, neste particular, foi analisada, criticamente, e de forma criteriosa, a prova obtida, e respondido em conformidade com a mesma.

Nestes termos, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados os seguintes factos:

Por escritura pública, datada de 12 de Março de 1996, lavrada no Cartório Notarial de Vagos, D....declarou trespassar ao autor A....e este declarou aceitar o trespasse de um estabelecimento comercial de café e snack-bar, instalado e a funcionar no prédio composto de casa de rés do chão e primeiro andar, destinado a habitação e comércio, com garagem e logradouro, sito na ……. inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo 1090 (conforme documento de fls. 14 e ss dos autos) – A).

Por escritura pública, datada de 14 de Março de 1995, lavrada no Cartório Notarial de Vagos, D….. tomou de arrendamento aos réus o prédio referido em A), pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, mediante o pagamento de uma renda mensal de 70.000$00. Nesse contrato, estipulou-se que “O rés-do-chão arrendando destina-se à exploração de um café, snack-bar, e restaurante” (cl.1ª), “O arrendatário não poderá fazer obras no local arrendado, sem autorização escrita dos senhorios, ou do seu procurador.” (cl. 4ª), “Todas as obras que o inquilino vier a efectuar no local arrendado ficarão a fazer parte integrante do mesmo, sem que ele possa exigir por elas qualquer indemnização aos senhorios.” (cl. 5ª), “Findo o contrato o inquilino deverá entregar o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, com todos os elementos que o compõem na data de início.” (cl. 7º) (documento de 19 e ss) – B).

Os réus tomaram conhecimento da transmissão do estabelecimento, aludido em A), e não exerceram o direito de preferência – C).

Os réus dirigiram-se à Câmara Municipal e requereram a concessão de uma licença de utilização para o estabelecimento de restauração e bebidas – D).

No dia 18 de Julho de 2000, a Câmara Municipal de Vagos procedeu à vistoria técnica, com vista à concessão de licença de utilização, destinada à instalação de um estabelecimento de restauração e bebidas (café e snack bar) denominado Duna Verde, “cuja construção e ampliação se efectuou a coberto das Licenças de Obras nºs 316 e 940, datadas de 11.4.85 e 11.12.86, respectivamente, verificando-se que não foi respeitado o projecto aprovado, tendo sido executadas obras a mais (nomeadamente, na parte posterior do estabelecimento e na zona frontal do mesmo” (conforme doc. de fls. 25) – E).

Na sequência da vistoria, referida em E), a Câmara determinou a realização de determinados trabalhos como condição necessária à concessão da licença de utilização e que se encontram discriminados no documento de fls. 27 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido – F).

A vistoria foi efectuada ao 1° andar, destinado a habitação, bem como aos seus acessos porque o prédio onde se insere o estabelecimento não se encontra afecto ao regime da propriedade horizontal – G).

Por força do contrato de arrendamento, o autor é obrigado a pagar a renda, com a actualização, anualmente, publicada no Diário Oficial – H).

O estabelecimento, referido em A), encontra-se em zona REN e RAN e nele foram efectuadas obras, sem a competente licença – I).

Dos trabalhos de correcção, referidos no documento aludido em E), o autor executou o esvaziamento da fossa, a limpeza do estabelecimento e retirada das construções em madeira, em frente ao mesmo, reparou o letreiro, colocou armaduras estanques na cozinha, fixou cabos soltos e colocou tampas nas caixas de derivação, fixou tomadas e repôs cabos nos reclamos luminosos – J).

Os réus foram notificados pelo autor, em 31 de Janeiro de 2001, através de uma notificação judicial avulsa, para executarem as obras de correcção constantes do auto de vistoria e que consistiam na exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, e no licenciamento de construção posterior ilegal com adaptação de projecto, criando instalações sanitárias para o pessoal e sala de arrumos (conforme documento de fls. 36) – L).

A Câmara Municipal deliberou o encerramento do estabelecimento comercial com os fundamentos constantes do parecer jurídico de 14 de Setembro de 2004 (conforme documentos de fls. 29 e ss e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) – M).

Nesse parecer apresentam-se as seguintes conclusões: “Por razões de segurança, não só do proprietário do café “ Duna Verde “ mas também de quem frequenta o mesmo, até porque se a Câmara Municipal de Vagos “permitir” que o café em questão continue aberto, poderá vir a ser responsabilizada por tal atitude, caso algo de “anormal” ali aconteça, como por exemplo alguma explosão!!!

Por razões de salubridade, em conformidade com o auto de vistoria que foi efectuado. - Ver doc. n° 5.

Por razões de violação do Regulamento Geral do Ruído, pois o local em causa não possui os índices de isolamento sonoro exigidos. - Ver doc. n° 6.

Por último, por razões legais, pois, presentemente, o café “Duna Verde “em virtude de não terem sido realizadas as obras exigidas legalmente está a violar frontalmente e claramente o DL n°57/2002, de 11 de Março que alterou o DL n°168/97, de 4 de Julho, situação essa com a qual a Câmara não nos parece que possa compactuar.”

Os réus queixaram-se, junto das autoridades competentes, dos ruídos produzidos no restaurante do autor – N).

Em 27 de Abril de 2002, foi efectuado um estudo de verificação de cumprimento do Regulamento Geral sobre o ruído que concluiu pela falta de insonorização (conforme documento de fls 46 e ss dos autos) – O).

Na sequência do referido em N), ao autor foi concedida licença, pelo prazo de 90 dias, para efectuar as obras de insonorização do estabelecimento – P).

Em Maio de 2001, o autor foi notificado, pelo Governador Civil, de que tinha que encerrar o estabelecimento, às 24 horas, quando até então possuía licença para o encerrar, até às 2 horas, em regime normal, e, às 4 horas, em regime excepcional – Q).

E, posteriormente, foi obrigado a encerrar o estabelecimento, às 22 horas – R).

Os réus telefonavam para a GNR, sempre que se apercebiam que no interior do estabelecimento permanecia gente, para além do horário – S).

Em Novembro de 2004, o autor desocupou o estabelecimento, em cumprimento da ordem camarária – T).

Em 8 de Novembro de 2000, os réus requereram à Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Centro um parecer no sentido de procederem à ampliação da área ocupada do estabelecimento (conforme documento de fls. 114 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido) – U).

Os réus, em virtude das queixas e requerimentos que apresentavam, deslocavam-se, por várias vezes, à Câmara Municipal - 4º.

O autor foi obrigado a encerrar o estabelecimento, às horas referidas em P) e Q), devido às queixas dos réus - 5º.

O autor colocou material em pladur para isolamento dos ruídos, o que conseguiu - 7º e 8º.

Com a realização de nova vistoria para determinar o índice de isolamento, o autor pagou a quantia de 997,60€ - 9º.

Com as obras, referidas em 7), o autor desembolsou a quantia de 510.022,31€ - 10º.

O autor e a esposa trabalhavam juntos, no estabelecimento, e dele sustentavam a sua família, composta por quatro pessoas - 11º.

O autor tem encargos com, pelo menos, um empréstimo e com os filhos que estão a estudar – 12º.

Com as vigilâncias da GNR e com as queixas dos réus, o autor sentiu-se transtornado e incomodado – 13º.

À data da celebração do contrato de arrendamento, referido em B), já no local era explorado um estabelecimento de café e snack bar, dispondo do respectivo alvará de licença - 16º.

O estabelecimento dispunha de uma dependência para arrumos que foi anexada à cozinha, tendo esta sido ampliada – 17º e 18º.

A Eng. ….., funcionária da Câmara Municipal de Vagos, informou que a DRAC não concederia licença, em zona de REN – 20º.

A fossa séptica para onde drenam as casas de banho e as cozinhas do estabelecimento, quando enchia transbordava no logradouro onde se situava, emitindo os respectivos cheiros que lhe são inerentes e provocando a presença de insectos, sendo certo, porém, que tal foi resolvido, após a realização de uma das vistorias camarárias efectuadas – 22º, 23º e 24º.

Nas traseiras do imóvel, por baixo das janelas dos réus, eram colocados detritos resultantes da confecção das refeições, que provocavam maus cheiros – 25º, 26º e 27º.

Na frente da casa, o autor colocou um assador de frangos, onde, no Verão, assava, diariamente, frangos, produzindo fumos que entravam na casa dos réus – 28º, 29º e 30º.

Instalou, no local, diversos cabos eléctricos que mantinha ligados à corrente, sem estarem fixados à parede – 35º.

Arrancou dos respectivos nichos diversas tomadas de energia eléctrica que mantinha ligadas à corrente eléctrica, suspensas na parede, com os respectivos fios eléctricos expostos – 36º.

Situação que tornava iminente a possibilidade de um curto-circuito e de um consequente incêndio – 37º e 38º.

O autor instalou, também, um esquentador a gás butano para aquecimento de águas – 39º.

Sem instalar qualquer conduta para a exaustão dos respectivos fumos – 40º.

O autor instalou botijas de gás industrial, nas traseiras do edifício, sem qualquer tipo de protecção, quer para as próprias botijas, quer para os tubos que conduziam o gás ao interior – 45º.

Deixando botijas e tubagens expostas ao excesso de calor, nas tardes de Verão, e ao excesso de frio, nas noites de Inverno – 46º.

Colocando em perigo a segurança de pessoas e bens – 47º.

No dia 25 de Julho de 2004, os tubos de condução do gás chegaram a rebentar, provocando uma série de pequenas explosões – 48º.

Depois do encerramento do café, por vezes, em casa dos réus, ainda se ouvia barulho dali proveniente - 49º e 50º.

II. DA RESPONSABILIDADE PELA REALIZAÇÃO DAS OBRAS EXIGIDAS PELO ESTABELECIMENTO

Revertendo ao caso em apreço, importa reter que ficou demonstrado que a Câmara Municipal de Vagos deliberou o encerramento do estabelecimento comercial explorado pelo autor, com fundamento em razões de segurança, derivadas do risco de explosão, por razões de salubridade, em virtude de violação do Regulamento Geral do Ruído, pois que o local em causa não possuía os índices de isolamento sonoro exigidos, e, finalmente, por não terem sido realizadas as obras exigidas, legalmente, em conformidade com o disposto pelo DL n° 57/2002, de 11 de Março, que alterou o DL n° 168/97, de 4 de Julho.

Com efeito, entre as obras, inicialmente, impostas, na sequência de uma vistoria técnica realizada, no dia 18 de Julho de 2000, com vista à concessão de licença de utilização solicitada pelos réus, o autor executou o esvaziamento da fossa, a limpeza do estabelecimento, a retirada das construções em madeira, em frente ao mesmo, a reparação do letreiro, a colocação de armaduras estanques na cozinha, a fixação de cabos soltos, a colocação de tampas nas caixas de derivação, a fixação de tomadas e a reposição dos cabos dos reclamos luminosos, mas não já as obras de correcção referentes à exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, nem o licenciamento de construção posterior ilegal com adaptação de projecto, criando instalações sanitárias para o pessoal e sala de arrumos, não obstante ter feito notificar os réus para as executarem, o que estes não cumpriram.

Assim sendo, importa definir, desde logo, qual a natureza destas obras, ou seja, a correcção da exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, e a criação de instalações sanitárias para o pessoal e sala de arrumos, que nem o autor, enquanto explorador do estabelecimento, nem os réus, enquanto seus proprietários, realizaram, com a consequente responsabilidade pela sua inexecução.

Por outro lado, está provado que o autor recebeu de trespasse o estabelecimento de café, snack-bar e restaurante, que se situa num local arrendado, de que os réus são senhorios e proprietários, sendo certo que o locatário não pode, contratualmente, fazer obras no arrendado, sem autorização escrita daqueles, ou do seu procurador, ficando a fazer parte integrante do mesmo todas aquelas que o inquilino nele vier a efectuar, sem que possa exigir dos mesmos qualquer indemnização, devendo entregar o local arrendado, findo o contrato, em bom estado de conservação e limpeza, com todos os elementos que o compunham na data do seu início.

Estabelecendo o artigo 216, n°1, do Código Civil (CC), o conceito de benfeitorias, como sendo «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa», não define, porém, aquelas que, no âmbito do estipulado pelos artigos 1022º e 1031º, b), do mesmo diploma legal, devam ser realizadas pelo locador para assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a mesma se destina.

Nos termos do disposto pelo artigo 1038º, nº 1, b), do CC, constitui obrigação genérica do senhorio assegurar ao arrendatário o gozo da coisa locada, para os fins a que a mesma se destina, de harmonia com o contido no negócio jurídico de arrendamento, no sentido de que o locador deve actuar, por forma a que o gozo do inquilino não seja, significativamente, diminuído[1], isto é, está obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas, consideradas essenciais ou indispensáveis, para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro[2].

Quer isto dizer que, conjugando esta obrigação imposta ao locador com as obrigações próprias do locatário, a que alude o artigo 1038º, em especial, com o dever de manutenção e restituição da coisa locada, tal como o definem os artigos 1043º e seguintes, impõe-se concluir que o locador é obrigado a realizar todas as reparações e outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim a que a mesma se destina, sob pena de faltar, culposamente, ao cumprimento da sua obrigação e de se tornar responsável pelos prejuízos causados ao arrendatário, ficando constituído em mora, atento o mero retardamento da prestação, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 798º, 562º e seguintes, e 804º, nº 2, todos do CC, mas, por outro lado, que estão a cargo do locatário as reparações ou despesas determinadas pela aplicação da coisa a fim diferente do convencionado[3].
Porém, sobre o arrendatário não incide o dever de proceder a reparações ou despesas essenciais ou indispensáveis ou de efectuar os correspondentes pagamentos, porquanto se trata de uma faculdade concedida no seu interesse, e não de um dever que lhe é imposto, no interesse do locador[4].
Por seu turno, só na ausência de estipulação contratual em contrário, impenderá sobre o senhorio a responsabilidade pela realização das obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, sendo certo que o arrendatário apenas poderá executar aquelas que o contrato faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo locador, para o efeito, atento o disposto pelo artigo 1046º, nº 1, do CC, e este último só será obrigado a realizá-las, salvo havendo acordo escrito nesse sentido, se a sua execução lhe for ordenada pela Câmara Municipal competente, face ao estipulado pelos artigos 11º e 13, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aplicável por força do estipulado pelo artigo 60º, nº 1, da Lei nº 6/06, de 27 de Fevereiro[5].

São obras de conservação ordinária, designadamente, as impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas, aquando da concessão da licença de utilização, e, em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração, em consonância com o prescrito pelo artigo 11º, nºs 1 e 2, b) e c), do RAU.

As obras de beneficiação serão todas aquelas que, não sendo de conservação ordinária nem extraordinária, isto é, que não sendo indispensáveis para a conservação do prédio, no entanto, o melhoram, repondo o nível de conforto que existia à data do arrendamento[6].

A lei obriga, pois, o senhorio a realizar as obras de conservação ordinária, como acontece com aquelas a que se reporta a situação em apreço, em conformidade com o preceituado pelo artigo 12º, nº 1, do RAU, com excepção das hipóteses contempladas pelos artigos 4º e 120º, deste diploma, e 1043º, do CC, mas que aqui não importa considerar, com uma periodicidade regular de oito anos, segundo impõe o artigo 9º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

A entender-se, porém, que se trata de obras de beneficiação, ficam, igualmente, a cargo do senhorio se, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe for imposta, pela câmara municipal competente, atento o disposto pelo artigo 13º, nº 1, do RAU.
Efectivamente, não subsistem quaisquer dúvidas razoáveis quanto à necessidade de realização do esvaziamento da fossa, da limpeza do estabelecimento e retirada das construções em madeira, em frente ao mesmo, da reparação do letreiro, da colocação de armaduras estanques na cozinha, da fixação de cabos soltos e colocação de tampas nas caixas de derivação, da fixação de tomadas e reposição dos cabos dos reclamos luminosos, da correcção do sistema de exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, e do licenciamento da construção posterior ilegal com adaptação de projecto, criando instalações sanitárias para o pessoal e sala de arrumos, todas elas obras impostas, na sequência de uma vistoria técnica realizada pela Câmara Municipal de Vagos, com vista à concessão da licença de utilização solicitada pelos réus, sob pena de o locado não reunir as condições requeridas pelo fim a que se destina e que presidiu à celebração do contrato de arrendamento e de, consequentemente, poder vir a ser encerrado, como aconteceu.

De facto, a realização das obras de correcção em causa assume importância fundamental para o autor, não se tratando, pois, de uma pretensão de carácter voluptuário, de melhoria da coisa em relação ao estado anterior, por forma a dela retirar mais proveito ou utilidades[7], ou sequer baseada num critério de pura comodidade pessoal.

Por outro lado, o autor inquilino avisou os locadores, através de notificação judicial avulsa, no sentido da necessidade destes executarem as obras de correcção em causa, pedindo, sem sucesso, a sua efectivação, nos termos do disposto pelo artigo 1038º, nº 1, h), do CC, em conformidade com o auto de vistoria para concessão de alvará de licença de utilização, levado a cabo pela Câmara Municipal de Vagos, aliás, na sequência de requerimento, para o efeito, apresentado pelos próprios réus.

Apesar da falta de autorização dos réus senhorios quanto à realização, pelo autor inquilino, de obras de adaptação do locado para o exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, o autor substituiu-os na feitura de algumas das obras de adaptação do espaço locado para os fins do contrato, mas que aqueles, em primeira linha, competiria, no âmbito do cumprimento da obrigação de assegurar o gozo da fracção, para os fins do contrato, a que aludem os artigos 1022º e 1031º, b), do CC.
Estipula, por seu turno, o artigo 216º, nº 3, do CC, a propósito das várias modalidades de benfeitorias, que “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentem, todavia, o valor; e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.
A isto acresce, nos termos do preceituado pelo artigo 1046º, nº 1, que, não se tratando da hipótese de o locador se encontrar em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, ou da existência de estipulação em contrário, “…o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, com a consequência imposta pelo artigo 1273º, nº 1, de o possuidor de má fé ter “direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim como a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela”, acrescentando o artigo 1275º, nº 2, todos do CC, que o possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito[8].
Porém, não se tendo provado que os réus consentiram, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo autor, tal não constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no já aludido nº 1, do artigo 1046º, do CC, que, consequentemente, permite a equiparação do locatário ao possuidor de boa fé[9].
Efectivamente, o autor levou a cabo, por sua iniciativa e para seu exclusivo benefício, sem autorização dos réus, algumas obras de adaptação do locado para os fins do exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, sendo certo que as aludidas obras aumentaram o seu valor, em montante não, concretamente, apurado.
Afastando-se, terminantemente, do conceito de benfeitorias necessárias as despesas realizadas pelo autor, porquanto não tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, também é de rejeitar a sua qualificação como benfeitorias voluptuárias, uma vez que se provou que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, aumentaram, porém, o valor locativo do imóvel.
Contudo, a sua qualificação como benfeitorias úteis, enquanto «tertium genus» da categoria legal em presença, não resulta, sem mais, por exclusão de partes.
Com efeito, a adaptação do locado, pelo inquilino, não devidamente autorizado pelo senhorio, para o fim contratual convencionado, nem sempre é incompatível com a noção de benfeitoria, a qual, aliás, contrariamente à acessão, pressupõe uma relação ou vínculo jurídico que liga o seu autor à coisa beneficiada[10].
Assim sendo, considerando que os locadores tinham conhecimento da necessidade da realização das obras, não empreendendo a correcção da situação existente, mesmo após a notificação judicial avulsa, por iniciativa do autor, deixando arrastar a situação, até ao encerramento administrativo do estabelecimento, importa concluir que se encontravam obrigados a efectuar as aludidas reparações, consideradas essenciais ou indispensáveis à regular fruição do arrendado, podendo o autor exigi-las, judicialmente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1036º, nºs 1 e 2 e 817º, do CC.

Como assim, o encerramento administrativo do estabelecimento, determinado por deliberação camarária, que o autor desocupou, em Novembro de 2004, constituiu uma consequência necessária e directa da não realização da correcção do sistema de exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, e do licenciamento de construção posterior ilegal com adaptação de projecto, criando instalações sanitárias para o pessoal e sala de arrumos, em conformidade com a imposição efectuada pela Câmara Municipal de Vagos, na sequência de uma vistoria técnica realizada pelos respectivos serviços competentes, com vista à concessão da licença de utilização solicitada pelos próprios réus.

E, não podendo o autor realizar essas obras, sem o consentimento expresso e escrito dos réus, nem as tendo estes executado, resta concluir pela culpa dos senhorios no encerramento do estabelecimento.

Efectivamente, se os réus tivessem realizado as obras ordenadas pela autoridade administrativa, a licença de utilização que eles próprios aquela solicitaram teria sido concedida, sendo certo, outrossim, que a situação proveniente do vazamento da fossa séptica no logradouro, quando enchia e transbordava, emitindo os respectivos cheiros que lhe são inerentes e provocando a presença de insectos, foi ultrapassada na sequência da realização de uma das vistorias camarárias efectuadas.

Por seu turno, o autor procedeu a todas as obras de correcção impostas pela vistoria para concessão de alvará de licença de utilização do estabelecimento, com excepção das referentes à exaustão de fumos, de acordo com o RGEU, e da criação de instalações sanitárias para o pessoal e da sala de arrumos.

Importa, pois, atribuir aos réus senhorios a exclusividade da culpa pelo encerramento do estabelecimento de café e restaurante explorado pelo autor.

                       III. DO MONTANTE INDEMNIZATÓRIO

Entende o autor que o valor indemnizatório a arbitrar, em função dos danos que suportou, deve ser fixado em 101.019,91€, por ser justo e equitativo, atentos os factos que dos autos constam e os prejuízos, efectivamente, sofridos.

Tendo ficado demonstrada a culpa, real e efectiva, dos réus no encerramento administrativo do locado, e bem assim como de todas as sequelas sobrevindas ao mesmo, impende sobre eles, exclusivamente, a obrigação de indemnização, emergente da sua culpabilidade na produção dos danos consequentes causados ao autor.

Ora, sempre que alguém estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, com base no princípio da restauração ou reposição natural, consagrado pelo artigo 562º, assumindo, porém, a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, como acontece, designadamente, quando não seja possível a reconstituição da situação anterior à lesão, em conformidade com o disposto pelo artigo 566º, nº 1, ambos do CC.

E o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, o dano emergente, como, também, os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, mas que, então, ainda não tinha direito, isto é, o lucro cessante, atento o estipulado pelo artigo 564º, nº 1, do CC.

E, na fixação da indemnização, deve atender-se, para além do danos de natureza patrimonial, aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 562º e 496º, nº 1, ambos do CC.

No caso em apreço, o autor peticiona uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no montante de 101.019,91€, sendo 86019,91€, a título de danos patrimoniais, e 15000,00€, a título de danos não patrimoniais.

No que concerne ao segmento dos danos patrimoniais, ficou demonstrado, tão-só, que o autor pagou a quantia de 997,60€ com a realização de nova vistoria para determinar o índice de isolamento, e desembolsou a importância de 10.022,31€ com a realização das obras consequentes à vistoria para concessão de alvará de licença de utilização do estabelecimento.

Porém, neste particular, considerando que ficou demonstrado que o autor não pode, contratualmente, fazer obras no locado, sem autorização escrita dos réus, ou do seu procurador, ficando as mesmas fazer parte integrante do arrendado, sem que possa exigir destes qualquer indemnização, inexiste fundamento legal para o pedido, nos termos do estipulado pelo artigo 405º, nº 1, do CC.

Contudo, provou-se ainda que o autor trabalhava junto com a esposa, no estabelecimento, donde lhe advinha o sustento da sua família, composta por quatro pessoas, tendo encargos com, pelo menos, um empréstimo e com os filhos que estão a estudar.

Assim sendo, improcedendo o pedido, em sede de danos patrimoniais emergentes, condenam-se os réus a pagar ao autor o quantitativo a liquidar, oportunamente, relativo aos lucros cessantes derivados da privação do rendimento auferido no estabelecimento, em consequência do seu encerramento, em conformidade com o estipulado pelos artigos 564º, nº 2, do CC, e 661º, nº 2, do CPC.

No que concerne ao pedido por danos não patrimoniais, provou-se, apenas, que o autor se sentiu transtornado e incomodado com as vigilâncias da GNR e com as queixas dos réus.

Porém, tais factos, e outros não se provaram, traduzem-se em meros incómodos ou contrariedades, que não justificam a ressarcibilidade pelos respectivos danos, de natureza não patrimonial[11].

Por todo o exposto, na improcedência da apelação interposta pelos réus e na parcial procedência da apelação apresentada pelo autor, condenam-se os réus a pagar ao autor o quantitativo a liquidar, oportunamente, relativo aos lucros cessantes derivados da privação do rendimento auferido no estabelecimento, em consequência do seu encerramento, mas em montante nunca inferior a 20000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral cumprimento.

                                                     *

CONCLUSÕES:

I - Faltando a autorização expressa do senhorio quanto à realização, pelo inquilino, de obras de adaptação do locado para o exercício da actividade de restauração, a que, contratualmente, se destinava, apesar da sua execução lhe ter sido ordenada pela Câmara Municipal competente, substituindo-se este na feitura de algumas dessas obras, não goza do direito à indemnização pelo respectivo valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, pelas despesas que com as mesmas desembolsou.

II – E, não podendo o inquilino realizar as obras de adaptação do locado, sem o consentimento expresso e escrito do senhorio, nem as tendo este executado, resta concluir pela culpa exclusiva do locador no encerramento do estabelecimento.

III – Demonstrando-se que o inquilino não pode, contratualmente, fazer obras no locado, sem autorização escrita do senhorio, ficando as mesmas a fazer parte integrante do arrendado, sem que possa exigir do locador qualquer indemnização, apenas goza da faculdade de reclamar, em sede de danos patrimoniais emergentes, o pagamento do quantitativo relativo aos lucros cessantes derivados da privação do rendimento auferido no estabelecimento, em consequência do seu encerramento.

                                                               *

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação interposta pelos réus, mas, parcialmente, procedente a apelação apresentada pelo autor e, em consequência, condenam os réus a pagar ao autor o quantitativo a liquidar, oportunamente, relativo aos lucros cessantes derivados da privação do rendimento auferido no estabelecimento, em consequência do seu encerramento, mas em montante nunca inferior a 20000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral cumprimento.

                                                      *

 

Custas, a cargo dos réus, na percentagem de ¼, enquanto que, em relação à restante percentagem de ¾, as mesmas são, provisoriamente, divididas, pelo autor e pelos réus, em partes iguais, fazendo-se o respectivo rateio, em função da sucumbência, na liquidação em execução a instaurar.


[1] Pereira Coelho, Arrendamento, 108; Isidro de Matos, Arrendamento e Aluguer, 79; Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 170; Pinto Furtado, Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, 382 e 222.
[2] Antunes Varela, RLJ, 100º, 381 e 382.
[3] STJ, de 30-1-81, BMJ nº 303, 212.
[4] Antunes Varela, RLJ, Ano 100º, 380 a 382.
[5] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 414, 416, 418, 419, 421, 422, 483 e 859.
[6] Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, 195 a 198.
[7] João de Matos, Manual do Arrendamento e do Aluguer, II, 21.
[8] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 356; RP, de 23-7-1987, CJ, Ano XII, T4, 219 (221).
[9] RL, de 16-5-73, BMJ nº 227, 201; RL, de 22-4-74, BMJ nº 236, 185.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 163.
[11] STJ, de 18-11-75, BMJ nº 251º, 148; e de 12-10-73, BMJ nº 230º, 107.