Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
120/07.0TTCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A SANÇÃO DO DESPEDIMENTO
ACTO DE PROLAÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 11/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 39º, Nº 1, DO CÓDIGO DE PROC. DE TRABALHO, E 415º, Nº 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Nos termos do artº 39º, nº 1, do C. P. Trabalho, a suspensão de despedimento deve ser decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo, ou se o Tribunal ponderando todas as circunstâncias relevantes, concluir pela possibilidade séria de inexistência de justa causa.

II – Nos termos do artº 415º, nº 1, do Código do Trabalho, decorrido o prazo referido no nº 3 do artigo anterior o empregador dispõe do prazo de trinta dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade de aplicar a sanção.

III – Ao contrário do regime legal constante do D. L. nº 64-A/89, de 27/02 (LCCT), hoje, com o Código do Trabalho, o referido prazo de 30 dias é inequivocamente um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.

IV – O elemento literal do artº 415º, nº 1, do C. Trabalho apela à interpretação do impedimento da caducidade com o acto da prolação da decisão e não com o acto que a torna perfeita (o momento da comunicação ao trabalhador).

Decisão Texto Integral: Requerente: A...
Requerido: B...


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A requerente instaurou procedimento cautelar de suspensão do despedimento contra a requerida alegando, em síntese, que ocorreu a caducidade do direito da requerida aplicar a sanção de despedimento.
Procedeu-se à audiência final e, no final, foi indeferido o pedido de suspensão do despedimento.
É deste despacho que a requerente vem agora recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
1- Dos factos dados como provados resultou que a requerente, ora agravante, tomou conhecimento da decisão final de despedimento no dia 8 de Maio de 2007, sendo que as diligências probatórias requeridas foram concluídas em 4 de Abril de 2007.
2- A requerente, ora agravante, teria de ser notificada da decisão, para que dela tomasse efectivo conhecimento, até ao dia 4 de Maio de 2007, data que constitui o termo final do prazo de 30 dias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção por parte da requerida, ora agravada.
3- Pois, sendo o despedimento um negócio unilateral receptício, a declaração negocial nele inserta só é eficaz quando chega ao conhecimento do seu destinatário.
4- E porque assim, verificou-se in casu a caducidade do direito de aplicar a sanção, por decurso do prazo peremptório a que se refere o artigo 415º nº1 do Código do Trabalho, pelo que o despedimento é ilícito.
5- A sentença recorrida violou o disposto no artigo 415º, nº 1 do Código do Trabalho.

A requerida fez apresentação de contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que deve ser mantida a decisão recorrida.
Não houve resposta a este parecer.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que fixou a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1) A requerida é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedica ao desenvolvimento de actividades de apoio social a pessoas idosas através do alojamento colectivo, fornecimento de alimentação, cuidados de saúde, animação social e ocupação de tempos livres dos utentes.
2) A requerente foi admitida verbalmente e por prazo indeterminado ao seu serviço no dia 1 de Fevereiro de 2006 para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante remuneração que se cifrava no montante mensal de 900,00 €, exercer as funções de Directora Técnica do Centro, sujeita a um período experimental de 90 dias.
3) Por carta datada de 1/03/2007, a requerida comunicou à requerente que a suspendia preventivamente, sem perda de retribuição, dada a pendência de um processo disciplinar para apuramento de determinados factos, sendo que na mesma data foi-lhe também comunicada a intenção de a despedir sob alegada com justa causa, pelos motivos constantes da nota de culpa anexa junta a fls. 10 a 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4) A requerente respondeu atempadamente a essa nota de culpa, tendo requerido a inquirição de testemunhas, as quais foram ouvidas em 4 de Abril de 2007, através de instrutor nomeado pela requerida.
5) A decisão final com a aplicação da sanção de despedimento com invocação de justa causa, foi recebida pela requerente no dia 8 de Maio de 2007.
6) Não existe na requerida, comissão de trabalhadores, nem a requerente é dirigente sindical.
7) A última diligência probatória requerida pela requerente ocorreu no dia 4 de Abril de 2007.
8) A decisão final proferida no processo disciplinar foi enviada à autora no dia 3 de Maio de 2007 através de carta registada com a/r.
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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se, no caso do despedimento de que a requerente foi alvo, este é ineficaz, pelo motivo de ter ocorrido a “caducidade do direito de aplicar a sanção”, justificando-se assim a providência cautelar de suspensão de despedimento.
Vejamos, então:
A dita questão da caducidade é a única, cumpre referir, que a requerente invoca como fundamento para o pedido da providência.
Nos termos do artº 39º nº 1 do C.P.Trabalho, a suspensão deve ser decretada, se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo, ou se o tribunal ponderando todas as circunstâncias relevantes, concluir pela possibilidade séria de inexistência de justa causa.
No caso, foi elaborado o competente processo disciplinar e o mesmo, segundo o juízo da 1ª instância, que foi posto em causa por via de recurso, não padece do vício invocado, relativamente à caducidade da decisão disciplinar que declarou a sanção de despedimento.
Tratava-se de saber se a requerida proferiu a decisão para além do prazo de 30 dias a que alude o art° 415° n° 1 do Código do Trabalho, de acordo com o qual “decorrido o prazo referido no n° 3 do artigo anterior o empregador dispõe o prazo de trinta dias para proferir a decisão, sob de caducidade de aplicar a sanção”.
Não sendo a requerente dirigente sindical, nem existindo comissão de trabalhadores (v. matéria de facto estabelecida), a contagem do prazo de 30 dias teve início, no caso, no dia seguinte ao da conclusão das diligências probatórias, ou seja no dia 5 de Abril de 2007 (pontos de facto 4) e 7)).
Qual o termo do prazo?
De acordo com a requerente, ele ocorreu com o conhecimento da decisão (através de comunicação postal que recebeu no dia 8 de Maio de 2007).
No entendimento da 1ª instância, tal termo ocorre com a prolação da mesma decisão - pelo ponto de facto 8), percebemos que esta foi proferida e enviada à autora no dia 3 de Maio de 2007 através de carta registada com a/r.
Antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, o regime legal constante Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) estabelecia o mesmo prazo, que actualmente vigora (como já dissemos) de trinta dias para o empregador proferir a decisão do processo disciplinar. Tal prazo indicava, para além de outros aspectos na regulamentação do procedimento disciplinar, preocupações de celeridade, quer na condução, quer na conclusão do processo. O artº 10º, nº 8 da LCCT dispunha o prazo de trinta dias, depois de concluídas as diligências probatórias, para prolação da decisão.
A lei não indicava, como hoje no Código do Trabalho, que o não cumprimento de tal prazo gerava a caducidade do direito de proferir a decisão. Discutia-se, então, a natureza de tal prazo: se meramente indicativo, sem consequências prático-processuais em caso de inobservância, a não ser na dimensão que podia constituir mais uma circunstância na apreciação da justa causa, ou se peremptório, em termos da sua inobservância acarretar a perda do direito de praticar o acto, como consequência de caducidade. Foi a primeira a tese que pareceu prevalecer (v. Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., 1996, págs. 508 e nota 1 e Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, 1990, págs. 153; Acórdão STJ de 28-10-1998, in BMJ 480-337, Ac. Rel. Coimbra de 17-10-1991, in CJ, t. 4, 153, Ac. Rel. Coimbra de 28-021992, in BMJ, 414-647, Ac. Rel. Coimbra de 30-04-1992, in BMJ 416-721.
Hoje, o prazo de 30 dias é inequivocamente um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção, como resulta do disposto no seu artº 415.º, n.º 1
A questão está em saber se tal prazo tem o seu termo efectivo na data da prolação da decisão, tal como parece resultar da letra do preceito indicado, ou se, antes, tal termo deve ser o da data da notificação da decisão ao destinatário, na medida em que se trata de uma declaração unilateral receptícia – neste último sentido, decidiu o Ac. Rel. Porto de 19-12-2005 (in www.dgsi.pt, proc. 0515412); no primeiro dos sentidos, vai a posição do tribunal a quo.
O fundamento do instituto da caducidade é a necessidade objectiva da certeza e segurança jurídica, na exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo, a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável. Ao contrário do da prescrição em que essa protecção é dispensada atendendo ao desinteresse, à inércia negligente, do titular do direito em exercitá-lo - cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., pág. 374. O Prof. Vaz Serra (in RLJ, Ano 105º, pág. 27) fez mesmo a distinção nos seguintes termos: na caducidade, a lei por considerações meramente objectivas quer que o direito seja exercido dentro de certo prazo, prescindindo da negligência do titular e, por isso, de eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência; enquanto na prescrição, o que a lei se propõe é proteger a segurança jurídica, sancionando a negligência do titular do direito, pelo que o prazo prescricional pode suspender-se e interromper-se nos termos prescritos na lei.
Com a prescrição, propõe-se a lei sancionar a negligência do titular e proteger a segurança jurídica e, por isso, o prazo prescricional - ao contrário da caducidade, que apenas se impede - pode suspender-se e interromper-se, começando a correr quando o direito puder ser exercido – art. 306º - e apenas se interrompe (além do compromisso arbitral pelo reconhecimento do direito - arts. 324º e 325º) pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito.
A caducidade só é impedida pela prática do acto dentro do prazo legal, nos termos do art. 331º do Código Civil (“só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo”).
É claro que nos termos do artº 224º do Código Civil a declaração negocial, como a da decisão do despedimento, só se torna eficaz (determinando até a imediata cessação do vínculo, nos termos do artigo 416º do Código do Trabalho)) quando chega ao poder do trabalhador ou dele conhecida. É uma declaração negocial receptícia.
Mas o elemento literal do artigo 415º nº 1 do Código do Trabalho, como refere a decisão da 1ª instância, apela à interpretação do impedimento da caducidade com o acto da prolação da decisão e não com o acto que a torna perfeita (o momento da comunicação).
A comunicação é importante para o instituto da prescrição (no qual se procura, como dissemos, sancionar a negligência do titular). Não já para o da caducidade onde o que releva é a necessidade objectiva da certeza e da segurança jurídica.
Daí que se compreenda que a lei, neste caso, se refira ao acto da decisão como o acto impeditivo da caducidade. No caso, por exemplo, do artigo 411º nº 4 do Código do Trabalho já releva o acto de comunicação da nota de culpa (também declaração unilateral receptícia) como o acto funcionalmente apto para interromper a prescrição da infracção disciplinar.
Se outro fosse o entendimento, para além do da letra da lei, a certeza e a segurança jurídicas poderiam ficar afectadas: como refere a decisão da 1ª instância, entre o envio da decisão e o conhecimento desta pelo destinatário poderiam decorrer vários dias, ficando o empregador sem saber em que momento deveria enviar a decisão de modo a dar cumprimento ao prazo fixado na lei – sendo certo que, pelo lado do trabalhador, nada impede a consulta do processo disciplinar para verificar se, em tempo, foi proferida decisão, assim assumindo controlo do prazo da decisão.
Por isso, no nosso entendimento, a interpretação sobre qual o termo final do prazo do n° 1 do art. 415º do Código do Trabalho não pode ser a de que é o do momento do conhecimento da decisão por parte do trabalhador.
No caso dos autos, assim, iniciando-se a contagem do prazo no dia 5 de Abril de 1007 e tendo a decisão de despedimento sido proferida e enviada em 3 de Maio, verifica-se a ocorrência de impedimento do prazo de caducidade em causa.
Por isso, no nosso entender improcedem, as conclusões do recurso, não tendo ocorrido a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se em julgar improcedente o agravo e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Coimbra,

(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)