Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1356/15.6T8FIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
DIREITO DE VISITA DOS AVÓS
TRIBUNAIS ESPANHÓIS
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE FAMÍLIA E MENORES DA F. FOZ – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003, DE 27/11/2003; ARTº 1887º-A DO C. CIVIL; ARTº 59º DO NCPC.
Sumário: I – O chamado Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho da União Europeia, de 27 Novembro de 2003, é relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (e revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000).

II - Na consideração inicial (12) desse Regulamento diz-se que ‘as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental’.

III - Daí que no artº 8º, nº 1 do citado Regulamento se estatua que ‘os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal’.

IV – Da Consideração (12) citada resulta o chamado critério de proximidade (residência habitual da criança) -, que se afigura ser também o superior interesse do menor, dado que vive com o pai e em Espanha, o que não é posto em causa na presente ação.

V - No presente caso e conforme é alegado pela própria Requerente/recorrente, a menor B… reside em Espanha desde Agosto de 2017, portanto há já mais de 3 meses à data da propositura da presente ação –27/11/2017-, na companhia do pai, cuja responsabilidade parental exclusiva não é posta em causa na ação, face ao falecimento da mãe da menor em 21/08/2017, pelo que nos termos do artº 8º, nº 1 do Regulamento são internacionalmente competentes para conhecer desta ação os tribunais espanhóis.

Decisão Texto Integral:    






         Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz - Juiz 2, em 27/11/2017 M…, divorciada, reformada, residente na Rua …, instaurou a presente ação, com processo declarativo especial tutelar comum, contra I…, solteiro, residente na Avenida …, Córdova, Espanha, pedindo que seja reconhecido à Requerente o direito de visita ou de convívio com a sua neta B…, nascida a 20/04/2015, que se encontra a residir com o pai, em Espanha, uma vez que a mãe da menor, filha da requerente, de nome B…, faleceu em 21/08/2017, progenitora esta que até então tinha a guarda da menor, razão pela qual a menor passou, desde então, a residir com o pai, que tinha a filha consigo em Agosto de 2017, de férias de verão, ao abrigo da então vigente regulamentação dos poderes parentais.

Nos pedidos que formula pretende que lhe seja proporcionado o convívio com a neta uma semana por mês, em local a combinar de …, Córdova, Espanha; o convívio com a neta nos períodos de natal e da páscoa; o convívio com a neta no período das férias de verão; o convívio com a neta noutros períodos que a menor deseje e que o pai consinta; e que a Requerente possa ter contactos por via telefónica e por via ‘skype’ com a menor.  

Refere o disposto no artº 1887º-A do C. Civil para o pedido de deferimento da sua pretensão.


II

            Foi proferido despacho inicial a mandar os autos com ‘vista’ ao Digno Agente do M.º P.º junto do Tribunal ‘a quo’, dado que a menor reside com o pai, em Espanha, desde Agosto de 2017, portanto há mais de 3 meses à data da propositura da presente ação – fls. 16.

            Foi então emitido parecer pelo M.ºP.º a requerer a declaração de incompetência internacional do Tribunal português – fls. 17.


III

            Nessa sequência foi proferido despacho judicial nos seguintes termos:

‘...

 A requerente é avó materna de B…, nascida em 20/4/2015, e o requerido progenitor dessa menor, cuja mãe faleceu num acidente de viação em 21/8/2017.

Considerando ser alegado que a menor se encontrava em férias de verão com o pai em Espanha quando sucedeu o infausto acidente da progenitora, em 21 de Agosto de 2017, a qual permaneceu de aí em diante à guarda do progenitor e com ele residindo em Espanha, além de a menor frequentar a creche da sua área de residência, não tendo, até à data, regressado a Portugal, estando a residir há mais de três meses com o pai em Espanha, não é viável o prosseguimento do processo neste Juízo, dado o disposto no art.º 9.º, n.º 1, do R.G.P.T.C. e o conceito de residência habitual da menor, para os fins dos arts. 8.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003.

É essa igualmente a posição expressa pelo M.P. a fls. 17, o qual ali pugnou pela declaração de incompetência internacional deste Tribunal ao abrigo dos arts. 8.º e 17.º do Regulamento Bruxelas II-A, acima citado, devendo a avó requerente fazer valer as suas pretensões no competente tribunal espanhol, que está habilitado a decidir o caso, devido à residência habitual da menor com o pai naquele País.

Pelo exposto, declaro verificada a incompetência internacional deste Tribunal para decidir dos convívios da menor em causa com a avó materna, nos termos dos arts. 96.º, a), 97.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil e dos arts. 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, e 17.º  do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003 (Regulamento Bruxelas II-A ou II bis), pelo que, ao abrigo do art.º 278.º, n.º 1, al. a), do mesmo Cód. Proc. Civil, absolvo o requerido pai da instância.

Custas pela requerente (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).’.


IV

            Desse despacho interpôs recurso a Requerente, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

26ª) Devendo, assim, o presente recurso ser julgado procedente e ser revogada a decisão que declara a incompetência territorial do Tribunal Português.

27ª) Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso de apelação ser admitido e em consequência ser o tribunal declarado competente territorialmente.


V

            Contra-alegou o Digno Agente do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, onde também formula as seguintes conclusões:

11ª. Não se verificam os requisitos do art.º 9.º do Regulamento e estaria decorrido já o prazo de três meses aí enunciado.

12ª. Deve, pois, ser mantida a decisão recorrida, por respeitar o art.º 8.º do Regulamento Bruxelas IIa, que prevalece sobre os critérios de competência da lei interna.


VI

            O recurso interposto foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se resume à reapreciação do despacho recorrido, nele se tendo decidido que o Tribunal português é internacionalmente incompetente para conhecer das questões suscitadas pela Requerente/Recorrente na ação, competência essa que é nele atribuída aos Tribunais espanhóis.

            Apreciando, diremos que a presente ação é uma ação declarativa com processo especial tutelar civil comum, com fundamento no disposto no artº 1887º-A do C.Civil (na redação da Lei nº 84/95, de 31/08), disposição esta que inibe os pais de injustificadamente privarem os filhos do convívio com os irmãos e com os ascendentes, ou seja, que prevê a possibilidade de ser fixado um regime de convívio ou de visitas dos menores com os seus irmãos e com os seus ascendentes, designadamente os avós.

            Não está em causa o disposto nos artºs 1903º, nº 1, e 1904º, nº 2, ambos do C. Civil (na redação da Lei nº 137/2015, de 7/09), disposições segundo as quais em caso de morte de um dos progenitores de um menor caberá ao outro progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

            O que já antes resultava do disposto no anterior artº 1904º, na redação da Lei nº 61/2008, de 31/10.

            Para se levar a cabo tal pretensão de fixação judicial desse tipo de convívio, a Lei nº 141/2015, de 8/09, aprovou o chamado Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), em cujos artºs 1º, 3º e 67º está prevista a chamada ação tutelar (cível) comum.

     No que diz respeito à competência internacional dos Tribunais portugueses para conhecerem das questões suscitadas pela presente ação, que é a questão nuclear do presente recurso, temos de atender ao disposto no artº 59º do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 2606), disposição segundo a qual se impõe ter presente o que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, pois que não é caso de aplicação dos artºs 62º e 63º.

            Assim, no caso presente temos de atender ao chamado Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho da União Europeia, de 27 Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000).

            Na consideração inicial (12) desse Regulamento diz-se que ‘as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental’.

                Daí que no artº 8º, nº 1 do citado Regulamento se estatua que ‘os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal’.  

            Ora, no presente caso e conforme é alegado pela própria Requerente/recorrente, a menor B… reside em Espanha desde Agosto de 2017, portanto há já mais de 3 meses à data da propositura da presente ação – 27/11/2017 -, na companhia do pai, cuja responsabilidade parental exclusiva não é posta em causa na ação, face ao falecimento da mãe da menor em 21/08/2017, pelo que nos termos do artº 8º, nº 1 do Regulamento são internacionalmente competentes para conhecer desta ação os tribunais espanhóis.

            O que também resulta da Consideração (12) citada – critério de proximidade (residência habitual da criança) -, até porque se nos afigura ser também esse o superior interesse da menor, dado que vive com o pai e em Espanha, o que não é posto em causa na presente ação.

            Afigura-se-nos que no caso presente não deve ter lugar a regra da ‘extensão da competência’ resultante do artº 12º, nº 3, al. a) do Regulamento, pelo simples facto da menor ser de nacionalidade portuguesa, pois que nada impede que também possa adquirir a nacionalidade espanhola, e porque as citadas regras de proximidade e do superior interesse da criança ditam que sejam os tribunais espanhóis os competentes internacionalmente para conhecer das questões da presente demanda, tanto mais que os pretendidos direitos de visita ou de convívio deverão em grande parte ter lugar em …, Córdova, pelo que são os Tribunais espanhóis os efetivamente melhor posicionados para aferirem da pretensão da Requerente e encetarem as diligências tidas por necessárias para esse efeito.

            Compreende-se o interesse e a preocupação da Requerente/recorrente com a sua neta, o que cumpre louvar e é digno de todo o apreço e do maior respeito, tanto mais que terá sido ela quem ajudou a mãe da menor durante os ainda poucos meses de vida da menor, dela tendo tomado conta, donde os maiores laços afetivos criados pela Requerente em relação à neta, mas não se pode deixar de ter presente a atual situação da menor e a responsabilidade parental exclusiva do pai da menor, pelo que à data da propositura da presente ação a residência habitual da menor o o seu particular interesse aconselham que seja um Tribunal de Espanha a apreciar a pretensão da Requerente – regra de proximidade -, tanto mais que será em Córdova que deverão ter lugar as diligências de averiguação das atuais condições de habitabilidade e de relações familiares atuais da menor, com vista a melhor se apurar das reais condições de visita e de convívio da menor com a Requerente – o superior interesse da criança.

            Donde se nos afigurar que quer o despacho recorrido quer as contra-alegações do Digno Agente do M.º P.º têm toda a razão de ser, não ficando a Requerente impedida de exercer a sua pretensão, como é seu desejo e propósito, mas cujo interesse na propositura da presente ação em Portugal não pode relevar face ao superior interesse da menor e face à sua real e atual situação, a viver com o pai em …, Córdova – critério de proximidade.

            No apontado sentido, entre outros, designadamente os arestos do TJUE citados nas contra-alegações do M.ºP.º, podem ver-se os seguintes arestos:

            - Ac. Rel. de Coimbra de 27/05/2008, Proc.º nº 668-F/2002.C1, in C.J. ano XXXIII, tomo III, pg. 17, também disponível em www.dgsi.pt/jtrc;

- Ac. Rel. Coimbra de 10/11/2009, Proc.º nº 870/09.7TBCTB.C1;

- Ac. Rel. Coimbra de 23/04/2013, Proc.º nº 1211/08.6TBAND-A.C1;

- Ac. Rel. Coimbra de 11/10/2017, Proc.º nº 6484/16.8T8VIS.C1;

- Ac. Rel. Lisboa de 12/07/2012, Proc.º nº 1327/12.4TBCSC.L1-2;

- Ac. Rel. Guimarães de 07/05/2013, Proc.º nº 257/10.9TBCBT-D.G1;

- Ac. Rel. Porto de 06/12/2016, Proc.º nº 199/11.0TBESP-B.P1;

- Ac. STJ de 28/01/2016, Proc.º nº 6987/13.6TBALM.L1.S1;

- Ac. STJ de 26/01/2017, Proc.º nº 1691/15.3T8CHV-A.G1.S1,

todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtr...

            O que se traduz, pois, na sequente confirmação do despacho recorrido e na improcedência do presente recurso, o que se decide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

            Custas pela Recorrente.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 27/02/2018