Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1030/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: DIVÓRCIO
CULPA DO CÔNJUGE
CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DESSAS CULPAS
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
ATRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 4ª JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1787º, Nº 1, 1792º E 1793º, Nº 1, DO C. CIV.; 1407º, Nº 4, E 1413º CPC
Sumário: I – Nos termos do artº 1787º, nº 1, do C. Civ., se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges no decretamento do divórcio, assim o declarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado.

II – A lei não fornece critérios específicos para a definição das culpas dos cônjuges, pelo que o julgador, baseando-se nos factos provados, deverá recorrer às regras do senso comum e à ponderação dos aspectos qualitativos e quantitativos dos comportamentos dos cônjuges.

III – A declaração do cônjuge culpado deve exprimir o resultado de um juízo global sobre a crise matrimonial quanto a saber se o divórcio é imputável por igual a ambos os cônjuges ou exclusiva ou predominantemente de um deles.

IV – Nos termos do nº 1 do artº 1793º do C. Civ., pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

V – Há que distinguir os pedidos de atribuição provisória e de atribuição definitiva da casa de morada de família: o primeiro pode ser formulado por qualquer das partes em qualquer altura do processo de divórcio ou de separação litigiosos, podendo até a iniciativa pertencer ao juiz – artº 1407º, nº4, CPC; o pedido de atribuição definitiva deve ser formulado pela parte interessada, nos termos do nº 1 do artº 1413º, do CPC, e se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos, esse pedido é deduzido por apenso – nº 4 deste preceito.

VI – A doutrina e a jurisprudência dominantes sustentam que nada impede a dedução do pedido de atribuição definitiva da casa de morada de família na pendência e como dependência de processo de divórcio litigioso, a processar por apenso, consoante o artº 1413º CPC.

VII – Face à letra do artº 1792º, nº 1, do C. Civ., é requisito sine quo non para que um cônjuge tenha direito a indemnização por danos não patrimoniais que o outro, sobre quem recairá a correspondente obrigação de indemnizar, tenha sido considerado único ou principal culpado do divórcio decretado, e que a existência de danos (não patrimoniais) resulte directamente da dissolução do casamento.

Decisão Texto Integral:          Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

A..., casado, proprietário, residente na Rua do Facho, nº 64, Alcogulhe, Azóia, Leiria, intentou acção de divórcio litigioso contra , casada, comerciante, também residente na Rua do Facho, nº 64, Alcogulhe, Azóia, Leiria, pedindo:

a) O decretamento do divórcio entre o A. e a R., com culpa exclusiva desta;

b) A condenação da R. a pagar ao A., a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do divórcio, a importância de € 15.000,00;

c) A atribuição ao A. do direito de permanecer e habitar tão-somente com os filhos na casa de morada de família.

Para tanto o A. alegou, em síntese, que contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com a R., em 31 de Dezembro de 1981, existindo dessa união dois filhos menores; e que, desde Fevereiro de 2002, pelas razões que descreve, a R. vem violando culposamente os deveres conjugais, encontrando-se irremediavelmente comprometida a possibilidade de vida em comum.

Realizou-se, sem êxito, a legal tentativa de conciliação.

A R. contestou e deduziu reconvenção. Contestando, impugnou a factualidade relatada pelo A. na petição inicial. Reconvindo, alegou factos que, a seu ver, integram violação culposa – por parte do A., que deverá ser declarado único e exclusivo culpado do divórcio – dos deveres de respeito, cooperação, coabitação e assistência, definitivamente comprometedora, pela gravidade e reiteração, da vida em comum do casal.

O A. replicou pugnando pela improcedência da reconvenção e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador em que se entendeu verificarem-se todos os necessários pressupostos processuais.

A selecção dos factos assentes após os articulados e a organização da base instrutória não foram objecto de reclamação.

Pela decisão de fls. 89 a 94 foi atribuído provisoriamente ao A. o direito a habitar, em exclusivo – e na companhia dos filhos – a casa de morada de família durante a pendência da acção de divórcio.

Dessa decisão foi interposto recurso, admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, posteriormente julgado deserto por falta de alegação.

Instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 464 a 468 decidindo a matéria de facto controvertida.

Foi depois emitida a sentença de fls. 473 a 486, cuja parte decisória, na parte que aqui releva, se transcreve:
“I - Por todo o exposto, o Tribunal decide julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, consequentemente:
1) decreta-se o divórcio entre A... e B..., declarando dissolvido o seu casamento celebrado em 31 de Dezembro de 1981;
2) considera-se, nos termos do disposto no artigo 1787.º do Código Civil, Autor e Ré igualmente culpados na dissolução do aludido casamento;
3) absolve-se a Ré da instância relativamente ao pedido formulado pelo Autor no sentido de ao Autor ser definitivamente atribuído o direito de habitar, em exclusivo e na companhia dos filhos do casal, a casa de morada de família, sita em Rua do Facho, n.º 64, Alcogulhe, Azóia, Leiria;
4) absolve-se a Ré do restante pedido contra si formulado pelo Autor;
5) absolve-se o Autor do restante pedido contra si formulado pela Ré.”

Inconformado, o A. interpôs recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

Na alegação oportunamente apresentada o recorrente formulou as conclusões seguintes:

A- Da matéria fáctica dada como provada nos presentes autos, facilmente se alcança que o divórcio entre A. e R. deveria ter sido decretado com culpa exclusiva desta ou,

B- quando assim se não entender, declarar-se a mesma principal culpada daquele divórcio – Art° 1782° e 1787° ambos do Cód. Civil.

C- O trânsito em julgado da acção de divórcio ou separação não é pressuposto necessário e indispensável ao pedido de atribuição da casa de morada de família,

D- razão porque deve decretar-se tal pedido de atribuição da casa de morada de família ao A. – Art° 1793° do Cód. Civil e Art° 1413° n° 4 do Cód. Proc. Civil.

E- O A. fundamentou o seu peticionado pedido de danos não patrimoniais pelos sofrimentos ocasionados pelo divórcio – pretium doloris – e não como consequência dos factos que constituíram o fundamento para que fosse decretado o mesmo,

F- razão também porque deve decretar-se a condenação da R. no pagamento ao A. de tais peticionados danos não patrimoniais – Art° 1792° do Cód. Civil.

G- Deverá assim revogar-se a D. sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que considere a R. única ou principal culpada do divórcio, atribua ao A. o peticionado direito à utilização exclusiva da casa de morada de família e ainda que condene aquela no pagamento a este dos também peticionados danos não patrimoniais, sob pena de se violar o disposto nos Art° 1782°, 1787°, 1792° e 1793° todos do Cód. Civil e Art° 668° n° 1 al. c) e 1413° n° 4 ambos do Cód. Proc. Civil.

A recorrida apresentou contra-alegações.

Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.


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         2. QUESTÕES A SOLUCIONAR

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente[1] que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as seguintes questões:

a) Culpa dos cônjuges pela declaração do divórcio;

b) Atribuição da casa de morada de família;

c) Indemnização por danos não patrimoniais.


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         3. FUNDAMENTAÇÃO

         3.1. De facto

         Não tendo sido impugnada a decisão de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, dá-se como definitivamente assente a factualidade considerada provada na 1ª instância e que é a seguinte:


[…]

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         3.2. De direito

         3.2.1. Culpa dos cônjuges pela declaração do divórcio

         Da análise da sentença recorrida resulta que o divórcio entre o A. e a R. foi decretado por se ter considerado que ambos violaram culposamente, de forma grave e reiterada e comprometendo a possibilidade de vida em comum, os deveres conjugais que do casamento lhes advinham.

         A R. violou, tendo em atenção os factos provados acima descritos nos pontos 3.1.10 a 3.1.13., o dever de respeito; nos pontos 3.1.6. e 3.1.7., os deveres de cooperação e assistência; e no ponto 3.1.5., o dever de coabitação.

         Por sua vez, o A., face aos factos provados supra indicados nos pontos 3.1.21. a 3.1.24., violou o dever de respeito.

         O recorrente não põe em causa a existência das violações dos deveres conjugais aludidas, a culpa dos respectivos agentes, a gravidade e reiteração, o comprometimento da possibilidade de vida em comum ou, sequer, a consequência jurídica extraída: o decretamento do divórcio.

         Mas na sentença recorrida entendeu-se, em sede de declaração do cônjuge culpado, que A. e R. são igualmente culpados pela dissolução do casamento.

         O recorrente discorda, defendendo que devia ter sido declarado que a R. é única e exclusiva culpada ou, a não ser assim entendido, principal culpada.

         Vejamos se lhe assiste razão.

         Nos termos do artº 1787º, nº 1 do Cód. Civil, se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim o declarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado.

A lei não fornece critérios específicos para a definição das culpas dos cônjuges[2], pelo que o julgador, baseando-se nos factos provados[3], deverá recorrer às regras do senso comum[4] e à ponderação dos aspectos qualitativos e quantitativos dos comportamentos dos cônjuges[5].

A única regra que do artº 1787º, nº 1 ressalta é a de que, em caso de culpa de ambos os cônjuges, declarar-se-á um deles principal culpado se a sua culpa for consideravelmente superior à do outro. Se não for possível formular tal juízo, terá de entender-se que as culpas são iguais ou equivalentes[6].

Assim, a “declaração do cônjuge culpado” deve exprimir o resultado de um juízo global sobre a crise matrimonial quanto a saber se o divórcio é imputável por igual a ambos os cônjuges ou exclusiva ou predominantemente a um deles[7].

No caso dos autos, a atribuição da totalidade da culpa a qualquer dos cônjuges, isto é, a declaração de qualquer dos cônjuges único ou exclusivo culpado está fora de causa, uma vez que ambos violaram culposamente, com gravidade e reiteração, comprometendo a possibilidade de vida em comum, os deveres conjugais, em termos de o comportamento de cada um, individualmente considerado, ser suficiente para fundamentar o divórcio[8].

Poderia, contudo, colocar-se a questão da declaração de um dos cônjuges, no caso, da R., como principal culpada. O que, como decorre do acima referido, implicaria um juízo no sentido de a sua culpa ser consideravelmente superior à do A.

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

“Analisados os factos provados o que se retira é o seguinte:

         - a partir do ano de 2002, as desavenças entre Autor e Ré têm sido frequentes;

         - é nesse ano de 2002 que ocorrem os factos praticados pela Ré violadores de deveres conjugais – cfr. als. e)[9] e seguintes dos Factos Provados;

         - em data não apurada, ocorrem os factos praticados pelo Autor violadores de deveres conjugais – cfr. als. u)[10] e seguintes dos Factos Provados.

Desconhece-se nomeadamente se os factos que ocorreram primeiro foram os praticados pelo Autor – consubstanciando os factos praticados pela Ré, ou parte deles, como que uma reacção àqueles –, ou se foram antes os praticados pela Ré. Circunstância decisiva para saber quem desencadeou a situação de progressiva degradação das relações do casal.

Desconhece-se ainda o contexto explicativo dos factos supra referidos.

O que se retira ainda dos factos provados é que nem Autor nem Ré souberam travar essa degradação, passando-a inclusivamente para a esfera dos filhos (o Autor perante o que se provou na al. x)[11]; a Ré perante o que se provou nas als. f), g) e j)[12] dos Factos Provados), deixando de ter controlo sobre a mesma. O conflito entre Autor e Ré estabeleceu-se, instalou-se e agudizou-se, com contribuição de ambos para essa agudização.

Assim, e mesmo que se notem diferenças de grau na culpa de Autor e Ré porém, perante a falta de concretização temporal e motivacional do contexto que envolveu as violações de deveres conjugais por parte de ambos, entendo que não pode o Tribunal concluir que um dos cônjuges é o principal culpado, ou que a sua culpa é consideravelmente superior à do outro.”

Concorda-se inteiramente com o entendimento da 1ª instância.

Efectivamente, perante a factualidade provada, toda centrada no curto espaço temporal de cerca de um ano[13], embora seja possível depreender que a culpa da R. se revela superior à do A., o desconhecimento da sequência temporal dos factos, designadamente de qual dos cônjuges desencadeou a sua eclosão, não permite um juízo seguro no sentido de que exista uma diferença considerável entre as culpas, isto é, que a culpa da R. seja consideravelmente, com o alcance de «significativamente», superior à do A.

Não se reconhece, nesta parte, razão ao recorrente.


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         3.2.2. Atribuição da casa de morada de família

         Na sentença sob recurso foi a R. absolvida da instância relativamente ao pedido formulado pelo A. no sentido de lhe ser definitivamente atribuído o direito de habitar, em exclusivo e na companhia dos filhos do casal, a casa de morada de família, sita na Rua do Facho, nº 64, Alcogulhe, Azóia, Leiria.

         Na base dessa decisão está o entendimento de que é pressuposto necessário da admissão do pedido de atribuição definitiva da casa de morada de família a um dos cônjuges o trânsito em julgado da decisão que decrete o divórcio ou separação. E que a falta desse pressuposto integra excepção dilatória atípica, impeditiva do conhecimento do mérito de tal pedido.

         O recorrente não partilha esse entendimento e, por isso, pretende a revogação de tal decisão e a concessão da pedida atribuição, para habitação sua e dos filhos do casal, da casa de morada de família.

         Nos termos do nº 1 do artº 1793º do Cód. Civil, pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

Na hipótese de a casa de morada de família ser arrendada, preceituava o artº 84º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90, de 21/10[14], em vigor na data da propositura da acção:

1. Obtido o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, podem os cônjuges acordar em que a posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.  

2. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a situação patrimonial dos cônjuges, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa imputada ao arrendatário na separação ou divórcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento e quaisquer outras razões atendíveis.

3. Estando o processo pendente no tribunal de família, cabe a este a decisão.

4. A transferência do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por efeito de acordo homologado pelo juiz ou pelo conservador do registo civil, consoante os casos, ou por decisão judicial, deve ser notificada oficiosamente ao senhorio.

Para a concretização processual da atribuição da casa de morada de família, estipula o artº 1413º do Cód. Proc. Civil:

1 – Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.° do Código Civil, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 84.° do Regime do Arrendamento Urbano, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.

2 – O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1,5 e 6 do artigo 1407.°, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 303.°

3 – Haja ou não contestação, o juiz decidirá depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.

4 – Se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos, o pedido é deduzido por apenso.

Devido à inserção do artº 1793º do Cód. Civil numa subsecção com a epígrafe “Efeitos do divórcio” e à expressão com que se inicia o nº 1 do artº 84º do RAU – “obtido o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens (…)” – foi por vezes entendido – orientação que a sentença recorrida perfilhou – que, na falta de acordo, o direito à casa de morada de família só pode ser requerido após o trânsito em julgado da decisão que decrete o divórcio ou separação[15].

Essa maneira de ver encontra, porém, importantes obstáculos.

Por um lado, a colocação do artº 1793º na subsecção epigrafada de “Efeitos do divórcio” é, para esta questão, de reduzida ou nula relevância. Basta ver que o artº 1792º, relativo à reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, se mostra inserido na mesma subsecção e o seu nº 2 prevê precisamente que o pedido de indemnização deve ser deduzido na própria acção de divórcio.

Por outro, o nº 4 do artº 1413º do Cód. Proc. Civil, cuja redacção foi conferida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12/12, ao mandar deduzir por apenso o pedido de atribuição da casa de morada de família, alude quer a acção de divórcio ou de separação litigiosos finda, quer pendente.

Ainda por outro, o artº 1105º do Cód. Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 6/2006, de 27/02, que, face à revogação do artº 84º do RAU, regula actualmente a matéria, deixou de conter a expressão “obtido o divórcio (…)” ou outra semelhante.

Finalmente, existe doutrina e jurisprudência – com as quais se concorda – que contrariam aquele entendimento, sustentando que “nada impede a dedução do pedido de atribuição definitiva da casa de morada de família na pendência, e como dependência, de processo de divórcio litigioso, a processar por apenso, consoante o artº 1413º do Cód. Proc. Civil, que regula o competente processo incidental de jurisdição voluntária, e tal assim com vista, até, a que o juiz, sobrestando nessa decisão até ao decretamento do divórcio, possa decidir, no mesmo momento temporal, da procedência da acção de divórcio e da atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges, nos termos do artº 1793º do Cód. Civil ou da transferência do direito ao arrendamento, nos termos do artº 84º do RAU”[16].

No caso dos autos, o A. alegou nos artºs 30º a 34º da petição inicial, que ele, a R. e os filhos residem na casa de morada de família, património comum do casal, acontecendo porém que, pelas circunstâncias referidas, mormente dos interesses dos filhos, só por si acarinhados, deve ser-lhe reconhecido o direito exclusivo de uso e habitação da dita casa, assim se evitando bastantes transtornos e prejuízos aos indicados filhos. E pediu, além do mais, que lhe fosse atribuído o direito de permanecer e habitar tão-somente com os filhos na casa de morada de família.

Na tentativa de conciliação não foi feita qualquer referência à casa de morada de família, depreendendo-se que nenhum acordo quanto a ela foi conseguido (artº 1407º, nº 2, in fine, do Cód. Proc. Civil).

Entretanto, o A., alegando que cumulou o pedido de divórcio com o da atribuição da casa de morada de família e invocando sobretudo o interesse dos filhos, requereu (fls. 79), “nos termos do disposto no artº 1413º, nº 3 do CPC”, a prolação de “decisão sobre tal pedido com a máxima urgência possível”.

Pelo despacho de fls. 81, aludindo-se ao incidente do artº 1407º, nº 7 do Cód. Proc. Civil  (na parte relativa à fixação de um regime provisório quanto á utilização da casa de morada de família), ordenou-se a observância do princípio do contraditório, tendo a R. deduzido oposição à pretensão do A. (fls. 86).

Foi depois proferida, sobre a matéria, a decisão de fls. 89 a 94, julgando procedente o incidente suscitado pelo A. e atribuindo-lhe provisoriamente o direito a habitar em exclusivo – e na companhia dos filhos do casal – a casa de morada de família, sita na Rua do Facho, nº 64, Alcogulhe, Azóia, Leiria, durante a pendência da acção de divórcio.

Embora a R. tenha interposto recurso dessa decisão foi o mesmo julgado deserto por falta de alegações (fls. 109).

Há que distinguir os pedidos de atribuição provisória e de atribuição definitiva da casa de morada de família.

O de atribuição provisória pode ser formulado por qualquer das partes em qualquer altura do processo de divórcio ou separação litigiosos, podendo até a iniciativa pertencer ao juiz (artº 1407º, nº 7 do Cód. Proc. Civil). O de atribuição definitiva deve ser formulado pela parte interessada, nos termos do nº 1 do artº 1413º do mesmo diploma legal e, se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos, o pedido é deduzido por apenso (nº 4 da norma referida).

Embora não seja pressuposto da apresentação do pedido de atribuição definitiva da casa de morada de família o prévio trânsito em julgado da decisão que decrete o divórcio ou a separação litigiosos, podendo tal apresentação ocorrer na pendência dos respectivos processos, a lei não prevê a possibilidade de tal pedido ser, logo na petição inicial, cumulado com o de divórcio ou de separação. A tal se opõe a exigência de dedução por apenso.

Tal significa, reportando-nos ao caso dos autos, que o pedido de atribuição da casa de morada de família formulado pelo A. na petição inicial, sem esclarecer se de atribuição provisória ou definitiva se tratava, só pode ser entendido como de atribuição provisória.

E assim foi, se bem vemos, efectivamente considerado na decisão de fls. 89 a 94, onde, após aludir ao artº 1407º, nº 7 do Cód. Proc. Civil, se afirmou que “nada obsta a que se conheça do pedido do Autor em que seja regulada provisoriamente a utilização da casa de morada de família durante a pendência deste processo, pois é nisso que se consubstancia verdadeiramente o pedido apresentado no requerimento de fls. 79[17]”.

A não ser assim, a cumulação feita na petição inicial não seria admissível, já que o pedido de atribuição definitiva deve ser feito por apenso.

Conclui-se, pois, que com a decisão de fls. 89 a 94 se conheceu do pedido de atribuição da casa de morada de família formulado na petição inicial, não havendo fundamento para interpretá-lo também como de atribuição definitiva e dele conhecer novamente.

Acresce que, nos termos do nº 2 do artº 1793º, o arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.

Ora, não tendo verdadeiramente sido formulado qualquer pedido de atribuição definitiva – que, repete-se, deve ser deduzido por apenso – não foi observada toda a tramitação prevista no artº 1413º do Cód. Proc. Civil, nem ao tribunal foram fornecidos elementos que permitissem, nos termos do artº 1793º, nº 2 do Cód. Civil, definir as condições do contrato.

Também quanto a esta questão se nega razão ao recorrente, sendo de manter quanto a ela, ainda que com fundamento diferente, a decisão da 1ª instância.


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         3.2.3. Indemnização por danos não patrimoniais

         Alegou o A., nos artºs 27º a 29º da petição inicial, que a necessidade que o A. tem de instaurar a presente acção de divórcio com fundamento nos factos ocorridos nas circunstâncias acima descritas (artº 27º), provocaram-lhe grande angústia, tristeza e desespero por ver assim destruído o que foi o seu projecto e causa de vida (artº 28º), razão porque pelos danos não patrimoniais daí resultantes e pelo grave e reiterado comportamento que o provocou, deve a R. ser condenada a indemnizar o A. em montante não inferior a 15.000 Euros – Art° 1792° do C.Civil (artº 29º). E, coerentemente, pediu a final, além do mais, a condenação da R. a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes do divórcio, a importância de € 15.000,00.

         Na sentença recorrida entendeu-se que são pressupostos do direito à indemnização consagrado no artº 1792º do Código Civil: a) a existência de uma sentença judicial que declare o outro cônjuge, de quem se reclama indemnização, o único ou, pelo menos, o principal culpado pela ruptura conjugal; b) a existência de danos (não patrimoniais) que resultem directamente da dissolução do casamento; c) que essa indemnização seja deduzida na própria acção que decretou o divórcio.

         E, porque faltariam, no caso concreto em discussão, os dois primeiros pressupostos enunciados, foi o pedido de indemnização julgado improcedente e a R. dele absolvida.

         O recorrente que, como se viu, começara por pedir a alteração da sentença no que concerne à culpa, visando a declaração de ser a R. exclusiva ou, pelo menos, principal culpada, sustentou, a propósito da indemnização, que fundamentou o seu peticionado pedido de danos não patrimoniais pelos sofrimentos ocasionados pelo divórcio – pretium doloris – e não como consequência dos factos que constituíam o fundamento para que fosse decretado o mesmo.

         O naufrágio da pretensão do recorrente quanto à alteração da sentença recorrida relativamente à culpa pelo divórcio, acima justificado, é suficiente para afundar também o seu pedido de alteração da mesma sentença no que tange à indemnização pelos danos não patrimoniais.

         Efectivamente, não restam dúvidas, face à letra do artº 1792º, nº 1 do Cód. Civil – nem o recorrente o questiona – que é requisito sine quo non para que um cônjuge tenha direito à dita indemnização que o outro, sobre quem recairá a correspondente obrigação de indemnizar, tenha sido considerado único ou principal culpado.

         No tocante à origem ou causa dos danos não patrimoniais, a qual, para efeito da indemnização prevista no artº 1792º deve radicar na dissolução do casamento, em si mesma, e não nos factos que fundamentaram aquela, há que analisar o que dos autos consta.

         Assim, na sequência da alegação do A. nos artºs 27º a 29º da petição inicial e da respectiva impugnação pela R. na contestação (artº 35º), foi formulado o quesito 16º da base instrutória, onde era perguntado se os factos descritos nos quesitos anteriores provocaram ao Autor grande angústia, tristeza e desespero por ver assim destruído o que foi o seu projecto e causa de vida. A esse quesito foi, em sede de julgamento, dada a resposta “provado que, por causa dos factos supra descritos, o Autor sentiu-se angustiado e triste”.

         Independentemente da formulação equívoca do quesito, a relacionar a angústia, tristeza e desespero do A. quer com os factos fundamentadores do divórcio (factos descritos nos quesitos anteriores), quer com o decretamento deste (ver destruído o que foi o seu projecto e causa de vida), a resposta afastou a ambiguidade e relacionou as provadas angústia e tristeza do A. apenas com os factos fundamentadores do divórcio e não já com a dissolução do casamento, propriamente dita.

         Não merece, portanto, censura a sentença recorrida ao entender que faltavam os dois aludidos pressupostos – declaração da R. como única ou principal culpada e resultarem os danos directamente da dissolução do casamento – para o direito do A. à indemnização por danos não patrimoniais.

         Soçobram, pois, todas as conclusões da alegação do recorrente, motivo pelo qual improcede a apelação e é de manter a sentença sob recurso.


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         4. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

         As custas são a cargo do recorrente.


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                                                        Coimbra,


[1] Como foi já oportunamente consignado nos autos, não tendo a R. interposto recurso da sentença de fls. 473 a 486, não tem – apesar de ter junto uma peça processual com a aparência e o conteúdo de uma alegação de recurso – a qualidade de recorrente. Por isso, não sendo de conhecimento oficioso, não integram as questões suscitadas em tal peça processual o objecto do recurso, não havendo que delas conhecer.
[2] “Em matéria de graduação de culpas dos cônjuges não é possível estabelecer critérios rígidos, de inspiração doutrinal, teórica e abstracta, devendo a conduta de ambos ser avaliada segundo as regras do bom senso e da razão lógica”- Ac. STJ de 13/05/80, in BMJ, nº 297º, pág. 348.
[3] Ac. STJ de 04/07/80, in BMJ, nº 299º, pág. 354.
[4] Ac. Rel. Coimbra de 28/03/78, in BMJ, nº 277º, pág. 320 e Ac. Rel. Porto de 27/01/83, CJ, VIII, I, 220.
[5] Ac. Rel. Lisboa de 14/03/78, in CJ, III, 442.
[6] Ac. Rel. Lisboa de 18/12/81, BMJ, nº 318º, pág. 467.
[7] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. I, 2ª edição, pág. 652.
[8] Note-se que, nessa parte, procederam quer a acção, quer a reconvenção.
[9] Ponto 3.1.5., supra.
[10] Ponto 3.1.21., supra.
[11] Ponto 3.1.24., supra.
[12] Pontos 3.1.6., 3.1.7. e 3.1.10., supra.
[13] A acção foi proposta em 03/12/2002.
[14] Actualmente, vigora, na matéria, o artº 1105 do Cód. Civil, na redacção dada pela Lei nº 6/2006, de 27/02.
[15] Nesse sentido o Ac. do STJ de 26/05/94 e o Ac. da Rel. do Porto de 15/12/2003, in www.dgsi.pt, referidos na sentença recorrida.
[16] Do sumário do Ac. do STJ de 20/10/2005 (Relator: Cons. Oliveira Barros), in www.dgsi.pt/jstj. Ver também as referências doutrinais e jurisprudenciais referidas nesse aresto, ou seja, na doutrina, Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, 2ª edição, págs. 665/666 e Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil (1999),  págs. 742/743 e, na jurisprudência, Ac. STJ de 16/12/99, in BMJ, n º 492º, pág. 410 e Ac. Rel. Porto de 26/02/98, in CJ, XXIII, I, 222.
[17] Requerimento esse que, relembra-se, remete para o pedido formulado na petição inicial.