Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3966/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
TEMPESTIVIDADE DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZOS
FÉRIAS JUDICIAIS
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 01/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MANGUALDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADO
Legislação Nacional: ARTºS 44º E 51º, Nº 5, DO C. EXPROPR. .
Sumário: I – Nos termos do disposto no artº 44º do actual C. Expropr. (aprovado pelo D.L. nº 168/99, de 18/9), os processos de expropriação litigiosa, bem como os que deles são dependentes, não têm carácter urgente, sem prejuízo de os actos relativos à adjudicação da propriedade e da posse e sua notificação aos interessados deverem ser praticados mesmo durante as férias judiciais .
II – Daí que a atribuição, pelo acto declarativo de utilidade pública, do carácter de urgência à própria expropriação, não tenha qualquer reflexo na contagem dos prazos para a prática dos diversos actos processuais (v. g. de interposição de recursos), a não ser para aqueles que directamente contendam ou tenham em vista atingir o desiderato atrás referido .

III – Logo, a prática dos actos processuais ( com excepção da parte referente aos actos concernentes à adjudicação da propriedade e da posse do bem expropriado) não ocorre durante as férias judiciais e, desse modo, a contagem dos prazos processuais, especialmente para efeitos de interposição de recurso, suspende-se durante as referidas férias judiciais .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. Tendo-se iniciado os autos de expropriação da parcela nº 145 relativa à obra da A25/IP5 - Lanço Mangualde/Guarda (sub-Lanço Mangualde/Fornos – lanço I), figurando a EP – Estradas de Portugal, E.P.E. (que sucedeu, entretanto, ao Instituto das Estradas de Portugal) na qualidade de expropriante e como expropriada, A..., – na sequência do despacho do srº Secretário das Obras Públicas, de 4/2/2004, publicado em suplemento do DR nº 59, II S, de 10/3/04, em que foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, e autorizada a posse administrativa das parcelas necessárias à realização de tal obra -, veio o processo - por falta de acordo das partes sobre o montante indemnizatório a atribuir à dona de tal parcela, e cumprido que foi todo o ritualismo processual-legal previsto para o efeito – a ser remetido, à luz dos disposto nos artºs 38 e 51 do actual Código das Expropriações, ao Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, onde foi distribuído ao 1º juízo.

2. Recebidos que foram ali os autos, foi, a fls. 79/80, proferido, em 4/8/2005, despacho judicial que adjudicou à entidade expropriante a propriedade da sobredita parcela objecto da expropriação em causa.

3. Esse despacho e bem assim a decisão arbitral foram, além do mais, notificados às partes, através de carta registada, datada de 4/8/2005 (cfr. fls. 82/84).

4. Através de requerimento, expedido inicialmente por telecópia (fax) em 6/10/2005, às 16h37 (e recebida e registada na secretaria do tribunal em 7/10/2005 – e que depois foi confirmado através do correspondente original entrado em 10/10/2005), a expropriante veio, ao abrigo do disposto no artº 52 do C. Exp., interpor recurso da decisão arbitral, por não concordar com o montante total da indemnização aí fixada, pelos srs. peritos, para aquela parcela expropriada (cfr. fls. 99/103 e 104/108).

5. Porém, sobre tal requerimento recaiu o despacho de fls. 109, que não admitiu tal recurso, por o considerar intempestivo, ou seja, por considerar que o mesmo foi deduzido depois de decorrido o prazo legal fixado para o efeito (entendendo-se que no caso em apreço esse prazo corria durante as férias judiciais).

6. Não se tendo conformado com tal despacho decisório, a expropriante dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo, a subir imediatamente e nos próprios autos.

7. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentou, a agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“I. O recurso interposto não diz respeito ao acto de adjudicação, mas sim, à decisão arbitral,
II. O prazo de recurso deste acto por não ser urgente, nos termos do art. 44.º, suspende-se durante as férias judiciais.
III. O acto da adjudicação é distinto da arbitragem.
IV. Pelo que o trânsito em julgado daquela, que é urgente, não interfere com o decurso do prazo de recurso desta, que não é urgente.
V. Nos termos do art. 44.º CE os prazos suspendem-se após a notificação do despacho de adjudicação da propriedade e da posse aos interessados, e não após trânsito em julgado desta decisão.
VI. Apesar dos actos relativos à adjudicação da propriedade e da posse e da respectiva notificação aos interessados deverem correr durante as férias judiciais, por terem carácter urgente, os prazos relativos à prática dos eventuais actos de reacção à decisão arbitral e tramitação sequente não começam nem correm durante aquele período.
VII.A notificação do despacho da adjudicação marca dois momentos distintos, o da adjudicação e o inicio da contagem do prazo para recurso da arbitragem, que corre independentemente dos prazos relativos à adjudicação.
VIII. Datando o despacho de adjudicação de 04.08.2005, o prazo, de 20 dias, para o recurso da decisão arbitral começa a contar no dia 15.09.2005, sendo o dia 06.10.2005 o último dia para a prática do acto.
IX. O recurso da decisão arbitral foi enviado por telecópia no dia 06.10.2005, tendo os originais seguido por via correio dia 07.10.2005.
X. Pelo que não salvo melhor entendimento, o recurso foi remetido atempadamente.”

8. Não foram apresentadas contra-alegações.

9. O srº juiz a quo sustentou, de forma tabelar, o despacho recorrido.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
É sabido que são as conclusões das alegações do recurso que fixam e delimitam o objecto do mesmo (cfr. artºs 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC).
Ora, como resulta de tais conclusões, a única questão que importa aqui apreciar e decidir consiste em saber se, no caso em apreço, o recurso da expropriante foi, ou não, interposto tempestivamente, ou, de outra forma, se o srº juiz a quo andou, ou não, bem ao não admiti-lo por extemporâneo.
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2. Os factos
Os factos que, no essencial, importa aqui considerar, e serem dados como assentes, são aqueles que supra deixámos descritos sob os nºs 1 a 4 do ponto I.
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3. O direito
Apreciemos então a sobredita questão da tempestividade, ou não, do recurso interposto pela expropriante.
O srº juiz a quo fundamentou o seu despacho, de não recebimento do recurso (por o considerar intempestivo), no facto de considerar que os processos de expropriação só deixam de ter carácter urgente após o trânsito em julgado do despacho de adjudicação (a que se alude no nº 5 do artº 51 do C. Exp.), logo, não tendo, no caso em apreço, tal despacho ainda transitado, o prazo para a interposição do recurso em causa corria também durante as férias judiciais (não se suspendendo, assim, durante elas).
Opinião oposta e discordante sustenta a agravante.
Assim, e no fundo, a resolução de tal questão passa, desde logo, por saber se nos processos de expropriação (litigiosa) a contagem dos prazos para a prática de actos processuais, e especificamente no que concerne à interposição de recursos, se suspende, ou não, durante as férias judiciais?
Vejamos então.
Nos termos do disposto no artº 44 do actual Código das Expropriações (aprovado pelo DL nº 168/99 de 18/9 – e qual ao pertencerão as demais normas adiante indicadas sem a menção da sua fonte), “os processos de expropriação litigiosa, bem como os que deles são dependentes, não têm carácter urgente, sem prejuízo de os actos relativos à adjudicação da propriedade e da posse e sua notificação aos interessados deverem ser praticados mesmo durante as férias judiciais.” (sublinhado nosso)
Normativo esse que, diga-se, sendo é inovatório (em termos de positividade), veio, todavia, dar consagração legal àquilo que já vinha constituindo entendimento dominante da nossa doutrina e jurisprudência, à luz do regime introduzido pelo anterior Código das Expropriações, que fora aprovado pelo DL nº 438/91 de 9/11 (inflectindo, assim, o entendimento que, nesse domínio, era perfilhado pelo anterior Código de 1976, sistematizado pelo DL nº 845/76 de 11/12, que depois de fazer a distinção entre processos de expropriação urgente e não urgente, plasmava expressamente no seu artº 80, nº 2 als. b) e c), que, nos primeiros, as diligências deviam, ser praticadas em férias e que estas não interrompiam qualquer prazo).
Resulta, assim, de tal normativo (o citado artº 44) que os processos de expropriação (litigiosa) não têm, como regra, o carácter ou natureza de urgente. Carácter urgente esse que somente se verifica ou ocorre no que concerne aos actos que tenham a ver com a adjudicação da propriedade e da posse e bem assim com a sua notificação aos interessados, os quais são, assim, os únicos que deverão ser praticados e ocorrer durante as férias judiciais.
Opção legislativa essa que bem se compreende, uma vez que o carácter urgente atribuído à expropriação visa tão somente possibilitar a entrada dos bens a expropriar na disponibilidade imediata da entidade expropriante, de modo a não atrasar a realização de obras de relevante interesse e utilidade pública, e não já possibilitar a obtenção de uma célere ou rápida decisão sobre o montante indemnizatório a atribuir ao expropriado (que é aquilo que, em termos de objecto, está essencialmente em causa nos processos de expropriação litigiosa). Em abono dessa conclusão, vidé ainda o artº 15, nºs 2 e 3.
E daí que a atribuição, pelo acto declarativo de utilidade pública, do carácter de urgência à própria expropriação não tenha qualquer reflexo na contagem dos prazos para a prática dos diversos actos processuais (vg. de interposição de recursos), a não ser para aqueles que directamente contendam ou tenham em vista atingir o desiderato atrás referido.
Logo, não estando perante um processo com carácter de urgente (com excepção da parte referente aos actos concernentes à adjudicação da propriedade e posse do bem expropriado de que atrás falámos, e referidos na 2ª parte do citado artº 44), a prática dos seus actos processuais não ocorre durante as férias judiciais (ao contrário do que sucede com os relacionados com aqueles últimos, que constituem excepção). E, desse modo, a contagem dos prazos processuais, e especialmente para efeitos de interposição de recurso, suspende-se durante as referidas férias judiciais (cfr. artº 144, nº 1, do CPC ex vi artº 98, nº 2, do C. Exp.). No sentido do entendimento atrás perfilhado, vidé, entre outros, Pedro Elias da Costa, in “Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, 2ª ed., pág. 178”; Ac. RE de 13/2/2003, in “CJ, Ano XXVII, T1 – 248” e Ac. do STJ de 2/7/1996, in “BMJ 459 – 437” – proferido à luz do anterior Código das Expropriações, mas que mantem plena actualidade.
Face a tal entendimento, e tendo em conta, por um lado, que no caso sub júdice o recurso foi interposto da decisão arbitral, e, por outro, que tal decisão fora notificada às partes por carta registada data de 4/8/2005, e portanto em pleno período das férias judiciais do Verão, é, pois, de concluir que, ao contrário do que fez o srº juiz a quo, o prazo para aquelas reagirem, por meio de recurso, contra tal decisão não corria durante as referidas férias (ficando durante elas suspenso).
Prazo legal esse que era e é de 20 dias - a contar da data de notificação de tal decisão – e que, como vimos, não se confunde, sendo dele mesmo independente ou autónomo, com aquele relacionado com a prática daqueles actos que acima vimos constituírem excepção ao carácter não urgente do processo (cfr. artºs 52, nº 1, e 51, nº 5).
Sendo tal prazo contínuo, que se suspende durante as férias judiciais (cfr. artº 144, nº 1, do CPC ex vi artº 98, nº 2, do C. Exp.), tal significa que, no caso em apreço, a contagem desse prazo se iniciava após o termo das aludidas férias do Verão (ocorrido em 14/9), ou seja, a partir do dia 15/9/2005, data da reabertura então dos Tribunais Judiciais (cfr. artº 12 da LOFTJ, na versão aprovada pela Lei 3/99 de 13/1 - e que recentemente foi alterada pela polémica Lei 105/2003 de 10/1, que modificou, como foi amplamente noticiado, o panorama do mapa das férias judiciais no nosso país, e que, nos termos do seu artº 10º, entrou em vigor no passado dia 31/12/2005).
E sendo assim, tal prazo legal para interposição de recurso da decisão arbitral terminava no dia 04/10/2005.
Ora acontece que, como vimos, a expropriante-ora agravante expediu o seu requerimento de interposição de recurso por meio de telecópia. Telecópia essa que foi remetida em 6/10/2005 (muito embora só tenha sido recebida e registada na secretaria do tribunal em 7/10/2005, a qual depois foi confirmada através do correspondente original entrado em 10/10/2005). Desse modo, e nos termos do disposto no artº 150, nº 1 al. c), do CPC (na redacção dada pelo DL nº 324/03 de 27/12), é a tal 1ª data (6/10/2005) que se deve atender para efeitos de se considerar como a data em que expropriante interpôs o referido recurso.
Face ao exposto, e considerando que o dia 5/10/2005 foi feriado nacional (sem que tenha havido antes qualquer tolerância de ponto), deve concluir-se que a expropriante interpôs o recurso em causa no 1º dia útil seguinte àquele em que terminava o prazo legal estatuído para esse efeito (e não, como defende a agravante, no último dia do prazo legal, de 20 dias, fixado para tal).
Desse modo, e não obstante excedido o prazo legal fixado para esse efeito, a lei permite, todavia, - numa espécie de prorrogação automática de prazo - a prática de tal acto (de interposição de recurso), mediante o pagamento de uma multa, inicialmente a prevista no nº 5 do artº 145 do CPC (na redacção dada pelo DL nº 324/03, de 27/12), e depois, no caso do recorrente não a ter logo pago, a prevista no nº 6 daquele mesmo preceito legal, devendo para o efeito, nesta 2ª hipótese, a secretaria oficiosamente notificar o recorrente. Ou seja, a validade de tal acto fica, assim, dependente do pagamento da referida multa fixada em tais normativos.
Ora, calcorreando os autos, verifica-se, por um lado, que dos mesmos não consta que a expropriante tenha pago aquela 1ª multa, e, por outro lado, igualmente não consta dos mesmos que tivesse pago aquela 2ª multa (agravada), ou seja, a prevista no citado nº 6 do artº 145 do CPC.
Porém, compulsando os autos verifica-se, igualmente, que a secretaria não notificou, como determina este último normativo legal, a expropriante-recorrente para proceder ao pagamento daquela multa nele estipulada.
Notificação essa que, assim, se impõe, dado que só depois dela efectuada se poder aferir se o recurso em causa, interposto pela expropriante, deve ou não ser admitido, ou seja, se foi ou não interposto (ainda) em tempo (tudo dependendo, depois, e para esse efeito, de a recorrente pagar ou não a aludida multa no prazo legal estipulado para tal).
Nestes termos, e ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes com os aduzidos pela agravante, ter-se-á de julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se (embora por fundamentos não inteiramente coincidentes com os nele aduzidos) em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene à secretaria (entenda-se secção de processos) para proceder à notificação da expropriante-recorrente para proceder ao pagamento da multa prevista no nº 6 do artº 145 do CPC.
Sem Custas.

Coimbra, 2006/01/25