Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
794/12.0JACBR-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: HONORÁRIOS DE DEFENSOR OFICIOSO;
NOVA SESSÃO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 10/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 9 DA PORTARIA 1386/2004, DE 10-11
Sumário:
Para os efeitos previstos no n.º 9 da tabela de honorários para a protecção jurídica anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, ocorre nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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A - Relatório:
1. Nos autos de Processo Comum (tribunal coletivo) n.º 794/12.0JACBR, que correm termos na Comarca de Coimbra, Juízo Central Criminal de Coimbra – J3, foi, a 1/2/2014, proferido o seguinte Despacho:
“Tem sido entendimento deste Juízo que, para efeitos de pagamento de honorários, contar-se-á como uma sessão de julgamento a realizada em cada dia, independentemente de ter havido uma pausa para descanso ou para alimentação dos intervenientes processuais. Apenas a interrupção que implique que a nova sessão seja iniciada em dia distinto é que contará para efeitos de pagamento de honorários (neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 22.3.2017, in www.dgsi.pt).
Nestes termos, indefere-se a reclamação deduzida.
Notifique.”
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2. Inconformado com tal Despacho, dele recorreu, a 2/4/2018, o Exmo. Sr. Dr. (…), Ilustre defensor nomeado ao arguido (…) extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do douto despacho de 01/02/2018, que indeferiu a Reclamação apresentada pelo ora recorrente a fls. 496 e 497.
2. Transitado em julgado o respetivo acórdão, o ora recorrente, na qualidade de defensor nomeado ao arguido (…), apresentou, via Sinoa, o competente pedido de pagamento dos honorários, devidos enquanto profissional forense que participa no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, indicando a presença em 15 sessões, sendo 13 sessões em audiência de julgamento.
3. A Secretaria Judicial, atuando nos termos e para os efeitos do artigo 28º-5 da Portaria nº 10/2008, de 03 de janeiro (Regulamento da Lei de Acesso ao Direito), rejeitou aquele pedido de pagamento de honorários, por entender que o ora recorrente reclamara o pagamento de um número de sessões da audiência de julgamento superior ao que, segundo ela, havia ocorrido: enquanto o recorrente entendia (e entende!) que interveio em 13 sessões de julgamento, a Secretaria Judicial reduziu essas sessões a 9.
4. Na origem da divergência está a circunstância da Secretaria Judicial contabilizar como uma única sessão cada dia de audiência de julgamento, que decorreu nos períodos da manhã e da tarde. O recorrente, por seu turno, contabilizou duas sessões, uma no período de manhã e outra no período da tarde, sempre que interveio em ambos os períodos do dia.
5. O douto despacho recorrido é lacónico e infundamentado.
6. Na ausência de outra fundamentação, há que entender que o Tribunal a quo, quando afirmou no segmento final do primeiro parágrafo do despacho recorrido “neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 22/03/2017, in www.dgsi.pt)”, pretendeu, afinal, sinalizar que o douto despacho recorrido acolhia os fundamentos aduzidos naquele aresto.
7. Para além das 2 sessões em sede de inquérito (confirmadas pela Exma. Senhora Escrivã de Direito), o recorrente esteve presente no Tribunal para assegurar a defesa do arguido (…), em sede de audiência de julgamento, nos seguintes dias:
- 20 de dezembro de 2016, pelas 13.30 horas;
- 09 de janeiro de 2017, pelas 09.15 horas, bem como pelas 14 horas e 30 minutos;
- 10 de janeiro de 2017, pelas 09.30 horas, bem como pelas 14 horas e 30 minutos;
- 13 de janeiro de 2017, pelas 09.30 horas, bem como pelas 14 horas e 30 minutos;
- 23 de janeiro de 2017, pelas 09.30 horas, bem como pelas 14 horas e 30 minuto;
- 24 de janeiro de 2017, pelas 09.30 horas;
- 07 de fevereiro de 2017, pelas 9.30 horas;
- 10 de março de 2017, pelas 09.30 horas;
- 07 de abril de 2017, pelas 09.30 horas.
8. O que está em causa no presente Recurso é saber qual o sentido e alcance a atribuir à revogação da NOTA 1 que constava da tabela de honorários para a proteção jurídica, aprovada pela Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, revogação essa que foi determinada pelo artigo 2. °, alínea a), da Portaria n.º 210/2008 de 29 de fevereiro.
9. Trata-se, no fundo, de saber se com a revogação da Nota 1 da Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de novembro, pelo artigo 2º, alínea a) da Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, o legislador quis afastar a interpretação que decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões ou, antes, como defende o Recorrente, se quis apenas deixar de definir quando se considera haver lugar a nova sessão (dito de outro modo, se quis deixar de prever, tão somente, qualquer critério para a determinação do número de sessões de cada diligência processual).
10. A Nota 1, entretanto revogada, relacionava-se diretamente com o n.º 9 daquela tabela com a seguinte redação: «Quando a diligência comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais.» - “3,00” (“UR’s”).
11. Aquela Nota 1, antes de revogada, visava esclarecer o que deveria considerar-se como «uma nova sessão» de um ato ou diligência.
12. O critério fundamental para tal aferição, resultante daquela Nota 1, era o do momento da interrupção do ato ou diligência. Havendo interrupção da diligência, considerava-se concluída “uma sessão” e considerava-se que a continuação da diligência, após aquela interrupção, consubstanciava uma “nova sessão”; até à próxima interrupção; e assim sucessivamente. A menos que a interrupção ou interrupções ocorressem no mesmo período da manhã ou no mesmo período da tarde; porque, nesses casos, o legislador quis frisar expressamente que se tratava, como sempre sucede, de um SIMPLES INTERVALO de uma mesma sessão, a da manhã ou a da tarde, que não tinham a virtualidade de consubstanciar a conclusão de “uma sessão” e/ou o início de “uma nova sessão”.
13. Tendo mantido em vigor o n.º 9 daquela tabela de honorários, o legislador indicou, de forma inequívoca, que um ato ou diligência podem ser compostos por mais do que uma sessão. E indicou, igual e claramente, que, além da segunda sessão, o Advogado é retribuído com 3 UR´s por sessão.
14. A Nota 1 continha dois segmentos distintos: um primeiro, que consubstanciava a regra e que determinava que o critério aferidor da existência de uma nova sessão era o da interrupção da diligência; e um segundo, que consubstanciava a exceção supramencionada.
15. Poder-se-á agora entender que a revogação da Nota 1 teve por objetivo extinguir aquele CRITÉRIO REGRA aferidor (o da interrupção) de uma nova sessão? E, a ser assim, que sentido atribuir à manutenção em vigor do n.º 9 daquela tabela? Julgamos ser evidente que o critério aferidor de uma nova sessão só pode continuar a ser o do momento da interrupção da diligência; e, portanto, a revogação da Nota 1 não pode ter tido por objetivo alterar aquele CRITÉRIO REGRA que constituía o primeiro segmento da Nota 1; de outra forma não se entenderia a manutenção da redação do n.º 9 da tabela. Mas também acreditamos que o legislador não quis considerar como interrupção e, por isso, como indicador do termo de uma sessão e do subsequente início de uma nova sessão, o SIMPLES INTERVALO de uma sessão, ocorrido por isso durante o mesmo período da manhã ou da tarde.
16. Não pode, no entanto, atribuir-se à revogação da Nota 1 o sentido que lhe foi atribuído no douto despacho recorrido, ou seja, o de que é contabilizada uma única sessão de julgamento por cada dia, indiferentemente de a mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde; nem tão-pouco o que lhe foi dispensado pelo douto Acórdão da Relação do Porto enunciado no despacho recorrido, isto é, o de que “o legislador quis afastar a interpretação de que, decorrendo a Audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã, outra de tarde”. São interpretações forçadas que nenhuma correspondência têm, nem com a redação da Nota 1 antes de revogada, nem com a sua subsequente revogação.
17. Não se percebe porque não deverá ser retribuída uma sessão de uma diligência reiniciada na tarde de um dia após a sua interrupção no período da manhã, e deverá ser retribuída uma sessão dessa mesma diligência ocorrida no período da manhã do dia seguinte ao da sua interrupção na tarde do dia anterior. Em ambos os casos, o Advogado prestou os respetivos serviços em dois períodos, o da manhã e o da tarde.
18. A revogação daquela Nota 1 apenas teve uma razão de ser: a sua inutilidade. Era uma nota inócua, por redundante.
19. A entender-se de outro modo, nomeadamente o que foi acolhido no douto despacho recorrido, significaria, como se disse, retribuir o mesmo trabalho de forma totalmente diferenciada e desigual, não retribuindo ou retribuindo o trabalho do Advogado consoante o novo período de trabalho (manhã ou tarde) ocorra respetivamente no mesmo dia ou em dias diferentes; o que contraria frontalmente o princípio previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
20. O que, além do mais, e como é de fácil perceção, coloca grave e perigosamente em causa a característica da essencialidade do patrocínio forense na administração da justiça consagrada no artigo 208º da Constituição da República Portuguesa.
21. Assim não tendo entendido, o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 25.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, com a redação da Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, assim como o disposto no n.º 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de novembro, com as alterações resultantes do artigo 2.º, alínea a), daquela Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, bem como retirou da revogação da dita Nota 1 da mesma Tabela conclusões que tal revogação não permite.
22. Na eventualidade de se professar que a revogação da Nota 1 criou um vazio legislativo, uma lacuna, é de acolher a doutrina vertida no Acórdão da Relação do Porto de 10/05/2017 e, então, deve, o intérprete, integrá-la de acordo com a norma que criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10º- 3 do Código Civil).
23. De acordo com a regra do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil, justifica-se que, para efeitos de cálculo dos honorários devidos a defensor oficioso, se considere intervenção em duas sessões a intervenção desse defensor, não só num julgamento que é interrompido um dia para continuar no outro, como também a que decorre na manhã e tarde do mesmo dia, com interrupção para almoço. Já assim não será se a interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde.
24. A INTERPRETAÇÃO do disposto no artigo 25.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, do n.º 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, conjugado com a revogação da Nota 1 operada pelo artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 210/2008, de 29 de fevereiro, no sentido que, para efeitos de pagamento de honorários ao respetivo Advogado/Patrono, deve contabilizar-se como uma única sessão o ato ou diligência que decorra no período da manhã de um determinado dia e, depois de interrompido, no período da tarde desse mesmo dia, e como duas sessões autónomas o ato ou diligência que decorra naqueles mesmos períodos de dias diferentes, está ferida de INCONSTITUCIONALIDADE por violação do disposto nos artigos 59.º, n.º 1, al. a) e 208.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o consignado no artigo 2.º da mesma Constituição, que consagra o princípio fundamental do Estado de Direito, a que são inerentes as ideias de juridicidade, constitucionalidade e direitos fundamentais, concretizado nos subprincípios do Estado constitucional ou da constitucionalidade, da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos e das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento, inconstitucionalidade que se argui para todos os legais efeitos.
Nestes termos, e nos demais de direito, que vossas excelências douta e superiormente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, revogar-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que considere que, para efeitos de pagamento de honorários ao recorrente, é de contabilizar como duas sessões diárias, a sua intervenção em sede de audiência de julgamento, que decorreu no período da manhã e no período da tarde de cada um dos dias 09, 10,1 3 e 23 de janeiro de 2017, com interrupção para almoço, contabilizando assim, além das 2 sessões em sede de inquérito (que não suscitam qualquer dúvida ou polémica), mais 13 sessões de julgamento, ordenando-se, consequentemente, à secretaria judicial que proceda em conformidade, validando o pedido de honorários apresentado pelo recorrente, com todas as legais consequências, só assim se fazendo a tão porfiada justiça!
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4. O recurso, a 12/4/2018, foi admitido.
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5. O Ministério Público, a 17/5/2018, respondeu ao recurso, contra-alegando, em síntese, que não assiste razão ao arguido. ****
6. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a 27/6/2018, emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso,
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7. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
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8. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
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B- Cumpre apreciar e decidir:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), uma questão vem colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:
- Saber se, para efeitos de pagamento de honorários ao recorrente, é de contabilizar como duas sessões diárias, a sua intervenção em sede de audiência de julgamento que decorreu no período da manhã e no período da tarde de cada um dos dias 9, 10, 13 e 23 de janeiro de 2017, com interrupção para almoço.
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Estamos perante uma questão suscetível de levar a entendimentos diferentes, o que, em termos de direito a constituir, e com brevidade, deveria ser objeto de legislação que, de uma vez por todas, a viesse esclarecer, de modo a evitar que os Tribunais tenham que se pronunciar sobre um assunto desta natureza que, salvo o devido respeito, extravasa a função de aplicar a Justiça.
Feita esta ressalva, avancemos.
Nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.º1, da Portaria 10/2008, de 3 de Janeiro, 1º, da Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, os honorários devidos aos senhores Advogados nomeados oficiosamente no processo como defensores de arguidos devem ser calculados em função das sessões de diligências e nas quais, naturalmente, o requerente haja participado no exercício da defesa. E dispõe o ponto 9., da Tabela Anexa àquele último diploma citado, que quando a diligência em causa comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais o advogado tem direito a uma compensação de 3 UC.
A nota 1, da referenciada Tabela, na sua versão original, determinava dever ser considerado haver lugar a uma nova sessão (‘autónoma’ para efeitos de remuneração em conformidade com as disposições legais citadas) da diligência sempre que esta fosse interrompida, exceto se tal interrupção ocorresse no mesmo período da manhã ou da tarde.
A Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, veio porém alterar a referida Portaria n.º 1386/2004, tendo expressamente, no seu artigo 2.º, a), revogado (além do mais) a aludida nota 1 daquela Tabela.
Em face de tal revogação, começou a ser suscitada a questão de dever ser considerada apenas como uma única sessão da diligência toda aquela que decorresse durante um único dia, ou seja, independentemente de o ato decorrer no período da manhã ou da tarde, ou em ambos – desconsiderando-se portanto, não já apenas as interrupções no mesmo período da manhã ou da tarde, mas qualquer interrupção no mesmo dia.
Para nós, liminarmente, e no que respeita à revogação legal que está, afinal, na base da interpretação do despacho recorrido, cumpre assinalar que a circunstância de haver sido revogada a nota 1 da Tabela Anexa à Portaria 1386/2004, e não ter havido a sua mera alteração ou substituição por outra redação, determina que deixa de haver qualquer critério para interpretar e valorar as interrupções ocorridas num mesmo período da manhã ou da tarde no âmbito de uma diligência judicial.
Assim sendo, a solução deverá passar pela interpretação do que deve ser entendido como uma sessão de diligência judicial no âmbito do processo penal, começando por não se perder de vista, precisamente, a distinção entre ambas as coisas – a diligência, como conjunto dos atos necessários e adequados à efetivação de um procedimento exigível nos termos da lei de processo e que só se tem por terminada quando estiverem todos esses atos praticados e concluídos; e as sessões da diligência no âmbito das quais são praticados os atos em causa.
Para a audiência de julgamento em especial, a lei processual penal prevê, no artigo 328.º, n.º 2, do CPP, que são admissíveis, na mesma audiência, as interrupções estritamente necessárias em especial para alimentação e repouso dos participantes, sendo que se a audiência não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado, é interrompida para continuar no dia útil posterior.
Dispõe o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil que na interpretação da lei deve ter–se em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, e as condições específicas do tempo em que é aplicada (sublinhado nosso).
Pois bem, não cremos que sejam necessárias grandes dissertações sobre a evolução da natureza da conflitualidade processual desde que o (actual) Código de Processo Penal entrou em vigor (em 1987) até à atualidade, para se concluir que o volume e complexidade dos processos judiciais de natureza criminal teve um enorme incremento, demandando da prática judiciária dos nossos tribunais uma gestão de tempo cada vez mais exigente e rigorosa, sendo, nomeadamente por contraponto à época de elaboração da atual lei processual penal, a exceção os casos em que uma diligência judicial se conclua num período da manhã ou da tarde, ou mesmo num só dia.
À luz daquilo que é a prática judicial na atualidade, seria de facto “abusivo” que se fizesse relevar uma interrupção no mesmo período da manhã ou da tarde (ainda que para breve repouso dos intervenientes) para se contabilizar uma nova sessão da mesma diligência, e não é o facto de haver sido revogada a nota 1 referenciada que permite sufragar tal entendimento.
Mas já uma interrupção entre um período da manhã e um período da tarde em que decorra uma mesma diligência, afigura–se que justifica a consideração de se estar perante duas sessões diversas da mesma.
Primeiro porque – em termos que entendemos não carecerem de grande justificação – pacífica e comummente. se considera que tal interrupção se justifica comunitária e socialmente por necessidades de alimentação e de sumário descanso dos intervenientes na diligência.
E em segundo lugar, por uma questão de evidente justiça relativa, não se afigurando como se justifique substancialmente, e para os efeitos aqui em causa, a diferença entre estar presente em atos da diligência numa tarde e na manhã seguinte, ou numa manhã e na tarde do mesmo dia, contando-se duas sessões no primeiro caso mas já não no segundo; ou como possa considerar-se a mesma coisa, e tratar de forma idêntica, a participação de um defensor apenas nos atos da diligência praticados da parte da manhã, e a participação de um outro não só nesses como também naqueles praticados da parte da tarde do mesmo dia.
Para efeitos de desempenho e gestão do seu exercício profissional, não é a mesma coisa um senhor Advogado despender, por via de uma nomeação oficiosa, ‘apenas’ uma manhã ou uma tarde de determinado dia na participação em uma diligência judicial, do que o mesmo profissional empenhar todo o seu dia de trabalho, apenas com interrupção entre a manhã e a tarde, nessa mesma diligência.
E é isso que está em causa na remuneração aqui em questão.
Quaisquer preocupações de natureza meramente economicista ou orçamental que aqui haja de ponderar deverão ser resolvidas por via de intervenção legislativa concreta, e não por interpretação administrativa.
Assiste, portanto, razão ao recorrente (já assim decidiu este Tribunal da Relação de Coimbra – ver Acórdão de 12/10/2016, Processo n.º 107/13.4TND-B.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Vasques Osório, in wwwdgsi.pt).
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C - Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, declarando-se, em consequência, que, para efeitos de pagamento de honorários ao recorrente, é de contabilizar como duas sessões diárias, a sua intervenção em sede de audiência de julgamento que decorreu no período da manhã e no período da tarde de cada um dos dias 9, 10, 13 e 23 de janeiro de 2017, com interrupção para almoço, contabilizando, assim, além das 2 sessões em sede de inquérito, mais treze sessões de julgamento.
Sem Custas.
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(Texto processado e integralmente revisto pelo relator)
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Coimbra, 17 de Outubro de 2018

José Eduardo Martins (relator)

Maria José Nogueira (adjunta)