Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1946/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO/ ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Data do Acordão: 07/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - VARA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS. 562º E 564º, Nº 4, DO C. CIV. ; BASE XXXVII DA LEI Nº 2127, DE 3/8/1965 .
Sumário: I – As indemnizações por acidente que seja simultaneamente de viação e de trabalho não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido .

II – O lesado pode exigir o ressarcimento pelos danos sofridos, nomeadamente pelos danos patrimoniais futuros, tanto ao responsável pelo acidente de viação como à entidade patronal, mas não pode é cumular essas indemnizações .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente na Quinta do Bosque, Rua Monte Belo, Lote 114, 4º Esq., 3510 Viseu, propõe contra o B..., com sede na Av. José Malhoa, Lote 1664, 3º, 1099-021, Lisboa, a presente acção com processo ordinário, pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 146.017,17 euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento e ainda a sanção pecuniária compulsória a que se refere o nº 4 do art. 829º A do C.Civil.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, num acidente de viação ocorrido em 25 de Março de 1999, pelas 16,40 horas, que envolveu o veículo automóvel por si conduzido, matrícula 40-82-MR e o automóvel matrícula estrangeira 6168-VB647, que atrelava o reboque 2037-VA64. O condutor do veículo estrangeiro, que circulava no IP3, no sentido Coimbra – Viseu, não conseguiu dominá-lo, tendo saído da sua hemi-faixa de rodagem e ocupado a outra por onde circulava o MR, atravessando-se e imobilizando-se naquele hemi-faixa de rodagem, dando causa a que o MR nele embatesse. Em virtude do embate padeceu as diversas lesões e danos que indica, de que se quer ver ressarcido.
1-2- O R. contestou, aceitando, em resumo, a culpa do condutor estrangeiro na eclosão do acidente. Defende que são indemnizáveis somente os danos não patrimoniais, já que os patrimoniais foram compensados ao abrigo do contrato de seguro por acidentes de trabalho.
Termina pedindo o julgamento da acção conforme prova a produzir.
1-3- Através do despacho de fls. 87, o A. foi notificado para vir concretizar a alegada perda de rendimentos, sob pena de o não fazendo, não se quesitar a afirmação de que se não fora o acidente, o A. teria auferido a quantia de 9.461.666$70 (47.194,59 euros ).
1-4- O A. veio esclarecer a situação através do articulado de fls. 87.
1-5- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, fixado os factos assentes e a base instrutória.
1-6- Ainda antes da realização da audiência de discussão e julgamento, o A. veio ampliar o pedido para 301.017,17 euros, em função da incapacidade permanente parcial de 55% que lhe foi, entretanto, atribuída, ampliação que foi admitida pelo despacho judicial de fls. 197 e 197 v.
1-7- Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu ao questionário e se proferiu a sentença.
1-8- Nesta considerou-se procedente por provada a acção e, em consequência, julgou-se a acção parcialmente procedente, condenando-se o R. (Gabinete Português de Carta Verde ) a pagar ao A. ( A... ), a quantia de 61.318,25 euros, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 31.318,25 euros, à taxa anual de 7% desde a citação até 30-4-03 e, à taxa anual de 4% desde 1.5.03 até efectivo pagamento e sobre a quantia de 30.000 euros à taxa anual de 4% desde a data do aresto e até integral pagamento, quantias a que acresce a sanção pecuniária compulsória de 5%.
1-9- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer o A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-10- O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A causa de pedir é um acidente de viação, sem se discutir nos autos se era simultaneamente de trabalho, não obstante se ter provado que a Companhia de Seguros Alianz lhe pagou a indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária para o trabalho e que por sentença transitada em julgado foi condenada a pagar-lhe a pensão anual vitalícia de 989.057.000$00, com base na remuneração anual de 20.949,51 euros.
2ª- A quantia de 989.057.000$00 deve ser corrigida para 989.057$00, conforme resulta do documento 6 junto aos autos com a petição inicial.
3ª- A quantia de 23.517,17 euros ( pedida a titulo de diferença retributiva entre a quantia de 47.194,59 euros que deixou de auferir e a de 23.677,42 euros relativa à indemnização por incapacidade temporária paga pela seguradora ) é um dano do património do A., porque resulta da diferença retribibutiva entre a indemnização que deve ser determinada em sede de responsabilidade civil emergente de acidente de viação e a calculada a paga no âmbito de responsabilidade por acidente de trabalho, com base na retribuição anual de 4.200.000$00, pois como é sabido a formula de cálculo em responsabilidade infortunística sofre de reduções à retribuição, no caso em apreço, nos termos das disposições dos arts. 49º e 50º do DL 360/71 de 21/8, vigente à data do acidente, não havendo, por isso, cumulação de indemnizações, ainda que a sentença não fale, expressamente, em inacumulabilidade.
4ª- O raciocínio da sentença sobre esta matéria, violou as disposições dos arts. 562º, 563º, 564º nº 1 do C.Civil, os quais devem ser atendidos no sentido de que a reparação do dano implica repor a situação patrimonial do A. exactamente pelo mesmo valor retributivo que deixou de auferir em consequência do acidente, por ser aquele que não teria sofrido se não fosse o evento danoso e ser o prejuízo causado.
5ª- O tribunal recorrido, porque não o refere expressamente, terá interpretado que as disposições dos arts. 49º e 50º do DL 360/71 de 21/8, valiam para acidente de trabalho e acidente de viação, quando devem ser interpretadas no sentido de que são aplicadas exclusivamente à responsabilidade por acidente de trabalho e não se aplicam à responsabilidade extracontratual, mesmo quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho, porquanto não repõem integralmente o dano resultante da perda de retribuição por incapacidade temporária de trabalho, devendo ser aplicadas as normas dos arts. do C.Civil referidas.
6ª- A indemnização por dano patrimonial futuro resultante da incapacidade de 55% de que o A. ficou afectado, deve ser calculada com base nesta e não na diferença ente esta e a de 46,636% determinada no foro de acidente de trabalho, reputando os 31 anos à data do acidente e 70 anos de idade, por ser esta a mais consentânea com a realidade, porque a vida activa do indivíduo prolonga-se para além dos 65 anos pois, mesmo reformado por estes, ainda pode continuar a trabalhar por conta de entidade empregadora até aos 70 anos, o que, considerando a retribuição mensal provada de 1.745,79 euros, atinge o valor de 364.134,84 euros.
7ª- Não está provado que o acidente foi simultaneamente de trabalho e viação, nem que o A. está a receber a pensão que lhe foi atribuída pelo tribunal do trabalho, mas, mesmo que nem sequer se ponha a questão, a inacumulabilidade das indemnizações não traduz que o tribunal do foro cível efectue qualquer dedução à indemnização resultante do acidente de viação, porquanto o lesado pode demandar judicialmente todos os responsáveis e optar pela indemnização que repute ser-lhe mais favorável estando, quando muito, obrigado a reembolsar a seguradora de acidente de trabalho das indemnizações que tenha recebido desta, devendo, por isso, a indemnização proveniente da responsabilidade emergente de acidente de viação ser fixada por inteiro, porque, a não ser assim, o lesado não receberia do R. civilmente responsável o que teria de devolver à seguradora de acidente de trabalho, ficando nessa parte sem qualquer indemnização, sendo neste sentido que deve ser entendida a Base XXXVII da aludida Lei 2127, até porque aquela entidade pode intervir espontaneamente ou a requerimento nos autos.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, com revogação da decisão recorrida nos termos referenciados.
1-11- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após as respostas aos quesitos, ficaram assentes os seguintes factos:
1. No dia 25 de Março de 1999, pelas 16 horas e 40 minutos, no IP3, ao Km 48,400, no concelho e comarca de Coimbra, ocorreu um embate entre o veículo automóvel com a matrícula estrangeira 6168-VB647, que atrelava o reboque com a matrícula 2037-VA64, e os veículos com as matrículas portuguesas 40-82-MR e 01-54-CF (a).
2. O veículo estrangeiro pertencia a Le Fret Luzien e era conduzido por Etchechoury Laurent. O MR era conduzido pelo A.. O CF era conduzido por Albertino Manuel da Silva Cardoso e pertencia à Associação de Socorro Social da Paróquia de Candosa - Tábua (b).
3. O veículo estrangeiro circulava no IP3 no sentido de marcha Coimbra - Viseu e o MR em sentido contrário a este (c).
4. 0 condutor do veículo estrangeiro saiu da hemifaixa de rodagem por onde circulava, ocupou a outra por onde transitava o MR e embateu frontalmente neste e no CF, ficando imobilizado e atravessado na via de trânsito destinada àqueles veículos, onde ocorreu o embate (d).
5. 0 MR e o CF transitavam pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Viseu - Coimbra (e).
6. No local do embate, o sentido de marcha do veículo estrangeiro, relativamente ao do MR e do CF, é delimitado na faixa de rodagem por uma linha longitudinal contínua, tendo o veículo estrangeiro transposto essa linha (f).
7. No local do embate, a estrada forma traçado recto e avista-se a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de pelo menos 50 metros. Era de dia, chovia e a estrada estava molhada e escorregadia (g).
8. O veículo estrangeiro, com reboque, transitava em velocidade superior a 70 Kms/hora (h).
9. O Etchechoury conduzia o veículo estrangeiro por conta e no interesse do proprietário e no exercício da função que lhe fora confiada (i).
10. No momento do embate o A. deslocava-se em meio de transporte fornecido pela sua entidade empregadora, Vale Ferreiro - Sociedade Técnica de Construções, L.da e ao serviço desta (j).
11. Em consequência do embate o A. sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento ( escala de Glasgow 10 ), fractura cominutiva subtrocânterica do fémur esquerdo, fractura da rótula esquerda, fractura do esterno e amnésia traumática, apresentando pequeno foco hemorrágico parietal direito e pequeno coágulo sanguíneo nos cornos occipitais dos ventrículos laterais e partiu o dente n.° 36 (l).
12. Recebeu os primeiros socorros nos serviços de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, no dia do acidente, onde ficou internado até 03/04/1999, data em que foi internado no Hospital de S. Teotónio de Viseu (m).
13. Foi operado em 06/04/1999 neste estabelecimento hospitalar tendo-lhe sido aplicado material de osteosintese com placa angulada e feito enxerto ósseo. Teve alta em 22/04/1999 e passou a frequentar a consulta externa de ortopedia até 15/10/1999 (n).
14. Frequentou os serviços clínicos da Companhia de Seguros Allianz Portugal, S. A., ao abrigo de um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.° 1900 000325302 19, com ela celebrado pela sociedade Vale Ferreiro Sociedade Técnica de Construções, L.da (o).
15. Foi submetido a exames radiológicos, radiografias e TAC, a anestesias, ingeriu medicamentos, foi-lhe ministrado soro e esteve com um dreno no seu corpo. Fez tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos. Esteve também internado no Hospital de Santa Maria, por duas vezes, onde primeiro foi operado ao fémur esquerdo e lhe fizeram enxertia óssea e aplicaram material de osteosíntese com placa de parafusos e extraíram-lhe este material (p).
16. Foi submetido a tratamento dentário que consistiu na fase cirúrgica a colocação de um implante dentário correspondente à peça dentária ausente n.° 36, com feitura de coroa naquele implante (q).
17. Permaneceu encarcerado durante mais de duas horas dentro do MR (r).
18. Sofreu dores consequentes das lesões resultantes do embate e sentiu-se triste, solitário, angustiado e chorou muitas vezes. Deixou de passear e conviver com as pessoas suas amigas e conhecidas. Teve dificuldades em dormir, descansar, fazer a sua higiene corporal total, deslocar-se, movimentar-se e tomar as refeições. Não gozou os momentos de descanso e lazer, incluindo as férias. Durante os períodos de internamentos esteve afastado da sua casa de morada de família, dos pais, dos familiares, dos amigos e da namorada (s).
19. A responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que o veículo estrangeiro fosse interveniente estava transferida para o Groupe D'Assurances Européenes, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.° 101404001164 (t).
20. A Companhia de Seguros Allianz pagou ao A. a indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária, calculada com base na remuneração anual de 4.200.000$00, correspondente a 20.949,51 euros, indemnização que ascendeu à quantia total de Pte. 4.746.896$54 ( 811 dias x 5.853$14 ), correspondendo a 23.677,42 euros. Por sentença de 17.10.01, transitada em julgado, foi essa seguradora condenada a pagar ao A., com base naquela remuneração e numa incapacidade permanente parcial de 46,636%, a pensão anual e vitalícia de 989.057.000$00 (doc. fls. 45 a 71) (u).
21. Em consequência do embate o A. ficou com uma cicatriz na coxa esquerda com cerca de 30 centímetros de comprimento em forma rectilínea de cima para baixo, uma cicatriz no joelho esquerdo com cerca de 3 centímetros de comprimento, rectilínea da esquerda para a direita, duas cicatrizes em forma circular com cerca de 1 centímetro de diâmetro na perna esquerda provenientes do material de osteosíntese (1º).
22. E duas cicatrizes no abdómen do lado esquerdo, sobrepostas, com cerca de 7 centímetros de comprimento, provenientes do enxerto ósseo referido supra, várias cicatrizes no pescoço, cefaleias, dores no membro inferior esquerdo, não flecte totalmente o membro inferior esquerdo, encurtamento de cerca de 3 centímetros do membro inferior esquerdo, falta de força no membro inferior esquerdo, claudicação importante à marcha esquerda ( 2º ).
23. Em consequência das lesões sofridas no embate, o A. ficou afectado de uma incapacidade permanente parcial ( I. P. P.) de 55% ( 3º-A).
24. Em consequência das sequelas e dores resultantes do embate o A. tem dificuldade em caminhar, dormir, fazer a sua higiene corporal e conduzir veículos automóveis ( 4º ).
25. À data do embate, o A. era uma pessoa que gozava de boa saúde, era alegre, extrovertida e sociável ( 5º ).
26. Actualmente padece de dores, é triste, introvertido e com propensão para se isolar em casa ( 6º ).
27. Não pode jogar futebol de salão, basquete, dançar, nadar e correr. Vive angustiado quanto à evolução das suas lesões e à incerteza do seu futuro ( 7º ).
28. O A. era um jovem dinâmico, optimista em relação ao seu futuro, dotado de energia e vontade de trabalhar e vencer ( 8º ).
29. Sem horários estipulados para trabalhar, tomar as refeições, dormir e descansar ( 9º ).
30. Resultante das sequelas do embate, o A. cansa-se e tem dificuldade em desempenhar as suas tarefas ( 10º ).
31. Em consequência do embate o A. esteve incapacitado para o trabalho desde 25/03/1999 a 12/06/2001 ( 11º).
32. O A. auferia, à data do embate, a remuneração anual de 20.941,51 euros ( 12º ).
33. O A. é gestor de empresas, licenciado pelo Instituto Superior de Línguas e Administração de Lisboa e exerce a função de Director de Serviços Financeiros, por conta de outrem, auferindo o vencimento mensal de 1.312 euros ( 14º).----------------
2-3- Como se vê, no recurso, o apelante apenas coloca em causa, parte dos montantes que lhe foram atribuídos a título de indemnização na douta sentença recorrida.
Como primeira questão, o apelante sustenta que a quantia de 23.517,17 euros ( pedida a titulo de diferença retributiva entre a quantia de 47.194,59 euros que deixou de auferir e a de 23.677,42 euros relativa à indemnização por incapacidade temporária paga pela seguradora ) é um dano do património seu, porque resulta da diferença retributiva entre a indemnização que deve ser determinada em sede de responsabilidade civil emergente de acidente de viação e a calculada e paga no âmbito de responsabilidade por acidente de trabalho, com base na retribuição anual de 4.200.000$00, razão por que lhe deve ser atribuída.
Sobre o assunto, na douta sentença recorrida, referiu-se que “no domínio dos danos de índole patrimonial, o autor reclama uma indemnização de 23.517,17 euros, porque se não tivesse sofrido o acidente teria auferido 47.194,59 euros. Porém, a Companhia de Seguros Allianz pagou ao autor, como ele próprio alega, a indemnização relativa à integralidade do período de incapacidade temporária, calculada com base na remuneração anual de 4.200.000$00, correspondente a 20.949,51 euros, indemnização que ascendeu à quantia total de Pte. 4.746.896$54 (811 dias x 5.853$14), correspondendo a 23.677,42 euros (doc. fls. 45 a 71) (n.º 20 dos factos provados). Assim, a esse nível, o património do demandante não sofreu qualquer prejuízo: todo o período de incapacidade temporária foi pago no âmbito do seguro por acidentes de trabalho em função da remuneração mensal que auferia à data do embate, valor que corresponde exactamente à facticidade apurada: o autor esteve impedido de trabalhar desde 25.03.99 a 12.06.01, durante o qual deixou de auferir a retribuição anual de 20.949,51 euros (n.ºs 31 e 32 da fundamentação de facto)”. Isto é, na douta sentença recorrida considerou-se que, tendo o A. sido indemnizado, sob o ponto de vista patrimonial, no âmbito do acidente de trabalho, não terá já de receber qualquer indemnização pelo acidente de viação sobre que versam os autos.
Vejamos:
As indemnizações por acidente que seja simultaneamente de viação e de trabalho ( e diga-se, desde já, que dos autos decorre amplamente que o acidente em causa teve estas características - vide a sentença proferida no processo laboral nos autos a fls. 46 e 47 e o que o próprio A. alega nos arts. 63º e 76º da p.i. - ) não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido ( tanto patrimonial como não patrimonial ). Não sendo as indemnizações cumuláveis o lesado não poderá receber as duas indemnizações integral e autonomamente, dado que, se tal sucedesse, isso equivaleria a reparar duas vezes o mesmo dano, com o consequente enriquecimento ilegítimo.
A jurisprudência que consultamos é unânime quanto a este aspecto [ Entre outros, acórdãos do STJ de 24-1-2002 ( in Col. Jur. Acs. do STJ 2002, Tomo I, pág. 54 ), de 26-5-1993 ( in Col. Jur. Acs. do STJ 1993, Tomo II, pág. 130 )]. O próprio apelante não coloca em dúvida este entendimento. O que ele diz é que não foi integralmente indemnizado, no âmbito do processo laboral, em relação aos danos que sofreu no que toca ao período de incapacidade para o trabalho ( período que decorreu desde 25-3-99 a 12-6-2001 ), motivo por que tem direito a sê-lo, aqui e agora.
Deu-se como provado que o A. recebeu da Companhia de Seguros Allianz ( pelo acidente de trabalho ), a indemnização de 4.746.896$54 ( 811 dias x 5.853$14 ), correspondente a 23.677,42 euros ( relativa aos períodos de incapacidade temporária, calculada com base na remuneração anual de 4.200.000$00, correspondente a 20.949,51 euros ).
O A. entende que, neste âmbito, lhe é devido o montante global de 47.194,59 euros ( resultante da seguinte operação: 20.194,51 - retribuição anual : 12 : 30 x 811 dias ). Como lhe foi paga ( apenas ) a quantia de 23.677,42 euros, ainda tem direito a ser ressarcido no montante de 23.517,17 euros ( 47.194,59 euros - 23.677,42 euros ).
O art. 562º do C.Civil, estabelece como princípio geral que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não s tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Acrescenta o art. 564º nº 4º e no que concerne ao cálculo da indemnização que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”. Pretende-se reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja repor as coisas no caso em que estariam se não tivesse existido a ofensa ( princípio da restauração natural ). Nem sempre, porém, a reconstituição natural é possível, razão por que o art. 566º nº 1 do mesmo código estabelece que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
Neste contexto, deve ser concedida ao lesado uma indemnização que garanta uma reparação global dos prejuízos que sofreu, indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, como é, patentemente, o caso dos autos.
Já vimos que, em relação aos danos de que vimos falando, no âmbito do processo laboral, foi paga ao A. a quantia de 23.677,42 euros. Esta quantia foi calculada, como consta da sentença laboral de fls. 46 e 47, segundo as Bases I, II, V, IX, XVI nº 1 al.c), XXIII e XXIV da Lei nº 2127 de 3-8-65 e consoante os arts. 1º, 4º, 7º, 47º, 49º, 50º, 51º e 57º do Decreto 360/71 de 21/8 e nº 2 do art. 138º do CPT. Isto é, e para o que aqui importa, procedeu-se, no respectivo cálculo, às reduções a que aludem os arts. 49º e 50º do mencionado Decreto. Daí que o lesado, ao nível do processo de trabalho, não tenha sido integralmente indemnizado. Na verdade, atendendo ao tempo de incapacidade de trabalho que sofreu ( período que decorreu desde 25-3-99 a 12-6-2001, ou seja 811 dias ), ao que auferia à data do evento, durante esse período o A. terá deixado de auferir a quantia global de 44.764,49 euros ( resultante desta operação: 20.194,51 - rendimento anual - x 2 anos - de 25-3-99 a 25-3-2001 - = 40.389.02 + 2 meses - de 25-3- 2001 a 25-5-2001 - = 3.365,75 - 20.194,51: 12 x 2 - + 18 dias - de 25-5-2001 a 12-6-2001 - = 1.009,72 - 20.194,51: 12 = 1682,87 : 30 = 56,095 x 18 -). Como apenas foi indemnizado em 23.677,42 euros, terá ainda que receber a importância de 21.087, 07 euros ( 44.764,49 - 23.677,42 ) [ Pese embora as contas que o apelante fez estarem, aritmeticamente, certas, o certo é que as não aceitamos, visto que, como o rendimento auferido pelo lesado que se considerou ( e provou ), foi o anual ( vide facto provado sob o nº 32 ), haverá que fazer coincidir, o mais possível, com este dado, o respectivo cálculo.].
Quer dizer que apelação, nesta parte, se bem que com quantia algo diversa, é procedente.
A outra questão que o apelante coloca para apreciação deste tribunal, diz respeito ao quantum da indemnização em relação aos danos patrimoniais futuros. Segundo o recorrente, a indemnização neste âmbito, resultante da incapacidade de 55% de que o A. ficou afectado, deve ser calculada com base nesta e não na diferença ente esta e a de 46,636% determinada no foro de acidente de trabalho. Assim, considerando que o A. tinha 31 anos à data do acidente, poderia ter uma vida activa até aos 70 anos de idade ( idade esta mais consentânea com a realidade, porque a vida activa do indivíduo prolonga-se para além dos 65 anos ) e atendendo à retribuição mensal provada de 1.745,79 euros, a respectiva indemnização atingirá o valor de 364.134,84 euros.
Na decisão recorrida, sobre a questão, considerou-se que ao abrigo do seguro por acidentes de trabalho, o A. recebe uma pensão anual que o compensa de uma incapacidade de 46,636%, razão porque se deverá ( apenas ) indemnizá-lo pela perda correspondente à diferença entre essa incapacidade e aquela de que padece ( 55% ), ou seja, de 8,364%.
Do disposto, na Base XXXVII da Lei 2127 de 3-8-65 [ O nº 1 da Base refere que “quando o acidente for causado por companheiros da vítima ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral”. Acrescenta o nº 4 da disposição que “a entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1, se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de uma ano, a contar da data do acidente”]. e no art. 18º do Dec-Lei 522/85 de 31/12 e para o que aqui interessa, resulta que o lesado pode exigir a indemnização, quer do responsável pelo acidente de viação, quer da sua entidade patronal. Sucede, porém, que a lei não coloca os dois riscos no mesmo plano, dado que se aquele responsável tiver pago a indemnização ao ofendido, nenhum direito tem em relação à entidade patronal, mas se for esta que liquidou a indemnização ao lesado, então já tem direito a exigir do responsável pelo acidente de viação o que tiver pago, se a vítima não tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente.
Quer isto dizer que, aquele que responde pelo acidente de viação, é como que o responsável final pelo evento. Por outras palavras, a responsabilidade derivada do acidente laboral, é secundária em relação à responsabilidade oriunda do acidente de viação.
Disto tudo decorre, a nosso ver, que o lesado pode exigir o ressarcimento pelos danos sofridos, tanto ao responsável pelo acidente de viação como à entidade patronal. Assim sendo, nada impede que A. deduza o pedido e consiga uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros, àquele responsável. O que não poderá é cumular indemnizações, como acima já referimos.
Não se discute que o A., dada a incapacidade permanente de que ficou a sofrer, tem direito a uma indemnização neste âmbito. Com efeito, esta indemnização decorre, genericamente, do que estipula o art. 564º nºs 1 e 2 do C.Civil, isto é, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Evidentemente que, em resultado da incapacidade permanente de que ficou a padecer ( para sempre ), o A. viu a sua capacidade de ganho diminuída e, assim, tem direito a ser indemnizado, face a estas disposições.
Já acima nos referimos à indemnização em dinheiro ( art. 566º nºs 1 e 2), restando-nos acrescentar que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” ( nº 3 do mesmo artigo ).
A nossa jurisprudência tem vindo a entender que a indemnização neste campo deve ser calculada, em atenção ao tempo provável da vida activa do lesado, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao fim desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro de 2,5% ( taxa considerada a mais ajustada, dado o período de estabilidade monetária - neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 6-7-00, Col. Jur. 2000, II, 144 ).
A nosso ver, é de aceitar em termos genéricos esta posição. Porém entende-se que a tabela financeira deve ser usada como critério meramente indicativo, devendo ser os seus resultados alterados, caso se mostrem desajustado ao caso concreto. A este respeito, não poderemos deixar de voltar a sublinhar que, nos termos legais, quando não puder ser determinado o valor exacto dos danos ( o que é o caso, dado que se desconhece a carreira profissional que o lesado poderia fazer, não fosse o acidente ), o tribunal deverá proceder a um juízo equitativo.
Haverá, no caso vertente, a salientar que, a lesão principal de que o A. ficou a padecer, diz respeito à perna esquerda ( ficou a claudicar dessa perna ). Provou-se que o A. é gestor de empresas, licenciado pelo Instituto Superior de Línguas e Administração de Lisboa e exerce a função de Director de Serviços Financeiros, por conta de outrem, auferindo ( hoje ) o vencimento mensal de 1.312 euros. Destas circunstâncias decorre que a lesão principal de que ficou a padecer não o impede de desempenhar funções profissionais compatíveis com a sua formação profissional. É que sendo essas funções do foro intelectual, não ficarão afectadas pelas suas limitações físicas. O que sucede é que para exercer as respectivas tarefas, ser-lhe-á exigível um esforço maior ( a este respeito haverá a salientar também, que o A. passou, depois do acidente, a sofrer de cefaleias ) para atingir os níveis de produtividade alcançados por um seu colega isento de limitações físicas. Como bem se refere na douta sentença recorrida, “ é inquestionável que as limitações físicas se repercutem no rendimento intelectual, quer pelo cansaço que originam quer pelo mal estar que a elas, normalmente, está associado”. Assim sendo, a indemnização, neste âmbito, vai-se justificar, essencialmente, pelo maior esforço que a laboração ( normal ) acarreta para o lesado e, eventualmente também, pela dificuldade de progressão na carreira, igualmente em resultado da maior energia a despender.
Dada a idade do lesado na altura do acidente ( 31 anos - fls 263 - nasceu a 4-10-1967 ), ao tempo de vida que tem à sua frente ( até aos 70 anos )[ Temos vindo a considerar, no cálculo respectivo, o tempo provável de vida do lesado ( que ficcionamos em 70 anos ) e não ao tempo provável de vida activa , dado que a diminuição da perda do ganho, não acaba, como é notório, com a idade da reforma mantendo-se até à morte do lesado ( neste sentido se tem orientado, segundo cremos, a mais recente jurisprudência, v.g. Ac. do STJ de 13-3-2003 in AJ 47º e 48º, 33 ).], ao grau elevado de incapacidade permanente de que ficou a padecer ( 55% ) e, pelos ditos motivos, à margem da dita fórmula financeira, entenderíamos adequado fixar a indemnização neste âmbito, em 100.000 euros.
Já dissemos que as indemnizações ( do foro laboral e pelo acidente de viação ) não são cumuláveis.
Sucede que, em relação aos danos patrimoniais futuros, no processo laboral, ao A. já lhe foi atribuída a pensão anual e vitalícia de 989.057$00 [Nas doutas alegações de recurso, o apelante sustenta que não se sabe se a dita pensão fixada no foro laboral, está ou não a ser paga ao A.. Evidentemente que este argumento é absolutamente irrelevante, já que o essencial aqui, é o ter sido fixada tal pensão. O pagamento ou não desta, tem a ver com o cumprimento ou não cumprimento da obrigação, assunto, obviamente, independente da questão substancial em debate. Se a obrigação não for cumprida, sempre o A. poderá socorrer-se do processo executivo para obter esse pagamento, com base na sentença proferida no foro laboral.] - 4.933,40 euros -( na douta sentença recorrida, por patente lapso, referiu-se 989.057.000$00 ). O acidente ocorreu em 23 de Março de 1999, tendo o A., nessa altura, 31 anos de idade. Significa isto que durante a sua vida ( que se ficciona perdurar até aos 70 anos ), o A. receberá um montante global, à roda dos 192.400 euros, ou seja, um montante ( muito ) superior ao que, neste campo, entendemos ser adequado.
Por isso, a nosso ver, encontrando-se o A. já totalmente ( e bem ressarcido) no âmbito do processo laboral, consideramos, com base na inacumulabilidade das indemnizações, não fixar qualquer indemnização ao A. neste campo [ Neste sentido refere, de forma lapidar, o acórdão da Relação de Lisboa de 1-10-2002 que “quando um acidente reveste a dupla natureza de viação e de trabalho, as respectiva indemnizações não se somam e antes se completam até ao total ressarcimento do prejuízo sofrido, são independentes quanto à sua fixação e pode o lesado optar por uma das indemnizações que lhe forem atribuídas, só podendo receber da outra o que for necessário para completar o ressarcimento do seu dano” ( sublinhado nosso ) - in www.dgsi,pt/jtrl.nsf -].
Na douta sentença recorrida, entendeu-se, pela perda salarial, atribuir ao A. a quantia de 31.318,25 euros ( a acumular à fixada no foro laboral ). Face ao que dissemos, esta indemnização não se justificaria. Todavia, por que nos está vedado a reformatio in pejus, não poderemos deixar de a manter.
A indemnização por danos não patrimoniais fixada na 1ª instância, não foi objecto de impugnação no presente recurso, pelo que se manterá inalterada.
Em síntese, em relação à douta sentença recorrida, apenas se altera a indemnização a título de danos patrimoniais, decidindo-se que o A. tem ( ainda ) a receber neste âmbito, o montante de 21.087,07 euros.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso, atribuindo-se ao A. a título de danos patrimoniais, a quantia de 21.087,07 euros.
No mais, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, na proporção do respectivo vencimento.