Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1558/19.6T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: DIVÓRCIO
ALIMENTOS EX-CÔNJUGE
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
REGIME PROVISÓRIO
INCIDENTE
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS 1672, 1688, 1788, 1789, 1793, 2003, 2004, 2015, 2016, 2016-A CC, 384, 931 Nº7 CPC
Sumário: I- Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).

II- Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos na medida das suas possibilidades, àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil).

III-O art. 931º, nº 7, do CPC consagra uma providência cautelar, de carácter especialíssimo, como incidente enxertado na própria ação de divórcio, com a finalidade de garantir a satisfação das necessidades essenciais de sustento, do cônjuge carecido.

IV- A prestação de alimentos ao ex-cônjuge assume carácter excepcional, incumbindo assim ao requerente dos mesmos, alegar e demonstrar que deles carece e a possibilidade de o obrigado os poder prestar.

V- A casa de morada de família é aquela onde de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges (ou unidos de facto), conforme resulta do disposto no art.º 1672.º do CC, e mantém a sua relevância mesmo após a dissolução do casamento ou união de facto.

VI-O incidente de atribuição provisória da casa de morada de família constitui um processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório, até à partilha dos bens comuns.

VII- Apesar de a lei não fixar como efectuar a atribuição provisória da casa de morada de família, nada impede que, como pano de fundo, se recorra ao regime arrendatício fixado no citado art. 1793º, o qual fixa os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família.

VIII- A casa de morada de família deverá ser atribuída em função das necessidades de cada um dos cônjuges, assumindo particular relevância o «interesse dos filhos».

IX- Face à natureza provisória do incidente previsto no artigo 931.º do CPC, não se revela imperativo o estabelecimento de obrigação de compensação, cumprindo os critérios legais enunciados a atribuição da casa de morada de família ao cônjuge a quem os filhos menores foram confiados, e com quem residem, até à partilha.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

          O autor S (…), instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra sua mulher C (…), pedindo que seja decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre ambos, com fundamento na alínea d) do art.º 1781.º do CC.

Foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 931.º do CPC no âmbito da qual não foi possível conciliar os cônjuges por terem ambos o propósito de se divorciarem, não tendo sido acordada a convolação do divórcio em mútuo consentimento por o autor e ré não se entenderem quanto á pensão de alimentos entre cônjuges.

A ré contestou a acção e deduziu reconvenção e formulou pedido de fixação de regime provisório quanto á utilização da casa de morada de família e formulou pedido de pensão de alimentos, tendo formulado o pedido de ser fixado regime provisório quanto ao destino da casa de morada de família, cujo gozo temporário, na pendencia da acção de divorcio até á partilha deverá caber á ré, e que o autor fosse condenado a pagar á ré a titulo de alimentos provisórios devidos a conjugue ou ex-cônjuge uma pensão mensal de 325,00 Euros.

O autor contestou o incidente peticionando em resumo que fosse atribuída á ré o uso da casa de morada de família mediante o pagamento da quantia mensal de 200,00 euros a titulo de compensação pelo uso até á partilha e que fosse absolvido o autor do pagamento da pensão de alimentos por a ré não se encontrar carecida dos mesmos e porque os progenitores da ré lhe prestam esses alimentos e porque o autor não tem disponibilidade para os prestar.

          Instruído o processo e inquiridas a as testemunhas arroladas pelas partes, foi proferida a decisão recorrida em cujo dispositivo se consignou: «… VI. DISPOSITIVO

1) Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo improcedente o incidente de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendência da ação de divórcio deduzido pela ré (aqui requerente) e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido.

As custas deste incidente são pela ré, aqui requerente, face ao decaimento (artigos 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Valor do incidente: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos dos artigos 303.º, n.º 1, e 307.º do Código de Processo Civil.

*

2) Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente o incidente de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré (aqui requerente) e a). Atribuo provisoriamente à ré (aqui requerente) e até à partilha o direito à utilização da casa de morada de família, sita (…);

b) Como contrapartida desta utilização, competirá à ré (aqui requerente) pagar a totalidade das despesas inerentes à casa, durante o período em que a esteja a utilizar em exclusivo (sem utilização conjunta com o autor, aqui requerido), seja o pagamento da amortização do crédito bancário (se existir), seja o pagamento dos impostos devidos, designadamente IMI, seguros e demais despesas, designadamente de consumos domésticos.

As custas deste incidente são pela ré, aqui requerente, face ao decaimento e atendendo a que é quem dele tira proveito, sem que o requerido se tenha oposto à atribuição da utilização da casa de morada de família pela requerente (artigos 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Valor do incidente: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos dos artigos 303.º, n.º 1, e 307.º do Código de Processo Civil. *Registe, notifique e deposite.». (SIC).

Nos autos foi determinada a analise conjunta dos incidentes de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendência da ação de divórcio deduzido pela ré e de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré, individualizando-os a final.

Nos autos após a sentença recorrida (fls 114 e ss a 8-10-2019) foi proferida sentença (fls 139 e ss a 23-10-2019) a qual julgou a acção procedente e a reconvenção procedente e consequentemente decretou a dissolução por divórcio do casamento celebrado entre autor e ré, a qual não foi impugnada por recurso.

          Nos autos apenas foi objecto de recurso a sentença de 8-10-2019 que decidiu os incidentes da fixação provisória de alimentos e atribuição da casa de morada de família.

                                                 *

Inconformado com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

 A ré com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                                     *

Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termosRecurso interposto pela requerente dos incidentes de fixação provisória de alimentos e de atribuição provisória da casa de morada de família Sentença de 8 de outubro de 2019 *

 Por tempestivo, admito o recurso interposto, que é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). *

                                                                     *

          Após os vistos legais e  nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar:



A- Impugnação da matéria de facto e nulidade nos termos do artigo 615 alínea c) do CPC.

B- Se assiste o direito de alimentos provisórios á requerente.

C- Dever de pagar contrapartida pelo uso da casa de morada de família.


Em resumo das alegações de recurso resulta que o objecto do mesmo está balizado na sentença que decidiu o incidente de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendencia da acção de divórcio deduzido pela ré e incidente de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré.


***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação terá uma natureza provisória, visto que o recurso versa sobre a matéria de facto pugnando pela sua alteração.

Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto:« …Dos elementos trazidos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a presente decisão:

1. Requerente e requerido casaram a 3 de janeiro de 1998, sem convenção antenupcial, tendo, à data do casamento, a requerente 20 anos e o requerido 21 anos.

2. Requerente e requerido não partilham mesa, leito e teto desde outubro de 2018, tendo sido o requerido quem saiu de casa para ir viver com uma companheira.

3. Em 2013 foi diagnosticada à requerente doença oncológica tendo sido, na sequência de cirurgia e tratamento, fixada uma incapacidade de 80%.

4. A requerente padece de surdez profunda bilateral.

5. A requerente vive na casa de morada de família (Rua (…) ) juntamente com as filhas.

6. Requerente e requerido suportam, cada um, mensalmente, € 94,36, a título de empréstimo para habitação da casa de morada de família, € 69,53 a título de empréstimo para abras na casa de morada de família, € 15,23 relativos aos seguros de vida associados a tais empréstimos e €12 com o seguro da habitação.

7. A requerente paga os consumos de água, eletricidade e gás da casa de morada de família e as suas despesas mensais, na ordem dos € 325, com dinheiro que lhe é entregue pelo seu pai.

8. O requerido aufere rendimentos brutos anuais de cerca de € 23.000.

9. O requerido paga € 150 mensais de alimentos a cada uma das duas filhas do casal.

10. O requerido comprou um motociclo de alta cilindrada.

11. A requerente realizava e realiza trabalhos domésticos na casa dos seus pais, tratando, cuidando e fazendo tarefas de auxiliar de geriatria.

12. A requerente inscreveu-se no centro de emprego a 18 de abril de 2019.

13. A requerente foi sujeita a cirurgia para corrigir a surdez.

14. A requerente aufere uma compensação por parte do seu pai como contrapartida do auxílio que lhe presta, de valor que ronda os € 500.

15. Para aquisição do veículo motorizado o requerido paga uma prestação mensal de € 253,56.

16. O requerido celebrou um contrato de arrendamento, no qual figura na qualidade de inquilino juntamente com C (...) , nos termos do qual se comprometeu a pagar € 200 de renda mensal e € 70 mensais a título de despesas de água e luz.

Provou-se ainda o seguinte (artigo 986.º, n.º 2, do Código de Processo Civil):

17. Da herança aberta por óbito da mãe da requerente fazem parte bens imóveis, compostos, designadamente, por casa e anexos e um pinhal com mais de 2.000 m2 e bens móveis, designadamente cerca de € 20.000 em dinheiro.

18. Para além da requerente e do pai foi também indicado como herdeiro da mãe um irmão da requerente.

*

III.2. Factos não provados

*

a) O requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.

b) Enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem, em lides domésticas, e nas terras do casal.

c) A requerente encontra-se involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez, e não aufere qualquer rendimento.

d) o autor não despende qualquer quantia com a habitação pois reside habitualmente em casa dos pais da companheira.

e) o requerido foi forçado a sair de casa por os seus bens pessoais terem sido deslocados para a garagem e ter sido restringido o seu acesso a algumas divisões da casa.

f) A requerente constituiu em março de 2019 uma poupança na CCAM no valor de € 690,42.

g) A requerente retira rentabilidade de um terreno de 150 pés de oliveira, vendendo azeite localmente.

h) O requerido paga o montante anual de € 200 de IMI referente à casa de morada de família.

i) O requerido paga o valor mensal de € 40 relativo a explicação que a menor V (...) frequenta; paga € 36,50 relativo a metade do contrato de comunicações e TV que a sua filha menor usufrui e suporta na integra o valor do seguro do automóvel comum do casal e do carro que foi cedido à filha maior L (...) , no valor mensal de € 20,83.

j) O veículo motorizado que o requerido adquiriu é por si usado para se deslocar para o trabalho e é mais barato e económico do que um automóvel.

k) Um dos veículos comuns do casal foi cedido à filha maior L (...) e o outro encontrava-se na posse da requerente, que após uma avaria do mesmo o entregou ao requerido para que o reparasse, sendo a reparação de valor superior ao valor do veículo.

l) O requerido paga € 9,12 de seguro mensal do veículo motorizado.

m) O requerido tem despesas mensais de € 325.

*

O Tribunal não se pronuncia quanto à demais factualidade alegada por ser irrelevante para a decisão, por se tratar de factos conclusivos ou matéria de direito…»(SIC).


*

                                                 *

O Sr. Juiz da 1ª instância decidiu invocando a seguinte motivação:«.. Para dar como provados os factos acima elencados, o Tribunal fundou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, tendo também valorado a posição processual assumida pelas partes no processo.

De salientar o depoimento esclarecido, sereno e surpreendentemente isento da filha mais velha de requerente e requerido, L (…), que relatou a situação familiar atual do pai, a contribuição do pai a título de alimentos às filhas, a vivência do agregado familiar da mãe – onde se inclui juntamente com a irmã menor – a capacidade da mãe para realizar tarefas domésticas e a contrapartida que a mãe recebe do avô por lhe prestar apoio.

Explicitando com maior detalhe.

Para dar como provado o facto 1 o Tribunal fundou a convicção na cópia do assento de casamento.

O facto 2 decorre da confissão do requerido.

O facto 3 foi dado como provado por força dos documentos de fls. 43 e 44.

O facto 4 foi dado como provado na sequência do documento de fls. 45 e foi confirmado pelas testemunhas.

O facto 5 foi dado como provado na sequência de confissão do requerido (quanto à filha menor) e do depoimento das testemunhas, incluindo a filha mais velha, que confirmou, de forma serena e tranquila, residir com a mãe.

O facto 6 resulta da alegação de ambos.

Os factos 7 e 10 foram aceites pelo requerido.

O facto 8 decorre dos documentos de fls. 45 v.º a 48.

O valor das prestações de alimentos foi dado como provado na sequência da alegação da requerente confirmada pelo requerido, no que respeita à filha mais nova, e do depoimento da filha mais velha (facto 9).

O pai da requerente relatou, de forma serena e credível, que a sua filha sempre o ajudou e à mãe, entretanto falecida, desde que ficaram doentes, inclusivamente fazendo-lhes os almoços.

Esta matéria foi também abordada pela testemunha L (...) , filha de requerente e requerido, que confirmou que a mãe ajuda o avô, faz lá a comida, limpa o saco do avô (depreendendo-se tratar-se de uma situação de colostomia) e deita-o, situação que também fazia para a avó, que, entretanto, faleceu (facto 11).

O facto 12 decorre do documento de fls. 48 v.º.

Para dar como provado o facto 13 o Tribunal valorou mais intensamente o depoimento da testemunha F (…) que demostrou conhecer o problema de surdez da requerente e a intervenção médica para o corrigir.

O factos 14 foi dado como provado com base no depoimento da filha do ainda casal, acima caracterizado, que o relatou nos moldes dados como provados.

Também foi levado em linha de conta o depoimento do pai da requerente, que disse fazer transferências mensais para a conta da filha e que admitiu como possível que essas transferências fossem na ordem dos € 250.

Porém foi evidente ao logo do depoimento a vontade de proteger a filha, aqui requerente, e a animosidade relativamente ao requerido, motivo pelo qual não foram considerados os € 250 como o limite usual dos valores transferidos mensalmente pelo pai à requerente.

O facto 15 foi dado como provado na sequência da junção do documento de fls. 80 v.º e 81.

O facto 16 decorre do documento de fls. 82 v.º a 84.

Os factos 17 e 18 foram dados como provados na sequência do depoimento do pai da requerente, Sr. J (...) , que os relatou nos moldes dados como provados.

Os factos dados como não provados resultaram da ausência de prova, já que nada se provou a este respeito.

Quanto ao facto f), o documento de fls. 67 v.º é insuscetível de, por si só, permitir concluir o que quer que seja quanto ao montante de € 690,42, além de estar associado a uma conta co titulada por ambos, presumindo-se, por conseguinte, que o dinheiro pertence a ambos…»(SIC).

                                                

                                                                     ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A- Alteração da matéria de facto e nulidade da sentença

A Ré/recorrente invoca a nulidade da sentença por violação do disposto na al. c) do art. 615º do n.C.P.Civil, alegando que quanto ao facto não provado sob a alínea a) e o ponto provado sobre o ponto 2 e a fundamentação da matéria de facto existe uma gritante contradição que geraria nulidade e a necessidade de se dar como provado o facto dado como não provado sob a referida alínea.

O facto sob a alínea a) dado como não provado é o seguinte: “a) O requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.». E o ponto 2º da matéria de facto provada refere que o requerido saiu de casa para ir viver com uma companheira e na fundamentação da sentença se refere que a requerente demonstrou esse facto e que tal se traduz na prova da responsabilidade da separação (pág. 13 da sentença).

Nos termos do artigo 615 nº1 alínea c):«…é nula a sentença quando: ..c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»(SIC).

O artigo 615 do NCPcivil estabelece os casos de nulidade de sentença: a) falta de assinatura; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Ancorando-nos nos ensinamentos de Fernando Manuel Pinto de Almeida (Juiz Desembargador Acção de formação do CEJ para Juízes Estagiários realizada na sala de audiências do Tribunal da Relação do Porto, disponível em http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_fundamentacaosentencacivel.pdf): «.. A fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga[1], tem actualmente assento constitucional.».

          Segundo o art. 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários.

          Nos termos do art. 607 do CPCivil a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar e seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

 Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito.

Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada.

Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado:

Identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.

                                                 *

          As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art.º 615º, sendo nula a decisão quando: a) não contenha a assinatura do juiz;  b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

De facto a sentença final deve apresentar-se sob a forma de um silogismo ao menos implicitamente enunciado, por forma a que exista um nexo lógico entre as premissas e a conclusão - cfr. RE 6.10.88, CJ, t.2 , pg. 257.

          Fazendo aqui um paralelismo com a causa de pedir resulta que em tal silogismo a premissa maior é constituída pelas razões de direito invocadas, a premissa menor é preenchida com as razões de facto e o pedido corresponderá à conclusão daquele silogismo. Por isso mesmo a causa de pedir não deve estar em contradição com o pedido e, como afirma A.Varela (in RLJ, ano 121º,122 ), «a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto, um dizer e desdizer simultâneos, uma conclusão que pressupõe exactamente a premissa oposta àquela de que se partiu », ou seja, uma contradição intrínseca ou substancialmente insanável (Ac STJ, de 14.03,90, AJ., 2º, /90, pg.14), contradição esta que é dada ao julgador através da norma aplicável à pretensão formulada. (no mesmo sentido, (Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 1987, pg. 491, Rodrigues Bastos, “ Notas”, I, pg.390.

                                                           *

Após a exposição das referidas noções teóricas, e voltando ao caso sub judice, resulta que a recorrente não invoca nenhuma situação enquadrável no artigo 615 nº1 c) do CPC, visto que não existe nenhuma nulidade de sentença uma vez que o alegado pela ré se insere na diferente valoração dos meios de prova e fixação da factualidade provada, sendo que tal reconduz-se afinal ao plano da impugnação da matéria de facto.

Assim, na medida em que a Ré/recorrente também invoca como fundamento do seu recurso um extenso e abrangente erro da decisão sobre a matéria de facto, será no quadro do previsto no art. 662º do n.C.P.Civil  (“modificabilidade da decisão de facto”) que a questão será por nós substancialmente apreciada, ao que se procede de seguida.
                                                       *

Nas alegações de recurso veio o apelante, para além da referida questão prévia acima analisada, requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm actualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

 Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) Indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exacta das passagens da gravação erradamente valoradas.

          O recorrente, sob pena de rejeição do recurso, deve determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorrectamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

          Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC (Relator: CARLOS MOREIRA) de 10-09-2019:«Sumário:        I - A não discriminação, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, quer do início e fim dos depoimentos na gravação, quer, muito menos, das concretas passagens dos mesmos em que o recorrente funda a sua pretensão, implica a liminar rejeição do recurso sobre a decisão da matéria de facto – artº 640º nº 1 al. b) e nº2 al. a) do CPC.

II - A simples discordância, por exegese diferenciada, do teor dos depoimentos não impõe – salvo lapso material ou erro lógico patente do julgador na apreciação dos mesmos – a censura da sua convicção…»

                   

                     Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “ […] se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.

          Para outros desenvolvimentos, vide o  Ac da RC (Relator: CARVALHO MARTINS) de 02-12-2014: «Sumário:..   3- Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. A efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil…»

                     Conforme defende Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 396 do Código Civil). O tribunal da Relação quando reaprecia a prova deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com os outros meios de prova e verificar se foi ou não cometido erro de apreciação da prova que deva ser corrigido (vide, A. Geraldes, in Recursos, pág. 299).

          No caso dos autos a recorrente impugnou a matéria de facto e indicou a factualidade impugnada, a prova a apreciar e a decisão sugerida, estando assim respeitados os pressupostos de ordem formal para proceder á reapreciação desse segmento da decisão.

                                                           *

          Conforme resulta das alegações de recurso, a recorrente argumenta ter sido incorrectamente apreciada a materialidade plasmada em vários pontos que iremos enunciar e ulteriormente analisar.

          Em resumo a recorrente alega que estão incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto :- facto provado 14; 16; e os factos não provados a); b); c) e d). E que se deveria ter dado por provado que a casa de morada de família é mera benfeitoria, só em parte comum, implantada em prédio doado pelo pai da Requerente.

Por outras palavras, quanto á matéria de facto, a recorrente em síntese entende que quanto á matéria de facto colocados em crise, deveria ter sido tomada a seguinte decisão : - PONTO DE FACTO PROVADO 14

Provado que o pai da Ré/Requerente lhe entrega, com regularidade mensal, quantias que, ocasionalmente, podem ascender aos 500,00€ e que, a uma parte, gratificam a filha pelos cuidados que esta lhe dispensa na doença oncológica e, a outra, visam providenciar sustento à Ré/Requerente, não havendo outro meio da filha o obter, nem outra pessoa que se disponha a prestá-lo.

- PONTO DE FACTO PROVADO 16) e PONTO DE FACTO NÃO PROVADO D)

Não provado que o requerido celebrou um contrato de arrendamento, no qual figura na qualidade de inquilino juntamente com C (…)nos termos do qual se comprometeu a pagar € 200 de renda mensal e € 70 mensais a título de despesas de água e luz.

Provado que o autor não despende qualquer quantia com habitação pois reside habitualmente em casa dos pais da companheira.

- PRONTO DE FACTO NÃO PROVADO A)

Provado que o requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.

- PONTOS DE FACTO NÃO PROVADOS B) E C)

Provado que enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem e, depois, nas lides domésticas.

Provado que a requerente se encontra involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez e que não aufere qualquer rendimento de trabalho, pensão ou subsídio.

- OMISSÃO, NO ELENCO DE FACTOS PROVADOS, QUE A CASA DE MORADA DE FAMÍLIA É MERA BENFEITORIA, SÓ EM PARTE COMUM, IMPLANTADA EM PRÉDIO DOADO PELO PAI DA REQUERENTE

Provado que a casa de morada de família é mera benfeitoria, só em parte comum, implantada em prédio doado pelo pai da Requerente.

Iremos analisar cada um destes pontos.

                                                           *

Esta Relação procedeu à audição integral de toda a prova produzida em audiência de julgamento, conjugando-os com a restante prova, sendo que se irá analisar a impugnação da matéria de facto.

Quanto ao ponto 14 que considerou provado que a requerente aufere uma compensação por parte do seu pai como contrapartida do auxilio que lhe presta, no valor que ronda os 500 Euros, o tribunal a quo indicou que deu esse facto como provado devido ao depoimento da filha do casal e indicou que relatou essa matéria nos moldes provados.

          Constata-se, desde logo que essa testemunha L (…) (filha mais velha do casal) não declarou no seu depoimento essa factualidade, dado que no seu depoimento referiu que «acha que o avô dá 500 euros á mãe por mês».

 Trata-se de uma afirmação vaga e sem certeza a qual por si só não poderia demonstrar essa factualidade constante do ponto 14, dado que inclusive da prova documental junta pelo autor a fls 68 a 72 (extracto bancário da ré entre 1-8-2018 a 3-6-2019) se constata que o seu avô fez uma transferência de 500,00 euros a 24-12-2018- fls 70- e outra a 21-2-2019 nesse período. Assim, desse documento e do depoimento dessa testemunha não resulta que o avô ou pai da ré dê á ré a título de compensação a quantia mensal de 500,00 euros.

Acresce que nenhuma das restantes testemunhas fez essa declaração, bem pelo contrário, resultou do depoimento da testemunha J (…) (pai da ré) que o mesmo não lhe dá nenhum rendimento fixo (até porque é doente oncológico e a esposa faleceu cerca de 15 dias antes da audiência) mas que dado que a ré não tem nenhum trabalho nem rendimento, que o mesmo a ajuda a sobreviver e que a mesma se ficar sem o seu pai não tem como viver. A referida testemunha esclareceu essa matéria de forma objetiva e clara e referiu de resto que lhe vai dando quantias variáveis à ré e que a ajuda como pode porque conforme o mesmo refere: «…não a vou deixar morrer de fome a ela e ás netas..», e que o faz porque a ré não tem nenhuma outra fonte de rendimento e que a sua filha se ficar sem o pai não tem como viver.

Por outro lado, do depoimento da testemunha (…)resultou que dado que a ré não tem nenhuma fonte de rendimento que o seu pai a ajuda e sustenta e que o pai a ajuda conforme pode porque a mesma não tem outras pessoas que a ajudem nem tem rendimentos (e referem que o pai da ré está doente).

Pelo exposto, procede neste segmento a impugnação da matéria de facto, devendo o ponto 14 passar a ter a seguinte redacção:

14- O pai da Ré/Requerente lhe entrega, com regularidade mensal, quantias que, ocasionalmente, podem ascender aos 500,00€ e que, a uma parte, gratificam a filha pelos cuidados que esta lhe dispensa na doença  e, a outra, visam providenciar sustento à Ré/Requerente, não havendo outro meio da filha o obter, nem outra pessoa que se disponha a prestá-lo.

Por outro lado, a ré considera que o ponto 16 não deveria ser dado como provado e que deveria ter sido dado como provado que o autor e a sua companheira partilham a casa dos progenitores a titulo gratuito (ponto D dos factos não provados). Em resumo considera que não se deveria dar como provado que o requerido celebrou um contrato de arrendamento, no qual figura na qualidade de inquilino juntamente com C (…)nos termos do qual se comprometeu a pagar € 200 de renda mensal e € 70 mensais a título de despesas de água e luz, dado alegar que o contrato de arrendamento é de favor por ser feito entre os pais da actual companheira e o autor e que vivem na mesma casa. E que se deveria dar como provado que o autor não despende qualquer quantia com habitação pois reside habitualmente em casa dos pais da companheira.

Nestes pontos resulta que consta um contrato de arrendamento a fls. 81  a 83 celebrado entre o autor e a sua actual companheira e os pais da mesma (tal resulta do depoimento da testemunha L (…) ao indicar os nomes dos pais da companheira actual do pai: «(…)»). Resulta igualmente desse depoimento que o autor seu pai vive na mesma casa dos pais da sua actual companheira e que existe uma parte dessa casa que é usada pelos pais da mesma e outra pelo autor e companheira e que a testemunha não sabe se o pai paga alguma renda ou não.

Não existe mais nenhum meio de prova que haja versado sobre esta factualidade (nomeadamente recibos de pagamento ou extracto bancário ou transferências).

Deste conjunto de meios de prova não resulta provado que o autor pague de facto qualquer renda ou despesas e nessa medida o facto 16 não fica provado e o ponto d) dos factos não provados ficará provado apenas com a seguinte redacção:

- O autor reside em casa dos pais da sua actual companheira.

Por outro lado, a ré considera que quanto aos pontos não provados a), b) e c), deveria ficar provado que o requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família. E que enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem e, depois, nas lides domésticas e que a requerente se encontra involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez e que não aufere qualquer rendimento de trabalho, pensão ou subsídio.

Resulta que a sentença não considerou provados esses factos por considerar inexistir prova dos mesmos.

Todavia, resulta do depoimento da testemunha (…) que a ré trabalhou por conta de outrem (operária têxtil) enquanto teve saúde e depois passou a trabalhar nas lides domesticas e que se encontra involuntariamente desempregada devido á sua doença oncológica e surdez. Do depoimento da testemunha (…) resultou de forma objetiva que o autor saiu da casa de morada de família e que foi viver com uma companheira, tendo prestado um depoimento objectivo e isento. Igualmente resulta da prova documental junta demonstrada a incapacidade de 80% da ré e a sua surdez profunda o que demonstra que a mesma está involuntariamente desempregada.

Pelo exposto, procede neste segmento a impugnação quanto á matéria de facto, passando a considerar-se provado que:

- O requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.

- E que enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem e, depois, nas lides domésticas e que a requerente se encontra involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez e que não aufere qualquer rendimento de trabalho, pensão ou subsídio.

Por fim, considera a ré que se deveria considerar provado que a casa de morada de família é mera benfeitoria, só em parte comum, implantada em prédio doado pelo pai da Requerente.

Neste ponto cumpre referir que está junta aos autos a escritura de doação a fls 50 e ss mediante a qual o pai da ré doou a ré e ao autor metade do prédio rustico onde está implantada a casa de morada de família e resultou do depoimento do pai da ré a confirmação dessa doação.

Todavia, na factualidade dada por provada ficará a constar que: a casa de morada de família foi implantada em prédio doado pelo pai da requerente (dado que a restante factualidade invocada se traduz em conceitos jurídicos não enquadráveis no conceito de matéria de facto).



Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, existe razão para se realizar alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida. 

Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a seguinte:

1. Requerente e requerido casaram a 3 de janeiro de 1998, sem convenção antenupcial, tendo, à data do casamento, a requerente 20 anos e o requerido 21 anos.

2. Requerente e requerido não partilham mesa, leito e teto desde outubro de 2018, tendo sido o requerido quem saiu de casa para ir viver com uma companheira.

3. Em 2013 foi diagnosticada à requerente doença oncológica tendo sido, na sequência de cirurgia e tratamento, fixada uma incapacidade de 80%.

4. A requerente padece de surdez profunda bilateral.

5. A requerente vive na casa de morada de família (Rua (…), ) juntamente com as filhas.

6. Requerente e requerido suportam, cada um, mensalmente, € 94,36, a título de empréstimo para habitação da casa de morada de família, € 69,53 a título de empréstimo para abras na casa de morada de família, € 15,23 relativos aos seguros de vida associados a tais empréstimos e €12 com o seguro da habitação.

7. A requerente paga os consumos de água, eletricidade e gás da casa de morada de família e as suas despesas mensais, na ordem dos € 325, com dinheiro que lhe é entregue pelo seu pai.

8. O requerido aufere rendimentos brutos anuais de cerca de € 23.000.

9. O requerido paga € 150 mensais de alimentos a cada uma das duas filhas do casal.

10. O requerido comprou um motociclo de alta cilindrada.

11. A requerente realizava e realiza trabalhos domésticos na casa dos seus pais, tratando, cuidando e fazendo tarefas de auxiliar de geriatria.

12. A requerente inscreveu-se no centro de emprego a 18 de abril de 2019.

13. A requerente foi sujeita a cirurgia para corrigir a surdez.

14.  O pai da Ré/Requerente lhe entrega, com regularidade mensal, quantias que, ocasionalmente, podem ascender aos 500,00€ e que, a uma parte, gratificam a filha pelos cuidados que esta lhe dispensa na doença e, a outra, visam providenciar sustento à Ré/Requerente, não havendo outro meio da filha o obter, nem outra pessoa que se disponha a prestá-lo.

15. Para aquisição do veículo motorizado o requerido paga uma prestação mensal de € 253,56.

17. Da herança aberta por óbito da mãe da requerente fazem parte bens imóveis, compostos, designadamente, por casa e anexos e um pinhal com mais de 2.000 m2 e bens móveis, designadamente cerca de € 20.000 em dinheiro.

18. Para além da requerente e do pai foi também indicado como herdeiro da mãe um irmão da requerente.

19- - O autor reside em casa dos pais da sua actual companheira.

20- O requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.

21- Provado que enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem e, depois, nas lides domésticas.

22- Provado que a requerente se encontra involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez e que não aufere qualquer rendimento de trabalho, pensão ou subsídio.

23- A casa de morada de família foi implantada em prédio doado pelo pai da requerente.

III.2. Factos não provados

*

a) o requerido foi forçado a sair de casa por os seus bens pessoais terem sido deslocados para a garagem e ter sido restringido o seu acesso a algumas divisões da casa.

b) A requerente constituiu em março de 2019 uma poupança na C (…) no valor de € 690,42.

c) A requerente retira rentabilidade de um terreno de 150 pés de oliveira, vendendo azeite localmente.

d) O requerido paga o montante anual de € 200 de IMI referente à casa de morada de família.

e) O requerido paga o valor mensal de € 40 relativo a explicação que a menor V (…) frequenta; paga € 36,50 relativo a metade do contrato de comunicações e TV que a sua filha menor usufrui e suporta na integra o valor do seguro do automóvel comum do casal e do carro que foi cedido à filha maior L (…), no valor mensal de € 20,83.

f) O veículo motorizado que o requerido adquiriu é por si usado para se deslocar para o trabalho e é mais barato e económico do que um automóvel.

g) Um dos veículos comuns do casal foi cedido à filha maior L (…)e o outro encontrava-se na posse da requerente, que após uma avaria do mesmo o entregou ao requerido para que o reparasse, sendo a reparação de valor superior ao valor do veículo.

h) O requerido paga € 9,12 de seguro mensal do veículo motorizado.

i) O requerido tem despesas mensais de € 325.

                                                           *


B- Se assiste o direito de alimentos provisórios á requerente.

Face á alteração da matéria de facto resulta demonstrado em resumo que a ré não tem nenhum rendimento nem salário ou pensão e que devido á sua doença oncológica (tem 80% de incapacidade) e surdez está involuntariamente desempregada e de resto constata-se que as possibilidades da sua empregabilidade são extremamente remotas face á idade e estado de saúde.
Resultou provado que a ré tem como despesas o valor de 325 euros e que tem as duas filhas a residir na casa de morada de família consigo e que ao autor paga 150 euros por cada uma das filhas e ganha 23.000,00 euros brutos por ano e vive em casa dos pais da sua actual companheira.

Os alimentos provisórios tanto podem ser pedidos ao abrigo do procedimento cautelar previsto no art. 384º do CPC, como pelo procedimento especial previsto no art. 931º, nº 7, do mesmo Código, o qual assume neste caso a natureza de incidente da instância, enquanto questão incidental distinta da questão principal do processo, submetendo-se assim às regras gerais dos incidentes da instância previstos nos artigos 292º a 295º do CPC.

Com a dissolução do casamento pelo divórcio cessam as relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges e, consequentemente, os deveres inerentes ao matrimónio, incluindo o de assistência (artigos 1688.º, 1788.º e 1789.º do Código Civil).

          Porém, o ex-cônjuge deverá prestar alimentos àquele que deles careça, figurando até em primeiro lugar na lista dos legalmente obrigados à prestação de alimentos (art.º 2009.º do Código Civil). E nessa medida a circunstância de o pai da ré a auxiliar entregando-lhe quantias variáveis não afasta a circunstância de o autor estar em primeira linha vinculado a essa obrigação.

A obrigação de alimentos está regulada nos artigos 2003º e seguintes do CC e os critérios a que deve obedecer a sua fixação estão previstos no artigo 2004º do CC que prescreve que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los” e que “na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”.

A estes critérios gerais, acrescem os que vêm previstos nos artigos 2015º e seguintes do CC, que contêm as disposições especiais relativas à assistência e aos alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges.

O artigo 2015º contém as normas relativas aos alimentos e ao dever de assistência na vigência do casamento e os artigos 2016º e 2016º-A definem os parâmetros da obrigação de alimentos no caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.

Relativamente ao direito a alimentos, conferido pelos artigos 2009º nº1 a) e 2016º do CC, este último artigo, ao contrário do que sucedia no regime anterior, que sujeitava o direito a alimentos ao facto de o requerente não ter sido declarado culpado, estabelece actualmente que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (nº1), que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (nº2) e que “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado” (nº3).

Deste modo, após o divórcio cessa o dever de assistência, devendo cada cônjuge prover à sua subsistência, mas poderá qualquer dos cônjuges, independentemente do tipo de divórcio, requerer a prestação de alimentos do outro, se demonstrar encontrar-se em situação de os necessitar e de o requerido estar em situação de os poder prestar, nos termos gerais do artigo 2004º.

Contudo, não sendo a culpabilidade dos cônjuges relevante para a produção do divórcio e seus efeitos, ao contrário do que sucedia na anterior redacção do artigo 2016º, contém o nº3 do actual artigo 2016º uma norma que permite a negação do direito a alimentos nas situações em que, por razões de manifesta equidade, seria abusiva a sua atribuição, face às suas concretas circunstâncias.

Embora o legislador enuncie o principio de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio” (n.º 1 do art.º 2016.º do Código Civil, com a redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10), logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (n.º 2 do art.º 2016.º do Código Civil). Só excecionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado (a quem, à partida, deles careceria) – n.º 3 do art.º 2016.º.

Conforme refere Ana Leal, in Guia Prático do Divórcio, pág. 51, para além dos pressupostos gerais do artigo 2003 do Ccivil que consistem na necessidade do cônjuge credor de alimento e possibilidade do cônjuge que tenha de presta-los, deverá atender-se aos pressupostos especiais do artigo 2016-A do mesmo diploma legal.

Estatui o art° 2016° do Código Civil que :

1- Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

2- Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

3- Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.

4- O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

Por seu turno o art° 2004° n° 1 do Código Civil refere que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, acrescentando o n° 2 do preceito que na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Quanto ao montante dos alimentos rege o art° 2016°-A do Código Civil, que estatui no seu n° 1 que na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta. E adianta o n° 2 que o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge. O n° 3 do normativo acrescenta que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio. Finalmente, o n° 4 dispõe que o disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

Conforme refere Ana Leal in Guia Prático da Obrigação de Alimentos, 3º ed. Pág. 76 e ss, apesar de o artigo 2016º do CCivil consagrar um direito a alimentos, o legislador consagrou o princípio de que cada cônjuge deve prover ao seu sustente depois do divórcio, procurando angariar rendimentos por forma a não ficar dependente do outro.

Daqui resulta, pois, que a medida da obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuge tem, na sua própria configuração legal, carácter excepcional, transitório e precário, em vista a permitir-lhe a satisfação das suas necessidades básicas até poder reorganizar autonomamente a sua vida fora do casamento.

          Para mais desenvolvimentos quanto ao dever de prestar alimentos vide o Ac da RL 1701/16.7 T8LRS-6, Relator:       Maria Teresa Pardal        25-01-2018:« Sumário:   Provando-se que um dos ex-cônjuges está necessitado de alimentos e que o outro ex-cônjuge está em situação de os prestar e não se provando circunstâncias que, por manifesta equidade, impusessem a negação dos alimentos, deverá o cônjuge requerido prestá-los, na medida das suas possibilidades.».

E vide o Ac da RP 13-10-2016 (Rel: Ataíde das Neves):«Sumário:     Só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no nº. 1, do artº. 2016º-A do Código Civil, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (nº. 3, do artº. 2016º-A do Código Civil); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos nº. 3, do artº. 2016º-A do Código Civil.

          No presente caso, tendo a autora 80% de incapacidade decorrente de doença oncológica e padecendo de surdez profunda e não exercendo nenhuma actividade profissional nem auferindo nenhum rendimento ou pensão, é manifesto que não tem meios de prover ao seu sustento e que está necessitada de alimentos. A ré encontra-se involuntariamente desempregada e as suas hipóteses de obter um emprego são remotas dado padecer de 80% de incapacidade e a sua condição de saúde quanto á surdez.

Conforme refere Ana Leal, in Guia Prático da Obrigação de Alimentos, pág.77, o alimentado tem o dever de trabalhar, o qual só em caso de diminuição da capacidade, por razões da idade doença ou invalidez, não lhe será exigível. Nesta senda, resulta que quanto à ré, face á sua condição de saúde e incapacidade de 80%, não lhe será exigível a obtenção de trabalho o qual de resto apenas muito remotamente logrará obter.

Por sua vez, o autor, vive em casa dos pais da sua actual companheira conjuntamente com os mesmos e apenas tendo demonstrado pagar 150 euros de alimentos a cada uma das suas filhas e ter comprado uma mota de alta cilindrada pela qual paga 253 euros por mês e que paga 94,36 euros a titulo de empréstimo da casa de morada de família, 69,53 a titulo de empréstimo para obras, 15,13 relativos a seguros e 12 a título de seguro (tem um total de despesas mensais de 744,02 Euros). De referir, todavia que o motociclo comprado é de alta cilindrada e tem um custo mensal de 253,56 euros o qual se traduz num valor mensal muito superior ao valor que paga pela casa de morada de família 191,02, e é um valor similiar ao da pensão de alimentos das filhas, e não demonstra a necessidade de aquisição desse motociclo por esse valor.

A fls. 45 consta que o autor aufere 23.000,00 euros brutos e que descontou anualmente o valor de 6.328,50 euros e nessa medida resulta que aufere líquidos o valor de 16.675,50, o que perfaz um rendimento mensal fixo liquido de 1389, 00 Euros.

Retirando desse rendimento do autor o valor das despesas provadas resulta que o mesmo fica com o valor de 645 Euros após serem pagas a totalidade das suas despesas (alimentos das filhas, metade do crédito habitação da casa de morada de família e motociclo).

Nessa medida afigura-se manifesto que o mesmo tem condições económicas para prestar alimentos á ré que se fixa no valor equitativo de 200 Euros a pagar mensalmente a partir do primeiro dia do mês subsequente á data em que foi deduzido o pedido nos termos do artigo 401 nº1 do CPCivil (no caso o pedido foi deduzido a 28-5-2019 e nessa medida será a partir de junho desse ano).

Resulta demonstrado que a ré gasta 325 euros por mês em consumos de água, electricidade e gás da casa e nas suas despesas mensais, sendo que todavia atento o rendimento remanescente do autor após o pagamento das suas despesas (nomeadamente alimentos ás filhas e metade da prestação do empréstimo da casa de morada de família que irá continuar a pagar) no valor de 645 euros, afigura-se-nos equitativo fixar a pensão no valor de 200,00 euros.

Por outro lado, não ficaram provados factos que impusessem, por equidade a negação do direito a alimentos, devendo aferir-se a medida da respectiva prestação pelos critérios do artigo 2016º-A do CC, mostrando-se equilibrada a quantia mensal de 200,00 euros (dado que a ré não tem nenhuma fonte de rendimento e está dependente da ajuda do seu pai que se encontra doente).
          Por fim, a questão de na pendência dos autos ter falecido a mãe da ré não afasta este direito aos alimentos provisórios, dado que só depois da partilha é que a comunhão hereditária é desfeita, sendo que até lá a herança e o quinhão hereditário são universalidades jurídicas de bens e direitos, abstratamente consideradas e só idealmente definidas e, por isso, têm um conteúdo patrimonial ainda incerto (a ré apenas tem na sua esfera jurídica individual o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário).

                                                           *
C- Dever de pagar contrapartida pelo uso da casa de morada de família.

Cumpre agora analisar sobre a manutenção da decisão recorrida que atribuiu á ré o direito a titulo provisório de utilizar a casa de morada de família, mas que determinou que devido a essa utilização a ré pague a totalidade da amortização do empréstimo e demais despesas (resulta que a ré tem pago metade dessas despesas e foi condenada a pagar a outa parte em vez do autor).

A casa de morada de família tem sido definida como aquela que constitui a residência permanente dos cônjuges e filhos, implicando que a mesma constitua a residência principal do agregado familiar (para outros desenvolvimentos, vide Ana Leal, obra citada, pág. 92 e ss).\

O artigo 931.º, n.º 7, do Código de Processo Civil permite que, em qualquer altura do processo de divórcio, seja fixado um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família.

O tribunal por iniciativa própria ou por requerimento  de qualquer dos cônjuges, pode decretar uma medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família, que pode ou não comportar, em função da valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem comum do extinto casal, por aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família (artigo 931º, n.º 7, do CPC).

Como critério geral para definir o cônjuge ao qual deve ser atribuído o direito a habitar a casa de morada de família, previu a doutrina o critério de que “o direito arrendamento da casa de morada de família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela”, pretendendo a lei a proteção do “cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divorciou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar, cônjuge ou ex-cônjuge ao qual, porventura, os filhos tivessem ficado confiados” (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª edição, p. 726).

Regressando à situação dos autos, temos que a requerente pretende ver-lhe atribuído o direito a utilizar a casa de morada de família até à partilha e que o requerido não se opõe, mas o requerido condiciona essa utilização ao pagamento de uma compensação que computa em € 200, ao que a requerente se opõe.

Na 1ª instância foi decidido que como contrapartida desta utilização, competirá à ré (aqui requerente) pagar a totalidade das despesas inerentes à casa, durante o período em que a esteja a utilizar em exclusivo (sem utilização conjunta com o autor, aqui requerido), ou seja o pagamento da amortização do crédito bancário (se existir), seja o pagamento dos impostos devidos, designadamente IMI, seguros e demais despesas, designadamente de consumos domésticos.

No caso verifica-se que a ré tem pago metade dessas despesas e amortização do empréstimo e que ambas as filhas residem nessa casa (sendo uma delas menor) e que a mesma não tem nenhuma fonte de rendimento padece de surdez profunda e de 80% de incapacidade para o trabalho decorrente de doença oncológica e nessa medida muito remotamente irá lograr obter um emprego e assim afigura-se-nos em temos equitativos, que carece de fundamento legal a condenação da ré a pagar a totalidade dessas despesas quanto ao imóvel.

Face a esse contexto socio-economico em que a ré sobrevive graças á ajuda que o seu pai lhe presta, constata-se que não há fundamento legal para impor á Ré a obrigação de pagar ao autor de uma compensação (pagar a parte do autor quanto a essa prestação bancária)  pelo facto de a mesma estar a utilizar de modo exclusivo o imóvel que constitui a casa de morada de família, dado que o autor se encontra a residir noutra casa e tem rendimentos fixos que lhe permitem assegurar o pagamento de metade das despesas bancárias e obras e seguro atinentes á casa de morada de família (estando já a ré a pagar a outra metade dessas despesas o que se deverá manter).

Neste sentido, vide o Ac do STJ Relator:      LOPES DO REGO de 13-10-2016 :«Sumário :  I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.

II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do art.do nº7 do art. 931º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.

III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele só existe se o juiz o tiver efectivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de acção ulterior.

IV. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele atribuído a um dos cônjuges, deve ser interpretado, à luz do princípio da impressão do destinatário, no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel – não sendo admissível uma modificação substancial dos respectivos termos, ao pretender transformar-se a utilização incondicionada, efectivamente prevista no acordo, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontra o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.».

          Assim, mantem-se a decisão recorrida quanto á atribuição do uso da casa de morada de família provisoriamente à ré, mas revoga-se o segmento em que a condenou no pagamento da totalidade das despesas bancárias e de seguro quanto á casa (para além de a mesma já estar a pagar metade dessas despesas).                     

Pelo exposto, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de proceder parcialmente.

           

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida quanto ao segmento de ter julgado improcedente o incidente de fixação provisória de alimentos e quanto ao segmento que determinou que a ré pagasse a totalidade das despesas inerentes á utilização da casa de morada de família (amortização de crédito bancário, impostos e despesas), e nessa medida:
a)  Condena-se o autor/recorrido a pagar à ré/recorrente uma pensão de alimentos, a título provisório, e até ao dia 8 (oito) de cada mês, por depósito ou transferência bancária em conta a indicar por esta, no montante de 200€ (duzentos euros) devidos a partir do primeiro dia do mês subsequente à data da formulação do pedido dos alimentos provisórios nos autos (Junho de 2019);
b) Atribui-se provisoriamente á ré (requerente/recorrente) até á partilha o direito de utilização da casa de morada de família, sita na Rua (…), .

Custas a cargo do recorrido (art. 527º, nºs 1 e 2).

                    Coimbra, DS

Ana Vieira ( Relatora )

Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.