Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA A CRÉDITO REGIME LEGAL | ||
Data do Acordão: | 06/14/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - VARA MISTA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 653º, 690º-A, NºS 1 E 2, DO CPC . DEC. LEI Nº 41/2000, DE 17/3 . | ||
Sumário: | I – Em caso de impugnação da matéria de facto, a lei não impõe que seja feita a especificação dos meios probatórios invocados nas conclusões apresentadas pelo impugnante, podendo sê-lo no corpo da motivação .
II – O controle, pela Relação, da decisão proferida sobre a matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação ou a transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a capacidade de livre apreciação da prova pelo julgador de 1ª instância, onde este detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, com base apenas no juízo e razões que fundamentam a apreciação efectuada . III – A transferência a crédito é uma operação bancária efectuada por iniciativa de um ordenante e realizada através de uma instituição de crédito, destinando-se a colocar quantias em dinheiro à disposição de um beneficiário . Quando a transferência se realiza dentro da mesma instituição de crédito designa-se de “ intrabancária “, e quando envolve duas instituições diferentes denomina-se “ interbancária” . IV – Enquanto operação bancária, a transferência a crédito traduz-se num meio de pagamento, em sentido lato, sendo abstracta porque neutra em relação à causa subjacente, o que significa que a causa de atribuição patrimonial não influi na sua execução, e para o que não existe lei reguladora expressa, sendo apenas possível recolher alguns elementos jurídicos no DL nº 41/2000, de 17/3 . V - Tal como para os cheques, também para a execução da ordem de transferência o banco tem o dever de verificar a sua autenticidade e regularidade formal, e se a ordem tiver sido dada por escrito impõe-se o controlo da assinatura do ordenante – artº 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31/12 . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1. - A Autora – A..., com sede em Coimbra, - instaurou acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – B..., com sede em Lisboa. Alegou, em resumo: A Autora era titular de uma conta de depósito à ordem na agência de Celas, Coimbra, do banco Réu, na qual havia depositado, em 1/2/02, a quantia de 4.000.001$00. Esta conta apenas podia ser movimentada mediante a assinatura do seu gerente, C..., sendo a única que constava da ficha de assinaturas do Réu. Sem autorização da Autora, a conta foi movimentada e transferida, em 28/2/2002, através de uma assinatura falsificada, que não a do legitimado gerente, para a conta de um terceiro, facto que só veio a ter conhecimento através de uma carta enviada pelo Réu. O Réu recusa-se a devolver a quantia transferida e respectivos custos que lhe foram imputados. Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 17.864,36 €, acrescida de juros de mora, à taxa de 12%, que se vencerem desde 28/02/02 até efectivo pagamento. Contestou o Réu, defendendo-se, em síntese: Desconhece se assinatura e carimbo apostos no documento de transferência foram forjados, mas a existir a falsificação ela é tão perfeita que não seria possível ser detectada pelo funcionário que a recebeu, apesar se ter procedido à sua conferência por semelhança. Concluiu pela improcedência da acção e requereu a intervenção acessória da sociedade “ PHARMA INC “, beneficiária da transmissão, e de D..., pessoa que alegadamente teria falsificado a assinatura e carimbo constante da ordem de transferência. Admitido o incidente e citados os chamados, não deduziram qualquer contestação. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. 1.2. - Na audiência de julgamento ( cf. acta de fls.204 a 208 ), C... , arrolado como testemunha da Autora ( fls.148 ), aos costumes disse ter sido gerente desta nos anos de 2001 e 2002. Antes da inquirição, o Réu opôs-se a que o mesmo fosse ouvido como testemunha, visto figurar no documento junto com a petição inicial como gerente da autora, devendo ser admitido como depoimento de parte. Contrapôs a Autora, no sentido de ser ouvida como testemunha, pois deixara de ser gerente e a inabilidade ou incapacidade de alguém depor como testemunha afere-se no momento em que o depoimento é prestado. Por despacho do M.mo Juiz de Círculo, decidiu-se não admitir o depoimento da testemunha C..., porquanto na data dos factos era sócio gerente da Autora, logo detinha na altura a qualidade de legal representante dela, estando inibida de depor com testemunha. 1.3. - Recorreu de agravo a Autora, - admitido com efeito devolutivo e a subir com o primeiro que subisse de imediato - formulando as seguintes conclusões: 1º) - A agravante é uma sociedade por quotas, sendo representada pelo seu único gerente; 2º) - O depoimento de parte da agravante é prestado pelo seu gerente; 3º) - A testemunha C... era gerente à data em que foram praticados os factos controvertidos nos autos, e já não o era no momento em que a acção foi proposta, nem no momento em que o seu depoimento como testemunha devia ser prestado; 4º) - Não estava impedido de depor como testemunha, por naquela data já não ser representante legal da agravante e não poder por isso confessar em sua representação; 5º) - O despacho recorrido que declarou impedido para depor como testemunha fez errada interpretação do disposto nos arts.617 e 553 do CPC. Contra-alegou o Réu preconizando a improcedência do recurso. 1.4. - Concluído o julgamento, foi proferida sentença que, na procedência da acção, decidiu condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 17.864,36 € (dezassete mil oitocentos e sessenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), de capital em dívida, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, sempre sobre o capital em dívida, à taxa de 12%, ao ano, desde 28/02/2002 e até efectivo e integral pagamento. 1.5. - Inconformado, o Réu recorreu de apelação, rematando com as seguintes conclusões: 1º) - Os autos contêm toda a matéria de facto que permite à Relação alterar a matéria de facto e dar como provada a matéria de facto divergente da que foi decidida em 1ª instância na resposta aos quesitos 5º, 8º e 13º, ao abrigo do art.712 nº1 a) do CPC. 2º) - A medida da culpa é apurada na falta de outro critério legal pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso ( art.487 nº2 do CC ), apreciação que se encontra totalmente omitida na fundamentação da sentença recorrida. 3º) - Não logrou a apelada provar a culpa do apelante na verificação do evento danoso, ao não ter ficado provado que a assinatura do ordenante, na ordem de transferência, não foi conferida à vista desarmada, antes pelo contrário ficou provado pela resposta ao quesito 14º que a assinatura do ordenante foi conferida à vista desarmada pelos funcionários do Banco Réu com a exigência de qualquer empregado bancário assume ao conferir assinaturas, isto é, com a diligência habitual e adequada. 4º) - Resulta também provado pela conduta da apelada que ela deu causa, pela conduta culposa ( donde até emergiu indiciação de conduta criminal que justificou a ida dos autos com vista ao Ministério Público ) que foi causa adequada à verificação do evento danoso. 5º) - Ao caso dos autos caberia assim, caso se entendesse – o que não ocorre – que hipoteticamente tivesse existido culpa do apelante, a aplicação da parte final do art.570 nº1 do CC, competindo ao tribunal determinar que a indemnização fosse excluída. 6º) - Caso se entenda que a causa necessita de ampliação da matéria de facto que permita expressamente apreciar a culpa ou negligência dos empregados do Banco e da própria Autora, deverá então ao abrigo do nº3 e 4 do art.712 do CPC ser ordenada a ampliação da base instrutória e realização de perícia científica do documento – ordem de transferência – que constitui a causa de pedir, cotejando mesmo com a ficha bancária junta aos autos e rubricas constantes dos cheques rubricados pelo gerente da Autora. Contra-alegou a Autora, em síntese: Deve ser rejeitado o recurso de facto, visto que o Réu não cumpriu cabalmente o art.690-A do CPC, pois não especificou nas conclusões os factos concretos que considera mal julgados na 1ª instância, nem tão pouco os que deverão ser dados como demonstrados em substituição daqueles. Não há razões para alterar as respostas aos quesitos 5º, 8º e 13º. O recurso deve ser julgado improcedente. Caso a sentença não venha ser confirmada, pretende que o agravo seja conhecido. II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Questão prévia: A apelada suscitou a questão prévia da rejeição do recurso sobre a impugnação da matéria de facto, alegando que o apelante não cumpriu o ónus da especificação, nos termos do art.690-A nº1 do CPC. Porém, contrariamente ao requerido, não há razões para rejeitar o recurso, pois o apelante especificou os pontos de facto incorrectamente julgados ( respostas aos quesitos 5º, 8º e 13º da base instrutória ) ( cf. 1ª conclusão ) e indicou os meios probatórios que impunham decisão diversa - depoimento das testemunhas ( Fernando Simões, Cláudia Natário, Catarina Rodrigues, Maria Regina dos Santos, Luís Miguel Ferreira e Nuno Miguel Branco ), conjugadas com o relatório de fls.172. Quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação ( cf., por ex., Ac do STJ de 20/11/2003, www dgsi.pt/jstj ). É certo que relativamente aos depoimentos gravados o apelante não o fez por referência ao assinalado na acta, mas tendo procedido à transcrição parcial, o objectivo é o mesmo. A razão de ser da exigência do ónus da especificação consta do preâmbulo do Dec.Lei nº39/95 de 15/2, visando afastar a possibilidade de o recorrente se limitar “a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância e manifestando genérica discordância com o decidido”, decorrendo ainda dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais. Deste modo, estando delimitado o objecto do recurso de facto, sendo perfeitamente inteligível, mostra-se cumprido o ónus da especificação imposto pelo art.690-A nº1 do CPC. O apelante juntou com as alegações de recurso a transcrição integral dos depoimentos ( fls.335 a 396 ), consignando-se corresponder ao conteúdo da gravação de duas cassetes em apenso. Improcede a questão prévia. 2.2. – Delimitação do objecto do recurso de apelação: Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes: a) - Impugnação da matéria de facto ( respostas aos quesitos 5º, 8º e 13º ); b) - Se o Réu actuou culposamente na execução da ordem de transferência bancária. 2.3. – A impugnação da matéria de facto: A revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, instituiu, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto. Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC. Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar ( até pela própria natureza das coisas ) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 do CPC ) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador. Daí que em termos semióticos, a comunicação vá para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se integram, pois como informa LAIR RIBEIRO, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder ( "Comunicação Global", Lisboa, 1998, pág. 14). Por isso, já ENRICO ALTAVILLA escrevia que " o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras" (" Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3ª ed., pág. 12 ). Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão ( cf. MICHEL TARUFFO, “La Prueba De Los Hechos”, Editorial Trotta, 2002, pág.435 e segs. ). De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ( art.653 nº2 do CPC ). Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição. Como se refere no Ac da RC de 3/10/2000 ( C.J. ano XXV, tomo IV, pág.27 ), “ o tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção ( que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova ), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova ( com os mais elementos existentes nos autos ) pode exibir perante si “. Pois bem, é com base nestes princípios que se passa a aquilatar do recurso de facto. Ao quesito 5º - ( “ A assinatura aposta na ordem de transferência não foi feita pelo gerente da A.? “ ) – o tribunal respondeu – Provado. Ao quesito 8º - ( “ A dissemelhança entre a assinatura do gerente constante da ficha era visível a olho nú? “ ) – o tribunal respondeu “Provado”. Ao quesito 13º - ( “ A ter existido “ falsificação “ da assinatura constante da ordem de transferência, ela é tão perfeita que qualquer observador experiente não logra detectar diferenças? “ ) – o tribunal respondeu “ Não provado “. Fundamentação de fls.242 a 244: Da fundamentação consta uma análise crítica dos depoimentos de cada uma das testemunhas, com indicação da razão de ciência e de uma súmula dos respectivos depoimentos, considerando-se relevante ainda o relatório pericial de fls.172 a 176. Sobre as respostas aos quesitos 5º, 8º e 13º, exarou-se, designadamente o seguinte: “ Relativamente à questão de saber quem ordenou a transferência, isto é a de saber quem assinou o documento que a originou, convenci-me de que não foi o sócio gerente da A. E isto porque ninguém lhe atribuiu a respectiva autoria, sendo certo que tal documento foi entregue nas instalações do Réu já preenchido por outra pessoa que não ele, e conforme relatório acima referido, tudo aponta no sentido que não foi ele o seu autor. Por outro lado, cotejando as rúbricas apostas no doc. de fls.16 e a aposta no doc. de fls.41, parece-me que entre ambas existem diferenças significativas, visíveis e notórias através do simples visionamento e comparação. Por tudo isto me convenci de que tal rubrica não foi feita por si, mas por outrem. Do que também deriva a resposta positiva ao quesito 8º “. (…) “ Idêntica resposta ao quesito 13º por isso não resultar da minha convicção, demonstrando-se ao invés a matéria do quesito 8º “. Alegando erro notório na apreciação da prova, pretende o apelante que a Relação altere as respostas ( art.712 nº1 a) do CPC ), julgando-se não provados os quesitos 5º e 8º e provado o quesito 13º, com fundamento nos depoimento das testemunhas ( Fernando Simões, Cláudia Natário, Catarina Rodrigues, Maria Regina dos Santos, Luís Miguel Ferreira e Nuno Miguel Branco ), conjugadas com o relatório de fls.172 e a resposta aos quesito 14º. Numa primeira observação, e com todo o respeito, há que referir que as passagens transcritas pelo apelante dos depoimentos das testemunhas, que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa, não traduzem a globalidade dos respectivos depoimentos, saindo, assim, claramente desvirtuados, quer porque são reproduzidas passagens avulsas, quer porque não reflectem, com rigor, toda a relação comunicacional estabelecida em audiência, designadamente, quando submetidas ao contra-interrogatório da parte contrária. Como ilustração, por exemplo, o depoimento da testemunha Maria Regina, funcionária do banco, de capital importância, visto ter sido quem recebeu o documento da ordem de transferência, revelando algumas contradições e incoerências, designadamente quando para corroborar o seu depoimento sobre a verificação da semelhança das rubricas, afirmou que o carimbo da ordem de transferência era exactamente o mesmo que o da ficha de assinaturas ( fls.41 e 42 ), sendo certo que desta não consta qualquer carimbo da firma. A convicção expressa pelo tribunal a quo sobre a resposta ao quesito 5º, de forma alguma pode ser contrariada pelos depoimentos das testemunhas. Como se justificou na respectiva fundamentação, e corresponde aos depoimentos gravados, nenhuma das testemunhas atribuiu a autoria da assinatura da ordem de transferência ao gerente da Autora. Desde logo os depoimentos das testemunhas Fernando Simões, cunhado do gerente da Autora, Cláudia Natário e Catarina Rodrigues, ambas empregadas de escritório da Autora, que confirmaram a reacção do gerente assim que teve conhecimento da transferência, tendo ficado surpreendido e nervoso, de tal forma que se dirigiu de imediato ao banco ( 8 de Março de 2002 ), escreveu uma carta nesse mesmo dia, tendo voltado a interpelar o gerente da agência bancária na segunda-feira seguinte, agora na companhia do cunhado, Fernando Simões. Este facto foi, de resto, confirmado não só pelo depoimento de Fernando Simões, que descreveu a forma como interpelaram o gerente e a resposta deste, como pelos próprios funcionários do banco, Luís Ferreira ( gerente bancário ) e Maria Regina dos Santos, sendo coincidentes em afirmar que o gerente da Autora ( designado por elas por João filho ) negou ter sido ele a assinar a ordem de transferência. Por outro lado, a testemunha Maria Regina, a quem foi entregue a ordem de transferência, disse claramente não ter visto quem a assinou e a preencheu, pois tais actos não foram efectuados na sua presença, confirmando ter sido o pai quem lhe fez a entrega. Apenas a testemunha Nuno Miguel, funcionário do banco, afirmou ter a “convicção” de que a assinatura era do gerente da Autora ( João filho ), mas apenas por entender não existirem dissemelhanças entre as rubricas. As testemunhas funcionárias do banco descreveram o procedimento sobre as ordens de transferência, cujo documento de suporte sendo interno do banco não está sujeito a registo mecanográfico, salientando a Maria Regina não ser muito usual que quem vai ao banco fazer a entrega da ordem de transferência seja o seu beneficiário, e não o mandante. Por outro lado, da circunstância do gerente da Autora, João Miguel, haver entregue ao cunhado cheques em branco, assinados por si (cf. depoimento de Fernando Simões ), ou mesmo de ter sido visto na agência do banco com o pai ( cf. depoimentos de Maria Regina e Nuno Branco ), não se pode presumir, contrariamente ao preconizado pelo apelante, que tivesse sido ele ( João filho ) a preencher e assinar a ordem de transferência. Acresce, como meio de prova relevante, o relatório pericial de fls.172, no qual se concluiu que a escrita constante do preenchimento do talão de transferência provavelmente não é da autoria de C..., embora quanto à rubrica suspeita não fosse possível a perícia, como aí se explicitou. A matéria dos quesitos 8º e 13º contende com a prova documental, designadamente sobre a comparação entre as rubricas apostas no documento de fls.16 ( talão de transferência ) e no documento de fls.41 ( ficha de assinaturas ). Inviabilizada a perícia às rubricas, também a nossa convicção coincide com a expressa pelo tribunal a quo, já que pela simples inspecção dos documentos se verifica existirem diferenças significativas, visíveis e notórias através do simples visionamento e comparação. É certo que a testemunha Maria Regina declarou ter feito a conferência das rubricas, afirmando não ter dúvidas sobre a ” semelhança a olho nú”, mas uma coisa é o seu depoimento, outra a credibilidade e o convencimento do tribunal a quo, em face da oralidade e imediação, na relação intercomunicacional estabelecida na audiência, sobre a qual o julgador da 1ª instância está em melhor posição, pelas razões já expostas, escapando ao controle da Relação, que por isso mesmo não a pode sindicar. O que objectivamente se pode recolher da gravação do seu depoimento é a existência de algumas contradições, como a já anotada, ou haver declarado inicialmente ter acompanhado a conta da Autora, não obstante ser gestora de particulares, para depois afirmar que só fazia intervenções pontuais. Por fim, a reposta ao quesito 14º não implica a alteração das respostas aos quesitos 8º e 13º, não se verificando contradição entre elas. Em face das considerações expostas sobre os critérios da valoração da prova e tendo o tribunal objectivado a sua convicção de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, com uma análise criteriosa, sem que se mostrem violadas as regras da experiência comum, a indicada pelo recorrente não impõe decisão diversa, pelo que improcede o recurso sobre a matéria de facto, mantendo-se intangível a descrita na sentença.
2.4. – Os factos provados: III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.2) Condenar o apelante nas custas.+++ Coimbra, 14 de Junho de 2005. |