Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1953/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
FALTA
FALTAS JUSTIFICADAS
Data do Acordão: 09/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 116º E 117º DO C. P. PENAL
Sumário: 1. A falta de comparência a acto processual pode ser previsível ou imprevisível.

2. Se for previsível, a impossibilidade deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, juntando-se logo os respectivos meios de prova.

3. Se for imprevisível, a impossibilidade deve ser comunicada até ao dia e hora designados para o acto, acompanhada dos meios de prova, podendo apenas estes, por motivo justificado, ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte àquele acto.

4. Quer numa hipótese quer na outra, a falta só pode ser justificada se da comunicação constarem a indicação do respectivo motivo, o local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração prevista para o impedimento.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Pelos Serviços do Ministério Público de Anadia e no âmbito de carta precatória nº 669/05.OTAAND, foi designado o dia 7 de Fevereiro de 2006, pelas 9,30 horas, para a arguida A...., prestar declarações.
Contudo apesar de se encontrar regularmente notificada, a arguida não compareceu.
Em consequência desse facto o Mmª Juiz proferiu o seguinte despacho:
“ A.... foi devida, regular e pessoalmente notificada, através da Guarda Nacional Republicana, no dia 20 de Janeiro de 2006, para comparecer nos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal no dia 7 de Fevereiro de 2006, às 9.30 horas, a fim de prestar declarações, com a expressa advertência de que se faltasse ao acto para o qual foi convocada seria condenada numa soma de 2 a 10 UC's e podendo ser ordenada a sua detenção pelo tempo indispensável à realização da diligência (cfr. fls. 17 a 19 desta carta precatória).
Na data agendada, a notificada não compareceu (cf. fls. 22), sendo certo que apresentara no dia 3 de Fevereiro de 2006 um requerimento alegando que estaria impossibilitada de comparecer por se encontrar, segundo diz, "psicologicamente afectada", juntando um "relatório psiquiátrico" do qual consta que a denunciada tem vindo a ser seguida em consultas de psiquiatria desde 22 de Dezembro de 2005, ali se afirmando que "não está em condições de comparecer em Tribunal (cf. fls.20e2l).
O Ministério Público promoveu que a falta não se considere justificada, uma vez que o alegado impedimento era previsível, pelo que deveria ter sido comunicado com a antecedência de 5 dias, e tendo em conta que a denunciada não indicou o local onde estaria (por forma a poder aferir-se da veracidade dos fundamentos do alegado impedimento), nem indicou a duração previsível do invocado impedimento. Mais promoveu a condenação da faltosa em 2 UC's e a sai detenção no prazo de 30 dias, em horário de expediente, pelo tempo necessário à realização das diligências deprecadas (cf. fls. 23).
Cumpre apreciar e decidir.
Efectivamente, resulta do "relatório psiquiátrico" de fls. 21 que o alegado impedimento já era previsível, pelo que de facto a denunciada deveria ter comunicado esse facto, se fosse verdadeiro, com a antecedência de 5 dias, como impõe o art° 117° do Código de Processo Penal.
Por outro lado, como também nota o Ministério Público, não consta do requerimento em apreço o local onde estaria a denunciada, nem a duração previsível do invocado impedimento, por forma a controlar a verdade do fundamento alegado para a falta e para proceder a nova marcação oportuna, respectivamente. Trata-se de elementos essenciais à justificação da falta, nos termos do citado preceito legal.
Sendo assim, por intempestividade e por falta de indicação do paradeiro e da previsível duração do alegado impedimento, a pretensão de fIs. 20 deve ser indeferida.
Não se considerando, pois, devidamente justificada a falta, deverá ser aplicada à denunciada a multa por falta de comparência prevista no art° 116°, n° 1, do Código de Processo Penal.
Quanto ao mais, pode ser verdade que a denunciada, por razões médicas, esteja realmente impossibilitada de comparecer, pelo que para já não ordenaremos a sua detenção.
Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais:
Condeno A..... na multa processual de 2 UC's, por ter faltado injustificadamente no dia 7 de Fevereiro de 2006;
E ordeno a notificação do Ilustre Médico que subscreveu o "relatório psiquiátrico" de jls. 21 (com cópia do presente despacho) para informar o Tribunal, no prazo de 10 dias, a duração previsível do alegado impedimento, ou no mesmo prazo expor o que a esse respeito tenha por conveniente “.
É deste despacho que, inconformada, a arguida interpôs o presente recurso, concluindo na sua motivação:
“ 1 ,° O Ministério Público promoveu a condenação da Recorrente na multa de 2 UC's porque, no seu entender a falta dada pela Recorrente não se deve considerar justificada, já que o impedimento era previsível e a competente justificação foi junta aos autos no dia 3 de Fevereiro, estando aquela notificada para comparecer no dia 7 de Fevereiro, entendimento que foi acolhido pelo Tribunal ad quo e, salvo o devido respeito, se discorda. É que,
2 .° Só perante o parecer do médico, dado no dia 2 de Fevereiro, é que a Recorrente soube se estaria apta a proceder a tal deslocação, não tendo sequer na sua posse dados anteriores que lhe permitissem extrapolar o seu estado ou estabelecer um juízo de prognose, já que nem sequer se encontra a trabalhar. Consequentemente,
3 .° Nos termos do art. ° 117° do CP. P., a comunicação da falta deve ser feita com cinco dias de antecedência se previsível e no dia designado para a prática do acto se for imprevisível. Ora,
4.° Salvo o devido respeito, só no supra- referenciado dia da consulta, ou seja, no dia 2 de Fevereiro, é que a Recorrente tomou conhecimento de que lhe era impossível comparecer e foi também nesse dia que tomou posse do documento comprovativo, tendo-o junto aos autos logo no dia subsequente. Deste modo,
5 .° A falta não deveria ter sido considerada injustificada, uma vez que a Recorrente não tinha forma de saber se estava ou não medicamente impossibilitada de comparecer, tanto mais que a doença de que presentemente padece é do foro psiquiátrico e, nessa medida, insusceptível de percepção ou de juízos de prognose que por ela pudessem ser feitos.
6.° Durante este lapso de tempo, não indicando a Recorrente algum local alternativo, era de supor que se mantivesse em casa, o que sucede desde a primeira consulta médica até à corrente data, o que nem sequer foi averiguado e, como tal, não lhe podem ser assacadas responsabilidades nesta sede.
7.° Pelo exposto, deve ser revogada a decisão a quo, por violar o disposto no artº 117°, nºs 1 e 2, do CPP, já que o motivo da falta era imprevisível, anulando-se a respectiva condenação em multa.”
O Ministério Público respondeu, concluindo que o recurso não deve merecer provimento.
Nesta instância o Exmº Procurador Geral Adjunto, emite parecer no sentido do improvimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Estabelece-se no Artº 116º CPP:
“ 1. Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre duas e dez Ucs.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente, ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
3. Se a falta for cometida pelo Ministério Público ou por advogado constituído ou nomeado no processo, dela é dado conhecimento, respectivamente, ao superior hierárquico ou à Ordem dos Advogados.
4. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 68º, nº 5.”
Por sua vez o Artº 117º do mesmo Código estipula-se que:
“1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
4. Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.
5. Se for impossível obter atestado médico, é admissível qualquer outro meio de prova.
6. Havendo impossibilidade de comparecimento, mas não de prestação de declarações ou de depoimento, esta realizar-se-á no dia, hora e local que a autoridade judiciária designar, ouvido o médico assistente, se necessário.
7. A falsidade da justificação é punida, consoante os casos, nos termos dos artigos 260º e 360º do Código Penal”.
*
Da leitura das referidas disposições legais resulta claramente a justificação de falta a acto processual deverá ser feita nos seguintes termos:
a) Se a impossibilidade de comparecimento for previsível, o convocado ou notificado, deverá comunicá-la com 5 dias de antecedência, acompanhada dos respectivos elementos de prova.
b) Se a impossibilidade de comparecimento for imprevisível, o convocado ou notificado deve comunicá-la no dia e hora designados para a prática do acto, igualmente acompanhada dos elementos de prova dessa impossibilidade, ou não a podendo apresentar, por motivo justificado, pode ainda a referida prova ser apresentada, até ao terceiro dia útil seguinte.
Exige ainda o legislador que, quer a falta seja previsível quer ela seja imprevisível, da comunicação conste, sob pena de não ser justificada:
1.- A indicação do respectivo motivo.
2.- O local onde o faltoso pode ser encontrado.
3.- A duração previsível do impedimento.
Tratam-se de normas aceleradoras do andamento processual que têm unicamente por objectivo estabelecer algum rigor na justificação das faltas, sabido, como é que a falta às diligências judiciais perturba não só a planificação do trabalho judicial, como também causa prejuízos aos outros intervenientes processuais, que têm de se deslocar várias vezes ao tribunal em virtude dos sucessivos adiamentos.
Por isso, como refere Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, pág. 299), “ devem os julgadores, em obediência aos comandos legais, ser exigentes quanto à justificação das faltas que, como é consabido, têm constituído um dos maiores entraves ao regular andamento dos processos”.
Ora no caso dos autos, face ao conteúdo do requerimento e atestado médico apresentado pelo arguida, entendemos que estaríamos perante uma situação de impossibilidade de comparecimento imprevisível.
E dizemos imprevisível porquanto é perfeitamente lógico que só depois da consulta médica é que a arguida poderia saber se o seu quadro clínico se agravaria ou não com a ida ao tribunal.
Assim sendo estava a mesma obrigada a comunicar a sua impossibilidade de comparência, no dia e hora designados para a diligência, nos termos consignados no Artº 117º.
Ora como a arguida o fez quatro dias antes, terá de considerar-se que a apresentação foi tempestiva.
Sucede porém que não bastava apresentar tal justificação, sendo necessário, como vimos anteriormente, que indicasse expressamente o local onde poderia ser encontrada e a duração previsível do impedimento.
E deveria dizê-lo já que o aludido preceito legal exige, sem qualquer margem para dúvidas, que da comunicação constem também esses elementos, sob pena de não justificação da falta.
Ao não a ter feito, traçou o destino ao requerimento que iria apresentar – o indeferimento.
Deste modo se conclui, embora por razões diferentes, não merecer qualquer censura o despacho proferido pelo Mmª Juiz.

DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os Juizes desta Relação, em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho recorrido.
Fixa-se a taxa de justiça em quatro Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ)
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 13 de Setembro de 2006.