Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | COELHO DE MATOS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO HONORÁRIOS | ||
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Data do Acordão: | 10/26/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE ALCOBAÇA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | 483.º, N.º 1 E 563.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | Os honorários de advogado não constituem um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente de facto ilícito extracontratual, pelo que não podem integrar o conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. A... e B..., o primeiro proprietário e o segundo condutor do motociclo de matrícula 28-09-NF, demandaram, na comarca Alcobaça, a C... para que seja condenada a pagar-lhes, no total, a quantia de 1.804.789$00, incluindo ainda todas as despesas ocasionadas com o processo, para reparação dos danos que um e outro tiveram em consequência de acidente de viação causado por acção do condutor do veículo automóvel de matrícula 66-14-JA, segurado na ré. 2. Findos os articulados e levado o processo a julgamento, foi proferida sentença que julgou ter havido culpa exclusiva do condutor do JA e condenou a ré a pagar: a) ao A. A...: - A quantia de 5.471,81 € (cinco mil, quatrocentos e setenta e um euros e oitenta e um cêntimos) , a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos; - Juros de mora vencidos sobre essa quantia, contados à taxa anual de 7% desde a citação até 30/04/03, e à taxa anual de 4% desde 01/05/03, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento. - A quantia que se apurar em execução de sentença, relativa aos honorários e demais despesas (acrescidos de IVA), pagas pelo A à sua ilustre mandatária em consequência da instauração da presente acção. b) Ao A. B...: - A quantia global de 1.641,66 € (mil, seiscentos e quarenta e um euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; - Juros de mora vencidos sobre essa quantia, contados à taxa anual de 7% desde a citação até 30/04/03, e à taxa anual de 4% desde 01/05/03, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento. - A quantia que se apurar em execução de sentença, relativa aos honorários e demais despesas (acrescidos de IVA), pagas pelo A à sua ilustre mandatária em consequência da instauração da presente acção. 3. Discordando da parte da decisão que a condena no pagamento dos honorários e demais despesas à advogada dos autores, a ré apela a esta Relação, alegando e concluindo que a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido no sentido de que tais verbas não são de incluir na condenação, por não constituírem um dano resultante do acidente. Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre conhecer e decidir. Os factos provados são os descritos nos fundamentos da sentença recorrida e dispensa-se a sua transcrição, por manifestamente irrelevante para a única questão a conhecer, que é apenas de direito. Diga-se, desde já, que apesar de se conhecerem acórdãos no sentido de se considerar a despesa com os honorários a advogado para patrocinar acção cível de acidente de viação como diminuição patrimonial derivada do acidente como dano indemnizável ( Cfr. Acórdão da RP, de 02-02-1994, www.dgsi.pt, JTRP0001343), a tendência maioritária vai no sentido da tese oposta, alinhando argumentos com claro suporte legal e doutrinal, como sejam o caso do acórdão desta Relação de 06-06-2000, com sumário publicado em www.dgsi.pt, JTRC1007 e da Relação do Porto, de 20-04-98 e de 21-11-2002, respectivamente em www.dgsi.pt, JTP00023484 e JTRP00035295. É neste sentido que vai o nosso entendimento, na esteira do acórdão desta Relação supra citado que decidiu só haver lugar ao pagamento de honorários ao advogado do lesado “quando tal haja sido convencionado, o que pressupõe que só na responsabilidade contratual esse pedido possa ter pertinência, desde que as partes tenham acordado o pagamento de honorários no cômputo da indemnização devida por incumprimento do contrato”. 4. Como é sabido, a obrigação de indemnizar por facto ilícito (artigo 483.º n.º 1 do Código Civil) só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil). Quer isto dizer que o conteúdo e limites desta obrigação estão legalmente definidos pela “causalidade adequada”; só são indemnizáveis os danos que estejam numa relação directa de causa e efeito com o facto ilícito danoso e que este constitua causa adequada do dano. Para que alguém seja obrigado a reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo lesante seja, em concreto, condição da verificação daquele dano, tornando-se, para tal, também necessário, que, em abstracto, tal facto ilícito constitua causa adequada à ocorrência do dano verificado” ( Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 8ª edição, págs. 905, 916 e 917). O que não é seguramente o caso da relação entre o acidente de viação e os honorários do advogado do lesado. Mas não é só. Como se escreveu num acórdão da Relação do Porto, ( Cfr. Acórdão supra citado da RP, de 02-11-2002). “a existência do regime do apoio judiciário, a possibilidade de acordo extrajudicial relativamente ao quantitativo da indemnização a atribuir ao lesado, a eventual actuação do mandatário judicial por mera obsequiosidade ou ainda a circunstância da actividade forense por aquele desenvolvida poder eventualmente englobar-se no exercício de serviços integrados em avença forense celebrada com o lesado, constituem factores impeditivos dos honorários em causa se poderem qualificar, em abstracto, como um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente do facto ilícito praticado pelo lesante” Na verdade, o instituto do apoio judiciário, na medida em que prevê o pagamento de honorários forenses, não sub-roga o Estado no direito de exigir o regresso ao obrigado a satisfazer a indemnização; antes considera os referidos honorários e outras despesas, quando tenham sido suportadas pelo erário público, englobadas na componente dos encargos, e, consequentemente, incluídos nas custas processuais devidas - art. 32º, n.º 2 do CCJ. Veja-se que é a procuradoria que, justamente ou não, desde sempre, tem vindo a ser entendida com a natureza de uma compensação devida pelo vencido ao vencedor, referente ao reembolso das despesas por aquele realizadas com o mandato judicial ( Cfr. art. 40º, n.º 1 do CCJ, “Noções” do Prof. Manuel de Andrade, pág. 338 e “Anotado” do Des. Salvador da Costa, pág. 238); Donde resulta que, nas acções em que o apoio judiciário haja sido concedido, fica precludida a atribuição à parte vencedora de qualquer quantia a título de procuradoria. Pelo que se fica a saber ter sido intenção do legislador tributário englobar os honorários nas despesas judiciais a que todos os processos, salvo isenção legal, estão obrigatoriamente sujeitos, ficando assim afastada toda e qualquer eventual hipótese de haver lugar ao ressarcimento autónomo daquelas remunerações, fora das normais despesas judiciais a que a tramitação de uma qualquer acção sempre dá lugar. O que parece não haver dúvidas é de que o espírito do sistema é o de não considerar a dívida de honorários como obrigação autónoma a ser ressarcida como tal. E não é só da análise ao regime tributário da acção cível e financeiro do apoio judiciário que pode colher-se essa ideia. Há normas de outros institutos que apontam nesse sentido, designadamente as dos artigos 457.º n.º 1, a) e 662.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que são, aliás, as únicas excepções: a primeira relativa ao conteúdo da indemnização por litigância de má fé, que engloba os honorários dos mandatários, e a segunda que manda o autor satisfazer os honorários do advogado do réu nos casos em que propõe acção sem haver litígio relativamente à existência da obrigação. Significa isto que quando o legislador pretendeu fazer incidir sobre qualquer das partes intervenientes na lide a obrigação referente à satisfação integral das despesas relativas a honorários, indicou expressamente as situações e a parte sobre a qual tal imposição impendia, e significa também que a regra é a do englobamento das despesas de patrocínio, a título de procuradoria, nas custas judiciais, como acima referimos. O que tudo dito faz concluir que não houve, por parte do legislador, mesmo quando o Estado é o credor da quantia paga a título de honorários, nas acções para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, qualquer intuito em considerar os honorários devidos ao advogado da parte vencedora como uma despesa directa e imediatamente decorrente da prática pelo agente de um facto ilícito danoso, sendo, por tal motivo, enquadráveis no quantitativo indemnizatório a satisfazer pelo lesante. O que tudo visto faz subentender que os honorários do advogado da parte lesada vencedora, como um factor colateral da causa de pedir na acção, e ressalvadas as supra apontadas excepções, se enquadram apenas no âmbito das custas do respectivo processo, não podendo revestir a natureza de despesas a englobar no domínio de qualquer indemnização que constitua objecto do pedido formulado em juízo. ( Cfr. Fundamentação do supra citado da RP, de 02-11-2002 ) Concluindo: os honorários de advogado não constituem um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente de facto ilícito extracontratual, pelo que não podem integrar o conteúdo da obrigação de indemnizar a cargo do lesante. 5. Decisão Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que revogam a sentença recorrida, na medida em que condena a ré apelante a pagar aos autores a quantia que se apurar em execução de sentença, relativa aos honorários e demais despesas (e respectivo IVA), por eles pagas à sua advogada, em consequência da instauração da presente acção. No mais mantém-se o decidido. Coimbra, |