Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/13.1PAACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JLC DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 147.º, DO CPP; ARTS. 74.º E 143.º, N.º 3, DO CP
Sumário: I – O art. 147.º do CPP trata do reconhecimento de pessoas. Nele se podem distinguir três modalidades: o reconhecimento por descrição ou intelectual, o reconhecimento presencial e o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.

II – O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos previstos no art. 147.º, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (n.º 7 do mesmo artigo).

III – O assistente descreveu fisicamente um cidadão como autor dos factos participados, cujo nome desconhecia mas sabia que namorava com uma ex-funcionária da empresa do filho e era agente da Polícia Judiciária e, poucos dias depois, por diligências próprias, trouxe aos autos o nome do cidadão denunciado.

IV – O facto de o recorrente ter sido fotografado no acto de constituição de arguido, em 8 de Abril de 2014 e de, em 11 de Junho de 2014, o assistente e a identificada testemunha, na respectiva inquirição, após visualização de tais fotografias, o terem identificado positivamente, mesmo que possa ser considerado como um reconhecimento fotográfico, não se lhe tendo seguido um reconhecimento presencial, determina que aquele não possa ser valorado probatoriamente sendo, portanto, interdita a sua valoração.

V – Não tendo sido probatoriamente valorado [na motivação da matéria de facto] o pretendido reconhecimento fotográfico do recorrente, não foi desrespeitada a proibição de valoração de prova prevista no art. 147.º, n.º 5 do CPP.

VI – A dispensa de pena prevista no n.º 3 do art. 143.º do CP para além da verificação de um dos seus dois requisitos, depende ainda da verificação dos requisitos gerais do instituto, previstos no art. 74.º do mesmo código (excepção feita à medida da pena aí mencionada).

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Criminal de Alcobaça, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, o arguido A... , com os demais sinais nos autos, sob imputação da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal

            O assistente B... acompanhou a acusação pública e deduziu pedido de indemnização contra o arguido, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 2.500, por danos não patrimoniais [€ 2.400] e patrimoniais [€ 100].

Por sentença de 6 de Maio de 2016 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de € 12, perfazendo a multa global de € 960, e no pagamento ao assistente da quantia de € 400, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos.


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            Inconformado com a decisão recorreu o arguido para esta Relação que, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2017, declarou a nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, b) do C. Processo Penal, e determinou a sua substituição por outra, suprindo a apontada nulidade.

Baixados os autos à 1ª instância, reaberta a audiência e comunicada a alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia [acta da audiência de julgamento de 8 de Maio de 2017, a fls. 794 a 796] e produzida a prova requerida pelo arguido [acta da audiência de julgamento de 22 de Maio de 2017, a fls. 806 a 808], por sentença de 1 de Junho de 2017 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de € 12, perfazendo a multa global de € 960, e no pagamento ao assistente da quantia de € 400, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos.


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Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Reportam-se as presentes alegações ao Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Alcobaça – Secção Criminal da Comarca de Leiria, que condenou o Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples (art. 143.º, n.º 1 do Código Penal), sobre a pessoa de B... , na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 12,00 € euros, o que perfaz a quantia global de 960,00 € (novecentos e sessenta euros). Ainda, foi o Recorrente condenado no pagamento da quantia global de 400,00 € a título de pedido de indemnização civil deduzido por B... .

2. A avaliação da matéria provada que é feita pelo Tribunal a quo, no que respeita ao Arguido A... , merece, salvo melhor entendimento, ampla censura, desde logo porque interpreta incorrectamente a prova produzida que, em circunstância alguma, suporta a matéria assente e, consequentemente, sustentar a condenação do Recorrente.

3. A alteração dos factos constante da acusação/pronúncia (factos 1. e 2.) nos termos da sentença impugnada, constitui uma alteração não substancial dos factos que teria, necessariamente, de ser comunicada ao Arguido nos termos das disposições legais em vigor, o que in casu não aconteceu, com a consequente cominação de nulidade da decisão recorrida.

4. O processo penal tem estrutura acusatória (art.32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) e é pela acusação que se define o objecto do processo (thema decidendum), devendo esta conter, a narração dos factos imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis aos mesmos factos (arts. 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), permitindo a lei que possa ser comunicado aos sujeitos processuais, no decurso da audiência de julgamento, uma alteração não substancial dos factos (art.358.º do C.P.P.) ou uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (art.359.º do C.P.P.).

5. É notório que o Tribunal recorrido introduziu, na matéria de facto dada como provada, circunstâncias especificas de como a conduta do Recorrente – alegadamente – se terá realizado, pelo que sempre teria de se considerar pela existência de uma alteração não substancial dos factos.

6. O Assistente, no que respeita ao crime em apreço, aderiu expressamente à douta acusação pública, não tendo sido admitida a acusação particular efectuado nos autos no que respeita aos restantes crime, pelo que não se poderá considerar, para todos os legais efeitos, que a matéria naquela alegada (fls. 281) poderá relevar para efeitos de apuramento ou complemento da matéria constante da acusação/pronúncia.

7. Ao não ter sido dado cumprimento ao art.358.º CPP pelo Tribunal Recorrido após ou no decurso da audiência, e ao estarmos perante inequívoca alteração não substancial dos factos não comunicada ao Arguido (que resulta um imperativo do princípio do contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz) é pois manifesto que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do art.379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que expressamente se argui, com as legais consequências.

8. O Direito Processual do Crime dispõe um conjunto de regras programáticas de obtenção de prova e, outrossim, de sua apreciação para formação da convicção do julgador sobre a verificação (ou não) de determinado facto com relevância jurídica para efeitos de preenchimento de um tipo-de-crime.

9. Esta livre apreciação não se reconduz a uma discricionariedade aberta, a um arbítrio por parte do julgador que pudesse levar a que este liminarmente excluísse certos elementos por outros, a que inferisse determinada factualidade por via de outra, que a suprisse quando se apresentasse insuficiente ou que desconsiderasse evidências que lhe foram apresentadas em termos suficientes de acordo com critérios de experiência comum.

10. O Tribunal exorbita a prova que lhe foi apresentada e perante si produzida para chegar a uma decisão sobre matéria de facto, no que ao Recorrente diz respeito, que ultrapassa largamente o que lhe seria permitido concluir.

11. O Julgamento da Matéria de Facto realizado pelo Tribunal a quo, afigura-se ilegítimo, decorrendo da prova produzida em Audiência elementos insuficientes para que se tomassem determinados factos como provados.

12. O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, porquanto da prova produzida em audiência de julgamento – e também dos próprios autos – não resultaram elementos de prova suficientes para que se tomassem como provados os Factos 1., 2., 3., 4. e 5., como infra se demonstrará.

13. Perante as duas versões antagónicas preconizadas em julgamento por Ofendido e esposa, e Arguido, entendeu o Tribunal recorrido valorar as declarações dos primeiros referido que estes prestaram depoimentos muito circunstanciados, objectivos, convincentes e credíveis, não tendo sido verificado qualquer intuito persecutório em relação ao Arguido, referindo que do depoimento da esposa do ofendido resulta um claro conhecimento directo dos factos, que os presenciou da janela de sua casa.

14. As declarações do Assistente e da Ofendida em nada se apresentam objectivas e convincentes, porquanto aqueles apresentaram-se no Tribunal com um discurso notoriamente preparado no sentido de obterem a condenação do Recorrente a quem imputam a prática de outros factos constantes das peças processuais e de documentação junta aos autos de que aquele não foi acusado ou despronunciado, e que não são relevantes para apreciação da matéria dos autos.

15. Haveria que efectuar o distanciamento entre os factos que foram submetidos a julgamento e aqueles que a esta fase não chegaram – e de que aquele se presume inocente, pelo menos! –, sendo que o Assistente e a testemunha C... (que quanto aos factos que mereceram despacho de arquivamento era também interessada), demonstraram à exaustão – por se encontrarem convencidos da sua prática pelo aqui Arguido – o seu sentimento de repulsa e até intuito persecutório em relação ao Recorrente.

16. Quer o Assistente quer a sua esposa apresentaram-se com um depoimento ajustado às suas pretensões, o que resulta claro desde logo no início dos seus depoimentos, pois ambos situaram os factos (em jeito de discurso preparado!) no mesmo ano, mas que não terá sido o ano em que os mesmos ocorreram!

17. É notório que quer o Assistente e a sua esposa se tentaram afastar da sociedade " D... " – chegando mesmo a negar ter relação com, o que se revela manifestamente falso! – sendo que é notório que aqueles (principalmente o Assistente) conheciam o arguido dos tempos que a mesma se encontrava em funcionamento, por o terem visto a ir buscar a sua companheira, no seu veículo automóvel (que também conheciam a cor – e não a marca!) e em diversas situações (o que foi corroborado por diversas testemunhas ouvidas e que sequer foi apreciado pelo Tribunal recorrido).

18. A sentença recorrida extrapola em considerações que fogem à margem da livre apreciação da prova, a motivação do Arguido em subscrever uma carta dirigida ao ofendido, quando dela não resulta que este tenha actuado como agente da Policia Judiciária, mas antes como companheiro de uma antiga funcionária da sociedade acima referida. É óbvio que o assunto não lhe seria indiferente, porque o mesmo se encontrava relacionado com a sua companheira, a quem sentiu necessidade de ajudar.

19. Existe um verdadeiro ajustamento da prova para a adaptar uma condenação se assenta num juízo pré-concebido efectuado sem qualquer sustentáculo (pelo menos suficiente!!) probatório, extrapolando-se muito e concluindo-se em outro tanto, de forma a permitir chegar à afirmação de inexistência de qualquer dúvida razoável por parte do Tribunal na condenação do Arguido.

20. Não existe nos autos qualquer relatório médico que corrobore as ditas agressões que o Assistente (e a esposa) diz ter sido vítima, e que suporte uma agressão efectuada.

21. O Tribunal recorrido considerou que o facto de o ofendido e a testemunha C... terem identificado a cor do veículo do suposto agressor e arguido como de cor encarnada com as letras EP ou PE, não contradiz de forma clara a informação de fls. 546-547. Mas, se não contradiz de forma clara também não resulta comprovada!

22. O Tribunal errou ao ter dado alento às declarações do queixoso e da esposa tendo por base estes dois depoimentos, porquanto deles apenas decorre a tentativa de condenar o Arguido, sem terem sido considerados outros elementos probatórios, que analisados na sua globalidade, pelo menos permitiriam concluir pela dúvida, que sempre seria valorada a favor do Arguido.

23. B... (declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu início ocorreu pelas 14 horas e 50 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 18 minutos e das 1 5 horas e 19 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 21 minutos) nas suas declarações apresenta manifesta falta de credibilidade, fugindo à verdade, adulterando factos, pois que tinha certeza quanto ao ano em que ocorreram os factos, mas afinal enganou-se. O Assistente não tinha nada a ver com a D... , mas afinal era sócio, ia lá com frequência ("às sua propriedades", conhecia os trabalhadores, nomeadamente a Dª J... e até sabia que o marido/companheiro era agente da Polícia Judiciária. O Ofendido viu um cartão verde e sabe que era da polícia judiciária, mas não teve tempo de ver o que estava no cartão! O ofendido ficou tão preocupado e ralado com a situação, mas 15 minutos após os factos estava a colocar objectos no porta bagagens do seu carro para ir para o campo! O Assistente sabia quem era a J... e o seu companheiro e por isso quem o alegadamente o agrediu, mas apresentou queixa contra desconhecidos! O assistente a esposa entendem que há uma pessoa "suspeita" na rua, e vão ter ao encontro dela, sendo que as regras da experiência comum ditariam que nunca o assistente se aproximaria de uma pessoa "suspeita", muito menos numa relação de proximidade. O assistente refere que nenhuma outra pessoa viu os factos, mas a final, acaba por referir que a esposa assistiu da janela aos factos!

24. Perante tantas (e claras!) omissões, contradições e inexatidões, não pode o Recorrente entender como pode o Tribunal Recorrido considerar como credível as declarações do assistente! É que não resulta demonstrado – por muito esforço que se efectue! – como pode o Tribunal recorrido assentar a decisão na posição de um assistente (com interesse directo na solução a alcançar pela via penal), que manifestamente falta à verdade em Tribunal em muitos dos aspectos em que é questionado, e que tem um depoimento mecânico e preparado, referindo, à exaustão e sem tal lhe ser perguntado, o que o Arguido – alegadamente! – lhe terá referido.

25. O mesmo se diga no que respeita à testemunha C... , esposa do Assistente e que tem o seu depoimento manifestamente adaptado à vontade de condenar o Arguido (por ter sido também assistente nos autos), por entender que este foi quem praticou outros factos que foram investigados nos autos, e dos quais aquele não foi acusado. Vejamos parte do seu depoimento (declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu início ocorreu pelas 5 horas e 22 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 38 minutos, indicando-se os minutos concretos do depoimento transcrito):

26. Perante estas declarações desconhece-se como chegou o Tribunal à conclusão de que foi possível perceber, "para além de qual quer dúvida razoável" que o arguido praticou os factos de que vinha pronunciado.

27. É inverosímil que uma pessoa, vendo um indivíduo suspeito (que criou receio naquela de ser assaltada ou roubada) não chame as autoridades e opte por enviar o marido para junto dela. A testemunha em causa, que manifestamente apresentou um depoimento parcial, revelador de animosidade para com o Arguido, que adianta factos novos (nomeadamente que o marido foi agarrado pelos colarinhos) e que o acusa perentoriamente de outros sobre os quais sequer tem a certeza de quem os praticou, não poderá nunca revelar-se como credível!

28. Foi com base no depoimento prestado pela testemunha C... e o marido (sem relevar qualquer outra prova) que o Tribunal entendeu valorar as declarações do ofendido em prejuízo das prestadas pelo arguido.

29. No mínimo o Tribunal teria de concluir que não era possível determinar com razoável segurança o que se passou e quem (ou mesmo se!) os factos foram praticados. Ao invés, concluiu, sem margem para dúvidas que os factos ocorreram tal como o queixoso o descreveu (cujas declarações sempre são parciais), extrapolando manifestamente o princípio da livre apreciação da prova, já que a prova produzida a isso não conduziu.

30. A testemunha refere ter observado os factos de um primeiro andar, situado a cerca de 3 metros, a uma distância de cerca de 30 metros do local onde os alegados factos ocorrera, sendo de concluir que era praticamente impossível aquela concluir que era o Arguido quem de encontrava no local, sendo que após ter sido identificado o Arguido (ainda que de forma incorrecta) esta criou a ilusão e a convicção de que fora este quem esteve no local. 

31. Não deixa de ser lamentável que o Tribunal a quo se tenha socorrido do depoimento prestado por E... (progenitora da companheira do Arguido com declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 39 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 45 minutos) para dar sustentar que o veículo do arguido era o mesmo que o indicado pelo Assistente (e que na tese daquele nunca antes tinha visto!) para contudo nele se não apoiar para condenar o aqui Recorrente quanto à alegada agressão, sendo certo que esta testemunha referiu claramente que o Arguido se encontrava na v (...) no dia dos factos, e que se recorda dessa data por consequência de uma escritura que havia feito. Sequer se entende como o Tribunal inferiu (como expressamente consta da sentença) o comprometimento da mesma com aquela versão, porque se não explica sequer como o alcança!

32. As testemunhas F... (com declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu inicio ocorreu pelas 16 horas e 07 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 11 minutos.) G... (com declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu inicio ocorreu pelas 16 horas e 11 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 17 minutos.) e H... (com declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu início ocorreu pelas 6 horas e 17 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 22 minutos.) também não foram valorados ou apreciados pelo Tribunal, desconhecendo-se porquê, atendendo que estas, que não tem qualquer interesse na causa, relataram de forma clara que o Arguido se deslocava com frequência à sede da D... , para ir buscar a companheira e que o Assistente o conhecia, por o ali ter visto várias vezes, sendo certo que este era conhecido como o patrão ou filho do patrão, e que várias pessoas iriam pedir dinheiro que a sociedade lhes ficou a dever.

33. O Tribunal considerou provado que o Arguido alegadamente se apresentou com um distintivo, que o Assistente refere ser verde, quando do depoimento de I... , (com declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 18 de Abril de 2016, sendo que o seu início ocorreu pelas 16 horas e 22 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 30 minutos.) se retira que não existe qualquer dístico ou cartão dessa cor.

34. A queixa-crime apresentada pelo Assistente foi dirigida a incertos, sendo que o Arguido julgado nos presentes autos foi reconhecido com base em fotografias (cfr. fls. 126 dos autos) por o primeiro alegadamente não o conhecer, sendo que não foi efectuado, posteriormente, e nos termos do art. 1470 do CPP, qualquer reconhecimento presencial. A investigação partiu desse pressuposto, desse "reconhecimento" efectivamente lacunoso, para que os autos prosseguissem contra o arguido, tendo o Assistente identificado o Arguido – em julgamento considerando a referida fotografia, o que determina a nulidade desse meio de prova e inquina a demais prova produzida.

35. Com efeito sequer colhe a tese, como referido pelo Tribunal, que existem outros elementos de prova que, analisados à luz do art. 127º do CPP, permitem concluir por uma segurança e certeza jurídica no que respeita à pessoa alvo das acusações. É que notório é que Assistente e a sua esposa, após a identificação efectuada – apesar de a mesma não ter sido efectuada correctamente – passaram a não ter dúvidas – que até aí eram muitas – sobre a pessoa a acusar. Foi com base nesse reconhecimento indevido, efectuado à margem da lei e das regras processuais, que o Arguido veio a ser efectivamente julgado, sendo o mesmo nulo, o que inquina, de forma clara, toda a investigação e, ainda assim o julgamento efectuado

36. As declarações do Arguido, foram corroboradas por diversas testemunhas, na parte em que se refere ao local onde se encontrava em 22 de Novembro de 2013, o facto de o assistente conhecer o Recorrente, de existirem outros credores da empresa, e de este ter tentado, pela via de uma missiva que aquele enviou, solicitar o pagamento de valores devidos à sua companheira, o que terá levado à identificação do arguido nos autos (apenas assim se justifica).

37. Perante a ausência e/ou insuficiência de prova quanto aos factos imputados ao aqui Recorrente, o Tribunal estava impedido de dar como provada a matéria vertida nos Factos n.ºs 1., 2., 3., 4. e 5., e, consequentemente, de condenar A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física. E mesmo que assim se não entendesse – o que só por mera hipótese académica se admite –, perante as manifestas contradições que se verificaram entre, por um lado, as declarações dos queixosos, e por outro, as declarações do arguido, sempre estaríamos perante um dúvida inultrapassável que obrigaria o julgador a lançar do princípio do in dubio pro reo com vista a tomar uma decisão Justa e Legal, o que in casu não sucedeu.

38. Errou, portanto, o Tribunal no julgamento da matéria de facto ao dar como provada a matéria constante dos Factos 1., 2., 3., 4. e 5., no que ao Arguido A... reporta, porquanto interpretou incorrectamente a prova produzida em sede de julgamento, retirando dos depoimentos prestados pelas testemunhas de que se socorre para sustentar a condenação do aqui Recorrente factos que não correspondem à verdade como supra se expôs.

39. Não se provou que o Recorrente tenha participado na alegada agressão ao queixoso, sequer as dúvidas que surgiram nos autos e na discussão da causa, supra elencadas e discriminadas, permitiam o Juízo DE CERTEZA com que o Tribunal veio a decidir.

40. É manifesto o erro de julgamento do Douto Tribunal a quo, devendo a factualidade ser alterada nos termos supra expostos.

41, Nos termos do principio Constitucional do In Dubio Pro Reo, persistindo dúvidas sérias acerca da prova produzida em sede de Julgamento, as mesmas devem ser valoradas a favor do arguido, o que no caso dos presentes autos só poderia conduzir – é apodíctico! – a que não se julgassem provados os factos supra referidos e no que ao Recorrente dizem respeito, absolvendo-se assim o Arguido do crime de ofensa à integridade física.

42. A persistência de uma dúvida razoável, após a prova produzida em julgamento, ou ausência de qualquer convicção firme e capaz perante os depoimentos prestados, nunca o Tribunal a quo poderia deixar de fazer funcionar aqui, ao nível da valoração da prova, este princípio constitucional do In Dubio Pro Reo.

43. E, nem se argumente, que o Tribunal tem a possibilidade de poder lançar mão da faculdade que lhe é conferida pelo art. 127º do Código de Processo Penal, que prevê o seguinte: "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. "

44. Apesar de o julgador ser livre na apreciação da prova, este está sempre vinculado aos princípios em que se consubstancia o direito probatório, "pelo que a liberdade concedida se trata de uma liberdade de acordo com um dever, qual seja o de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controle." (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 23/04/1998, CJ, ano XXIII, Tomo II, pág. 60)

45. Mesmo que o Tribunal a quo se refugiasse no princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 127º do CPP, para ter decidido no sentido da condenação, nunca o poderia ter feito do modo como o fez, pois salvo o devido respeito, não foi feita prova suficiente e conclusiva que lhe permitisse, com base em critérios objectivos, apurar com certeza a verdade material dos factos.

46. Da conjugação dos vários depoimentos prestados em audiência de julgamento, não é possível determinar, sem margem para dúvidas, que o arguido participou na agressão física ao queixoso, sequer que este se encontrava junto à residência daquele no dia a que reporta a acusação.

47. Os factos já amplamente expostos e (a entender-se que deve prevalecer a condenação do Recorrente pelos crimes de ofensa à integridade física – o que só por mera hipótese académica se admite I), conduzem à inevitável consideração de que a pena concretamente aplicada ao Recorrente – uma pena de multa no valor de 980,00 € – é desajustada, desproporcionada e INJUSTA.

48. Note-se que não existe qualquer prova de que a "alegada agressão" tenha resultado numa ofensa concreta à saúde, sendo o alegado contacto físico praticamente inexistente, não existindo sequer uma lesão física efectiva (por não existir sequer relatório médico), pelo que nos parece estarem preenchidos os pressupostos para a dispensa de pena, nos termos do art. 74° nº 1 do CP

49. Sem nos debruçarmos exaustivamente quanto à apreciação feita pelo Tribunal de Leiria quanto aos elementos e circunstâncias definidoras da culpa do arguido, certo é que, pelo menos, quanto às suas condições pessoais e situação económica, o Tribunal errou, imputando ao Recorrente uma pena de multa que excede em muito a sua capacidade económico-financeira, atendendo às despesas mensais e custos que tem.

50. Como circunstância atenuante, temos uma integração social positiva e um comportamento posterior aos factos plenamente social e impoluto. Assim, e na definição da pena única, ponderada a gravidade do ilícito global, as condições pessoais e situação económica do Recorrente, a sua personalidade, a ausência de tendências para o crime, a sua actividade profissional e a integração social e familiar, a pouca acentuada necessidade de prevenção geral e especial, a vantagem da reintegração e ainda os demais factores elencados no artigo 71° do CP.

51. Sem prejuízo da peticionada absolvição do ilícito por que veio o aqui recorrente condenado, sempre deverá ser o mesmo absolvido dos PIC ou serem este reduzido no montante fixado, por excessivo.


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Em obediência ao estatuído no artigo 412° do Código de Processo Penal considerando que os pontos de facto incorrectamente julgados, os que deveriam ter sido dados por não provados, e os meios probatórios que impunham decisão diversa foram objecto de extensa especificação nas conclusões supra, cumpre ainda indicar

- As normas jurídicas violadas

Arts. 13º, n.º1, 18º, n.º 2, e 32º da Constituição da República.

Arts. 71.º, n.º 2, al. d), 74º e 143º, n.º 1 do Código Penal.

Arts. 127º, 147º e 348º do Código do Processo Penal.

- Os princípios jurídicos violados

Princípio da Legalidade, Princípio do Estado de Direito Democrático e Social, Princípio da Proporcionalidade e Adequação da Medida da Pena, Princípio da Livre Apreciação da Prova, Princípio da Presunção da Inocência, Princípio "dubio pro reo".

Nestes termos e nos melhores de Direito que VV. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, e, em consequência:

a) Absolver-se o recorrente da prática do crime em que veio condenado por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da sua aplicação face à peticionada alteração da matéria de facto dada como provada;

Mesmo que assim se não entenda;

b) Absolver-se o recorrente da prática do crime em que veio condenado, por aplicação do princípio do in dubio pro reo, por ausência, face à prova produzida, da necessária certeza que se impõe para efeitos de condenação.

Sempre, no que respeita ao peticionado em a) e b), se absolvendo, em consequência, o Recorrente do pedido de indemnização civil em que veio condenado;

Ou, caso assim se não entenda;

c) Ser o arguido, face aos factos, dispensado de pena por se encontrarem preenchidos os pressupostos para tanto, ou a pena de multa concretamente aplicada ao arguido reduzida, face à sua situação económica atento o disposto no art. o 70.º, n.º 2, al. d) do CP, e ainda ser reduzida a quantia em que veio condenado no pedido de indemnização civil formulado pelo assistente por se tratar de condenação em valor manifestamente excessivo, insustentado e arbitrário,

Assim fazendo VV Exas, Ilustres Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando, em síntese, que a sentença recorrida não padece de vícios decisórios, que a simples divergência quanto à convicção alcançada pelo tribunal a quo relativamente à decisão de facto, sem evidenciação de violação de regras da experiência comum, não permite a modificação pretendida, que não foi violado o princípio in dubio pro reo pois que foi correcta a valoração probatória efectuada pelo tribunal recorrido, que devem ser mantidos, a medida da pena e o quantitativo diário da multa, por respeitarem ambos os critérios legais aplicáveis, e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, afirmando a não verificação dos pressupostos da dispensa de pena, acompanhando a resposta do Ministério Público salvo no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa que entende dever ser fixado em € 9, e concluiu pelo parcial provimento do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade do reconhecimento;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo;

- A dispensa de pena;

- A excessiva medida da pena;

- O excessivo quantitativo diário da pena de multa.

- A excessiva indemnização fixada. 


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1. No dia 22 de Novembro de 2013, cerca das 10h00, na Avenida x (...) , junto ao n.º y (...) , em z (...) , quando o assistente B... saiu de casa para colocar lixo no contentor, foi abordado pelo arguido A... que, exibindo um objecto que pareceu ao assistente tratar-se de um dístico de identificação profissional, lhe perguntou, referindo-se a uma dívida do foro laboral da sociedade « D... , Lda.» para com a sua companheira, J... , se sabia que tinha sido condenado no pagamento da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

2. Acto contínuo, desferiu-lhe um murro no peito, causando-lhe dor e mal-estar físico na zona atingida.

3. Actuou livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente B... .

4. Sabia que essa sua conduta era proibida e punida por lei.

            5. Devido à surpresa da actuação do arguido, o assistente ficou nervoso e receoso com a situação vivenciada.

            6. Para a respectiva constituição como assistente, B... liquidou, a título de taxa de justiça, a quantia de € 102,00 (cento e dois euros).

            7. O arguido não tem averbados quaisquer antecedentes no respectivo certificado de registo criminal.

            8. É inspector da Polícia Judiciária, tendo estado em situação de baixa médica até há cerca de duas semanas, auferindo um salário mensal na ordem dos € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) líquidos.

            9. Tendo contraído matrimónio em 20-03-2017, vive com a esposa, empregada de restauração, a qual aufere um salário de valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida.

            10. Suportam a quantia mensal de cerca de € 500,00 (quinhentos euros) para pagamento da prestação atinente ao crédito bancário contraído para a aquisição de habitação.

            11. Têm outras despesas mensais cujo valor médio, incluindo o referido em 10, ascendem ao valor do vencimento do arguido.

            12. O arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.

            13. Em julgamento, negou sempre os factos que lhe vinham imputados.

            14. É tido por colegas de profissão como pessoa pacífica, equilibrada, confiável e bom colega.

            (…)”.

            B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

Sendo certo que, por apenas ter sobrevindo nova tomada de declarações ao arguido, iremos manter no essencial o que já fizemos constar da anterior sentença proferida a fls. 577 a 594, sabe-se, tal como ali salientámos, que a apreciação sobre a matéria de facto deve ser feita de acordo com o seguinte princípio estabelecido no artigo 127.° do Cód. Proc. Penal: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente».

Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-09-2014 (disponível, como todos os demais que venham a ser citados sem indicação expressa de fonte, em www.dgsi.pt, neste caso sob Processo n.º 5509/11.8TDPRT.P1), pode dizer-se, em termos simples e sintéticos, que «o princípio da livre apreciação da prova pretende exprimir a ideia de que no ordenamento jurídico que o acolhe, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada (portanto, não há regras de valoração probatória que vinculem o julgador, como acontecia no sistema da prova legal), pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com a livre convicção do julgador (também designada por íntima convicção). Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que em sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g. por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos de testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada».

Revertendo à situação dos autos, há que fazer notar que o tribunal se viu desde logo confrontado com a negação do arguido em relação aos factos pelos quais vinha acusado e pronunciado, argumentando inclusivamente que, no dia 22-11-2013, estaria na v (...) , em casa dos pais da sua então companheira (actual esposa), versão que foi corroborada pelo depoimento da testemunha E... , progenitora daquela.

Não acrescentando quaisquer dados novos em relação àquela que foi desde logo a sua versão, o arguido, na sequência da reabertura da audiência de julgamento, negou de igual modo a sobredita factualidade objecto da comunicada alteração não substancial dos factos, fazendo-o em termos que não se mostraram minimamente aptos a modificar a adiante reiterada percepção do tribunal acerca da falta de credibilidade dessa negação.

Com efeito, e em contraponto (aqui se regressando ao que já constava da antecedente sentença), tanto o assistente B... como a sua esposa, a testemunha C... , asseveraram que o arguido foi efectivamente o autor, nos exactos termos em que ali se mostram descritos, dos factos provados em 1 e 2, de que o assistente foi vítima e que a testemunha presenciou. 

Acresce que nenhuma outra testemunha revelou conhecimento directo sobre tais factos.

Num tal contexto de clara clivagem entre as versões em apreço, apresenta-se-nos como pertinente citar aqui as judiciosas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-10-2011 (proferido no âmbito do Processo n.º 260/09.1GAPNI.L1, do hoje extinto Tribunal Judicial da Comarca de Peniche, e ao que cremos não publicado), onde se faz notar que «na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade de provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões contraditórias, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável, não se determinando a “verdade” em função de qualquer critério contabilístico, nem sendo função do julgador encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, pois não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe, antes, a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos».

Munidos desse constatado ensinamento, a primeira nota de monta que importa deixar clara prende-se com a circunstância de o assistente e da sua esposa terem sido protagonistas de depoimentos muito circunstanciados, objectivos, convincentes e credíveis, não se lhes tendo denotado qualquer intuito persecutório em relação à pessoa do arguido, e muito menos que, tal como chegou a ser afirmado por este último, o seu desiderato seja tão-somente o de quererem «pedir mais dinheiro». 

Os depoimentos em apreço foram ainda coerentes entre si, sendo que a testemunha C... revelou inequívoco conhecimento directo sobre os factos em apreço, que presenciou a partir da janela da sua casa, tanto mais que, por ter constatado, momentos antes, a presença de um indivíduo suspeito a olhar para a sua residência, logo alertou o marido para esse facto, tendo em seguida ficado alerta quando este, a seu pedido, foi despejar o lixo ao contentor, dando-se então a agressão nos termos descritos no inciso 2 supra.

Acresce que, para além da assinalada fiabilidade dos contributos probatórios do assistente e da sua esposa, a relatada conduta do arguido não surge do vazio, encontrando antes pleno enquadramento, à luz das regras da experiência comum, na circunstância de o mesmo, sem que sinceramente se perceba porquê – sobretudo devido às funções que exerce enquanto inspector da Polícia Judiciária –, ter decidido, tal como admitiu, envolver-se directamente na tentativa de pagamento de uma dívida do foro laboral da sociedade « D... , Lda.» para com a sua companheira, J... .

Comprova-o o teor da missiva junta pelo próprio arguido a fls. 541, não tendo o mesmo conseguido explicar em termos minimamente plausíveis, quando instado a fazê-lo pelo tribunal, qual a pertinência de ter sido ele próprio a subscrever e a alegadamente remeter tal missiva ao assistente (que este nega ter recebido).

Mesmo que porventura se aceite que tenha sido o arguido a redigir a missiva em causa, por que razão não terá sido a companheira a subscrevê-la?

Tal aspecto demonstra, do nosso ponto de vista, e salvaguardando sempre o devido respeito por melhor entendimento, que o assunto em causa não só não era indiferente ao arguido (o que até aqui se compreende), como este sentiu a necessidade de preocupar-se activamente pela resolução do mesmo.

Ademais, e mesmo que nenhum desses outros factos possa ser imputado directa ou indirectamente ao próprio arguido – o que também cristalinamente decorre do teor da decisão instrutória proferida nos autos –, o certo é que existe profusa prova documental (maxime a fls. 13, 15, 17, 28, 107, 132, 151, 221-222, e 235 a 242) da qual emerge que o assunto em causa não estava apenas a ser tratado, digamos assim, pelas formas convencionais, mas com um cunho de clara pressão, incluindo através de publicidade. 

Não espanta assim que, num tal quadro, e mantendo-se em dívida o valor alegadamente devido pela empresa de que o assistente e a esposa também eram sócios registados (cfr. certidão de fls. 542 a 545), o arguido, na senda da sobredita participação activa na resolução da questão, tenha acabado por praticar os factos relatados por aqueles.

Tudo isto sendo ainda certo que, tal como acabou por ser admitido pelo próprio arguido, o mesmo já sabia, aquando da elaboração da missiva de fls. 541, que o assistente e a esposa não tinham bens penhoráveis.

Aliás, se repararmos bem no teor daquela missiva, datada de 11-11-2013 (escassos onze dias antes da ocorrência dos factos), constataremos que a participação do arguido não se terá ficado pela elaboração e alegada expedição da mesma, na medida em que ali refere, além do mais, «já ter verificado pessoalmente que as casas utilizadas pela empresa D... como escritórios e moradas de contacto se encontram devolutas», o que confirma a já sublinhada participação activa do arguido na resolução do assunto em referência.

Na defluência de todo o exposto, não nos impressiona que a testemunha E... , progenitora da companheira do arguido, tenha corroborado a versão deste no sentido de, no dia 22-11-2013, se encontrar na v (...) , sendo fácil inferir o comprometimento da mesma com aquela versão que, de resto, não foi sustentada por qualquer outro elemento probatório.

Mas há um aspecto em que o depoimento da identificada testemunha assumiu relevo e que se prende com a circunstância de afirmar que o arguido tem um veículo automóvel da marca « Q (...) », de cor vermelha, já antigo.

Ora, tanto o assistente como a sua esposa afirmaram, convictos, que na ocasião descrita nos incisos 1 e 2 dos factos provados, o arguido se fez deslocar, precisamente, num veículo de cor vermelha, já ressequida pelo sol, tendo ainda o assistente referido que, embora não tendo conseguido aperceber-se da respectiva matrícula na íntegra, da mesma faziam parte, embora sem aí afirmar certeza absoluta, as letras EP ou PE, o que, a nosso ver, não contradiz de forma clara a informação de fls. 546-547, da qual emerge ter o arguido registada em seu nome a propriedade do veículo com a matrícula (...) EV, de cor encarnada e com o respectivo registo reportado a 15-09-2003.

Não desconhecemos que, para além do arguido, também as testemunhas F... , G... e H... , ex-colegas de trabalho da companheira daquele nos viveiros pertencentes à sociedade já identificada, referiram que era hábito o primeiro ali ir buscar a companheira, sendo que por vezes lá se encontrava o assistente.

Perante essa circunstância, o arguido tentou fazer crer ao tribunal que o assistente conhecia o veículo, não dos factos que relatou, mas dessas ocasiões.

Sucede que, recorrendo de novo às máximas da experiência, não cremos que em tais ocasiões fosse plausível estar-se o assistente a preocupar em olhar para a matrícula da viatura, ao invés do que sucedeu na situação objecto dos autos, nessa sim plenamente compreensível que lhe tenha assistido tal preocupação.

Aqui chegados, não nos inibimos de enfrentar a questão suscitada pela Ilustre mandatária do arguido em sede de alegações orais relativamente à circunstância de a identificação do arguido ter sido levada a cabo, em sede de inquérito, apenas com base em fotografias (cfr. fls. 126), o que não constitui um verdadeiro reconhecimento.

A esse propósito, importa apenas salientar que, como vem sendo jurisprudencialmente entendido de forma ao que cremos claramente maioritária, é admissível e amplamente valorável à luz do já citado artigo 127.º do Cód. Proc. Penal o depoimento do ofendido na parte em que, em audiência de julgamento, nomeia o(s) arguido(s) como autor(es) dos factos de que foi vítima (devendo para isso distinguir-se a “identificação atípica” do autêntico “reconhecimento de pessoas” a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma), desde que, como inquestionavelmente se verifica in casu face a todas as considerações já expendidas, esse depoimento seja necessariamente acrescido por outras provas que, conjugadas com ele, tenham a virtualidade de gerar uma justa e adequada segurança e certeza jurídica (neste sentido, vide, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2011, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2013 e do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2013: respectivamente, Processos n.ºs 82/08.7SFPRT.P1, 967/10.0GAMTA.L1-3 e 934/10.4PBSTR.E1).

Eis por que, na defluência de todo o exposto, afirmamos, para além de qualquer dúvida razoável, o juízo probatório positivo que incide sobre os factos provados em 1 e 2 e nos quais assenta, através de um mero processo de inferência lógica, a demonstração dos factos provados em 3 e 4.

O facto provado em 5 beneficiou outrossim dos contributos probatórios corroborantes do assistente e da sua esposa.

Quanto ao facto provado em 6, atentou-se nos documentos de fls. 144 e 145.

Relativamente à ausência de antecedentes criminais por parte do arguido (facto provado em 7), relevou o certificado de registo criminal de fls. 540, ao passo que os factos provados em 8 a 14, atinentes à sua situação pessoal e profissional, emergiram das declarações que, a propósito dos mesmos, por ele foram prestadas sem que, nessa parte, se nos tenham suscitado quaisquer objecções, tanto mais que, quanto ao facto provado em 14, foram acompanhadas, de forma genuína e credível, pelos depoimentos das testemunhas I... e M..., seus colegas de trabalho.

Em relação à antecedente sentença, apenas há a registar que o arguido transmitiu agora ter entretanto contraído matrimónio em 20-03-2017 e ter cessado a situação de baixa médica na semana anterior àquela em que prestou as declarações documentadas a fls. 806 a 808, actualizando por isso a informação relativa ao vencimento mensal que aufere (e já não o subsídio por doença) e especificando ainda um pouco melhor qual o valor global médio das despesas do agregado familiar, tudo factos que, por mais uma vez não nos oferecerem reservas, decidimos acrescentar/actualizar na presente sentença.

(…)”.

C) E dela consta a seguinte fundamentação quanto à determinação da medida concreta da pena:

            “ (…).

            Enquadrada a conduta do arguido da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação da medida da pena a aplicar em concreto, sabendo-se que o crime de ofensa à integridade física simples é abstractamente punível com pena de prisão entre 1 mês e 3 anos ou com pena de multa entre 10 e 360 dias – artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 143.º, n.º 1, todos do Código Penal.

            Ora, à luz do disposto no artigo 70.º, ainda do Código Penal, sendo em alternativa aplicáveis pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência à segunda, quando entenda que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

            Por outro lado, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2), sendo certo que, dentro dessa medida, há que intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

            A pena concreta fixar-se-á, desse modo, entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.


**

V.1 – Determinação da natureza da pena:

Atentando em primeiro lugar no disposto no citado artigo 70.º do Código Penal, importa ter presente que a escolha da pena é exclusivamente determinada por considerações de natureza preventiva, devendo tão-somente o tribunal ponderar a esse propósito as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição actualizada Universidade Católica Editora, 2015, p. 357).

Assim, e em primeiro lugar, assumem evidente importância as exigências de prevenção geral, atenta sobretudo a recorrência da prática do crime em causa, cuja punição visa tutelar um bem jurídico – integridade física – de extremo relevo, como o demonstra a respectiva consagração constitucional (artigos 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). 

            No que por seu turno respeita às razões de prevenção especial de socialização, elas são claramente mitigadas, desde logo porque ao arguido não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais, estando integrado do ponto de vista familiar e laboral e nada havendo que desabone ao nível da respectiva integração social.

            Como assim, e sem embargo dos sinais de alerta que podem porventura surpreender-se na negação dos factos e na inerente ausência de atitude crítica em face da respectiva prática, é inequívoca a opção por pena de multa.


**

V.2 – Determinação da medida concreta da pena de multa:

Vejamos agora as circunstâncias acidentais de doseamento da pena exemplificativamente plasmadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

- O grau de ilicitude dos factos, que se situa em patamar inferior a mediano, atendendo aqui sobretudo às consequências físicas que da demonstrada conduta do arguido advieram para o assistente;

            - A intensidade do dolo, que foi directo;

- O que já se disse quanto à ausência de antecedentes criminais e aos graus de integração laboral, familiar e social; e

- O que também já frisámos quanto à ausência de juízo crítico face à sua demonstrada conduta.

Destarte, temos por adequado cominar-lhe uma pena de 80 (oitenta) dias de multa.


**

V.3 – Determinação da taxa diária da pena de multa a cominar ao arguido:

            No que tange ao quantitativo diário da pena de multa a cominar ao arguido, rege o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, à luz do qual «[c]ada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-06-2009 (Processo n.º 122/07.7GCACB.C1), entendemos que «[a] dignificação da multa (…) exige que a mesma tenha efectivo conteúdo sancionatório, sem o que não poderá realizar as finalidades que lhe competem de protecção de bens jurídicos e de prevenção especial. Para esse efeito, importa que o montante da multa seja fixado de forma a ser sentido como uma verdadeira pena que é, constituindo, por isso, um sacrifício real para o condenado».

Como assim, atendendo à situação económica e financeira, assim como aos encargos pessoais do arguido que decorrem dos incisos 8 a 11 dos factos provados, afigura-se-nos adequado fixar aquele quantitativo diário em € 12,00 (doze euros).

(…)”.


*

            Questão prévia

            O recorrente repetiu, ipsis verbis, nas conclusões 3 a 7 o que no anterior recurso, interposto da anulada sentença de 6 de Maio de 2016, havia levado às conclusões 4 a 8, de novo suscitando, nos mesmos precisos termos, a questão da nulidade da sentença por violação do disposto no art. 358º do C. Processo Penal.

            Supomos tratar-se de mero lapso. Todavia, prevenindo erro de interpretação quanto a esta nossa suposição, sempre diremos que a sentença ora em recurso cumpriu integralmente o determinado no acórdão da Relação de 8 de Fevereiro de 2017, tendo comunicado os novos factos não descritos na pronúncia, relativamente aos quais o recorrente exerceu, aliás, o contraditório, produzindo prova em audiência [as suas próprias declarações].

           

Assim, e sem necessidade de mais considerações, concluímos que a sentença em crise não enferma da apontada nulidade.


*

            Da nulidade do reconhecimento

            1. Alega o recorrente – conclusões 34 e 35 – que a queixa apresentada pelo assistente o foi contra incertos, tendo sido por este reconhecido com base em fotografia, sem que, posteriormente, tenha sido feito o reconhecimento presencial pelo que, tendo a investigação partido deste pressuposto e tendo-o o assistente identificado em julgamento considerando a dita fotografia, existe nulidade da prova por reconhecimento, que inquina a restante prova produzida.

            Vejamos.

            O reconhecimento é um meio de prova especificamente previsto no C. Processo Penal, que se traduz em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto, servindo para confirmar um elemento de prova já admitido (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Edição, 2002, Editorial Verbo, pág. 194). Trata-se de um meio de prova autónomo relativamente aos demais, v.g., às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas, e pré-constituído, que tem tanto maior consistência probatória, quanto mais próximo estiver do acontecimento percepcionado e daí que, normalmente, ocorra no âmbito do inquérito.

            Enquanto meio de prova, pela sua natureza, o reconhecimento pode traduzir alguma fragilidade e por isso, para evitar o erro, a lei sujeita-o à observância estrita de determinados formalismos, sob pena de não poder ser valorado. Reconheça-se, no entanto, que a questão da falibilidade desta prova é comum a outros meios, designadamente, à prova testemunhal, com a qual, aliás, o reconhecimento não deixa de ter alguma afinidade [comungam o processo mental da memória empírica transformada em informação].

O art. 147º do C. Processo Penal trata do reconhecimento de pessoas. Nele podemos distinguir três modalidades: o reconhecimento por descrição ou intelectual, o reconhecimento presencial e o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação.

O reconhecimento por descrição (nº 1 do artigo referido), inicia sempre o procedimento do reconhecimento e consiste em solicitar a quem deve fazer a identificação que descreva a pessoa a identificar, com toda a pormenorização que recorda, sendo-lhe depois perguntado se já tinha visto a pessoa a identificar e em que condições, e sendo finalmente questionada sobre outros factores que possam influir na credibilidade da identificação. Aqui, não existe contacto visual entre a pessoa que deve fazer a identificação e a pessoa a identificar.

            O reconhecimento presencial (nºs 2 e 3 do mesmo artigo) tem lugar quando a identificação realizada através do reconhecimento por descrição não for cabal – e ela só o será se «satisfizer o critério probatório da fase processual em que o reconhecimento teve lugar» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 416). O reconhecimento presencial deve obedecer aos seguintes passos: na ausência da pessoa que deve efectuar a identificação, são escolhidos, pelo menos, dois cidadãos, que apresentem as maiores semelhanças possíveis – físicas, fisionómicas, etárias, bem como, de vestuário – com o cidadão a identificar; depois, o cidadão a identificar é colocado ao lado daqueles outros e, se possível, deve apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido visto pela pessoa que deve proceder ao reconhecimento [tal só não será possível no caso de uma alteração fisionómica irreversível]; chamada a pessoa que deve efectuar a identificação e colocada diante do grupo onde se encontra o cidadão a identificar – caso existam razões para crer que a pessoa que deve efectuar a identificação pode ser intimidada ou perturbada com a realização do reconhecimento, deve a mesma poder ver e ouvir o cidadão a identificar mas não deve por este ser vista nem ouvida [reconhecimento presencial protegido] –, depois de ter observado os seus elementos, é perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual, sendo perguntas e respostas – estas e qualquer outra que porventura, tenha sido efectuada – registadas no auto respectivo.

O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação, como a própria designação deixa intuir, é o que é feito através da exibição de fotografias ou filme ou a passagem da gravação, à pessoa que deve efectuar a identificação. Sendo positiva a identificação, este tipo de reconhecimento só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento presencial (nº 5 do mesmo artigo) o que, na prática, lhe retira qualquer autonomia probatória, já que, sem aquele, não passará de mero indício.

O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7 do mesmo artigo). Trata-se, portanto, de uma proibição de valoração de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão.

2. Revertendo para o caso concreto, na Participação de fls. 20 e verso, datada de 22 de Novembro de 2013 e assinada pelo assistente, este declarou que pelas 10h do mesmo dia, na via pública, junto à sua residência, foi abordado por um indivíduo com cerca de 40 anos, usando óculos graduados e cerca de 1,65 cm, que lhe disse ser marido da J... e que tinha que colocar na sua conta € 35.000, que tinha sido condenado a pagar pelo Tribunal de Trabalho por ser sócio da L..., que se não o fizesse teria problemas sérios, deu-lhe um murro no peito e abandonou o local num Q (...) vermelho, lembrando-se o participante de que na L... , empresa insolvente de que o seu filho era sócio e gerente, trabalhou uma cidadã chamada J... que dizia namorar com um agente da Polícia Judiciária.

Atento o teor da participação, se é verdade que o assistente não identificou o recorrente indicando o seu nome, não só fez uma descrição física bastante precisa e caracterizadora de quem o interpelou, como desde logo o relacionou com uma determinada ex-trabalhadora de uma empresa de familiar seu, não sendo, decerto por acaso, que se lembrou de mencionar a qualidade profissional do namorado daquela, coincidente, aliás, com a do recorrente.

Por outro lado, no Auto de Denúncia de fls. 2 e verso – repetido a fls. 10 e verso – datado de 12 de Dezembro de 2013 e assinado pelo assistente, este identifica o indivíduo que o interpelou 22 de Novembro de 2013, dando origem à participação com a mesma data, na sequência de diligências por si feitas, como sendo o cidadão A... , agente da Polícia Judiciária do departamento de k (...) , na altura, de baixa médica, residente em k (...) .

O recorrente foi constituído arguido em 8 de Abril de 2014 e na mesma data, fotografado, conforme fls. 126 e verso.

Em 11 de Junho de 2014 o assistente e a testemunha C... visualizaram as referidas fotografias e declararam reconhecer o recorrente como sendo a pessoa que praticou os actos participados.

Não obstante a singularidade da situação descrita – o assistente descreveu fisicamente um cidadão como autor dos factos participados, cujo nome desconhecia mas sabia que namorava com uma ex-funcionária da empresa do filho e era agente da Polícia Judiciária e, poucos dias depois, por diligências próprias, trouxe aos autos o nome do cidadão denunciado –, o facto de o recorrente ter sido fotografado no acto de constituição de arguido, em 8 de Abril de 2014 e de, em 11 de Junho de 2014, o assistente e a identificada testemunha, na respectiva inquirição, após visualização de tais fotografias, o ter terem identificado positivamente, mesmo que possa ser considerado como um reconhecimento fotográfico, não se lhe tendo seguido um reconhecimento presencial, determina que aquele não possa ser valorado probatoriamente sendo, portanto, interdita a sua valoração probatória (nº 7 do art. 147º do C. Processo Penal).

Aqui chegados, cumpre desde logo notar que o reconhecimento fotográfico, enquanto meio proibido de prova, não como categoria abstracta, mas antes, como realidade do caso concreto, o que vale dizer que só assume relevância se e quando tenha sido usado pelo juiz para formar a sua convicção probatória.

Ora, lida a sentença recorrida e, em particular, a sua motivação de facto, em lado algum da mesma o Mm. Juiz a quo convocou, chamemos-lhe assim, «reconhecimento fotográfico» composto por fls. 126 e verso e os autos de inquirição do assistente e da testemunha, de fls. 137 e 136, respectivamente. Com efeito, o que na motivação de facto foi afirmado se lê é que «tanto o assistente B... como a sua esposa, a testemunha C... , asseveraram que o arguido foi efectivamente o autor, nos exactos termos em que ali se mostram descritos, dos factos provados 1 e 2, de que o assistente foi vítima e que a testemunha presenciou» daqui resultando, inequivocamente, que o Mmo. Juiz a quo se referia às declarações do assistente e ao depoimento da testemunha, umas e outro prestadas perante si, na audiência de julgamento.

E, a este propósito ainda, acrescentou o Mmo. Juiz a quo: «Aqui chegados, não nos inibimos de enfrentar a questão suscitada pela Ilustre mandatária do arguido em sede de alegações orais relativamente à circunstância de a identificação do arguido ter sido levada a cabo, em sede de inquérito, apenas com base em fotografias (cfr. fls. 126), o que não constitui um verdadeiro reconhecimento. A esse propósito, importa apenas salientar que, como vem sendo jurisprudencialmente entendido de forma ao que cremos claramente maioritária, é admissível e amplamente valorável à luz do já citado artigo 127.º do Cód. Proc. Penal o depoimento do ofendido na parte em que, em audiência de julgamento, nomeia o(s) arguido(s) como autor(es) dos factos de que foi vítima (devendo para isso distinguir-se a “identificação atípica” do autêntico “reconhecimento de pessoas” a que alude o artigo 147.º do mesmo diploma), desde que, como inquestionavelmente se verifica in casu face a todas as considerações já expendidas, esse depoimento seja necessariamente acrescido por outras provas que, conjugadas com ele, tenham a virtualidade de gerar uma justa e adequada segurança e certeza jurídica (neste sentido, vide, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2011, do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2013 e do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2013: respectivamente, Processos n.ºs 82/08.7SFPRT.P1, 967/10.0GAMTA.L1-3 e 934/10.4PBSTR.E1).».

Assim, ainda que, aparentemente, a Ilustre Mandatária do recorrente não tenha invocado a existência de um qualquer reconhecimento feito em audiência de julgamento ao arrepio das normas aplicáveis a este meio de prova, mas apenas, a proibição de prova do reconhecimento fotográfico, certo é que, como vem sendo entendimento uniforme, a prova por reconhecimento é uma prova autónoma, sujeita ao regime do art. 147º do C. Processo Penal e com valor probatório próprio, que não se confunde com a prova por declarações, sejam estas, de assistente, de testemunha ou de outro interveniente processual, prestadas em audiência de julgamento, no decurso das quais o respectivo declarante proceda à identificação do autor dos factos (cfr. entre outros, acórdãos da R. de Coimbra de 10 de Setembro de 2014, processo nº 1440/08.2TACBR.C1, de 18 de Junho de 2014, processo nº 26/09.9GASPS.C1, de 3 de Julho de 2013, processo nº 96/11.0JALRA.C1 e de 16 de Fevereiro de 2011, processo nº 217/09.2PEAVR.C1, da Relação de Lisboa de 14 de Janeiro de 2014, processo nº 76/10.2GTEVR.L1-5 e da Relação do Porto de 13 de Setembro de 2017, processo nº 1075/13.8PBMTS.P1 e de 20 de Maio de 2015, processo nº 198/12.5GAVFR.P1, todos in www.dgsi.pt). Na verdade, quando ao assistente ou a uma testemunha, ofendido ou não, é solicitada a confirmação de ser o arguido presente na audiência é o autor do crime, não estamos perante um reconhecimento de pessoas presencial, mas apenas e só perante um depoimento (cfr. Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 615).

Em conclusão, não tendo sido probatoriamente valorado o pretendido reconhecimento fotográfico do recorrente, não foi desrespeitada a proibição de valoração de prova prevista no art. 147º, nº 5 do C. Processo Penal.

Aliás, como nota final, diremos ainda que fica por perceber a razão de ser da questão suscitada, quando o próprio recorrente, na conclusão 32 – e mais desenvolvidamente, no corpo da motivação – afirma que o assistente já o conhecia por o ter visto várias vezes, nas suas deslocações frequentes à sede de D... , onde ia buscar a companheira. 


*

            Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto e a violação do princípio in dubio pro reo

            3. Alega o recorrente – entre outras, conclusões 10 a 20, 24 a 30, 37 e 38 – que o tribunal a quo exorbitou a prova apresentada ao dar como provados factos sem prova suficiente para tanto, errando no julgamento dos pontos 1 a 5 dos factos provados ao, perante duas versões contraditórias, optar por valorar as declarações do ofendido e da testemunha C... , sua mulher, em detrimento das suas [do recorrente] declarações, quando foi notório, contrariamente ao entendimento do Mmo. Juiz, que as declarações daqueles foram preparadas e ajustadas às suas pretensões, sendo certo que não existe nos autos relatório médico que corrobore a agressão de que o assistente diz ter sido vítima e que aqueles produziram depoimentos contraditórios e inverosímeis, sendo ainda de lamentar que o Mmo. Juiz apenas tenha considerado o depoimento da testemunha E... quanto às características do seu [do recorrente] automóvel e já não, quando asseverou que no dia dos factos, o recorrente se encontrava na v (...) , não se percebendo ainda por que razão não valorou o tribunal os depoimentos das testemunhas F... , G... e H... , impondo-se, por estas razões, a modificação da decisão de facto e a sua absolvição.

            Vejamos se lhe assiste ou não, razão.

O recurso da matéria de facto foi concebido pelo legislador como um remédio para sanar o que considera excepcional no julgamento da 1ª instância, o erro na definição do facto e por isso, não deve ser encarado como um novo julgamento, tal como se o acontecido no tribunal recorrido não tivesse tido lugar. Assim, compete ao recorrente e apenas a este, a indicação precisa do erro ou dos erros que entende terem sido cometidos, devendo para tanto – art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal – observar o ónus de uma tripla especificação: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da decisão e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio].

Acresce a este ónus uma outra exigência, quando as concretas provas especificadas sejam prova por declarações, gravada, caso em que as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, com a concreta indicação das passagens em que o recorrente funda a impugnação (nº 4 do art. 412º do C. Processo Penal).

Formalmente, todas estas especificações devem constar ou poder ser deduzidas das conclusões do recurso (art. 417º, nº 3 do C. Processo Penal).

Não basta, porém, para a procedência da impugnação portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal isto é, não basta contrapor à convicção do juiz outra convicção diversa. É que o tribunal decide, com ressalva da prova tarifada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes], sendo por isso necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida, o que significa ser necessária a demonstração de que a convicção expressa na motivação de facto da sentença quanto aos pontos de facto impugnados, é impossível e/ou desrazoável.

A demonstração da imposição de decisão diversa recaí também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 1135).

4. Aqui chegados, atentemos no recurso interposto.

O recorrente identificou cada um dos factos que considera incorrectamente decididos pelo tribunal a quo – os pontos 1 a 5 dos factos provados – e apoiou a sua divergência quanto à decisão na errada avaliação da prova produzida feita pelo mesmo tribunal designadamente, por ter valorado as declarações do assistente e o depoimento da testemunha C... , em detrimento das suas próprias declarações e do depoimento da testemunha E... , tendo transcrito no corpo da motivação segmentos, extensos, das declarações do assistente e do depoimento da testemunha C... , tendo, apenas, feito sínteses de partes que considerou relevantes, dos depoimentos das testemunhas E... , F... , G... e H... , e tendo ainda transcrito um segmento do depoimento da testemunha I... .

Ciente de que a convicção do Mmo. Juiz a quo assentou, no que à prova por declarações respeita, nas declarações do assistente e no depoimento da testemunha C... , e que esta prova foi decisiva, embora não única, para a formação daquela convicção, o que o recorrente ensaiou foi o derrube da credibilização feita destas declarações e depoimento, apontando-lhes o que, no seu entender, são contradições, inconsistências e incongruências, impeditivas da valoração feita pelo tribunal tais como, i) os discursos preparados de assistente e testemunha, que situaram os factos no mesmo ano, mas no ano errado ii) a tentativa de se afastarem da sociedade D... , Lda. iii) a circunstância de, tendo ambos visto uma pessoa suspeita na rua e, ainda assim, vão ter com ela.

Convocou ainda os depoimentos das testemunhas para contraditar aquelas declarações e aquele depoimento, designadamente, o depoimento da testemunha I... para afastar o afirmado avistamento de um cartão verde da Polícia Judiciária, e os depoimentos das testemunhas F... , G... e H... para afastar o afirmado alheamento da sociedade D... , Lda. e o afirmado desconhecimento da pessoa do recorrente, como também afirmou a inexistência nos autos de qualquer relatório médico que corrobore as agressões de que o assistente diz ter sido vítima e ser praticamente impossível que a testemunha C... , colocada num 1º andar, a cerca de 3 metros de altura, e a cerca de 30 metros do local onde terão acontecido aquelas agressões, o [recorrente] pudesse ter identificado como presente nesse local e, consequentemente, autor da agressão.

Argumentou ainda o recorrente que o assistente sabia perfeitamente quem era e mesmo assim, apresentou queixa contra desconhecidos, queixa para a qual não vê outra explicação que não seja a circunstância de ter, tempos antes, remetido uma carta àquele, solicitando o pagamento da quantia que a D... , Lda. ficou a dever à sua companheira, como, aliás, ficou a dever a outros trabalhadores, carta que enviou apenas na qualidade de companheiro de antiga trabalhadora da empresa e não, como agente da Polícia Judiciária, como, indevidamente, se extrapola na sentença recorrida.        

De tudo isto resulta que na impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelo recorrente não foram definidos verdadeiros erros de julgamento, erros na definição do facto, considerados estes no sentido de se ter considerado provado certo facto sem que tenha sido feita prova do mesmo – seja porque nenhum meio de prova produzido o teve por objecto e não existe regra de normalidade que o permita inferir, seja porque o meio de prova invocado na decisão para o suportar aponta no sentido inverso [exemplificando: indica-se na motivação de facto da sentença que o facto X resultou provado por ter sido afirmado pela testemunha A, quando, ouvido o registo gravado do depoimento desta, a testemunha não se pronunciou sobre tal facto ou disse coisa diversa ou mesmo, oposta, dele] – e de se ter considerado como não provado certo facto quando, perante a prova produzida e/ou as regras da normalidade, deveria ter sido considerado provado, na medida em que o que contesta é a valoração feita pelo tribunal a quo quanto aos meios de prova em que suportou a sua convicção e fá-lo, contrapondo a sua própria valoração de toda a prova produzida e portanto, a sua valoração dos factos, à feita pelo Mmo. Juiz recorrido, assim deslocando a questão para o campo de confrontação de versões e de credibilidade e, necessariamente, para o âmbito da apreciação e valoração da prova.

Nesta matéria dispõe o art. 127º do C. Processo Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, assim definindo o princípio da livre apreciação da prova.

A lei dispõe diferentemente, nos casos de prova legal, como sucede, designadamente, com a prova pericial (cfr. art. 163º, nº 1 do C. Processo Penal). Já as regras da experiência, na lição de Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, II, pág. 30), são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade ou, dito de outra forma, são regras que exprimem aquilo que sucede na maior parte dos casos semelhantes (cfr. Santos Cabral, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, Julgar, 17, Maio – Agosto de 2012, pág. 24).

A apreciação da prova é tarefa que compete exclusivamente à entidade que julga, mas a livre convicção que constitui o seu elemento nuclear, não significa que o julgador a possa valorar orientado por um convencimento exclusivamente subjectivo. A valoração da prova não é mero arbítrio, antes exige do juiz uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos declarantes e depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.

No desempenho desta tarefa, para além da actividade meramente cognitiva, concorrem elementos subjectivos, v.g., intuição do julgador (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, 2004, Coimbra Editora, pág. 205), devendo resultar da sua conjugação uma convicção, ainda assim, objectivável e motivável, únicas características que permitem que a decisão se imponha, dentro e fora do processo.

A convicção probatória será então o fruto da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida perante o tribunal [relevando quanto a ela, designadamente, a razão de ciência de declarantes e depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, os sinais e reacções comportamentais revelados, e a coerência do seu raciocínio].

A conjugação dos meios de prova, especialmente, dos meios de prova por declarações, só pode ser realizada, no grau desejável, através da imediação e da oralidade da prova. Somente o contacto directo do julgador com a prova, o coloca nas condições ideais para proceder, primeiro, à sua avaliação individual, e depois, à sua avaliação global e daí retirar a sua convicção.

O princípio da livre apreciação da prova vigora em todas as instâncias que conhecem de facto mas na fase do recurso, a sua aplicação esbarra com dificuldades acrescidas, devido à substancial diferença entre a valoração da prova por declarações que pode ser feita pela 1ª instância e a apreciação que sobre ela pode ser feita pelo tribunal de recurso, limitado que está, este, à audição – mais raramente, à visualização – das passagens concretamente indicadas pelos intervenientes processuais e de outras, que eventualmente considere relevantes. Por ser este o procedimento a observar – audição dos registos gravados –, as limitações que dele decorrem determinam que o tribunal ad quem não possa apreender parte substancial dos elementos enunciados, impossíveis de captar, ao menos na sua plenitude, no registo áudio, elementos que, no entanto, foram, ou podiam ter sido, apreendidos, interiorizados e valorados, na sua globalidade, por quem os presenciou ou seja, pelo juiz do julgamento. Esta, portanto, a razão fundamental para que, como vem sendo entendido, quando a 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova por declarações, fundando a opção tomada na imediação, a Relação só a deva censurar, quando seja feita a demonstração de que a opção tomada carece de razoabilidade ou viola as regras da experiência comum.

Atentemos agora, nas questões suscitadas na argumentação do recorrente.

a. Começando pela razão apontada pelo recorrente para a queixa apresentada, não vemos como possa a mesma ser consequência da carta que enviou ao assistente, solicitando o pagamento da quantia que a sociedade D... , Lda. devia à sua [do recorrente] companheira pois, como é evidente, a ser devida tal quantia, não seria a apresentação da queixa que impediria a sua cobrança, mesmo que pela via judicial.

A este propósito, cabe ainda referir que não descortinámos na sentença recorrida qualquer extrapolação no sentido de ter o recorrente actuado na qualidade de agente da Polícia Judiciária quando escreveu a carta que enviou ao assistente, mas apenas o registo da perplexidade do Mmo. Juiz a quo por ter o recorrente, ciente da sua qualidade profissional e, naturalmente, do que ela representa para o cidadão comum, entendido por bem envolver-se na tentativa de cobrança da dívida da companheira.

b. Relativamente à combinação, incongruências e contradições das declarações do assistente e do depoimento da testemunha C... , dando por certo que a transcrição dos segmentos daquelas declarações e depoimento, feita pelo recorrente no corpo da motivação, tem plena correspondência com a respectiva gravação, começaremos por notar que, sendo verdade que ambos, assistente e testemunha, situaram os acontecimentos no dia 22 de Novembro de 2014, quando eles, de acordo com o ponto 1 dos factos provados, terão ocorrido no dia 22 de Novembro de 2013, o erro de ambos quanto ao ano é explicável pela circunstância de o julgamento ter tido lugar cerca de dois anos e meio depois da ocorrência dos factos. A precisa coincidência do erro é, por outro lado, explicável pela circunstância de assistente e testemunha serem reciprocamente casados, com a inerente e quase inevitável troca de impressões sobre o sucedido.

Não será pois, por esta razão, que se pode concluir, sem mais, pelo ajustamento prévio das declarações de assistente e testemunha, como ponto de partida para a pressuposta falta à verdade, das mesmas.

Sendo verdade que o assistente, no seguimento de perguntas do Mmo. Juiz a quo sobre quem era a J... referida pelo indivíduo que o tinha interpelado, exigindo o pagamento da dívida, disse que era uma senhora que trabalhava na empresa D... que era do seu filho, e que não tinha nada a ver com essa empresa, nem tinha conhecimento da dívida, veio depois, a perguntas do seu Ilustre Mandatário e da Ilustre Mandatária do recorrente, a admitir ter sido, bem como a sua mulher, sócios ‘no papel’ da sociedade, acrescentando que nunca foi gerente, não ia a reuniões, nada sabia de pagamentos e recebimentos, e reconhecendo que ia esporadicamente às instalações da sociedade, daí conhecendo a referida J... a quem ouviu dizer que o namorado era da Judiciária, e que podia ser conhecido dos trabalhadores da empresa.

Assim, o assistente, se não foi, inicialmente, completamente transparente quanto à sua relação com a identificada sociedade, veio a clarificar a situação.

Vem ainda a propósito referir a questão da forma como se identificou o indivíduo que abordou o assistente.

O recorrente, em argumentação, alegou, que o assistente viu um cartão verde e sabia que era da Polícia Judiciária, não tendo tido, no entanto, tempo para ler o que constava do cartão o que, a ser assim, constituiria manifesta contradição.

Sucede que, com ressalva do respeito devido por diversa opinião, não é isso o que resulta das declarações do assistente. Na verdade, a perguntas do Mmo. Juiz, afirmou «(…) desse carro saí este senhor, que se direccionou a mim e antes de chegar ao pé de mim, na proximidade, identificou-se com um pequeno cartão como sendo elemento da Judiciária, (…)» e mais adiante, a perguntas da Ilustre Mandatária do recorrente, afirmou «(…) Não que ele identificou-se com um pequeno cartão preso com um fio ao pescoço, um cartão de cor esverdeada, não deu tempo de ver porque voltou a arrumá-lo dentro da roupa.(…)», esclareceu de seguida que não tendo visto o que estava escrito no cartão exibido, sabia que quem o interpelava era da Polícia Judiciária porque tinha ouvido dizer à J... que o namorado era desta polícia.  

Deste modo, ainda que de forma não completamente clara, o que o assistente pretendeu significar foi que, tendo sido abordado por alguém que lhe exigiu o pagamento da dívida a uma trabalhadora e tendo ouvido dizer a esta que o namorado era da Polícia Judiciária, a exibição por aquele de um cartão que não conseguiu ler, levou-o a supor tratar-se do referido namorado e de um cartão de identificação da dita polícia.

E nada mais do que isto consta, em bom rigor, do ponto 1 dos factos provados [(…) exibindo um objecto que pareceu ao assistente tratar-se de um dístico de identificação profissional (…)] o que torna, por outro lado, irrelevante o depoimento da testemunha I... , na parte em que precisou que há uma carteira própria para pendurar ao pescoço para colocar o cartão de identificação da polícia que «(…). É azul e amarelo. É o símbolo da Polícia Judiciária.».

c. Relativamente à circunstância de, tendo assistente e testemunha sinalizado a existência de uma pessoa suspeita na rua e, ainda assim, o assistente vai ter com ela, ao arrepio das regras da experiência cremos, desde logo, não ser segura a existência da mesma. É que, razões existem que poderiam determinar o assistente a assim ter actuado, designadamente, por não temer aquele a presença de tal pessoa no local e pretender esclarecer a que se devia tal comportamento.

Por outro lado, das declarações do assistente o que resulta é que foi alertado pela mulher da presença de um indivíduo na rua, nas proximidades da sua residência e lhe pediu que fosse colocar o lixo no contentor e averiguasse o que se passava, tendo saído de casa, colocado o lixo no contentor e quando regressava já ao portão, apareceu um carro que parou e de onde saiu o indivíduo que o abordou.

 Ainda a este propósito, também não se vê que a credibilidade das declarações do assistente possa ficar afectada pela circunstância de, como afirmou, a perguntas da Ilustre Mandatária do recorrente, que passados 10 a 15 minutos do encontro inicial, quando estava a carregar a mala do seu carro, o indivíduo que o havia abordado regressou ao volante do seu veículo, fazendo para si gestos intimidatórios.

É que a natureza da agressão física anteriormente perpetrada conjugada com o subsequente afastamento do agressor do local, em circunstâncias normais, não poderiam razoavelmente, ter causado no assistente um estado de perturbação tal, que o impedisse de continuar a sua actividade diária.  

d. Relativamente à falta de exame e/ou relatório médico que, dando conta da observação de lesões corporais, corrobore a prática da agressão descrita pelo assistente, sendo verdade que assim é, igualmente é sabido que se a ofensa ao corpo não pode ser insignificante ou irrelevante, nem sempre a acção respectiva tem que deixar sinais observáveis para que, de acordo com um critério objectivo, se conclua pela relevância da ofensa isto é, a acção de desferir uma bofetada no rosto da vítima, ou um soco ou um pontapé no seu corpo, ou mesmo o acto de empurrar causando desequilíbrio, ainda que não deixem lesões físicas observáveis, são aptas a traduzir uma ofensa tipicamente relevante.

Por isso, o teor do ponto 2 dos factos provados [murro no peito do assistente, causando-lhe dor na zona atingida] não resulta probatoriamente afectado pela circunstância de não existir relatório médico corroborante.

e. Relativamente à falta de credibilidade da testemunha C... na descrição da agressão que disse ter presenciado por, alegadamente, ser impossível que a tivesse visto, atenta a sua posição relativamente ao local onde ela, agressão, terá tido lugar, com ressalva do respeito devido, cremos que não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, afirmando o recorrente, como premissas da sua conclusão, que a testemunha se encontrava numa janela do 1º andar, à altura de cerca de 3 metros, e distava do local onde se encontravam, na rua, o assistente e o cidadão que o interpelava, não se vê como se possa razoavelmente concluir que, não sendo conhecida qualquer deficiência de visão ao observador, este, colocado num ponto mais elevado do indivíduo a identificar, e a cerca de 30 metros deste, em pleno dia, sem obstáculos a cortarem o ângulo de visão [pelo menos, não foram referidos], estando o referido indivíduo de rosto descoberto e durado o avistamento vários segundos, era impossível ao observador efectuar a identificação.

f). Tendo o Mmo. Juiz a quo qualificado as declarações do assistente e o depoimento da testemunha C... como coerentes, circunstanciados, objectivos, convincentes e credíveis, sendo óbvia a respectiva razão de ciência, e não existindo, pelas razões sobreditas, motivos que, objectivamente, possam abalar a qualificação feita, uma vez que a testemunha E... , pelo depoimento prestado facultou ao recorrente um alibi, colocando-o, no dia dos factos, na v (...) , é evidente que não lhe restou outra alternativa que não fosse desconsiderar probatoriamente este depoimento [cujo registo gravado a Relação ouviu, onde a testemunha afirmou recordar-se da presença do recorrente na v (...) na semana de 18 a 24 de Novembro de 2013 porque na sexta-feira, dia 15 do mesmo mês, tinha feito a escritura do apartamento onde vive, deslocação que o recorrente fez sozinho pois a companheira e filha da testemunha só na sexta-feira seguinte, portanto, a 22 de Novembro, foi para a v (...) ].

Assim, não carecia de maior explicação o segmento «Na defluência de todo o exposto, não nos impressiona que a testemunha E... , progenitora da companheira do arguido, tenha corroborado a versão deste no sentido de, no dia 22-11-2013, se encontrar na v (...) , sendo fácil inferir o comprometimento da mesma com aquela versão que, de resto, não foi sustentada por qualquer outro elemento probatório.» que consta da motivação de facto da sentença em crise.

5. Em suma, o erro de julgamento invocado pelo recorrente resulta de uma diferente valoração probatória relativamente à feita pelo tribunal a quo, sendo certo que os meios de prova especificados são insusceptíveis de impor diferente decisão, não se descortinando na valoração feita pela 1ª instância, exposta na motivação de facto, que tenha sido desrespeitado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C. Processo Penal, não existindo, portanto, razão objectiva para proceder à modificação da decisão de facto no sentido pretendido pelo recorrente.

Invoca no entanto o recorrente, a violação do princípio in dubio pro reo – entre outras, conclusões 37, 41, 42 e 46 – alegando que, não sendo possível determinar, face à prova produzida, sem margem para dúvidas, que participou na agressão, tais dúvidas, sérias, deveriam ter sido valoradas a seu favor e conduzir à sua absolvição.

Vejamos.

O pro reo – em necessária articulação com o princípio da presunção da inocência, previsto no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa – dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao juiz que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Assim, se produzida a prova, na mente do julgador subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se-lhe proferir uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.

Na fase de recurso, a demonstração da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, aferida pelo texto da sentença, devendo, por isso, resultar dos termos desta, de forma clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

Porém, a dúvida relevante para este efeito não é a dúvida que o recorrente entende que existe e deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, em conformidade com a apreciação que dela, por si [recorrente], foi feita, mas apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.

Contrariamente ao que parece ser pressuposto pelo recorrente, a pluralidade de versões não faz, necessariamente, intervir o princípio, já que este se suporta nem efectivo juízo de dúvida inultrapassável.

Acontece que, lida a sentença recorrida, muito particularmente, a sua motivação de facto, dela não resulta que o Mmo. Juiz a quo tenha ficado na dúvida quanto aos factos, impugnados pelo recorrente, que considerou provados. Pelo contrário, ali se mostra claramente exposto o processo lógico e razoável que conduziu à certeza alcançada sobre os mesmos, sendo certo que também não descortinamos qualquer razão objectivamente válida para entender que o Mmo. Juiz deveria ter permanecido na pressuposta dúvida inultrapassável.

Em conclusão, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo nem, por via dele, a presunção de inocência constitucionalmente consagrada.

Deste modo, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, nos termos em que o foi pela 1ª instância.


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            Da dispensa de pena

            6. Alega o recorrente – conclusões 47 e 48 – que, a entender-se que praticou o crime de ofensa à integridade física simples, a pena de multa de € 980 é desajustada, desproporcionada e injusta, sendo que, não resultando provada qualquer lesão física resultante da agressão, estarão preenchidos os pressupostos de aplicação da dispensa de pena.

            Com ressalva do respeito devido, não tem razão o recorrente.

            A apurada conduta do recorrente preenche o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal. E pela prática deste crime foi condenado nos autos. 

Por outro lado, é certo que não consta dos factos provados da sentença que da agressão descrita no ponto 2 dos mesmos factos tenha resultado para o assistente qualquer lesão física, v.g., qualquer ferida, arranhão, contusão ou hematoma. 

A dispensa de pena prevista no nº 3 do art. 143º do C. Penal para além da verificação de um dos seus dois requisitos, depende ainda da verificação dos requisitos gerais do instituto, previstos no art. 74º do mesmo código (excepção feita à medida da pena aí mencionada).

Pois bem. Apesar de não estar provada qualquer lesão física causada pela agressão, esta provocou um dano na integridade física do assistente, dano obviamente susceptível de reparação e/ou compensação, mas que o recorrente não reparou. Não está, assim, verificado o requisito geral previsto na alínea b) do nº 1 do art. 74º do C. Penal.

Por outro lado, face aos factos provados, o recorrente não sofreu qualquer lesão pelo que, não houve lesões recíprocas, nem exerceu retorsão pelo que, inverificados estão também os requisitos específicos da dispensa de pena, previstos nas alíneas a) e b) do nº 3 do art. 143º do C. Penal.

Em conclusão, não estando verificados os pressupostos gerais e específicos da dispensa de pena, não pode o recorrente dela beneficiar.


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Da excessiva medida da pena e do excessivo quantitativo diário da multa

7. Alega o recorrente – conclusões 47, 49 e 50 – que a sua condenação numa pena de multa de € 980 é injusta e desproporcionada, tendo o tribunal errado no que concerne à sua condição económica e às suas condições pessoais, , em muito excedendo o quantitativo fixado às suas capacidades económicas e financeiras, sendo certo que a gravidade do ilícito, a sua personalidade, a sua actividade profissional a sua integração social e familiar e as baixas exigências de prevenção, deveriam conduzir a outra ponderação. No corpo da motivação o recorrente nada mais acrescentou, limitando-se à repetição do teor das conclusões indicadas.

Vejamos.

Não obstante as diversas referências de natureza teórica feitas à determinação da medida da pena e seus critérios legais, aparentemente, o recorrente apenas parece pretender sindicar a o quantitativo global da pena de multa e portanto, a taxa diária para o efeito fixada.

Apesar disso, por mera cautela, e de forma breve, analisaremos a medida da pena de multa fixada.

a. Como é sabido, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo). Concordantemente, estabelece o art. 71º, nº 1 do mesmo diploma que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

São assim tópicos da operação da escolha e determinação da pena, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente portanto, fins de prevenção – geral e especial – e a sua limitação pela medida da culpa do agente. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a culpa, dirigida ao agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). Por isso, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no já referido art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, tal determinação, tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável, é feita ponderando as exigências de prevenção geral e especial, a medida da culpa do arguido e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor (sendo meramente exemplificativa a lista constante do citado nº 2).

Dito isto.

O crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º, nº 1 do C. Penal é punível com prisão até três anos ou com pena de multa.

            A 1ª instância optou pela aplicação da pena não privativa da liberdade, opção que não integra o objecto do recurso [sendo, aliás, correcta], e decretou a pena de oitenta dias de multa.

            Tendo em conta que a moldura abstracta da pena de multa é, in casu, de 10 a 360 dias (art. 47º, nº 1 do C. Penal), considerando que o grau de ilicitude do facto não foi elevado, que não foram graves as suas consequências, que o recorrente agiu com dolo intenso porque directo, que não revelou juízo crítico quanto ao desvalor da sua conduta, que não tem antecedentes criminais e está inserido familiar, laboral e socialmente, tudo como se considerou na sentença em crise e ainda que o recorrente violou os deveres que para si decorrentes da qualidade de membro de uma força policial, acrescendo serem medianas as exigências de prevenção geral e baixas as de prevenção especial, a pena decretada, porque situada, praticamente, no ponto médio entre 1/8 e ¼ da moldura abstracta referida, sendo branda, é proporcional, adequada à realização do fim da pena e perfeitamente suportada pela medida da culpa do recorrente pelo que, não merecendo censura, é de manter.

            b. Atentemos agora no quantitativo diário da pena de multa que o recorrente considera excessivo.

A determinação do quantitativo diário da pena de multa obedece ao critério fixado no art. 47º, nº 2 do C. Penal. Na sua aplicação não pode esquecer-se que a multa é uma pena criminal e que, por isso, deve a sua aplicação constituir sempre um sacrifício para o condenado mas nunca, implicar a quase absoluta privação de rendimentos do condenado, tornando-o incapaz de prover à sua subsistência e do seu agregado familiar.

Aqui haverá, no entanto, que ter também presentes os mecanismos que a lei prevê, susceptíveis de atenuarem aquele sacrifício a limites de razoabilidade, como seja, o pagamento em prestações.

Pois bem. Estando provado que o recorrente aufere a remuneração mensal líquida de cerca de € 1500, vive com a mulher, também empregada, com o vencimento equivalente ao salário mínimo, suporta o agregado a prestação mensal de € 500 de empréstimo bancário contraído para aquisição de ´habitação própria, e que as despesas médias mensais, incluindo a prestação da casa, ascendem a € 1500 [pontos 8 a 11 dos factos provados], donde resulta que os rendimentos líquidos mensais do agregado familiar [cerca de € 2000 mensais] excedem em € 500 os encargos mensais [cerca de € 1500], considerando ainda os referidos mecanismos de flexibilização do pagamento da multa, entendemos que o quantitativo diário fixado pela 1ª instância observa o critério legal, sendo, por isso, de manter.    

Vem provado que a recorrente aufere o vencimento mensal de € 600 e vive só, sendo o cônjuge empregado de restaurante, no Luxemburgo, onde aufere a quantia mensal de € 1.000.

Sendo facto notório que a recorrente tem que satisfazer as suas necessidades básicas tais como, alimentação, vestuário, saúde, água, energia eléctrica, eventualmente, gás, e não podendo deixar de estranhar-se o rendimento do cônjuge [em 2015, o salário mínimo no Grão Ducado do Luxemburgo ultrapassava os € 1.900 mensais], o que temos por certo é que a sua situação económica e financeira é remediada.

Assim, a taxa diária de € 7 fixada pela 1ª instância é razoável e plenamente respeitadora do critério legal, sendo por isso, de manter.


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            Da excessiva indemnização fixada

            8. Alega o recorrente – conclusão 51 – que deve ser absolvido do pedido de indemnização civil ou, assim não se entendendo, ser reduzido o montante indemnizatório, por excessivo. No corpo da motivação nada mais se acrescentou quanto a este aspecto.

Como questão prévia, cumpre dizer que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada (art. 400º, nº 2 do C. Processo Penal).

            O assistente e demandante civil, no pedido de indemnização deduzido, peticionou a título de danos, patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de € 2500. A sentença recorrida condenou o recorrente e demandado civil no pagamento ao assistente e demandante civil, por danos não patrimoniais sofridos, da quantia de € 400.

            O art. 44º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) fixa a alçada, em matéria cível, dos tribunais de 1ª instância em € 5.000.

            O pedido deduzido pelo assistente e demandante civil é inferior à alçada da 1ª instância e a decisão impugnada é desfavorável para o recorrente em valor inferior a metade da alçada.

Assim, não sendo admissível recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, não pode a Relação, nessa parte, dele conhecer.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCS. (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


Coimbra, 28 de Fevereiro de 2018


Heitor Vasques Osório (relator)


Helena Bolieiro (adjunta)